sexta-feira, 14 de maio de 2004

Catolicismo e Materialismo I

Convém meditar sobre estas palavras de António Telmo, um dos poucos autores sobreviventes do (intencionalmente) desprezado movimento da Filosofia Portuguesa:

«O ódio que muita gente alimenta em relação aos sacerdotes não resulta tanto de observar a hipocrisia com que alguns ofendem a nossa seriedade moral e religiosa. Eles funcionam como o nosso superego e, nessa qualidade pelo menos, têm nas mãos as chaves dos Céus e dos Infernos. Tornam-nos conscientes do nosso medo. E, se acaso alguém, em vez de ódio, sente respeito e até veneração, o motivo não andará longe de ser o mesmo.
Portadores efémeros da vida, há em nós uma exigência de que as coisas não sejam assim. É-nos difícil compreender e aceitar que a porta dos Infernos tenha sido obra do eterno amor e que seja eterna.
Desta perspectiva, é possível tornar clara a razão por que os nossos poetas e filósofos, sem excepção - falamos evidentemente dos maiores -, tenham abandonado o catolicismo à procura do caminho da liberdade. Não da liberdade política ou mesmo simplesmente religiosa, mas da liberdade que nos liberte de Deus, matendo e aumentando a ideia de Deus. Os espíritos vulgares preferem seguir o caminho do materialismo: depois desta vida é o nada; a consciência é um epifenómeno da matéria que dura enquanto perdura um determinado arranjo de moléculas. É o materialismo uma doutrina de cobardes e de gente de pouca imaginação e nenhuma inteligência. O que é desconcertante é que pessoas de alta espiritualidade e de alguma coragem se comportem perante a morte e durante a vida numa atitude em tudo equivalente à dos materialistas, perturbados apenas por vagos sentimentos de natureza moral. "Pensaremos nisso depois"; "depois logo se vê como é". Na verdade vivemos como se fôssemos imortais. Como se fôssemos eternos.»
- Filosofia e Kabbalah, páginas 137 e 138.

Bernardo

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