quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

Déjà vu?

(publicado em simultâneo no Afixe)

De Philip Jenkins, o CESNUR publica um estudo interessantíssimo intitulado "Le Jésus des sectes - Comment le Christ ésotérique devint le Christ des universitaires". É extenso, mas muito esclarecedor!

"Il y a cent ans, pratiquement toutes les idées présentées aujourd’hui comme le dernier cri chez les universitaires travaillant sur le sujet de Jésus étaient déjà largement connues, bien qu’elles le fussent moins des chercheurs en matière biblique que des membres de nouvelles religions, écoles marginales occultes et ésotériques et des mouvements qui étaient déjà connus en tant que "sectes". Les excentricités sectaire des années 1900 sont devenues les références orthodoxes universitaires des années 2000."

A tese central: os delírios neo-gnósticos dos movimentos esotéricos nascentes no final do século XIX e início do século XX, foram-se transformando, a pouco e pouco, na "ortodoxia" universitária, conforme veiculada por entusiastas académicas do gnosticismo, como a autora Elaine Pagels.
É fascinante e revelador, através deste texto, ver como os ideais da Sociedade Teosófica, fundada por Helena P. Blavatsky no século XIX, foram, a pouco e pouco, passando do domínio da seita esotérica para o domínio académico do estudo das origens do cristianismo.

Bernardo

terça-feira, 4 de janeiro de 2005

Arturo Reghini e o Progresso

(publicado em simultâneo no Afixe)

Este texto é endereçado aos nossos leitores que se interessam pela Maçonaria, e pelos temas iniciáticos.
Há uns tempos, tive a sorte de tropeçar num livro de Arturo Reghini, editado pela Hugin em 2002 (e que boa ideia), intitulado "Escritos sobre a Maçonaria".

Esta pequena obra reúne artigos que Reghini escreveu para várias revistas italianas da especialidade. A meu ver, Reghini foi uma daquelas raras mentes lúcidas a conseguir conjugar erudição maçónica com uma integridade e coerência de ideias.

O meu interesse por Reghini foi despertado pela leitura deste conjunto de cartas escritas por Guénon ao maçon italiano, que a Symbolos disponibilizou online aqui.

Gostaria de escrever sobre tantos e tantos aspectos interessantes levantados pela leitura da prosa de Reghini, mas tendo que escolher um, eu começaria por extrair, do capítulo III ("As bases espirituais da Maçonaria", pág. 48), o seguinte, a propósito da nefasta infiltração do conceito moderno de "progresso" nos ideais maçónicos:

"Notamos, «en passant», que esta crença no progresso, muito profana e não contemplada nas Constituições de Anderson nem nos antigos Landmarks, se radicou curiosamente em certas Maçonarias, acostumadas a pedir luz ao mundo profano, ao invés de à sabedoria iniciática. Já nas Constituições do Grande Oriente de França, de 1849, a Maçonaria é definida como uma instituição filantrópica, filosófica e progressista que tem como base a existência de Deus e a imortalidade da alma. Como é sabido, justamente pela fé no progresso e nas conquistas do livre pensamento e da ciência profana é que os Franco-Maçons franceses atiraram ao mar, com maioria de votos, o Grande Arquitecto do Universo e a imortalidade da alma, para ficarrem arreigados ao não louvado fetiche do progresso; e na conferência de Genebra de 1921, na qual participaram sete ou oito Potências simbólicas, entre as quais os dois Grandes Orientes irregulares de França e de Itália (Pallazzo Giustiniani), foi proclamada e subscrita uma declaração de princípios que define a Maçonaria como instituição filosófica, humanitária, progressista. A declaração depois especifica que se preocupa com o progresso social, porque a Maçonaria honra igualmente o trabalho intectual e o manual, etc., etc..
Estes Franco-Maçons, como autênticos Livres Pensadores, sentir-se-iam mal dos intestinos se tivessem de renunciar a esta crença no progresso. E a ideia que formaram consolida-se, granítica, imutável, estacionária, incapaz do mínimo... progresso!"

(publicado na revista Rassegna Massonica, em 1923)

Agora, alguns esclarecimentos...
A dureza da linguagem de Reghini não deve iludir o leitor sério, que encontrará nesta obra inúmeros e vitais ensinamentos sobre a Maçonaria genuína, essa espécie tão rara que quase se pode declarar em extinção. Reghini não era um mangiapreti, ou seja, um "papa-padres", como tantos outros maçons do seu tempo.

Claro está que, sendo católico, este meu texto pode parecer estranhíssimo e desadequado. Explico porque não é: gosto bastante das temáticas maçónicas, acho o simbolismo maçónico muito rico e profundo, e apesar de não ser maçon, nem pensar vir a ser (sendo católico, está-me vedado), detesto a ligeireza com que se ataca hoje em dia o conceito de Maçonaria, triste sinal de uma tremenda falta de conhecimento sobre o tema (que a obra de Reghini pode ajudar a corrigir, nas pessoas bem intencionadas e verdadeiramente interessadas) bem como detesto a corja de falsos maçons que enchem hoje em dia a esmagadora maioria das lojas, corja essa à qual Reghini (com a competência que eu não tenho) alude, com grande e justa precisão de vocabulário.

Para terminar, escolhi este excerto porque evidencia outro dos meios intelectuais que foram infestados por esta moderna crença no progresso: o meio iniciático da Maçonaria.

A crença no progresso entrou basicamente em todo o lado. Parece ser o resultado, no domínio sociológico, de um casamento estranho das teorias evolucionistas emanadas das ciências naturais com um milenarismo apocalíptico decadente e confuso (este "casamento" parece despropositado, mas o historiador Jean Delumeau fornece pistas mais que suficientes no seu livro "Mil Anos de Felicidade"). Esta crença no progresso é uma virose alojada, e que dificilmente sai, apesar de termos acesso todos os dias a sinais mais que evidentes de que tal progresso não existe. Só para dar um exemplo: no século que se seguiu à invenção das ideias progressistas, o mundo assistiu a duas grandes guerras mundiais...

Parece-me justo afirmar que a Maçonaria tem como fim, nas mentes dos seus membros mais sinceros e honestos, o aperfeiçoamento do maçon como ser humano. Do que li de Reghini não devo estar equivocado na definição, pelo menos na essência. Esse aperfeiçoamento individual (escrevi individual e não solitário, porque o maçon trabalha na Loja com os restantes irmãos), com o passar dos tempos e a infiltração de ideais jacobinos (e tantas vezes anti-católicos), passou a ser confundido com o professar de uma crença no progresso imparável da Humanidade! E Reghini encontra, tão cedo como em 1849, indícios desta infiltração!

Na História da Humanidade encontramos progressos e retrocessos, numas áreas e noutras. Haverá bases suficientes para se poder afirmar, em rigor, que a Humanidade progride sempre, sem parar?
Faz sentido, a crença moderna no progresso?
Não servirá esta ideia gratuita do progresso absoluto uma arma de arremesso do laicismo materialista (agora dominante) contra a intelectualidade do passado (considerada "caduca" ou "primitiva", ou ainda "antiquada")?

E não é curioso notar que os visados por esta infiltração de ideias (dir-se-ia eufemisticamente, por esta "mudança de paradigma") foram, não só as religiões organizadas como também organizações iniciáticas como a Maçonaria, onde podemos notar a presença infestante e destruidora destes ideais jacobinos?

Aqui fica a ideia para que se medite sobre ela...

Bernardo