quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Pink Floyd - Sorrow



Um clássico de sempre: Sorrow, dos Pink Floyd. Um tema composto por David Gilmour para o álbum A Momentary Lapse of Reason (1987), aqui tocado na digressão dos Pink Floyd após o álbum The Division Bell (1994). Numa altura em que o estilo "rock" é tão mal-tratado em subprodutos de plástico e de má qualidade, é sempre bom revisitar os músicos sérios e profissionais que ajudaram a criar as estruturas de muita da música contemporânea que outros tentam imitar.

Porventura isso irritará algum fã não cristão dos Pink Floyd, mas eu, como cristão, não consigo deixar de fazer uma leitura cristã da letra deste tema. Gilmour, que nunca se achou grande poeta, dando sempre a Roger Waters a primazia no que respeitava a letras, esmerou-se neste Sorrow:

The sweet smell of a great sorrow lies over the land
Plumes of smoke rise and merge into the leaden sky:
A man lies and dreams of green fields and rivers,
But awakes to a morning with no reason for waking

He's haunted by the memory of a lost paradise
In his youth or a dream, he can't be precise
He's chained forever to a world that's departed
It's not enough, it's not enough

His blood has frozen and curdled with fright
His knees have trembled and given way in the night
His hand has weakened at the moment of truth
His step has faltered

One world, one soul
Time pass, river roll

And he talks to the river of lost love and dedication
And silent replies that swirl invitation
Flow dark and troubled to an oily sea
A grim intimation of what is to be

There's an unceasing wind that blows through this night
And there's dust in my eyes, that blinds my sight
And silence that speaks so much louder than words,
Of promises broken


Que tem isto de cristão?

A música Sorrow pode ser interpretada como uma metáfora para as trevas do pecado, para o Homem em situação de Queda, após o Pecado Original. A primeira estrofe, que principia com uma quase citação de John Steinbeck ("The decay spreads over the State, and the sweet smell is a great sorrow on the land.", da obra "The Grapes of Wrath", em português, "As Vinhas da Ira"), reflecte o desânimo do Homem perante a obra da Morte, que entrou no Mundo por causa do pecado de Adão e Eva. O Homem, mergulhado num mundo da cor do chumbo, recorda-se dos rios e dos campos verdes de um paraíso perdido (não sabe se da sua infância, ou da infância da Humanidade, se de um sonho) enquanto contempla uma realidade desoladora: a realidade do seu presente de ser caído. A recordação do paraíso perdido, e a sensação de queda, de incompletude, a sede do infinito, a sede de Deus, são todos sentimentos humanos universais, multi-culturais, e não é por acaso que muitos artistas, mesmo não provenientes da tradição judaico-cristã, os evocam.

Não me atrevo a supor intenções cristãs em David Gilmour. O que se passa é que, dado que o cristianismo é a coisa mais humana que existe, no sentido de Cristo nos mostrar o que ser humano tem de melhor, e no sentido de o cristianismo nos contar a história verdadeira sobre a Humanidade, então sempre que um artista sério, com a sua obra honesta, toca no âmago do ser humano e da existência humana, ele não pode evitar o produzir algo de verdadeiramente cristão, mesmo que involuntariamente.

PS: É quase escusado dizer, mas o minucioso "tricotado" que Gilmour faz com a sua Fender Stratocaster nas várias versões do "solo" de Sorrow é algo que ficará para sempre nos anais da música. Gilmour é um poderoso comunicador, e se a letra de Sorrow não está nada má, a sua música diz coisas infindáveis e indescritíveis por palavras.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Viver na ilusão

A Palmira Silva, no final de Novembro, rejubilou com a "cache" jornalística acerca das famosas declarações do Papa Bento XVI sobre o preservativo, no recente livro-entrevista de Peter Seewald intitulado "Luz do Mundo". Como sempre, reagindo a quente, e suportando-se apenas em notícias, Palmira comentou as declarações do Papa, por ela interpretadas como legitimando o uso do preservativo no combate à SIDA, da seguinte forma: "nunca se viu tamanha revolução na doutrina do Vaticano", "drástica alteração de posição em relação ao preservativo" e ainda "reviravolta revolucionária no combate à SIDA". A coisa chegou ao ponto de a Palmira chegar a escrever: "urge a aplicação no terreno desta nova doutrina". Apesar de que a doutrina que ela queria ver aplicada não era doutrina cristã, mas sim uma sua distorção, é bizarro ver um ateu apoiar a aplicação, "no terreno", de uma (qualquer) doutrina cristã.

Quando eu a tentei avisar de que ela estava errada na sua leitura distorcida das palavras do Papa, tive esta resposta: "recomendo que releia as explicações do Vaticano".

Pois, com algum atraso, mas com muito boa vontade, foi o que eu fiz ontem à noite. Mas eu não sou culpado pelo atraso, pois apenas ontem à noite saiu a Nota da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a banalização da sexualidade a propósito de algumas leituras de «Luz do Mundo»

Eis alguns excertos, mas recomendo a leitura da Nota na sua totalidade:


"Algumas interpretações apresentaram as palavras do Papa como afirmações em contraste com a tradição moral da Igreja; hipótese esta, que alguns saudaram como uma viragem positiva, e outros receberam com preocupação, como se se tratasse de uma ruptura com a doutrina sobre a contracepção e com a atitude eclesial na luta contra o HIV-SIDA. Na realidade, as palavras do Papa, que aludem de modo particular a um comportamento gravemente desordenado como é a prostituição (cf. «Luce del mondo», 1.ª reimpressão, Novembro de 2010, p. 170-171), não constituem uma alteração da doutrina moral nem da praxis pastoral da Igreja.
(...)
A propósito, o Santo Padre afirma claramente que os preservativos não constituem «a solução autêntica e moral» do problema do HIV-SIDA e afirma também que «concentrar-se só no preservativo significa banalizar a sexualidade», porque não se quer enfrentar o desregramento humano que está na base da transmissão da pandemia.
(...)
Alguns interpretaram as palavras de Bento XVI, recorrendo à teoria do chamado «mal menor». Todavia esta teoria é susceptível de interpretações desorientadoras de matriz proporcionalista (cf. João Paulo II, Encíclica Veritatis splendor, nn.os 75-77). Toda a acção que pelo seu objecto seja um mal, ainda que um mal menor, não pode ser licitamente querida. O Santo Padre não disse que a prostituição valendo-se do preservativo pode ser licitamente escolhida como mal menor, como alguém sustentou. A Igreja ensina que a prostituição é imoral e deve ser combatida. Se alguém, apesar disso, pratica a prostituição mas, porque se encontra também infectado pelo HIV, esforça-se por diminuir o perigo de contágio inclusive mediante o recurso ao preservativo, isto pode constituir um primeiro passo no respeito pela vida dos outros, embora a malícia da prostituição permaneça em toda a sua gravidade. Estas ponderações estão na linha de quanto a tradição teológico-moral da Igreja defendeu mesmo no passado."


Como se vê, nada mudou na doutrina da Igreja. Como todo o observador atento e instruído sempre tinha dito e defendido.

Antes de prosseguir, que fique claro que este meu "post" não materializa um ataque pessoal à Palmira Silva. Ela foi apenas uma de muitas pessoas que, profundamente desconhecedoras da realidade cristã, leram nas palavras do Papa aquilo que tanto queriam ler, em vez de lerem nas palavras do Papa o que o Papa realmente disse. Por esse mundo fora, e em Portugal também seria fácil encontrar centenas de exemplos, as vozes levantaram-se em júbilo: uma parte importante da moral cristã mudara! Um jornal chegou a exclamar: "Pope OK's condoms!". Surreal...

Claro que isso era impossível. Qualquer observador e conhecedor atento ao cristianismo, independentemente de ser cristão, agnóstico ou ateu, teria duvidado, imediatamente, da interpretação errada que os "media" propagaram. Por isso, o meu objectivo não é um ataque pessoal à Palmira. É um objectivo bem mais modesto, mas mais dirigido às ideias em si e não às pessoas. É que um anticristianismo suportado na ignorância não será eficaz, nem hoje, nem amanhã, nem nunca. De forma superficial, eu poderia ficar satisfeito quando muito do anticristianismo que se faz hoje em dia é deste calibre, feito com base na ignorância. Mas não fico. Porque a ignorância é contagiosa. Porque muita gente leu as leituras erradas das palavras do Papa. Porque muitos leram as observações ignorantes daqueles que se julgam conhecedores destes temas. Mas poucos, muito poucos, irão ler a importante Nota da Congregação para a Doutrina da Fé. Quem já vive segundo padrões morais errados vai ficar muito satisfeito com esta aparente "reviravolta" na moral da Igreja. E é tentador preferir uma mentira cómoda a uma verdade incómoda.

O erro tende a propagar-se como um vírus. Já a verdade é tramada de expor e defender.
Sinceramente, eu acredito que a Palmira Silva, e com ela muita gente, acreditou que a posição da Igreja tinha mudado. Por isso, não vejo má vontade alguma na reacção dela, e de muitos outros, a esta "polémica". Mas é uma reacção triste. É viver na ilusão, e levar outros com ela nessa ilusão.

É tempo de as pessoas apaixonadas pela causa anticristã aprenderem a lição: o cristianismo é uma coisa complexa, e não se ataca convenientemente um adversário sem o conhecer. A ignorância é uma espada romba. Pior: a ignorância pode ser um tiro no pé. Como neste caso.

Aproveito ainda esta oportunidade para lançar um aviso: aos anticristãos deparados com este tiro no pé, não vale a pena enveredar pela via clássica, pois ela já é velha e gasta. Refiro-me à tirada clássica da dicotomia anticristã que opõe um "Papa bom" a um "Inquisidor-mor mau". Essa tirada usou-se à saciedade aquando do papado de João Paulo II: o Papa era o "bom", e Ratzinger, o "Inquisidor-mor", era o mau da fita, que estava sempre a estragar as intenções boas do Papa João Paulo II.

Algum anticristão mais distraído poderia tentar essa jogada velha: Bento XVI, coitado, teria tentado mudar a doutrina arcaica da Igreja, mas aquele "Inquisidor-mor" malvado do William Levada teria destruído, com esta Nota repressiva, as intenções boas de Bento XVI. Mas isto, provavelmente, não vai acontecer. Porque poucos anticristãos sabem quem é William Levada...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

We Three Kings of Orient Are



Um cântico tradicional do Natal, composto pelo episcopaliano Rev. John Henry Hopkins, Jr. (1820–1891), norte-americano natural de Pittsburgh. Quem canta é o coro do King's College, em Cambridge, num arranjo de Martin Neary.

1.
We three kings of Orient are
Bearing gifts we traverse afar.
Field and fountain, moor and mountain,
Following yonder star.

Refrão:
O Star of wonder, star of night,
Star with royal beauty bright,
Westward leading, still proceeding,
Guide us to Thy perfect light.

2. Melchior.
Born a King on Bethlehem's plain,
Gold I bring, to crown Him again,
King for ever, ceasing never,
Over us all to reign.

3. Gaspar.
Frankincense to offer have I,
Incense owns a Deity nigh.
Prayer and praising, all men raising,
Worship Him, God most High.

4. Baltazar.
Myrrh is mine, its bitter perfume
Breathes a life of gathering gloom;
Sorrowing, sighing, bleeding, dying,
Sealed in the stone-cold tomb.

5.
Glorious now behold Him arise,
King and God and sacrifice,
Alleluia, Alleluia;
Earth to the heavens replies.

PS: A partitura pode ser obtida aqui.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Acreditar na existência do Diabo é irracional?

O Ricardo Silvestre acha que sim. Insistindo na generalização de determinados aspectos de determinadas religiões, o Ricardo considera que a crença católica na existência do Diabo é uma "irracionalidade religiosa". A generalização é perigosa, pois há muitas religiões que não acreditam na existência do Diabo, e é sempre arriscado adjectivar em bloco "as religiões" quando elas são muito diferentes entre si.

O que o Ricardo critica, neste seu texto, é a alusão recente de Bento XVI a Satanás como estando na origem do mal, alusão nada surpreendente, dado que a crença na existência do Príncipe do Mal é essencial ao credo cristão. O Ricardo acha irracional, essa crença.

O que não está explicado, no texto do Ricardo, é o porquê. Porque é que o Ricardo acha irracional acreditar que o Diabo existe? Será que é porque ele não se vê? É porque se trata de uma hipótese cientificamente indemonstrável? Ora bolas, mas o princípio lógico da não-contradição também é algo que não se vê e que não se demonstra cientificamente, e no entanto, é bem real.

Onde é que está a irracionalidade?
Será que se apoia no materialismo ateu? Já se sabe que os ateus são, regra geral (não todos), materialistas, ou seja, postulam a inexistência de seres imateriais (obviamente, a energia aceitam-na como existente, mas matéria e energia são aspectos de uma mesma realidade material).
Mas dado que não se demonstra cientificamente a inexistência de seres imateriais, só restaria ao ateu demonstrar a irracionalidade da existência de seres imateriais. E é aí que todo o ateu falha, quer por não tentar essa demonstração, quer não ter sucesso quando a tenta fazer.

Na Suma Teológica, o "expert" de razão cristã, São Tomás de Aquino, trata da questão da existência de seres incorpóreos, ou seja, imaterais:

«É necessário admitirem-se certas criaturas incorpóreas. Pois, o que Deus principalmente visa, nas coisas criadas, é o bem, que consiste ao assemelhar-se com Ele. Ora, a perfeita assimilação do efeito com a causa se dá quando aquele imita a esta segundo a virtude pela qual a causa produz o efeito; assim o cálido produz o cálido. Ora, Deus produz a criatura pelo intelecto e pela vontade, como já ficou dito. Donde, para a perfeição do universo se requer existam algumas criaturas intelectuais. Inteligir, porém, não pode ser ato do corpo, nem de nenhuma virtude corpórea, porque todo corpo está situado no lugar e no tempo. Por onde, é necessário admitir-se, para que o universo seja perfeito, a existência de alguma criatura incorpórea. Mas os antigos, ignorando a virtude intelectiva e não distinguindo entre o sentido e o intelecto, opinaram que nada existe no mundo, fora o que pode ser apreendido pelos sentidos e pela imaginação. E como a imaginação só percebe o corpo, opinaram que nenhum ente, além do corpo, pode existir, como diz o Filósofo. Donde procedeu o erro dos Saduceus dizendo que não há espírito (At 23, 8). Mas o fato mesmo de ser o intelecto superior ao sentido prova racionalmente que há certos seres incorpóreos compreensíveis só por aquele.» - Artigo 1º, Questão 50 da Primeira Parte.

Que há de irracional nisto?
Trocado para linguagem moderna, São Tomás explica que o intelecto, também presente no Homem, não pode ter origem material. Filosoficamente, isso está bem demonstrado. É impossível, filosoficamente, explicar aspectos centrais do intelecto humano, como a capacidade de raciocinar, a capacidade de pensamento abstracto, ou ainda o livre arbítrio, se não se postular que o ser humano é um "composto" de matéria e de intelecto. No que diz respeito ao cérebro material, este é necessário para o inteligir do Homem (como via para processar a informação sensorial, e também como "banco de memória"), mas não seria suficiente para explicar o intelecto. O cérebro, sendo material, não chega para explicar todas as faculdades do intelecto humano, pelo que tem que existir algo de imaterial no ser humano para as explicar.

Assim, é fácil, pensando filosoficamente, chegar à conclusão de que há, no ser humano, um aspecto imaterial que está presente, pelo menos, no seu intelecto. São Tomás, partindo do conceito cristão de Deus, faz o raciocínio certo: se Deus, puro e perfeito intelecto, cria as criaturas pelo Seu intelecto e vontade, então, na criação de algumas das criaturas poderá haver uma perfeita ligação entre causa e efeito, sendo que esse efeito (a criação das criaturas mais perfeitas), terá que ter algo semelhante à causa. É assim racional pensar que existirão criaturas dotadas de intelecto e de vontade, que dessa forma espelhem o intelecto e a vontade de Deus. O ser humano é uma dessas criaturas. Adicionalmente, tem na sua existência a componente corpórea. Mas porque não existiriam criaturas de intelecto e de vontade, mas sem a componente corpórea? Chama a tradição, a essas criaturas, "anjos".

Que há então de irracional nisto?
Os anjos, seres dotados de intelecto e de vontade, têm liberdade, uma das propriedades que decorrem da vontade. Terão maior liberdade quanto mais perto estiverem da perfeição divina, pois Deus é sumamente livre. Entenda-se aqui que, apesar de ser necessária a liberdade para cometer o mal, essa mesma opção traz como consequência a escravidão do agente moral, pois o acto maligno é um passo que reduz a liberdade da criatura. Os anjos terão também maior perfeição moral e espiritual quanto mais pertos estiverem de Deus, pois só Deus é sumamente perfeito.

Que é, então, um demónio?
É um anjo que usa a sua vontade livre para desobedecer a Deus.
Que é, então, o Diabo?
É, do conjunto dos demónios, aquele que exerce a liderança e a predominância nessa desobediência a Deus.

Isto é irracional? De que forma?
Muitos ateus vivem presos a uma visão mitológica do cristianismo. Como raramente estudam o cristianismo, ou a teologia cristã, ou mesmo conceitos elementares de Filosofia, agem sobre conceitos distorcidos de cristianismo. Já dizia o Papa João Paulo I:

«Io sono stato molto vicino, come vescovo, anche a quelli che non credono in Dio. Mi son fatto l'idea che essi combattono, spesso, non Dio, ma l'idea sbagliata che essi hanno di Dio.» - Papa João Paulo I, Insegnamenti di Giovanni Paolo I, Libreria Editrice Vaticana, Roma, 1978, citado aqui.

Devem supor o Diabo como um qualquer animal mitológico. Não vêem o Diabo como um ser incorpóreo dotado de intelecto e de vontade livre. Nem sequer entendem que a existência de seres incorpóreos dotados de intelecto e de vontade livre é algo de filosoficamente racional. Mesmo sem entrar no terreno da Teologia, a questão é filosófica e é racional.

Outra coisa que raros ateus chegam a entender, porque simplesmente não procuram entender, é a relação entre Liberdade, por um lado, e Bem e Mal, por outro.
O Bem e o Mal só fazem sentido no contexto da Liberdade. Só quem é livre é capaz de fazer o Bem. Só quem é livre é capaz de fazer o Mal. A própria existência de algo a quem podemos chamar "Bem" ou "Mal" requer a existência de um ser necessário e perfeito, Deus, cuja vontade serve de normativa do "Bem", sendo que a desobediência a esta vontade constitui o "Mal" propriamente dito, como categoria de actos morais errados.

Uma pessoa que peca conscientemente, só o faz porque é livre. Associada a esta liberdade, está a inteligência. Apenas os seres dotados de razão são capazes de tomar decisões livres, ou seja, decisões com valor moral.

Na raiz do acto mau, está a liberdade do Homem. Dado que a própria ideia peregrina de desobedecer a Deus foi tida por uma criatura imaterial, antes de o Homem sequer existir, o Mal surgiu na Criação antes do Homem, e surgiu apenas graças à liberdade que Deus deu às primeiras criaturas inteligentes que criou.

Quando o Diabo, ou outro demónio, sugere, muitas vezes de forma imperceptível, a um ser humano a prática de um mal, essa sugestão é intelectual. O ser humano não ouvirá nada, não verá nada. Simplesmente, nesses casos, é sugestionado ao nível intelectual. Mas o Diabo não tem poder para forçar um ser humano a pecar. O ser humano que, sob sugestão maligna, comete o mal, está na realidade a colaborar com o Mal. Mas é uma colaboração livre. O ser humano continua "ao volante" da sua vontade, e será responsável pelos seus actos conscientes. A própria noção de pecado pressupõe consciência e liberdade na acção pecaminosa. Se alguém é forçado a cometer algo contra a sua vontade, não se pode falar em pecado cometido por essa pessoa.

Note-se que, nos actos humanos maus, nem todos serão influenciados ou motivados por espíritos malignos. Não se deve ir de um extremo (supor a inexistência, ou negar a influência destes seres) a outro (supor que todos os actos humanos malignos decorrem sob influência demoníaca).

Quando tento explicar o que é o Mal a um ateu, ou mesmo a um cristão que nega a existência do Diabo, recorro sempre ao filme 8 Milímetros.



O filme retrata a investigação conduzida por Tom Welles (Nicolas Cage), que a mando de uma viúva que encontrou, no legado do seu falecido marido, um horroroso filme (em película de 8mm) contendo cenas de violação e homicídio, procura os autores criminosos do referido filme. Na cena acima, Tom Welles seguiu a sua investigação até à casa do assassino, o "actor principal" do filme porno-homicida que a viúva lhe mostrou. Ele vai defrontar o assassino.

Na cena final, acima apresentada, o Mal, e o seu efeito no ser humano, estão bem retratados nas palavras da personagem pervertida e criminosa, o sinistro "The Machine", que no final do seu duelo com o investigador Tom Welles, revela-lhe porque razão ele viola e asssassina pessoas inocentes:

"There's no mystery. The things I do, I do them because I like them... because I want to!"

Não encontraria, facilmente, melhor exemplo da ligação profunda entre a prática do mal e a liberdade humana. Como esta história ficcional tão bem exemplifica, muitas vezes não há razões para o mal. Não é a existência do Diabo que é irracional, mas sim a prática do mal. Praticar o mal é irracional, mas é algo bem real, como todos sabemos.

Nesta cena cinematográfica notável, conseguiu-se mostrar a crueza do mal. O assassino parece-se com uma pessoa normal, vulgar, que veríamos na rua sem a temer, sem supormos que ele seria capaz dos actos que comete. Logo no início do excerto acima apresentado, vemos a mãe do assassino (porventura inocente dos crimes do filho) a entrar num autocarro de uma "Faithful Christian Fellowship". Já no final do excerto, durante a luta com Tom, e logo a seguir a retirar a máscara, diz o assassino ao estupefacto Tom: "What did you expect? A monster?". O detalhe magnífico da colocação atrapalhada de uns óculos "inofensivos" confere ao assassino umas aparentes fragilidade e inocência que parecem paradoxais.

Esta cena lembra-nos de que todos podemos praticar o mal, de que não estamos, de todo, imunes à prática do mal. Que a prática do mal, como acto que nasce do intelecto, pode não ter sinais externos facilmente detectáveis: não se julga a bondade ou maldade de uma pessoa pela sua aparência. Ao mesmo tempo, mostra-nos a gratuitidade do mal: o criminoso do filme, "The Machine", fez os crimes porque queria, e só por isso. Ele mesmo diz que não foi maltratado na infância, que não foi abusado sexualmente quando era menor:

"I wasn't beaten, I wasn't molested. Mommy didn't abuse me. Daddy never raped me."

Ele, numa penada, erradica as populares teses sociológicas (que remontam a Rousseau) que fazem do Homem um ser bom, mas que a sociedade por vezes perverte e transforma num ser mau. Este filme mostra o Mal na sua forma crua e bem real. O Mal, não como o produto de uma sociedade degenerada (que, obviamente, pode influenciar ou contextualizar certos actos malignos), mas sim como algo que nasce da liberdade de todo o ser humano.

Deste ponto de vista, há algo de genuinamente satânico, de demoníaco, no comportamento da personagem "The Machine". Não quero com isto dizer que será necessário um assassino deste calibre estar possuído pelo Diabo. Claro que pode estar, mas também pode não estar. Mesmo que não seja o caso de uma possessão demoníaca, a opção livre de um assassino cruel pela via do Mal é algo de genuinamente satânico e demoníaco, pois consiste, precisamente, em cometer o Mal pelo Mal em si mesmo. Pela supremacia da vontade livre sobre a vontade de Deus. Nestes casos, a vontade sobrepõe-se à Justiça, à Razão, à Verdade. A vontade é elevada a um estatuto primordial. A superação da dicotomia entre Bem e Mal, pelo triunfo da vontade humana, é o caminho proposto na modernidade por Nietzsche, mas trata-se do convite de sempre, do convite da serpente:

A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus fizera; e disse à mulher: «É verdade ter-vos Deus proibido comer o fruto de alguma árvore do jardim?» A mulher respondeu-lhe: «Podemos comer o fruto das árvores do jardim; mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: "Nunca o deveis comer, nem sequer tocar nele, pois, se o fizerdes, morrereis"». A serpente retorquiu à mulher: «Não, não morrereis; porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal»., Génesis 3, 1-5.

Até ao dia em que o Homem, pela primeira vez, agiu mal, o Homem não conhecia a distinção entre Bem e Mal. É interessante constatar que Adão e Eva não tinham especial interesse pelo fruto da Árvore do Bem e do Mal até que a serpente lhes prometeu vantagens. A serpente fez nascer em Adão e Eva a vontade de desobedecer a Deus para obterem proveito próprio (neste caso, a sabedoria prometida pela serpente). A serpente sabia bem o que fazia: o essencial não era, de todo, a maçã, ou outro fruto qualquer. O essencial era desobedecer a Deus. Porquê? Porque sim, porque para o Diabo, essa possibilidade é razão suficiente para motivar a transgressão.

Finalmente... porque razão quer Deus criaturas livres?
Porque razão deixou Deus que todas as coisas más acontecessem, e aconteçam?
Por causa do Amor. O amor só é tudo o que pode ser quando é exercido por criaturas livres. O Mal é, assim, um efeito indesejado por Deus, quando Este quer criar criaturas que O amem livremente, e sinceramente. A permissão da existência do Mal é um preço que Deus paga, e bem alto, em nome do Amor. Se Deus impedisse todo o Mal, e teria poder para isso, teria que eliminar, ou pelo menos mutilar seriamente, a liberdade das Suas criaturas.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Schubert - Winterreise (D. 911) - Gute Nacht



O "lied" Gute Nacht, primeiro de um ciclo de 24 "lieder" de Franz Schubert (1797-1828), intitulado Winterreise ("Viagem de Inverno"), musicado sobre a poesia homónima de Wilhelm Müller (1794-1827).

Na voz, o grande barítono Dietrich Fischer-Dieskau (1925-), acompanhado ao piano por Gerald Moore (1899-1987), numa gravação de 1955. Pode-se ler aqui o poema original em alemão, acompanhado da tradução para inglês.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Raul Mesquita na Antena 2

Vinha no carro, a ouvir a Antena 2 na rádio, quando comecei a ouvir uma conversa fiada. Falava-se sobre "ética" e sobre "morais". Segundo o falante, havia uma ética universal (a do "não matarás"), mas ao mesmo tempo, existiam várias "morais", e que era importante "criticar" as morais.

Cheirou-me a relativismo. E era. O entrevistador atalhou: "mas a sociedade não precisa de uma moral?". De forma contraditória, o relativista dizia que sim. Mas depois falava em "morais", e não "numa moral". Se percebi bem, defendia que numa mesma sociedade deveria existir uma moral (que ele distinguia de uma ética universal), e ao mesmo tempo, várias morais, que supostamente se deveriam tolerar na sua diversidade. Bizarro raciocínio. Se moral A diz que a homossexualidade é imoral, e moral B diz que é moral, só se pode aceitar uma delas. Aceitar as duas é dar um tiro na razão.

Por falar em homossexualidade, o relativista fez uma bela apologia da homossexualidade, e da prostituição, coisas que considerou muito boas. Chocou-me, especialmente, a apologia do sexo entre adultos e adolescentes. Ao mesmo tempo que repudiava, aparentemente, a pedofilia (afirmou ser errado o sexo com crianças de 5, 6, ou 8 anos, parando de forma suspeita nesta idade), o relativista, numa das suas tiradas mais viscosas, dizia que havia um "tabu" na sociedade acerca dos adolescentes que gostam de adultos. Defendia, inclusive, a legitimidade de um rapaz de 16 anos se prostituir no Parque Eduardo VII com adultos. Parece-me, a mim, mero espectador, que se trata da apologia desavergonhada do sonho do pedófilo: o de que os menores querem ter sexo com os adultos.

Só no fim da conversa é que ouvi o nome do relativista: Raul Mesquita. Ao que parece, acaba de lançar um livro "contra a hipocrisia". Uma obra assente sobre uma falácia?

Sempre me pasmou a espantosa eficácia da falácia da hipocrisia. Se determinada moral M afirma que acto A é imoral, há gente que julga que pode refutar essa moral usando a "hipocrisia". Segundo esta gente que goza com a inteligência dos outros, se existirem pessoas P que defendam a moral M, ao mesmo tempo que praticam acto A que consideram imoral, então a moral M foi refutada. A (i)lógica é mais ou menos assim: dado que a hipocrisia da pessoa P (que não se contesta) demonstra uma incoerência, na pessoa P, entre a moral M que defende e os seus actos, automaticamente essa incoerência refutou a moral M.

Demonstremos que isto é uma burrada com um contra-exemplo. Suponhamos que a moral M afirma que é errado matar um ser humano inocente, e seja esse o acto A. Então, um pacifista que apregoe a moral M enquanto mata pessoas às escondidas é um hipócrita. Claro. Que concluímos, então? Vamos concluir que a moral M está errada por causa dessa hipocrisia? Claro que não.

Raul Mesquita, posso estar enganado, deixou nas ondas hertzianas da Antena 2 um forte odor a loja maçónica. A sua defesa da "ética universal" e ao mesmo tempo das "morais" fez-me lembrar o relativismo moral da maçonaria. Não é que seja um crime ser-se maçon: é que me irrita esta prepotência de certos maçons, que consiste em usar os "media" para propagar a sua catequese maçónica, ao mesmo tempo que não deixam cair a máscara. Não é uma atitude frontal.

No fim de contas, o que me incomodou mais foi o forte contraste, numa mesma rádio, e com escassos minutos de diferença, entre música barroca de elevada qualidade e a apologia da homossexualidade, da prostituição e do sexo com menores.

Há ateus que não se enxergam

Face à crescente onda de violência anticristã, há ateus que reagem assim:

SOS chrétiens !

E outros que reagem assim:

Totalitarismos e vitimização: a invenção da cristofobia

No primeiro caso, o ateu francês Bernard-Henry Lévy conclui:

«Permis de tuer quand il s’agit des fidèles du « pape allemand » ? Permis, au nom d’une autre guerre des civilisations non moins odieuse que la première, d’opprimer, humilier, supplicier ? Eh bien, non. Il faut, aujourd’hui, défendre les chrétiens.»

Que faz ele?
Simples: defender a ética. Bernard-Henry Lévy considera que matar seres humanos inocentes está mal. E tem razão. Mesmo se esses seres humanos inocentes forem fiéis seguidores do "papa alemão".

No segundo caso, a ateia Palmira Silva dispara:

«Esta nova onda de cristianovitimização que invade o espaço etéreo cristão (...) foi amplificada recentemente quer pela condenação à morte por blasfémia de Asia Bibi no Paquistão quer pelo ataque da al-Qaeda à Catedral de Nossa Senhora da Salvação em Bagdad, que vitimou 70 crentes.»

O massacre de 31 de Outubro é, aos olhos desta ateia militante, um factor ampliador da tal "onda de cristianovitimização", essa mania cristã de inventar mártires. Nojento.

Para mais, a autora nem se dá conta da "matemática" perversa que, de forma subliminar, está a defender:

«Ou que, numa guerra que já matou pelo menos um milhão de pessoas, de acordo com os únicos estudos peer-reviewed, dizer «Our people in Iraq today are persecuted, threatened and suffer martyrdom. Since 2005, 900 Christians have been killed, among them five priests and the archbishop of Mosul» é um insulto à memória das centenas de milhares que morreram nesta guerra abominável.»

É evidente que uma só morte de um inocente é uma morte horrorosa e injusta. É evidente que gritar bem alto uma só injustiça destas não ofende coisíssima nenhuma a memória de outras vítimas de injustiça. Será que os seres humanos se medem ao quilo? Raio de moral...

Juntamente com pontapés na moral, surge ainda este pontapé na razão:

«Claro que é completamente irrelevante que seja exactamente a religião a causa de ambas as barbáries»

É, obviamente, um disparate dizer que a religião, sequer a islâmica, foi a causa do massacre dos católicos siríacos na igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Badgade, no passado dia 31 de Outubro. A causa desse massacre está bem identificada: uma matilha de assassinos da al-Qaeda, que dificilmente será classificada por alguém racional como sendo uma organização religiosa.

Mas desçamos à suposição, para facilitar a desmontagem da anti-lógica da Palmira. Suponhamos que, em vez de sequazes da al-Qaeda, tínhamos a entrar pela igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Badgade, um séquito de monges beneditinos armados até aos dentes. Assim, em vez de os cristãos de Bagdade serem massacrados por terroristas da al-Qaeda, sê-lo-iam por monges beneditinos.

Diria a Palmira que a causa do crime era a religião? Causa por via das vítimas, ou causa por via dos atacantes? Qual seria a religião causadora da barbárie? O cristianismo dos que assistiam à missa (mais valia estarem em casa, se fossem ateus), ou o cristianismo dos atacantes? Seria uma eventual divergência teológica uma "causa religiosa" na anti-lógica da Palmira? Que pessoa mentalmente sã carrega num gatilho com base numa divergência teológica? Há contradição mais gritante?

Na verdade, não é assim que se usa o cérebro.
A barbárie de 31 de Outubro não se explica pela (suposta) religião islâmica dos terroristas que invadiram aquela igreja de Bagdade. A barbárie explica-se pelo facto de que aqueles terroristas eram bárbaros, muito, mas muito antes de pretenderem ser muçulmanos. Assim, a causa da barbárie está na barbaridade dos assassinos. Na sua crueldade. E aí, sociologicamente, encontraríamos o fio condutor que nos levaria a uma longa cadeia causal. Se há muçulmanos que não matam pessoas, e eles existem, então o Islão não é a causa das barbáries que alguns cometem em seu nome.

Um frade franciscano ficou conhecido, na Segunda Guerra Mundial, pela sua requintada crueldade nos campos de concentração da Croácia. Será que a Palmira Silva considera que a formação fransciscana deste frade foi a causa para os seus actos cruéis?

Quando um cristão mata um inocente, e isso é fenómeno raro (estatisticamente mais raro do que o fenómeno de um ateu matar um inocente), fá-lo em traição aos princípios cristãos, e não numa relação de causa-efeito entre os princípios cristãos e o gesto criminoso.

Isso toda a gente sabe. Os honestos, como Bernard-Henry Lévy tiram daí as devidas ilações para os gestos e as atitudes do dia-a-dia. Mesmo que, em nome da coerência e dos princípios éticos, um ateu tenha que se ver conduzido, pela sua consciência, a agir em defesa de cristãos perseguidos. Como fez Lévy.

A defesa do ateísmo pode ser feita de forma civilizada, cordata, com base em princípios éticos. Não é o "vale tudo". A guerrilha anticristã não deve falar mais alto do que a defesa dos direitos humanos. Qualquer cristão digno desse nome deveria ter vergonha de si mesmo se não colocasse em segundo plano o debate fé-ateísmo para vir em defesa de um ateu inocente vítima de um assassinato bárbaro e cruel.

PS: Aqui fica uma vénia ao nosso caro Jairo, que nos alertou para o "post" inacreditável da Palmira Silva.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Falsos mártires e mártires verdadeiros


Certa corrente de ateísmo fanático sustenta que a religião é a causa, ou uma das principais causas, da violência no Mundo. Os seus porta-vozes advogam o fim da religião como forma de provocar o fim da violência. Os facínoras da Al-Qaeda, essa organização de malfeitores assassinos, parecem dar razão a essa corrente de ateísmo fanático, pois os seus actos violentos surgem sempre travestidos de religião, da religião islâmica.

Domingo, 31 de Outubro de 2010.
O dia do banho de sangue na igreja siríaco-católica de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Bagdade. Uma matilha de assassinos da Al-Qaeda cometeu, nesse dia, bárbaros crimes em nome do Islão. Somente um observador muito distraído é que acharia que a Al-Qaeda é uma organização religiosa. Evidentemente, é uma organização política e os seus motivos são políticos. Mais concretamente, são objectivos terroristas.

O que urge, nos dias que correm, é fazer ver ao Ocidente que o martírio cristão não parou, e não mostra sinais de parar. Contra a apatia ocidental, é preciso chamar a atenção para os crimes diários contra cristãos.

Um dos mais negros e brutais exemplos é o do massacre de dia 31 de Outubro.
Marco Pedersini escreveu um relato impressionante. Esse relato pode ser lido de várias formas. A leitura mais imediata dá-nos um retrato de horror, de crimes hediondos, e mostra-nos cenas de crueldade animalesca por parte dos facínoras da Al-Qaeda. Mas há uma leitura mais profunda...

Os assassinos retratam-se como sendo mártires. Dizem que, quando se fizerem explodir, irão para o Paraíso. Rezam a Alá no meio dos corpos de homens, mulheres, crianças e bebés que assassinaram sem piedade. "Infiéis", chamaram-lhes. Seria um insulto chamar "cães" a esses assassinos, pois a espécie canina não o merece, nem de perto nem de longe. A melhor forma de apelidar esses assassinos, e a mais realista, é chamar-lhes de "demónios", pois de tal forma estavam possuídos por forças demoníacas que estavam privados de tudo o que é realmente humano.

Nessa leitura mais profunda dos acontecimentos do massacre de 31 de Outubro, surge uma luminosa lição para os Hitchens, para os Dawkins, para os Harris, enfim, para os patetas do neo-ateísmo fanático: a lição acerca dos falsos mártires e dos mártires verdadeiros.

Leia-se com calma, sem pressas, o texto de Pedersini. Veja-se a diferença entre a atitude dos assassinos e das vítimas. Veja-se, sobretudo, o amor infinito a Cristo, esse amor que não pode ser sufocado, nem por balas, nem por sangue, nem por explosivos.

Nesse Domingo, antes do início do massacre, quando os fiéis assistiam, tranquilamente, ao início da Missa dominical, escutaram da boca de um dos prelados a seguinte passagem do Evangelho segundo São Mateus, capítulo 16:

Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.»
Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»


Nesse Domingo, pouco depois de escutarem este santo evangelho, aquela comunidade de católicos iraquianos viu abrir-se, à sua frente, as portas do Abismo. O sangue correu. Mas o amor, como sempre, venceu.

Três nomes destacam-se da cena trágica: os dos padres Wasim, Rafael e Thair. Sacerdotes dignos e heróicos, verdadeiros pastores do seu rebanho. No dia da sua ordenação, entregaram as suas vidas sob a forma do sacerdócio. No dia 31 de Outubro entregaram as suas vidas por amor a Deus e aos seus paroquianos. Essa foi a sua vitória sobre os assassinos. Essa é a forma de Cristo vencer.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Balada n.º 1 em Sol Menor, Op. 23, de Chopin



Uma gravação antiga do magnífico Vladimir Horowitz (1903-1989), a interpretar uma das mais incríves e difíceis peças do repertório para piano solo.