quinta-feira, 5 de agosto de 2004

O Evangelho de Tomé e o "sagrado feminino"

Todos temos tido contacto recente com leitores do best-seller "O Código Da Vinci", de Dan Brown. Uma das "teorias" avançadas neste romance pouco inocente é o de que os evangelhos apócrifos são mais genuínos que os evangelhos canónicos de Mateus, Marcos, Lucas e João que foram incorporados no cânone do Novo Testamento. Além disto, os adeptos destas "teorias" (que frequentemente não as vêem como "teorias" mas sim como factos) costumam dizer que um importante conjunto destes evangelhos apócrifos, conhecido como "textos de Nag Hammadi" (local no Egipto onde foram descobertos em 1945), ou "evangelhos gnósticos", traz importante informação em relação ao que eles chamam de "sagrado feminino", ou "culto da Deusa", ou seja, que Jesus teria casado com Maria Madalena, e que esta teria sido escolhida para liderar a Igreja após a morte de Jesus. No seguimento desta "teoria", a Igreja Católica (evidentemente "malévola" ao ponto de querer "esconder a verdade") teria feito tudo para a substituir por Pedro, que se asseguraria de que o "culto da Deusa" ficaria sepultado para a posterioridade.

Mas um dos trechos dos evangelhos gnósticos que é menos citado pelos nossos entusiastas do "sagrado feminino" é este trecho do Evangelho de Tomé, que contradiz imediatamente a "teoria" de que o "culto da Deusa" está presente nestes evangelhos:

"Disse-lhes Simão Pedro: que Maria se aparte de nós porque as mulheres não são dignas da Vida. Disse-lhes Jesus: Vede, eu mesmo a guiarei, para fazer dela macho, para que também ela seja um espírito vivo, semelhante a vós machos, pois cada mulher que se tornar macho irá para o reino dos céus." - Evangelho de Tomé, 51:18 (660) a 51:26 (668).

Fonte:
http://www.geocities.com/Athens/9068/log114.htm

(obter primeiro o ficheiro de fonte copta "coptic2.ttf", e colocar este ficheiro em c:\windows\fonts)

Antes de se pronunciarem sobre os evangelhos apócrifos em geral, e sobre os evangelhos gnósticos em particular, e antes de começarem a disparatar sobre os "segredos que a Igreja escondeu", algumas pessoas deveriam começar por se interrogar porque é que a Igreja recusou considerar estes textos como parte integrante do cânone bíblico.

As razões para esta recusa são:

a) razões teológicas, e
b) razões históricas.

Por um lado, o lado teológico, estes textos estão prenhes de heresia gnóstica (não me é possível desenvolver aqui e agora o que é esta heresia e porque é que é uma heresia), por outro lado, pelo lado histórico, estes textos estão temporalmente distantes da vida de Jesus (foram todos compostos a partir do século II d.C, ao contrário dos evangelhos canónicos que pertencem ao século I d.C., sendo S. João o mais tardio e que por vezes é datado até no máximo aos primeiros anos do século II d.C.), e por isso, os factos da vida de Jesus que lá vêm relatados são duvidosos e menos credíveis que os que foram (por essa razão e por outras) incluídos no cânone do Novo Testamento.

O Evangelho de Tomé pertence ao grupo de textos achados no Egipto, em Nag Hammadi, em 1945. Apesar de escritos em cóptico, não se faça confusão! Estes textos não pertencem à Igreja Copta, uma Igreja desde há séculos em cisma com a Igreja Católica, mas que nada tem a ver com a heresia do gnosticismo. Mais ainda, importantes membros e dirigentes da Igreja Copta tiveram um papel fundamental na luta contra as heresias gnósticas. Os evangelhos gnósticos foram muito provavelmente elaborados por seguidores de líderes gnósticos como Valentiniano, nascido em Alexandria por volta do ano 100 d.C. Deverão ter sido escritos em Alexandria ou em comunidades vizinhas. Alexandria foi um importante centro na difusão do gnosticismo.

A minha sugestão para todos os interessados seria:

1. Tentar aceder às fontes directas dos evangelhos apócrifos: há imensos sites na internet com o texto original em cóptico (caso dos textos de Nag Hammadi) e aramaico (caso dos textos de Qumran), e com as devidas transliterações e traduções para inglês;

2. Tentar aceder à documentação da Igreja Católica (textos conciliares, obras patrísticas, compêndios anti-heresia, etc.) para compreender quais foram as razões desta condenação da Igreja aos textos gnósticos, e a homens como Valentiniano.

Bernardo

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