sábado, 27 de novembro de 2010

Sim, sim, não, não

«Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal», Evangelho segundo São Mateus, 5, 37.

Dada a confusão que grassa em alguns meios anticatólicos, cá vai um rápido "catholic doctrine for dummies":

1. A moral católica é contra o preservativo?
Não.
A moral (em geral, não só a católica) incide sobre actos e não objectos.

2. A moral católica é contra o uso do preservativo para fins contraceptivos?
Sim.
A moral católica considera imoral qualquer tipo de acção que vise impedir a natural fertilidade humana.

3. A moral católica é contra as relações sexuais fora do contexto do matrimónio?
Sim.

A moral católica considera que a sexualidade humana tem a sua expressão natural e legítima apenas no contexto de uma união matrimonial fiel entre um homem e uma mulher: no amor total, fiel, exclusivo e fecundo entre um homem e uma mulher.

4. O Papa considera errado o uso do preservativo no combate à SIDA?
Sim.


4.a) Porque não é eficaz a combater o fenómeno: não reduz, e até aumenta, a frequência dos comportamentos de risco

4.b) Porque a SIDA dissemina-se, sobretudo, pela promiscuidade sexual, sendo que a moral católica considera imoral essa promiscuidade (ver ponto 3); a Igreja defende que o combate à SIDA passa pelo combate à promiscuidade sexual.

5. A moral católica considera imoral o uso de preservativos por prostitutas ou prostitutos?
Sim.


5.a) Porque a moral católica considera imoral a prostituição, e todo o sexo fora do contexto do matrimónio

5.b) Porque a moral católica também considera imoral o objectivo contraceptivo que possa existir nesse uso do preservativo

6. Bento XVI considerou justificado o uso de preservativos por prostitutas ou prostitutos?
Não.

Bento XVI considerou que, em certos casos, "a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer". Se o Papa falou em "um primeiro passo para a moralização" é sinal de que esse primeiro passo ainda não é moral, e que o comportamento do prostituto ou da prostituta é moralmente inaceitável.

7. Mas Bento XVI não usou a palavra "justificado" ao descrever a utilização do preservativo por um prostituto"?
Não.


7.a) Há um problema com a tradução do texto original alemão para português; a frase original, em alemão, é "Es mag begründete Einzelfälle geben, etwa wenn ein Prostituierter ein Kondom verwendet...", de onde se retira a palavra "begründete" que se deve interpretar como "fundamento"; ora "fundamento", no original, retira à frase todo o peso que ela teria se a palavra fosse "justificado", uma palavra com forte conotação moral; o fundamento ao qual o Papa alude está relacionado com esse uso ser "um primeiro passo para a moralização" (ver ponto 6).

7.b) Se o Papa diz, logo a seguir no texto, que "É evidente que ela [a Igreja] não a considera uma solução verdadeira e moral", então seria uma contradição ler a palavra "fundamento" como se fosse uma justificação moral, pois se uma solução (o uso do preservativo) não é nem verdadeira nem moral, não pode ser justificada.

PS: Ler o excelente artigo do Padre Joseph Fessio acerca deste problema de tradução: Guestview: Did the Pope “justify” condom use in some circumstances?

4 comentários:

O Insuspeito disse...

Olá :)

Permitam-me que publique, com as devidas referências este post também no meu blogue.

Um abraço e, mais uma vez, parabéns pelo óptimo trabalho que fazem!

Espectadores disse...

Caro "O Insuspeito",

Bem-vindo!
Claro que permitimos. Até agradecemos a divulgação!
Note apenas que, depois do seu comentário, o "post" original foi aumentado em mais duas questões.

Um abraço,

Bernardo

Unknown disse...

A propósito do seu ponto 1, um excerto do longuíssimo e interessante post no blog Contraimpugnantes:

" (...) diga-se primeiramente o seguinte: no tocante ao mal que é o pecado (a corrupção do ato humano por um defeito na vontade), certas circunstâncias podem não apenas agravar a espécie do pecado, como podem até mudar o seu gênero. Mas o que é uma circunstância? Ouçamos novamente Santo Tomás: “Chama-se circunstância ao que cerca um ato, como se fosse um ato exterior considerado como extrínseco ao ato principal. Isto se dá por parte da causa final, quando consideramos por que se produziu algo; por parte do agente principal, quando consideramos quem o produziu; e por parte do instrumento, quando consideramos com que instrumento ou mediante que meios o ato se produziu” (De Malo, I, art.6, resp.). Neste luminoso artigo, o Aquinate mostra que a circunstância pode, sim, agravar o pecado dentro de uma mesma espécie, e até fazê-lo mudar de gênero.

Aqui, portanto, nos referimos à camisinha justamente como circunstância instrumental que serve materialmente ao pecado de onanismo. Tanto é assim que o uso do preservativo já foi chamado com muita razão por alguns teólogos do século XX de “onamismo artificial”, enquanto o “onanismo natural” seria o coitus interruptus com vistas a não permitir a ejaculação do sêmen no vaso natural apto a recebê-lo. Ademais, diga-se ainda no caso da camisinha que o fim para o qual ela foi inventada é intrinsecamente mau (impedir a contracepção, tendo como efeito colateral estimular uma vida hedonística em que o sexo vira um fim em si, portanto totalmente contrária aos costumes cristãos). Aqui, trata-se de um instrumento feito para contribuir materialmente com um ato humano contrário à lei eterna e à lei natural, pois perverte não apenas o sexo, no que diz respeito aos seus fins, mas alcança também a parte física, na medida em que o sêmen é impedido de alcançar a função natural para a qual Deus o fez.

Ademais, um instrumento feito para servir à ação má pode ser dito — sim! — mau. Para deixar as coisas ainda mais claras, tomemos como exemplo um produto erótico de um sex shop que, embora possa causar acidentalmente um bem (o gozo físico, o qual não pode ser dito mau em si), o faz de forma desordenada e totalmente contrária à lei divina e à lei natural, captada pela razão humana quando esta não está desvirtuada ou obnubilada por vícios. Ou algum teólogo católico ousaria dizer que um produto de sex shop não pode ser dito intrinsecamente mau do ponto de vista moral? E o mesmo se pode indagar acerca de um símbolo satanista, etc.

Outra coisa: embora o mal que é o pecado só se possa dar nos atos humanos, o mal que é a privação de bem na substância pode dar-se também nas coisas, na medida em que estas se corrompem em seus princípios entitativos. Ao nosso teólogo escapou esta distinção, pois certamente se a manejasse não concluiria que o mal se dá apenas nos atos humanos, porque sob outro prisma pode dar-se também o mal nas coisas. No caso da camisinha, podemos ainda acrescentar que ela, embora não seja o mal em si (que não existe), é má em seus fins. Considerá-la boa com relação aos meios (mesmo acidentalmente, como no caso de servir para evitar um contágio por vírus HIV) é justificar os meios pelos fins... E o problema que suscitou toda essa polêmica mundo afora, lembremos, é que o Papa Bento XVI dissera o seguinte: em alguns casos, o uso do preservativo pode ser considerado o primeiro passo rumo à moralização. Mas perguntemos: no contexto de que moral? Uma moral descatolicizada que não se subordina in primis à lei eterna, ou, quando o faz, é acidentalmente — e uma subordinação acidental é na verdade uma não-subordinação essencial. "

Espectadores disse...

Caro visitante "Que",

Penso que estamos apenas a discordar em torno de minúcias. Com o meu ponto 1, quis apenas dizer que um objecto, qualquer objecto, em si mesmo, é moralmente neutro. Pode ser usado para o bem ou para o mal. Alguns objectos, pela sua concepção, podem ser de tal forma que não se vislumbre como poderiam permitir um uso bom (é o caso do preservativo), mas mesmo assim, o objecto em si mesmo não tem valor moral. Apenas o seu usuário.

Cumprimentos,

Bernardo Motta