sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Plano Inclinado - Não se pode dizer mal do avental!

O programa Plano Inclinado foi cancelado. A SIC Notícias procurou explicar, desde modo, o porquê:

“Estamos a ponderar uma nova estratégia para o programa, como já aconteceu noutras situações. Estamos a pensar o que queremos para o programa no futuro”, disse ao PÚBLICO António José Teixeira, director do canal. Para o responsável a suspensão do programa faz parte de "uma estratégia de renovação”. Teixeira não diz se o programa volta. “Mas não há nenhum programa novo para aquele lugar de grelha”, confirma.

Como se vê, a SIC Notícias não explicou nada. António José Teixeira diz que acabou com o Plano Inclinado como parte de "uma estratégia de renovação", ao mesmo tempo que diz que "não há nenhum programa novo para aquele lugar de grelha". Ou seja, "renovou" a grelha trocando o Plano inclinado pelo vazio. Mas há-de-se arranjar, num instante, qualquer coisinha boa para preencher o lugar do Crespo e do Medina!

À primeira vista, poder-se-ia pensar que o Governo teria decidido acabar com o programa, depois de se ver enxovalhado ao longo de quase todos os programas do Plano Inclinado, programas esses que desmascararam a podridão, a incompetência, a bandalheira da nossa classe política, sobretudo da pandilha que nos governa. Não seria a primeira vez que este Governo acabaria com um programa incómodo. Mas é estranho: porquê tanto tempo para o Governo acabar com o Plano Inclinado? Por masoquismo?

Curiosamente, e certamente por coincidência, por pura coincidência, o último programa que foi para o ar teve como convidado Henrique Neto, o engenheiro socialista que se tem atrevido a criticar a influência negativa de certa Maçonaria na classe política portuguesa:



E pronto. Acabou-se o único programa da televisão nacional que eu ainda via com gosto...
Era indispensável silenciar quem fala a verdade! O último programa ultrapassou o que certas pessoas eram capazes de tolerar, ao denunciar os escândalos dos financiamentos partidários. Mas a heresia da crítica das ligações da Maçonaria à política foi a sentença de morte do Plano Inclinado. Veja-se, em especial, a conversa após o instante 26'30, e o testemunho de Henrique Neto:

«E verifiquei, pouco a pouco, que havia como que... a Maçonaria era usada para proteger ou para potenciar as possibilidades de certas pessoas, de certos membros, quando eles tinham oportunidades de acesso a lugar qualquer: lugar na Economia, lugar na... bom, essa prática que eu verifiquei que era uma prática, a chamada "solidariedade" entre os maçónicos, que também já estava a ser utilizada por pessoas que nem sequer eram das irmandades...»

PS: Jorge Coelho foi o autor da célebre: "Quem se mete com o PS, leva!". Está na altura de actualizar, e precisar melhor, essa bela tirada: "Quem se mete com os aventais, leva!".

Evangelho de hoje - Jesus e o Divórcio

Evangelho segundo S. Marcos 10,1-12.

Saindo dali, foi para a região da Judeia, para além do Jordão. As multidões agruparam-se outra vez à volta dele, e outra vez as ensinava, como era seu costume. Aproximaram-se uns fariseus e perguntaram-lhe, para o experimentar, se era lícito ao marido divorciar-se da mulher. Ele respondeu-lhes: «Que vos ordenou Moisés?» Disseram: «Moisés mandou escrever um documento de repúdio e divorciar-se dela.» Jesus retorquiu: «Devido à dureza do vosso coração é que ele vos deixou esse preceito. Mas, desde o princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher, e serão os dois um só. Portanto, já não são dois, mas um só. Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem.» De regresso a casa, de novo os discípulos o interrogaram acerca disto. Jesus disse: «Quem se divorciar da sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar do seu marido e casar com outro, comete adultério.»    

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Frei Bento - O incansável verdugo da Humanae Vitae

Frei Bento diz frequentemente coisas em contradição com o Magistério, e hoje em dia ninguém acha isso estranho. E, sobretudo, os "media" não se coíbem de lhe dar espaço, mesmo sendo evidente que se trata de um teólogo cuja doutrina não é ortodoxa. Não digo que os "media" devam evitar dar espaço de antena a católicos com ideias heterodoxas, mas que deveriam, em nome da neutralidade, dar espaço de antena, já agora, aos chatos dos católicos que gostam da coerência.

Diz a Lumen Gentium (Constituição Dogmática do Vaticano II):

«E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com religioso acatamento. Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao magistério autêntico do Romano Pontífice, mesmo quando não fala ex cathedra; de maneira que o seu supremo magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam, segundo o seu sentir e vontade; estes manifestam-se sobretudo quer pela índole dos documentos, quer pelas frequentes repetições da mesma doutrina, quer pelo modo de falar.»

Religiosa submissão da vontade e do entendimento!
Espantoso! Haverá dúvidas sobre este trecho?

Vejamos agora o que Frei Bento escreveu recentemente, no contexto da sua eterna guerra contra a Humanae Vitae de Paulo VI:

«3. Mesmo nos temas que não eram considerados dogmas de fé nem palavra infalível dos Papas – creio que desde João XXIII nunca mais se ouviu falar de nenhuma – caiu-se na armadilha de considerar muitas declarações importantes, para a orientação pastoral da Igreja, como definitivas e irreformáveis.», in Não há teologias definitivas.

Comparemos com a Lumen Gentium:


«Desta mesma infalibilidade goza o Romano Pontífice em razão do seu ofício de cabeça do colégio episcopal, sempre que, como supremo pastor dos fiéis cristãos, que deve confirmar na fé os seus irmãos (cfr. Lc. 22,32), define alguma doutrina em matéria de fé ou costumes (78). As suas definições com razão se dizem irreformáveis por si mesmas e não pelo consenso da Igreja, pois foram pronunciadas sob a assistência do Espírito Santo, que lhe foi prometida na pessoa de S. Pedro. Não precisam, por isso, de qualquer alheia aprovação, nem são susceptíveis de apelação a outro juízo.»

É evidente que a Humanae Vitae de Paulo VI (repudiada e não aceite por Frei Bento) está dentro desta categoria, e o próprio Paulo VI deixa isso claro no texto da encíclica:

«Nenhum fiel quererá negar que compete ao Magistério da Igreja interpretar também a lei moral natural. É incontestável, na verdade, como declararam muitas vezes os nossos predecessores,(1) que Jesus Cristo, ao comunicar a Pedro e aos Apóstolos a sua autoridade divina e ao enviá-los a ensinar a todos os povos os seus mandamentos, (2) os constituía guardas e intérpretes autênticos de toda a lei moral, ou seja, não só da lei evangélica, como também da natural, dado que ela é igualmente expressão da vontade divina e que a sua observância é do mesmo modo necessária para a salvação.(3)»

Eu fico estupefacto com o atrevimento de Frei Bento, mas mais ainda fico com as pessoas que não vêem as gritantes contradições entre várias das ideias do Frei Bento e a doutrina católica ortodoxa. Este artigo foi publicado no jornal Público a 28 de Novembro de 2010. Um católico lê isto e interroga-se, com razão: "este senhor, teólogo e académico, continua a combater uma encíclica de um Papa, e ... não se passa nada!". Estamos perante um problema, como dizia o teólogo norte-americano Ralph McInerny, de um conflito entre dois magistérios: o Magistério autêntico da Igreja Católica, personificado no Papa e nos Bispos a ele unidos, e um magistério espúrio, falso e impostor, personificado em sacerdotes e teólogos que teimam em desobedecer ao Magistério, pretendendo constituir, para os fiéis leigos e para todo o Povo de Deus, como que um novo magistério, o magistério dos teólogos progressistas.



Senhor, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O ocaso do ateísmo filosófico

É uma ideia comummente aceite pela opinião pública: os ateus lideram no mundo académico. Alguns ateus, mais atrevidos, dão um salto em frente, e auto-intitulam-se "brights". A ideia aqui é simples: o ateu é o tipo inteligente. O crente é burro.

Vamos analisar um pouco essa ideia, não só porque ela é completamente falsa, mas porque quem a defende demonstra não conhecer nada da realidade actual do mundo académico.

A tal ideia-fantoche costuma basear-se nesta afirmação generalista: "a maioria dos cientistas não concorda com a tese da existência de Deus". Qual é o problema com esta ideia? É que a defesa da existência, ou inexistência, de Deus é uma questão que só pode ser abordada em duas áreas do saber humano: Filosofia ou Teologia. A Ciência é neutra em relação a teses metafísicas. Estão fora do seu alcance epistemológico.

Dada a altíssima compartimentação do saber humano actual, é discutível que um excelente cientista seja, automaticamente, um excelente (ou sequer bom) filósofo ou teólogo. Então, usar a expressão "a maioria dos cientistas não concorda com a tese na existência de Deus" como suposto argumento pró-ateísmo é uma treta. Equivale a afirmar algo como "a maioria dos juristas não concorda com o modelo cosmológico standard". Até poderia ser verdade: e daí?

Assim, o que há a fazer, se formos sérios, é analisar o "status quo" no mundo académico que trata da questão da existência de Deus como área de trabalho intelectual. Então, há que avaliar o "status quo" nos domínios específicos da Filosofia e da Teologia, pois as pessoas nesses ramos do saber é que estão profissionalmente preparadas para apresentar o estado-da-arte acerca da questão da existência de Deus.

Já quase que ouvimos a próxima crítica: os teólogos são parciais. Então fiquemos só pelos filósofos.

Quase um século depois da proposta do Círculo de Viena, o sonho do empiricismo lógico está morto e enterrado. No entanto, muita gente ainda julga, hoje em dia, que a Filosofia obliterou a discussão filosófica da existência de Deus, considerando que a tese da existência de Deus não tem sentido. Isto sucede, sobretudo, com alguns cientistas, ou entusiastas da Ciência, que sofrendo de uma distorção profissional (por ignorarem outras áreas do saber como a Filosofia), acham que uma tese só é racional (digna de ser provada ou refutada) se couber dentro do âmbito do método científico. Confundem "racional" com "cientificamente demonstrável".


O mundo mudou. Os grandes empiricistas lógicos estão mortos e enterrados. Infelizmente para o ateísta convicto, o mundo académico da Filosofia está em revolução há pelo menos quarenta anos, com um número cada vez maior de filósofos a abraçar o teísmo e a defender filosoficamente o teísmo. Num artigo para a revista Philo, o filósofo ateu Quentin Smith (Western Michigan University) afirmou-o categoricamente num artigo intitulado The Metaphilosophy of Naturalism. Smith começa por sublinhar o papel único da obra filosófica de Alvin Plantinga nos anos 60 e 70:

«The secularization of mainstream academia began to quickly unravel upon the publication of Plantinga’s influential book on realist theism, God and Other Minds, in 1967. It became apparent to the philosophical profession that this book displayed that realist theists were not outmatched by naturalists in terms of the most valued standards of analytic philosophy: conceptual precision, rigor of argumentation, technical erudition, and an in-depth defense of an original world-view. This book, followed seven years later by Plantinga’s even more impressive book, The Nature of Necessity, made it manifest that a realist theist was writing at the highest qualitative level of analytic philosophy, on the same playing field as Carnap, Russell, Moore, Grünbaum, and other naturalists.»

Smith descreve deste modo a viragem, no campo da Filosofia, que se verificou no que diz respeito ao teísmo (para os mais distraídos, sim, Quentin Smith é um filósofo ateu):

«But in philosophy, it became, almost overnight, “academically respectable” to argue for theism, making philosophy a favored field of entry for the most intelligent and talented theists entering academia today. A count would show that in Oxford University Press’ 2000–2001 catalogue, there are 96 recently published books on the philosophy of religion (94 advancing theism and 2 presenting “both sides”). By contrast, there are 28 books in this catalogue on the philosophy of language, 23 on epistemology (including religious epistemology, such as Plantinga’s Warranted Christian Belief), 14 on metaphysics, 61 books on the philosophy of mind, and 51 books on the philosophy of science.»

Smith afirma cabalmente: "God is not “dead” in academia; he returned to life in the late 1960s and is now alive and well in his last academic stronghold, philosophy departments". No entanto, não é esta a ideia que a opinião pública tem acerca do teísmo. A visão neo-ateísta pretende o inverso: se alguém é inteligente, acabará por se tornar ateu. A racionalidade estaria do lado do ateísmo. A sofisticação intelectual seria apanágio do ateu. A inteligência sofisticada e a posse de vastas quantidades de conhecimento seriam a marca do ateu. E finalmente, a visão neo-ateísta pretende inculcar este preconceito na cabeça das pessoas: a Universidade tornou-se ateia. Ora, no campo da Filosofia, nada poderia ser mais falso.

Smith queixa-se precisamente do oposto: do estado em que as coisas caíram, do ponto de vista do ateísmo filosófico. Segundo Smith, o lado do "adversário" está claramente a ganhar terreno:

«Due to the typical attitude of the contemporary naturalist (...) the vast majority of naturalist philosophers have come to hold (since the late 1960s) an unjustified belief in naturalism. Their justifications have been defeated by arguments developed by theistic philosophers, and now naturalist philosophers, for the most part, live in darkness about the justification for naturalism. They may have a true belief in naturalism, but they have no knowledge that naturalism is true since they do not have an undefeated justification for their belief. If naturalism is true, then their belief in naturalism is accidentally true. This philosophical failure (ignoring theism and thereby allowing themselves to become unjustified naturalists) has led to a cultural failure since theists, witnessing this failure, have increasingly become motivated to assume or argue for supernaturalism in their academic work, to an extent that academia has now lost its mainstream secularization.» (negrito meu)

A parte a negrito pareceu-me especialmente certeira. A marca do neo-ateísmo é, afinal de contas, o inverso do que nos contam. Segundo Smith, que insisto ser um filósofo ateu, a vasta maioria dos filósofos naturalistas não têm justificação (filosófica) para o seu naturalismo. Nesse cenário, o filósofo teísta ganha terreno. O que está, realmente, a suceder.

Será que estamos a assistir ao ocaso do ateísmo filosófico? Seria demasiado optimista. Certamente que estamos a assistir a um claro recuo do ateísmo filosófico perante o teísmo filosófico e a razão é simples: a ineficácia argumentativa do actual ateísmo filosófico perante a força argumentativa do actual teísmo filosófico.

Quem me lê pode estar espantado, pois os "media" retratam, um pouco por todo o lado, o aparente triunfalismo de neo-ateístas como Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris ou Christopher Hitchens. Mas mesmo essa lista é enganadora: apenas Dennett é filósofo profissional! Dawkins é biólogo, Hitchens é jornalista e crítico literário. Harris tem uma licenciatura em Filosofia, mas a sua área de especialidade é a das neurociências, onde se doutorou. Harris nem sequer é muito coerente, ao procurar incorporar no seu ateísmo as espiritualidades orientais.

Mas estes famosos "quatro cavaleiros do apocalipse" ateísta, apesar do incrível número de obras que conseguiram vender, não representam, de forma alguma, o estado-da-arte em matéria de Filosofia. Pelo contrário: as suas obras não são académicas, são obras populares, escritas muitas vezes em tom inflamatório, mal argumentadas, e sobretudo, são obras que não lidam, nem sequer de perto, com o estado-da-arte das teses filosóficas teístas.

Têm-nos estado a vender a banha-da-cobra. Quentin Smith lançou o aviso. O problema existe: o ateísmo filosófico contemporâneo tem pés de barro. Há duas atitudes: ou a fuga para a frente, pretendendo (como Hawking e Mlodinow) que a Filosofia está morta (ou seja, ignorando o que dizem os filosófos, sejam eles ateus, agnósticos ou teístas), ou então pegando no problema: estudando os melhores argumentos teístas e procurando refutá-los, e em paralelo, montando bons argumentos ateístas que possam resistir a refutações teístas.

PS: Veja-se, a propósito, William Lane Craig a dizer precisamente o mesmo que Quentin Smith:

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Uma origem darwiniana da Beleza?

Denis Dutton (1944-2010) era professor de Filosofia na Universidade de Cantebury, Christchurch (Nova Zelândia). Ouvi falar dele pela primeira vez há umas semanas atrás, ao ver na Internet o vídeo de uma conferência TED por ele proferida no ano passado, intitulada A Darwinian theory of beauty. Quando assisti ao vídeo no início de Janeiro deste ano, não sabia que Dutton tinha acabado de morrer de cancro a 28 de Dezembro de 2010. Dei-me conta disso agora mesmo, ao começar a escrever este texto. Fiquei sinceramente triste com a notícia. Quem vir o vídeo da conferência TED entenderá o que eu quero dizer. É impossível não simpatizar com este senhor: basta ouvi-lo a falar e fica-se com a clara sensação de que a Humanidade ficou mais pobre sem Denis Dutton.
Enquanto ouvia, pela primeira vez, a conferência A Darwinian theory of beauty, o meu pensamento vagueava constantemente, pois começava já a imaginar escrever este texto, apontando uma série de discordâncias e de protestos face à opinião de Dutton. Mas estava dividido: dividido entre uma simpatia instantânea para com um orador tão empático e uma repulsa visceral que sentia pelas ideias que tal orador estava a defender.

Essas ideias têm um eixo claro, que está patente no título da palestra: a beleza, a criação de beleza, a apreciação da beleza, quer natural quer artificial, segundo Dutton, são realidades que têm uma derradeira explicação darwinista. Temos que nos dar conta do que está aqui em jogo: segundo Denis Dutton, a beleza é uma realidade cuja causa última é puramente naturalista: mutação, cruzamento, selecção natural.

Por um lado, a teoria de Dutton, e sem menosprezar o mérito da sua fundamentação e formulação, é a consequência lógica de um darwinismo que é filosoficamente interpretado de forma materialista, ou naturalista. É verdade que o darwinismo, como teoria científica, tanto pode ser defendido por uma pessoa com uma visão filosófica materialista como por uma pessoa com uma visão diametralmente oposta ao materialismo, como a visão cristã. Assim, há que distinguir entre teoria científica darwinista e teoria filosófica materialista. Dutton, nesta palestra, não faz apenas uma defesa do darwinismo científico. Isso seria incontroverso, algo que transformaria a palestra num evento para especialistas de Biologia, e não em algo que realmente mexe com o comum dos mortais. Dutton faz uma defesa do darwinismo materialista, ou seja, da combinação da teoria científica do darwinismo com a teoria filosófica do materialismo.

Quando um orador apresenta o darwinismo materialista a uma plateia, desde que mantenha o tema no abstracto, a coisa até pode correr bem, ou seja, a percentagem de espectadores chocados pode ser muito baixa ou mesmo nula. Mas Dutton arriscou apresentar o seu darwinismo materialista sob o ponto de vista da beleza, o que dá à sua palestra uma amplitude tal que equivale a envolver toda a humanidade.

Será mesmo verdade? Será a beleza o produto final de um processo cem por cento natural de selecção natural darwiniana com genética mendeliana?

Uma repulsa instintiva

A razão da minha repulsa explica-se facilmente. A repulsa começou por ser instintiva, e só depois tentei articular uma repulsa mais racional. Instintivamente, lembrei-me de um dos inesgotáveis exemplos de beleza com os quais nos deparamos durante a nossa vida. Neste caso em concreto, lembrei-me do notável Concerto para Violino e Orquestra (Op. 47) em Ré Menor, de Jean Sibelius (1865-1957), e de uma execução magnífica do mesmo, que vi no Youtube, pelas mãos de Ida Haendel, sob a direcção do maestro Franz Paul Decker.

Todas as notas emanadas do violino de Ida Haendel refutam, na prática, a teoria da origem darwiniana da beleza, que é defendida por Dutton. Aliás, basta uma só nota para se obter esse efeito. Dutton dá-nos explicações darwinianas ("survival of the fittest") para o surgimento e para o aperfeiçoamento do sentido estético da Humanidade. Dutton explica-nos que quando gostamos de uma paisagem com o verde da vegetação e com o azul da água, ou com a presença de animais nas imediações, isso acontece porque há genes evoluídos que nos fazem apreciar esse tipo de paisagens. Segundo Dutton, nas paisagens que hoje apreciamos há um eco das savanas do Plistocénico. Alguns dos nossos genes evoluíram porque a procura da proximidade desses locais dava aos seres humanos vantagens competitivas. A beleza é reduzida a um produto de uma luta pela sobrevivência. Para que compôs Sibelius o seu Concerto para Violiono e Orquestra? Que savana do Plistocénico imaginava ele, ao escrever a cadenza do violino? Quando se tenta aplicar a teoria de Dutton a uma peça musical como esta, fica patente a insuficiência da teoria. Ida Haendel recebeu do próprio Sibelius estes elogios, após ouvi-la tocar o seu Concerto: "[Ida Haendel] played it masterfully in every respect. I congratulate myself that my concerto has found an interpreter of your rare standard". Ida comentou, acerca deste Concerto: "The Sibelius Violin Concerto is one of the most exciting, emotionally and technically, in the entire repertoire for my instrument". Deveras! Este Concerto é uma vertigem emocional e intelectual. É um feito notável do génio humano. Não pode ser produto apenas da matéria. E a beleza desta peça apresenta, como sucede em toda a música, uma simetria entre compositor e executante. A beleza da composição de Sibelius alinha-se com a beleza da execução de Ida Haendel. E tudo isto, todo este hino à beleza, receberia uma explicação naturalista? Evolucionista? Darwinista? Pergunta: serão as geniais faculdades musicais de Sibelius puramente genéticas? O Concerto é bom porque os genes são bons? Outra pergunta: será que essas faculdades musicais deram a Sibelius alguma vantagem darwiniana? Irão os descendentes de Sibelius presentear a Humanidade com mais peças destas? Era bom...

Veja-se ainda, no terceiro andamento, o momento (por volta dos 5'13'') em que Ida Haendel toca quatro compassos em trémolo, seguidos de uma belíssima linha melódica com harmónicos oitavados: é de se ir às lágrimas! Eu não sei explicar o que pretende Sibelius com este trecho: apenas sei que é fenomenal. Diz o materialista, em jeito de explicação: o cérebro humano adaptou-se à interpretação de estímulos sonoros como forma de diferenciar ameaças, ou como forma de comunicação com os da sua espécie, com vista à sobrevivência do grupo. E porque não? Mas isso explica este troço fenomenal de Sibelius? Explica a forma visceral como Ida Haendel se entrega à execução desta peça, como se empregasse toda a sua existência na execução deste Concerto? Aos 5 minutos e 20 segundos do primeiro andamento, Ida Haendel verte uma lágrima. É a intérprete musical no seu esplendor! Reflexo darwiniano? Ou não será antes essa lágrima o reflexo fisiológico de uma pessoa cuja alma está sublimada pela beleza? Cuja alma está de janelas abertas para a eternidade? Não será essa lágrima, discreta, um pequeno sinal exterior do turbilhão, da vertigem de beleza que se apoderou da sua alma?

Um tiro no pé?

O problema lógico de todo o darwinismo materialista, é que se trata de uma posição que se refuta a si mesma. É certo que Dutton, homem culto, apreciador de cultura, viveu toda a sua vida apaixonado pelas coisas de que gostava, de entre elas a beleza, o estudo e o ensino filosófico da beleza. Como académico, buscou a verdade acerca da beleza. Será que toda essa busca, de uma vida inteira, se reduz a um esforço pela sobrevivência? Por outras palavras, será que a explicação darwiniana da beleza não será, também ela, um fenómeno darwiniano? Ou seja, como pode haver um fundo de verdade em qualquer teoria que afirme que toda a actividade humana tem uma explicação derradeira que é cem por cento materialista? Essa teoria pisa o seu próprio pé. Morde a sua própria canela. Dutton defende que, em última análise, a beleza só existe por causa de um processo natural e material. Isso destrói, não a beleza (que manifestamente existe), mas o fim da beleza, o gozo último da beleza, a razão de ser da beleza. Afinal de contas, o belo é apenas o produto de um processo natural e material? Ora bolas...

Mas a ideia de Dutton insere-se no contexto auto-destrutivo de todas as teorias darwinistas materialistas. O darwinismo materialista destrói o próprio conceito de verdade, e não apenas o da verdade acerca da beleza. Num mundo em que as causas derradeiras de tudo são darwinistas, não há verdade. A própria defesa intelectual da verdade, a própria procura da verdade, seria o efeito de algo determinado pelo darwinismo. Seríamos ateus por razões darwinistas. Seriamos agnósticos por razões darwinistas. Seriamos cristãos por razões darwinistas. Gostaríamos de Sibelius por razões darwinistas. Gostaríamos de Metallica por razões darwinistas. O darwinismo, expandido para fora da fronteira da Ciência, e transformado em "weltanschauung" filosófica omnipotente, torna-se numa ideia que é auto-destrutiva, que é suicida. Numa vertente mais prática, apesar de Dutton nos dar exemplos, na sua palestra, de coisas manifestamente belas, a verdade é que ele poderia dar exemplos perfeitamente darwinistas de coisas manifestamente feias. Fotografias de Auschwitz tiradas aquando do seu uso para exterminar judeus seriam exemplos pertinentes de coisas horrorosas com pleno enquadramento num quadro darwinista: sobrevivência dos mais aptos: o ariano, o forte, sobrevive ao judeu, o fraco. É tão legítimo, em termos estritamente darwinianos, que o leão mate a gazela ou que o ariano mate o judeu. O nazismo representa um dos melhores exemplos dos perigos de transportar o darwinismo para fora da Ciência, transformando-o numa cosmovisão. Não se pode montar uma ética válida sobre o darwinismo: até Richard Dawkins o reconhece. Logo, é um beco sem saída, o caminho de justificar tudo no Homem pela via do darwinismo.

Dutton era um orador talentoso. A sua palestra TED é um magnífico exemplo de oratória e de eficácia comunicativa. Mas Dutton não deu à sua plateia nenhum exemplo de coisas feias que também podem ter boas explicações darwinistas. A lei da sobrevivência do mais forte, quando vivida à letra, pode dar origem a coisas muito feias, e no entanto, é perfeitamente darwinista.

Seria superficial dizer que a explicação darwinista da beleza, conforme defendida por Denis Dutton, é cem por cento falsa. Eu não acredito nisso, e não me atrevo a dizer que Dutton estava cem por cento errado. Não é fácil acreditar em afirmações cem por cento falsas. Desconfiamos delas. Se me dissessem: "ontem, na Gulbenkian, um chimpanzé evadido do Jardim Zoológico, munido de um Stradivarius, tocou o Concerto para Violino e Orquestra de Sibelius", eu mandava essa pessoa passear. Uma falsidade tão irreal, sem qualquer base de verdade, é literalmente inacreditável. Por isso, apesar de eu achar que a teoria de Dutton é falsa, no sentido em que falha em encontrar a explicação derradeira para a beleza, eu acho que a dita teoria tem qualquer coisa de verdadeiro.

As falsidades poderosas, as que sobrevivem mais tempo, são as que incorporam em si mesmas alguns ingredientes verdadeiros. Assim, há certamente algo de verdadeiro na teoria darwinista da beleza, conforme apresentada por Dutton. Afinal de contas, fazemos parte do mundo material, somos pessoas de corpo e alma, e o corpo é seguramente natural, material. Por isso, é de esperar que, do mesmo modo que reflexos como o do susto podem ter origem darwiniana e explicação genética, pois quem tem esses reflexos escapa melhor aos perigos e sobrevive para deixar descendência a quem passar esses genes eficazes, também certos aspectos acerca da nossa interpretação sensorial podem ter algum fundamento darwiniano e genético. Parte da nossa psique pode ter características em cujas causas concorre o darwinismo. Afinal de contas, os nossos sentidos estão profundamente adaptados à realidade natural. Também somos feitos de matéria. E da mesma matéria que o Universo.

Conclusão

Afinal, onde está a verdade?
O cristão vê-se, mais uma vez, obrigado a defender o bom senso, e a evitar dois erros opostos: por um lado, o cristão protesta contra os erros do materialismo, que quer reduzir o Homem ao corpo, à matéria. Por outro lado, o cristão protesta contra os erros do gnosticismo, que quer reduzir o Homem à alma, sem matéria. Vivemos tempos entusiasmantes, mas ao mesmo tempo, de extremos. Todos os dias deparamo-nos com dois tipos de louco: o louco que nos quer convencer que somos o nosso corpo, e o louco que nos quer convencer que o nosso corpo pode, em certos casos, não ter nada a ver connosco.

Dutton não era louco. Paz à sua alma: rezamos por ele a Deus, para que se converta e o Senhor lhe conceda a graça do perdão. Todo o Homem que procura a beleza procura a Deus, e mesmo que equivocado no caminho, tem uma sede de beleza que, em si mesma, tem valor. Dutton cometeu, a meu ver, o erro de desequilibrar a correcta visão do Homem num dado sentido, o do materialismo. Outros cometem o erro de desequilibrar essa visão no sentido oposto, o do gnosticismo. Por exemplo, os defensores da ideologia de género acreditam que o nosso corpo pode, em certos casos, não ter nada a ver connosco, e por isso defendem a ideia louca de que podemos ser homens em corpo de mulher, ou mulheres em corpo de homem. E, de forma mais frequente, os gnósticos modernos defendem a loucura de que não existe moral sexual. A loucura de que não há tal coisa como uma "ortopraxia" (uma prática correcta) da nossa sexualidade. Como se o corpo, não sendo parte constituinte do nosso ser, fosse apenas um instrumento que o nosso "eu" imaterial usaria para obter prazer. Como se o nosso corpo não fizesse parte do nosso "eu". Claro que faz. E toda a ética que não veja o corpo como parte integrante do ser humano é uma falsa ética. A ética não é uma coisa de almas imateriais: é uma coisa de seres humanos de corpo e alma.

O cristão sabe onde está a verdade acerca do ser humano. Está em ver o ser humano como feito de corpo e alma. Está em ver o ser humano como uma pessoa cujo corpo material é constituído pelos mesmos elementos que encontramos no Universo e cuja alma imaterial é criada directamente por Deus, uma alma que não pode ser reduzida ao material, uma alma livre, com capacidades racionais e artísticas, capacidades que não vêm da matéria. Finalmente, uma alma com capacidade de amar, porque a capacidade de amar também não vem da matéria.

A verdadeira origem da beleza está em Deus, fonte de toda a beleza. Origem e destino da beleza. Toda a beleza que podemos encontrar é um reflexo da beleza divina. O fim último do ser humano é o encontro com Deus, é o contemplar Deus na sua infinita beleza e bondade. Suprema aspiração e fim admirável da raça humana!

PS: A palestra de Dutton tem o mérito de procurar refutar as teorias modernas e pós-modernas de beleza. Mas troca-as por uma teoria igualmente falsa. A explicação verdadeira da beleza está na doutrina cristã. Não é necessário procurá-la mais longe.

PPS: Em jeito de corolário ao que acabei de escrever, veja-se Maxim Vengerov, numa "masterclass" do Concerto para Violino e Orquestra de Sibelius, a explicar na prática o que é a beleza... Veja-se, sobretudo, a partir do 1'40''. Aos 2'', Vengerov diz, com razão: "This is beauty!"

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ciência e Religião - Incompatíveis

Giovanni Paolo Lembo, Fases de Vénus, 1615

Estes Jesuítas eram mesmo uns obscurantistas, não eram?
Então os do Colégio de Santo Antão... uns analfabetos em Ciência!
Como se pode ver pelos exemplos do vídeo, Ciência e Religião são mesmo incompatíveis! Aliás, a Ciência só surgiu quando se livrou dos obscurantismos da religião, sobretudo quando se viu livre destes Jesuítas, que não percebiam mesmo nada de Ciência! Pelo menos é o que se ensina na escola...

Nota: O vídeo é um projecto do jornal Público, montado por Ana Machado e Sérgio Gomes.

É espantoso!

Que esta personagem ainda continue à frente dos destinos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, é algo que brada aos céus!
Há pessoas que não têm um pingo de vergonha.

Contra a mentira da morte...

A verdade da Vida!
A história por detrás deste vídeo fala por si. É um grito de verdade contra a mentira do aborto. Há quem insista, erradamente, em defender a antiga lei do aborto, a que vigorou em Portugal até à lei infame de 2007. Mas essa lei, seguramente melhor que a actual, previa a legalidade do aborto por malformações, uma situação que claramente não justifica matar uma criança. É compreensível que, anestesiados pelo asco de lei que temos hoje em dia, quase tenhamos saudades da lei anterior. É por isso que este vídeo serve de antídoto para recuperarmos a nossa humanidade, para darmos valor ao que é importante, para sermos melhores pessoas. Não há qualquer situação em que seja legítimo abortar. A única solução ética consiste na proibição total e completa do aborto.
Estes pais são um exemplo de vida. Mostram-nos o caminho certo. O caminho da verdade.


(descobri este vídeo no blogue Contra o Aborto)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Boa gente...

O menu do Abortadouro dos Arcos.
É tudo boa gente!

Festa de sangue

Neste blogue, celebra-se:

Celebra-se o quê?
Deve ser isto:

Quatro anos de matança



Faz hoje quatro anos que se institucionalizou a matança de crianças em Portugal. Basta a mãe da criança querer. Desde 11 de Fevereiro de 2007 que o Estado diz que sim. E paga. Mas quando o Estado paga, pagamos todos nós. Pagamos pela matança. Matança de crianças. Somos todos cúmplices. Todos ajudámos a matar, todos ajudamos a matar, mesmo que involuntariamente, com o dinheiro dos nossos impostos. Todos temos uma parte da culpa. Cada dia das nossas vidas que é vivido sem combatermos esta ignomínia é um dia de omissão. Omissão colaborativa. Quatro anos de matança. Uma destas crianças mortas podia ser um de nós. Podia ser um dos nossos filhos. Dá que pensar...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Barrios - Julia Florida



O guitarrista Jason Vieaux toca a peça "Julia Florida" do compositor paraguaio Agustín Barrios. Local: Arkansas State University, 11 de Janeiro de 2007.