segunda-feira, 31 de maio de 2010

Vida artificial?

Anda tudo eufórico com as descobertas da Synthetic Genomics, de Craig Venter. Uns andam justamente eufóricos, pois trata-se de um avanço científico digno de comemoração. Outros andam felizes da vida, convencidos de que Craig Venter acabou de destruir a tese cristã de Deus Criador.

Como é sabido, Craig Venter não criou vida artificial. Ele substituiu o ADN natural de um micro-organismo (a levedura) por ADN sintético. E a nova célula, assim modificada, reproduziu-se como qualquer célula natural. O entusiasmo da equipa de Venter tem que se lhe diga: ao final de algumas gerações do processo reprodutivo deste micro-organismo em ambiente adequado, já não resta material da célula natural original. Por isso, um observador mais distraído, e menos treinado filosoficamente, poderia achar que se tinha criado vida artificial. Mas em bom rigor, Venter e a sua equipa transformaram uma forma de vida natural numa nova forma de vida com ADN artificial (sintetizado). Não partiram do zero. Nem de matéria inanimada. E o resultado final não é matéria inanimada: é vida.

Qualquer estudante de teologia cristã sabe que o conceito cristão de Criação, acto atribuído a Deus, corresponde a fazer surgir algo do nada ("ex nihilo"). Deste modo, é absurdo pretender que esta descoberta da equipa de Craig Venter belisca, sequer ao de leve, a noção cristã de Criação. Mesmo que tivesse sido criada vida artificial a partir de matéria inanimada (o que não é o caso), mesmo assim, não se poderia falar em criação "ex nihilo". O cristão, sobretudo o católico, não tem quaisquer problemas doutrinais ou filosóficos com esta descoberta, ou mesmo com uma possível descoberta futura de um processo para criar vida a partir de matéria inanimada.

Por outro lado, a legítima alegria por esta descoberta científica notável deve ser temperada com o bom senso e com a prudência. Um dos mais bem informados e esclarecidos testemunhos acerca dos prós e dos contras desta descoberta provém de Gregory E. Kaebnick, investigador do The Hastings Center (ver notícia aqui):

Written testimony of Gregory E. Kaebnick to the House Committee on Energy and Commerce

Deve-se ler este depoimento com atenção. Kaebnick tem toda a razão no que diz. A linha de investigação aberta por Venter e equipa não deve ser restringida pelo Governo norte-americano. Não coloca problemas éticos imediatos. No entanto, como Kaebnick avisa, de forma lúcida, há perigos e riscos bem reais nos horizontes de aplicação desta tecnologia, assim como há potenciais ganhos para a ecologia e para a medicina. A solução passa por permitir a investigação científica, mas ao mesmo tempo, sujeitá-la a rigorosos controlos e auditorias e a um amplo debate científico, ético e político.

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