sábado, 27 de janeiro de 2007

Aborto com Fond de Teint

São muitos os que têm contribuído de forma empenhada na discussão do tema que está de novo na ordem do dia, o aborto... ou a IVG para os mais metafóricos... Uns mais famosos que outros, uns mais objectivos que outros, a verdade é que este tema interpela a esmagadora maioria dos Portugueses e parece contamina-los com uma energia democrática refrescante.

O mais recém-chegado ao já vasto leque de participantes nesta pré-campanha, foi o justamente famoso Ricardo Araujo Pereira, afirmando-se um apoiante incondicional da liberalização do aborto.

Sou um espectador assíduo do tipo de humor que ele pratica, mas confesso que fiquei desiludido pela forma, ou melhor pelos argumentos que o RAP utilizou para fundamentar a sua posição. Dizia ele que “as mulheres que praticam o aborto não são criminosas, por isso não devem ir parar à prisão e têm o direito de praticar o aborto nos locais próprios para as intervenções médicas”.

Não é mesmo um argumento original, aliás com uma ou outra nuance é o mais batido de todos. Não que um argumento seja mais ou menos válido pela sua originalidade ou, como neste caso, pela falta dela. O fundamental é que seja pertinente, fundamentado e que ajude a esclarecer diferentes pontos de vista. Manifestamente o nosso ilustre companheiro esqueceu-se de tudo isso e preferiu qualquer coisa mais light...

Senão vejamos! A lei actual prevê que mulheres que pratiquem o aborto, possam ser condenadas até 3 anos de prisão. A mesma lei não diz; mulheres que pratiquem aborto são automaticamente condenadas à prisão. Talvez seja por isso que não exista nenhuma mulher presa por ter cometido aborto. Isto, em si, não significa que tenhamos um país hipócrita que tem leis que não são para cumprir. Significa antes que temos um quadro de juízes responsáveis que compreendem a lei e perante ela consideram as diversas atenuantes, ou falta delas, durante o processo de julgamento.

Acredito profundamente que a justiça Portuguesa tem por objectivo uma pedagogia, no sentido de responsabilizar quem interferiu gravemente na liberdade de outros e, ao mesmo tempo, de o dotar de competências que lhe permitam não repetir o mesmo erro. Posição manifestamente contraria à de alguns trogloditas com assento parlamentar, que proclamam o fim da humilhação das mulheres em tribunal. Fica a questão... Será que as mulheres até agora julgadas foram efectivamente humilhadas pelo tribunal ou pelas feiras montadas à porta deles? E quem são os responsáveis pela montagem dessas feiras?

Contudo, parece-me que o essencial não se centra em nenhuma destas questões medíocres que gravitam em torno deste tema dramático e tão dolorosamente real. O que é realmente importante discutir são as alternativas que possibilitem outros caminhos que não o aborto.

É do senso comum, embora também esteja documentado em diversos estudos, que a esmagadora maioria das mulheres optam pelo o aborto só em situações de extremo limite e que dessas mulheres, mais de 80%, após praticarem o aborto, ficam com problemas psíquicos graves.

Ou seja, a esmagadora maioria dos cidadãos Portugueses, mulheres e homens, consideram que o aborto é sempre um mal mas, por vezes, por diversos factores incontornáveis torna-se um mal dolorosamente necessário que estariam dispostos a evitar se encontrassem alguma solução.

Portanto, considero inaceitável que a única resposta que a sociedade Portuguesa encontre para esta questão seja exactamente aquela que empurra os casais, mulheres e homens para aquilo que manifestamente não querem, o aborto, através da sua liberalização. Essa posição revela uma sociedade fraca, cobarde e egoísta, que a única coisa que pretende é lavar as mãos, de forma grosseira, de um flagelo que é o aborto clandestino. Por outras palavras emendar um grande erro com um erro ainda maior.

Eu quero acreditar que temos um Estado corajoso, que tenha competências para apoiar os principais grupos de risco... mães solteiras ou famílias sem recursos financeiros. Mães que por alguma razão se sintam pressionadas, por condenações sociais ou qualquer outro tipo de pressão.

É aqui que reside o fundamental deste debate. Encontrar soluções que possam dotar o Estado Português de ferramentas que lhe permitam apoiar de forma activa e relevante as mulheres e famílias em situações criticas.

Ao contrário do que tem sido veiculado, a liberalização do aborto não vai acabar com o aborto clandestino, não vai baixar o índice de aborto, pelo contrário, não vai proteger as mulheres... nem as mais ricas nem as mais pobres... nem as mais velhas nem sequer as mais novas. A liberalização não é resposta para nada porque não combate a base, as causas que levam ao aborto.

Acredito firmemente que é a lei que serve a sociedade e não a sociedade que serve a lei, isto de uma forma geral e abstracta. Penso que neste caso, como em tantos outros, a lei pode ser melhorada, actualizada, como aliás a Maria Rosário Carneiro pretendeu fazer. Mas isto não significa a ausência de lei. Isso sim, nunca é solução.

Em suma, o aborto é um caminho de sofrimento que em si carrega um enorme sentimento de culpa. O seu carácter irreversível torna-o ainda mais repressor, como uma espécie de condenação de muitos casais, de muitas mulheres e homens à mais profunda e desesperada infelicidade. O importante é combatê-lo com todas as nossas capacidades e não escondê-lo sob a forma de uma qualquer cirurgia inofensiva sem consequências sociais, éticas ou psíquicas.

Um abraço,

Duarte Fragoso.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Questões e afirmações comuns sobre o aborto

Para tentar chegar a mais pessoas, fiz um resumo ainda mais resumido dos argumentos contra o direito ao aborto, no contexto deste referendo. Tem apenas três páginas e está na forma de pergunta ou afirmação, e respectiva resposta.

O texto chama-se Porquê votar "Não" - Questões e afirmações comuns.

É evidente que, sendo uma síntese, há muito que fica por dizer.
Contudo, ajuda a transmitir depressa as ideias-chave da boa argumentação pelo "não".

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Versão 3 do argumentário já está disponível

Esta terceira versão contém alterações e adições importantes:

1. Um dos capítulos existentes na versão completa ("Não há alternativas ao aborto?") foi totalmente escrito de novo, melhorado e ampliado. Agora chama-se "O drama humano e social do aborto", e passou a estar presente também na versão resumida do texto.

2. Na versão completa do texto, foi adicionada uma análise cuidadosa ao Acórdão n.º 617/2006 do Supremo Tribunal, datado de 15 de Novembro de 2006, no qual se considera (erradamente a meu ver) constitucional a pergunta a submeter a referendo no próximo dia 11 de Fevereiro. Esta análise encontra-se no capítulo 3.1, "O estatuto jurídico da vida humana intra-uterina", sendo que os importantes textos de voto de vencido dos seis magistrados que votaram contra a constitucionalidade da pergunta foram anexados à versão completa do texto (novo "Anexo A").

Infelizmente, muitos não conhecem este documento e não sabem que ele foi aprovado por sete votos contra seis. Visto que a pergunta foi considerada constitucional apenas pela margem tangente de um voto, não será que é legítimo duvidar da decisão tomada? Será que uma composição ligeiramente diferente do colectivo de magistrados teria gerado uma conclusão de sentido oposto, e nem sequer haveria lugar a referendo?

Foi também feita uma correcção muito importante: nas versões anteriores, eu considerava erradamente como "excepções à ilicitude ética do aborto" os dilemas médicos presentes nas gravidezes de risco que comportam risco de vida para a mãe.
Contudo, graças à valiosa correcção feita pelo meu amigo José Maria André, alterei o texto de ambas as versões em vários sítios, visto que não é correcto usar-se o termo "aborto" em sentido ético para estes casos médicos. O debate ético do aborto prende-se com o sentido moral do termo "aborto", ou seja, só tem a ver com os abortos desejados e praticados voluntariamente. Não se prende com o aborto por causas naturais ou acidentais, ou seja, inimputáveis a uma vontade humana.
Para além disto, com a recolha de informação que efectuei, tudo indica que no estado actual da tecnologia médica, não existem situações nas quais um médico só possa salvar a mãe abortando voluntariamente a gravidez. E por isso, em vários pontos, o texto foi também corrigido nesse sentido.

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Autismo? Talvez antes cinismo e oportunismo...

Fernanda Câncio, entusiasmada pela possibilidade de ter "tocado na ferida":

«o motivo é óbvio: josé policarpo causou grande consternação nas hostes do não. a sua mensagem (a primeira de cinco anunciadas, a segunda das quais se esperava para ontem e não apareceu no site do patriarcado -- e porquê?) mostra a profunda divisão da própria hierarquia da igreja católica.»

Depois da distorção materializada no seu artigo no DN, Fernanda insiste, pelos vistos naquilo que é insustentável: que ela interpretou bem o texto do Cardeal-Patriarca. Profunda divisão na hierarquia? Acerca do "não matarás"? De facto, é algo "confuso" e "polémico", a contestação do "não matarás" no seio da hierarquia da Igreja...

Mas isto continua!

«(...) as dúvidas (sic!) de policarpo, a sua preocupação com o aborto clandestino e portanto com os valores da vida real -- e não apenas da vida com v grande, abstracta e ideológica, que é a única coisa que parece ralar uma parte, a mais virulenta, dos apologistas do não -- honra-o e mostra que é acima de tudo um humanista (negrito meu)

Imagino a satisfação do Senhor Cardeal-Patriarca ao ser presenteado com este elogioso (mas sarcástico) epíteto de Fernanda Câncio... Note-se que a jornalista insiste no autismo, ao falar das "dúvidas de Policarpo", como se a sua manipulação de fontes não tivesse sido praticada no maior dos descaramentos.

Para quem gosta de desonestidade, cinismo, sarcasmo, sugiro a "pérola" final:

«policarpo não podia, sendo quem é e representando o que representa, dizer mais do que disse. o dilema moral que tão bem expõe no seu texto, pleno de contradições e com algumas passagens duvidosas (que indicação é aquela à polícia judiciária de que fala? quem a deu? e, a existir, como é que cardeal sabe dela?) é mais do que suficiente para revelar o que ele realmente pensa. voltarei a este assunto.»

Voltará ao assunto?
Mal podemos esperar...
Será mais um belo naco de material opinativo de primeira água, fiel às fontes, rigoroso, isento, nada oportunista, nada falso!

Carta aberta a Fernanda Câncio

Cara Fernanda Câncio,

É sempre uma tristeza ver alguém deturpar deliberadamente uma fonte.
Contudo, foi o que você fez, ao escrever o seu artigo de opinião no DN, "O Cardeal do dia seguinte". Vou assumir duas coisas em relação a si:

a) leu o texto do Cardeal-Patriarca de 7 de Janeiro, pois faz referência a ele

b) sabe ler em português corrente

O seu artigo no DN é uma bárbara demonstração do que é fazer uma citação descontextualizada.
Infelizmente, isto está longe de ser uma prática rara relativamente à hierarquia da Igreja Católica nos tempos que correm.
Como terá reparado, se leu o texto original, o Cardeal-Patriarca não está a invocar razões para votar "NÃO". Está, tão somente, a pegar numa das razões do "SIM", a tal razão de tentar "acabar com o aborto clandestino", para ver se essa razão vinga. O Cardeal-Patriarca está a emitir a sua opinião acerca de tal argumento, tentando chegar a uma noção mais equilibrada do que será o aborto clandestino, e da sua verdadeira dimensão (bem diferente da dimensão dos propagandistas). Vamos ler, para variar, o bloco em questão, conforme o Cardeal-Patriarca o escreveu, e não conforme a Fernanda o leu:

«2. Os motivos que parecem justificar esta proposta legislativa, vamo-nos apercebendo deles nas diversas declarações de governantes, de partidários da lei, de movimentos a favor do “sim”.
* Parece ser a busca de uma solução para o drama do aborto clandestino. Que ele existe e é um drama, é uma realidade. Mas qual a sua dimensão? O várias vezes anunciado estudo sobre esta realidade nunca foi realizado. O cruzamento dos métodos anticonceptivos com os métodos abortivos e as soluções químicas para a interrupção da gravidez fizeram diminuir a realidade do aborto de “vão de escada”. Esta nova realidade traz a decisão de abortar para o campo da liberdade pessoal e da consciência e não é razão para esta alteração na Lei. Não quero, com o que acabo de dizer, negar a realidade do “aborto clandestino”. Penso só que era preciso tipificar melhor a realidade, nas suas dimensões evolutivas, antes de propor à decisão dos portugueses uma tão grave alteração legal.»


A Fernanda sabe ler, não sabe? Então veja lá se não é claro que o texto à frente do "*" está a comentar uma das razões do "SIM".

Entende que comentar uma razão do "SIM" é diferente de argumentar pelo "NÃO"?

Entende que o Cardeal Patriarca não está a concordar com nenhum método anticonceptivo, com nenhuma solução química, com nenhum método abortivo?

Não vislumbro nenhumas "dúvidas" no texto do Cardeal Patriarca, nem sequer a antecipação do seu tão desejado "dia seguinte".

Só vislumbro as suas próprias dúvidas, Fernanda Câncio, e isto se eu quiser ser bem intencionado. Escreve que vale a pena dissecar as afirmações do Cardeal-Patriarca? No seu caso, dissecar rima com deturpar!

Se eu quiser ser mais maldoso (realista?), direi que a Fernanda não tem quaisquer dúvidas acerca do texto que leu. Apenas escreveu um péssimo e distorcido artigo de opinião. O objectivo?
Bem nítido: fazer mais pessoas confusas votarem "SIM", por vislumbrarem, no seu texto de opinião, umas inexistentes "dúvidas" do Cardeal-Patriarca, e uma inexistente expectativa pelo "dia seguinte", no qual a Igreja Católica irá pactuar com o aborto. Bem pode esperar sentada! O desespero aumenta à medida que caminhamos para 11 de Fevereiro, e com ele vem o "tudo por tudo", não é?
Mas também, as opiniões valem o que valem, certo? Contudo, o que deveria ter valor para si (e para qualquer pessoa) é o acto ético de citar correctamente uma fonte... Independentemente de uma referência distorcida e deturpada ao texto do Cardeal-Patriarca favorecer claramente o resultado que deseja.
Afinal, quantos dos leitores do DN é que irão diligenciar no sentido de ler o texto completo?

Para sua informação, aqui fica o dito:

http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia.asp?noticiaid=41221

Cumprimentos,

Bernardo Sanchez da Motta

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Bizantinices...

«A vida humana é inviolável.» – Constituição da República Portuguesa, Artigo 24.º (“Direito à vida”), ponto 1.

Dir-se-ia que o Tribunal Constitucional teria como suprema função e objectivo o de proteger os bens plasmados na nossa Constituição, na Constituição da República Portuguesa. Bens tão importantes como o do consagrado "direito à vida", acima citado. Infelizmente, as "modas ideológicas" não deixaram de exercer os seus efeitos sobre o intelecto de sete dos magistados do Tribunal Constitucional, os que aprovaram a pergunta que irá a referendo a 11 de Fevereiro próximo, como se pode atestar pelo perfeito exemplo de bizantinice abaixo apresentado (existem mais exemplos, este é apenas um dos mais ilustrativos):

33. Dir-se-á ainda que a argumentação que considera existir uma total desprotecção da vida intra-uterina na possibilidade de opção pela interrupção voluntária da gravidez nas primeiras dez semanas, negando existir qualquer ponderação de valores no método dos prazos, rejeita que a liberdade de desenvolver um projecto de vida pela mulher (artigo 26º da Constituição), como expressão do desenvolvimento da personalidade, possa ser um dos valores a harmonizar com a vida intra-uterina. No entanto, a «discordância quanto ao modo como se faz a ponderação ou a harmonização não justifica a afirmação da inexistência de ponderação ou harmonização.
E não se trata de admitir que uma “privacy”, como direito constitucional a abortar livremente, prevaleça sobre a vida do feto, mas antes reconhecer que, para efeitos de punição, num tempo delimitado, a liberdade de opção da mulher possa impedir a intervenção do Direito Penal.
Desta forma, sem divergir, no essencial, da linha de orientação dos Acórdãos nºs 25/84 e 85/85 quanto à dignidade da vida intra-uterina como bem jurídico protegido pela Constituição, independentemente do momento em que se entenda que esta tem início, sempre se reconhecerá – tal como fez o Acórdão nº 288/98 – que a presente pergunta não pressupõe o abandono da protecção jurídica da vida intra-uterina e se coloca no plano de uma ponderação de valores e mesmo de uma harmonização, concordância prática, coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito, de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação a outros. Apenas se terá de concluir que à liberdade de manter um projecto de vida é dada uma superior valoração, nesta primeira fase, para efeitos de não-punição, sem que isso queira e possa implicar “abandono jurídico” da vida intra-uterina.


Vale a pena ler o texto do Acórdão n.º 617/2006 na íntegra, para vermos até onde é que o intelecto de uma parte dos nossos magistrados é capaz de ir para se acomodar às modernas "modas intelectuais", para aceitar a flagrante inconstitucionalidade da pergunta que vai a referendo...
Para sermos justos, reconheçamos o elevado profissionalismo e sentido de responsabilidade dos seis magistrados que votaram vencidos: Rui Manuel Moura Ramos, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Paulo Mota Pinto, Benjamim Rodrigues, Mário José de Araújo Torres e Carlos Pamplona de Oliveira. A eles, o meu sincero obrigado pelo valioso serviço que prestam à Nação.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Porque não anestesiar os fetos?

(Este texto sofreu alterações profundas e adições posteriores, em virtude de a sua redacção original conter partes menos claras, que permitiam interpretações erradas)

Os Estados Unidos da América, como é sabido, são, em muitas matérias, como que uma "bola de cristal" para outros países. Ou seja, nos EUA sucede quase tudo aquilo que vai suceder noutros lugares do mundo que partilhem da mesma cultura ocidental.
Em 1973, o caso Roe vs. Wade marcou o início do aborto livre nos EUA.
Quase vinte e quatro anos depois, preparamo-nos, com a próxima vitória do "sim" a 11 de Fevereiro, para cometer o erro que os EUA cometeram em 1973.
E, curiosamente, no preciso momento em que se notam, nos mesmos EUA, mudanças profundas na forma de encarar o aborto.
Convém ler o trabalho publicado neste blogue, da autoria de Francisco Menezes:

http://1aborto.blogspot.com

No fim do trabalho, há uma transcrição muito interessante de uma moção apresentada na Câmara dos Representantes a 19 de Setembro de 2006, ou seja, há pouco mais de três meses. Vejamos o objectivo da moção apresentada (ver o texto completo no blogue de Francisco Menezes):

HR 6099 IH
109th CONGRESS
2d Session
H. R. 6099
To ensure that women seeking an abortion are fully informed regarding the pain experienced by their unborn child.
IN THE HOUSE OF REPRESENTATIVES
September 19, 2006
Mr. SMITH of New Jersey (for himself, Mr. ADERHOLT, Mr. AKIN, Mr. BACHUS, Mr. BARTLETT of Maryland, Mr. BLUNT, Mr. BOEHNER, Mr. BOOZMAN, Mr. BOUSTANY, Mr. BURGESS, Mr. BURTON of Indiana, Mr. CANNON, Mr. CANTOR, Mr. CARTER, Mr. CHABOT, Mr. DAVIS of Kentucky, Mrs. JO ANN DAVIS of Virginia, Mr. DAVIS of Tennessee, Mr. LINCOLN DIAZ-BALART of Florida, Mr. MARIO DIAZ-BALART of Florida, Mr. DOOLITTLE, Mrs. DRAKE, Mr. EHLERS, Mrs. EMERSON, Mr. FERGUSON, Mr. FORTENBERRY, Ms. FOXX, Mr. FRANKS of Arizona, Mr. GARRETT of New Jersey, Mr. GOODE, Mr. HENSARLING, Mr. HERGER, Mr. HOEKSTRA, Mr. HUNTER, Mr. ISTOOK, Mr. SAM JOHNSON of Texas, Mr. KENNEDY of Minnesota, Mr. KING of Iowa, Mr. LAHOOD, Mr. LATHAM, Mr. TERRY, Mr. LEWIS of Kentucky, Mr. MANZULLO, Mr. MCCAUL of Texas, Mr. MCCOTTER, Mr. MCHENRY, Mr. MELANCON, Mr. MILLER of Florida, Mrs. MUSGRAVE, Mrs. MYRICK, Mr. NEUGEBAUER, Mr. PENCE, Mr. PICKERING, Mr. PITTS, Mr. RADANOVICH, Mr. RAHALL, Mr. RENZI, Mr. ROGERS of Michigan, Ms. ROS-LEHTINEN, Mr. RYAN of Wisconsin, Mr. RYUN of Kansas, Mr. SHADEGG, Mr. SOUDER, Mr. TIAHRT, Mr. WESTMORELAND, Mr. WILSON of South Carolina, and Mr. GARY G. MILLER of California) introduced the following bill; which was referred to the Committee on Energy and Commerce
A BILL
To ensure that women seeking an abortion are fully informed regarding the pain experienced by their unborn child.
(negrito meu)

Afinal, se os estados mais avançados do mundo em termos de ética defendem a anestesia dos animais antes de estes serem mortos nos matadouros, porque razão não se anestesiam os fetos antes de serem abortados? Esta moção tem como objectivo louvável o de informar a mãe, que tenciona abortar num estágio avançado da sua gravidez, do facto de o seu feto sentir dor durante o processo abortivo.
Do que pude ver, nesta campanha portuguesa, onde muitos falam e poucos têm razão, ainda ninguém tinha levantado esta pertinente questão!
A luta por este elementar direito, o direito do feto a não sentir dor enquanto é eliminado, não deveria gerar objecções nos defensores do direito ao aborto, sobretudo porque tal direito já é reconhecido, por muitos, aos animais que são abatidos para consumo.
Para evitar mal-entendidos, visto que o presente referendo em Portugal tem como prazo temporal as dez semanas, torna-se difícil recorrer a este argumento para defender a votação no "não".
Por um lado, este argumento não visa directamente o mal ético de abortar.
Por outro lado, pode não ser possível provar que neste estágio (a organogénese termina às oito semanas, e os primeiros órgãos do sistema nervoso surgem por volta das sete semanas) o embrião sente dor como nós a sentimos (1). O tálamo está presente às sete semanas, e há provas de respostas motoras do embrião a estímulos sensoriais. Contudo, o conceito de dor é, obviamente, mais abrangente do que apenas a reacção a estímulos sensoriais. Há que avaliar se o estímulo sensorial é classficado pelo embrião ou pelo feto como negativo (doloroso ou incómodo) ou positivo (agradável). A questão é controversa e complexa. Contudo, é uma questão que não deve ser deixada de fora quando se analisa a situação do acesso livre ao aborto em termos gerais.
Sobretudo se considerarmos que pode fazer sentido recorrer a anestesia, mesmo que se venha a provar que existe uma diminuta possibilidade de o embrião ou feto sentirem a dor como nós a sentimos. Em caso de dúvida, mais vale fazer algo para evitar o risco, mesmo que eventualmente seja diminuto, de a vítima do aborto sentir dor. O que não se pode negar é que o embrião começa a reagir a estímulos sensoriais às sete semanas, para tal apenas bastando a presença do tálamo, visto que o cortex (ainda inexistente às dez semanas usadas no referendo) não é essencial para a reacção a estímulos.

(1) Sobre esta questão, ver este estudo científico acerca da dor fetal: Fetal “Pain” — A Look at the Evidence. No entanto, existem estudos contraditórios: Fetal Pain, e Can fetuses feel pain?. Esta lista, evidentemente, não é exaustiva.

Versão 2 do argumentário já está disponível

Graças às valiosas correcções e sugestões que fui recebendo de várias pessoas generosas, publico hoje a segunda versão dos textos de argumentação contra o direito ao aborto.
Uma novidade importante: na versão completa, foi introduzido um capítulo com informação detalhada acerca do início da vida humana, nomeadamente contendo uma descrição científica do processo de fertilização. São tecidas considerações éticas acerca de cada passo deste processo.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

O que é um aborto?

Após ter terminado um extenso documento com argumentação racional e objectiva acerca do erro ético de abortar, é chegada a altura de reservar algum espaço para a realidade pictórica e física do que é abortar.
Eu considero fundamental a visualização de imagens de abortos, para aqueles que têm dúvidas acerca da ética do aborto, ou para aqueles que defendem o direito ao aborto.
Parece-me, simplesmente, "conversa da treta" afirmar que o recurso a estas imagens é "terrorismo" ou um apelo desonesto às emoções.

Por um lado, não me sinto minimamente preocupado com a eventual acusação de apelo às emoções: argumentei de forma racional acerca das razões para não se abortar e para não se permitir o aborto, e fi-lo sem recurso a argumentos emocionais.

Por outro lado, também deixei bem claro no meu texto que a ilicitude do recurso a imagens apenas se verifica quando as imagens não correspondem à realidade do aborto, ou quando, por alguma razão, distorcem em maior ou menor grau a realidade do aborto.

A seguir, podem ser vistas várias fotografias de abortos efectuados por médicos qualificados em ambiente clínico controlado:

Galeria cronológica de fotografias

A seguir, pode ser visualizado um vídeo explicativo acerca dos procedimentos cirúrgicos mais usados para efectuar um aborto. A explicação é feita por um médico especializado, o Dr. Anthony Levatino, que efectuou para cima de um milhar destas operações, antes de se arrepender de vez:

Vídeo explicativo das duas principais técnicas modernas de aborto

Depois de consultar este material, sente-se normalmente uma forte sensação de repulsa. Se não sentir nada, então deverá consultar um médico.
Se sentir um efeito de repulsa, de revolta, de asco, então estará tudo bem consigo.
É que os seres humanos vêm equipados, na maioria dos casos, com mecanismos de auto-defesa, bem como de defesa de outros membros da própria espécie. Esses mecanismos comportam-se de forma mais notória quando o que está em jogo é a protecção a um ser humano em desenvolvimento. Para aqueles que acreditam no evolucionismo, tal reacção de revolta faz parte do nosso insinto inato de protecção daqueles que são da nossa espécie, e será algo que está embutido no nosso património genético.
O nojo que sentimos com a visualização destas fotografias e destes vídeos é um nojo genuíno: a reacção inata de repúdio perante a morte brutal de um ser humano indefeso e inocente.
Por vezes, uma imagem vale mais do que mil palavras.
Se leu os meus textos, nas versões resumida e completa, e mesmo assim está com dúvidas, veja as fotografias, veja o vídeo. Pode ser que ajude...

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Argumentário contra o direito ao aborto

Ao longo dos últimos meses, tenho evitado os debates na Internet acerca do aborto para me poder focar na escrita de um texto que servisse de argumentário contra o direito ao aborto.
O texto está terminado, e está disponível em duas versões, uma versão resumida (com 23 páginas) e uma versão com o texto completo (104 páginas).
O texto completo possui a seguinte estrutura:

- Introdução
- Contexto jurídico
- Falácias comuns na argumentação contra o direito ao aborto
- Falácias comuns na argumentação pelo direito ao aborto
- A Ética do Aborto (análise de vários momentos-chave e artigos éticos sobre o aborto)
- Conclusão
- Apêndice: A IPPF e as suas afiliadas
- Apêndice: A "contracepção de emergência" é abortiva?

Todo o texto foi escrito sem recurso a argumentação de tipo religioso ou transcendente. Procurou-se usar argumentação objectiva e lógica que pudesse ser defendida por qualquer pessoa racional, independentemente de possuir ou não algum tipo de crença religiosa.
Ao longo das próximas semanas, à medida que me forem sendo sugeridas alterações ou correcções, é natural que aqui sejam disponibilizadas (ver lado direito da janela) versões actualizadas destes textos.