sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

Do Público de hoje, a respeito de declarações de Condoleezza Rice:

«Em defesa da CIA, Rice afirmou que não é surpreendente que a Casa Branca se tenha enganado em relação ao Iraque, porque "era um país fechado, com muito secretismo, que estava a fazer tudo o que era possível para enganar as Nações Unidas e o mundo".»

Se não fosse um assunto muito grave, e se a intervenção armada dos E.U.A. no Iraque não fosse um grave crime de guerra, até que daria vontade de rir ao ler estas palavras da Sr.ª Rice...

Bernardo

segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

Terrorismo e niilismo

Eis uma entrevista ao filósofo francês André Glucksmann, feita pelo Le Figaro, e extraída de "O Mundo Depois da Guerra no Iraque", da Relógio d'Água:

«AG: O terrorismo niilista não é uma especificidade muçulmana, é por isso que sou completamente contra a tese do conflito das civilizações entendido como uma guerra de religião. O niilismo é o denominador comum das grandes ideologias extreminadoras que temos conhecido e conhecemos. Nazismo, comunismo e islamismo vestem diferentemente a mesma pulsão de aniquilamento que permite também essas iniciativas mais individuais e locais.
LF: Em que consiste essa pulsão destruidora?
AG: O niilismo religioso reclama-se de um deus mais aniquilador do que criador; os niilistas sem Deus alinham com os outros pretextos como a raça, a história, para se dedicarem do mesmo modo a fazer
"tabula rasa". As crenças variam, mas não o furor que as instrumentaliza. Quer seja muçulmano, judeu ou cristão, o religioso tradicional fica desorientado. Ultrapassado.
LF: No fundo, essa pulsão destruidora tem pouco a ver com a religião?
AG: Estamos perante uma dissolução da religião, muito mais do que perante a sua afirmação fanática. A essência do niilismo não é religiosa.
(...)»


As palavras de Glucksmann estão plenas de lucidez.
O que ele chama de "niilismo" é o que eu referi aqui há meses como "anti-tradição" no contexto da "Idade Escura" dos hindus.
A crise do mundo moderno, em todas as suas vertentes, tem a sua razão profundamente enraizada em motivações anti-tradicionais, ou como diz Glucksmann, motivações "niilistas", que de facto nada têm de religiosas.

Bernardo

quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

Reis Magos

Ontem foi dia de Reis.
Como sucede todos os anos, a imprensa recuperou a eterna questão da estrela. "Que estrela seria? Em que dia e em que mês teria sido vista?".

Contudo, o episódio da visita dos Reis Magos a Jesus traz em si uma mensagem muito mais importante do que uma aula de astronomia. Mais uma vez, é o intenso e profundo simbolismo do episódio que parece nunca ganhar a atenção e a compreensão merecidas.

Por isso, socorro-me de novo da obra de René Guénon:

"A este propósito, precisaremos também um ponto que parece nunca ter sido explicado de uma maneira satisfatória, e que, não obstante, é muito importante: fizemos alusão anteriormente aos «Reis Magos» do Evangelho, como unindo em si os dois poderes; diremos agora que estes personagens misteriosos representam na realidade nada mais que os três representantes do Agartha. O Mahânga oferece a Cristo o ouro e saúda-o como «Rei»; o Mahâtma oferece-lhe o incenso e saúda-o como «Sacerdote»; e finalmente, o Brahmâtmâ oferece-lhe a mirra (o bálsamo da incorruptibilidade, imagem do Amritâ) e saúda-o como «Profeta», o Mestre espiritual por excelência.
A homenagem rendida assim a Cristo nascido, nos três mundos que são os seus domínios respectivos, pelos representantes autênticos da tradição primordial, é ao mesmo tempo, observe-se bem, a prova da perfeita ortodoxia do Cristianismo em relação a esta."
- René Guénon, "Le Roi du Monde", citado de Textos Tradicionales.

É esta a mensagem essencial e profunda da visita dos Reis Magos ao menino Jesus acabado de nascer, e que mostra o Cristianismo nascente pela pessoa de Jesus como uma tradição viva, autêntica e perene.

Bernardo

domingo, 4 de janeiro de 2004

A "linhagem" de Jesus

Deu hoje no Canal História um documentário, que suponho seja já antigo e repetido, sobre a eterna especulação em torno das hipóteses fantasiosas de uma descendência humana de Jesus.

Pergunto-me quantos foram os espectadores, sentados no conforto de suas casas, que se deram conta do fraquíssimo conteúdo histórico deste documentário? Não terá o Canal História como objectivo a divulgação da (verdadeira) História?

Todo o documentário gira à volta de expressões como "diz-se que..." ou "pensa-se que...". Mas quem diz? Quem pensa?

Ao que parece, ninguém "pensa" neste documentário, visto estar cheio de falsidades.

Eis apenas algumas:

Jesus casou com Maria Madalena e teve descendência. Esta descendência, a chamada "linhagem sagrada", veio dar origem à primeira dinastia da actual França, os Merovíngios. Os cavaleiros Templários, eternamente arrastados para todo o tipo de especulações pseudo-esotéricas, teriam como principal função a "protecção da linhagem".
Os erros grosseiros do documentário são tantos que demoriaria muito mais tempo a corrigi-los que deu a cometê-los.
Godofredo de Bulhão, campeão da Cruzada que tomou Jerusalém em 1099, surge como figura de proa na tomada de Jerusalém, segundo o documentário, porque "era da linhagem de Jesus".

Claro que a Igreja Católica, o eterno inimigo, quando ataca os hereges cátaros no século XIII está, segundo o documentário, a atacar a "linhagem", verdadeira ameaça para o poder católico instituido.

Chega-se ao ponto de sugerir que o trovador germânico Wolfram von Eschenbach (séc. XIII), no seu Parzival, aludia à "linhagem sagrada" quando falava nos cavaleiros do Graal.

Numa deturpação abusiva, "santo graal" passa a "sangraal" ou seja "sang raal". Daqui, salta-se para "sang real".
Assim, o Graal seria o "sangue real" de Jesus, a sua dinastia perpetuada secretamente através de 2.000 anos de História. E o inimigo desta dinastia seria, claro, a Igreja Católica, usurpadora do poder que pertenceria por direito a esta "linhagem sagrada". Como não ver nestas teorias, para além do interesse económico de editoras e canais televisivos sem escrúpulos, uma agenda anti-católica clara e evidente? Baseada na ignorância generalizada da opinião pública em relação a estes assuntos?

Tudo isto transpira, é claro, às fantasias modernas do Prieuré de Sion e da mitologia moderna de Rennes-le-Château. Todo o suporte pseudo-histórico deste documentário foi inventado há menos de 50 anos atrás.

Fica aqui o aviso: cuidado com a péssima qualidade dos documentários do Canal História. Pergunto-me que objectivos terá o Canal História para permitir que material de tão má qualidade e tão tendencioso possa ter direito a aparecer num Domingo à tarde, como documentário para toda a família assistir...

Enfim, já quase não há nada no cenário audiovisual moderno em que se possa verdadeiramente confiar e que esteja isento de "agendas"...

Bernardo

sexta-feira, 2 de janeiro de 2004

As cartas anónimas

É a indignação no PS relativamente ao mais recente fait-divers do caso Casa Pia:

Veja-se o que diz o Público:
«"Dizer-se que a situação é gravíssima, não chega por ser pouco", comentou hoje à Lusa um dos principais dirigentes do PS.».

Também não seria para mais, dada a situação. O magistrado João Guerra decidiu incluir no dossier do processo duas cartas anónimas que implicam Jorge Sampaio e António Vitorino, duas personalidades consideradas pela opinião pública como acima de qualquer suspeita.

Contudo, há que ter sempre a mais alta precaução relativamente a tudo o que sai da Comunicação Social, porque já nada é fiável. Neste caso, a Procuradoria Geral da República já emitiu um comunicado em que confirma a anexação das ditas cartas, mas afirmando que nem o Presidente da República nem o comissário europeu tiveram qualquer relação com a matéria investigada.

A inclusão de documentos "irrelevantes" (foi esta a expressão usada por João Guerra) num processo não é permitida pela lei. Por isso, parece-me pertinente enumerar as possíveis explicações, caso seja verdade que João Guerra o tenha mesmo feito. Primeiro, partamos do acto em si:

A) a inclusão dos documentos é totalmente ilegal, sem lugar a qualquer excepção;
B) existem determinadas situações em que tal acção pode ser legítima, e João Guerra poderá escudar-se atrás destas.

Deixo a opção B para quem sabe de Direito, que não é o meu caso.
Se, segundo alguma Comunicação Social, a opção A está correcta, então podemos ir mais além, enumerando as possíveis explicações:

1. Uma pura e inocente distracção levou ao cometimento de uma ilegalidade, ou seja, a inclusão de documentos irrelevantes para o processo;
2. A inclusão das cartas foi um acto pensado, e João Guerra não sabia que estava a incorrer numa ilegalidade;
3. A inclusão das cartas foi um acto pensado, e João Guerra sabia que estava a incorrer numa ilegalidade.

Não existem mais possibilidades.
As opções 1 e 2 parecem-nos estranhas, porque nos levariam a duvidar da competência do magistrado.
A opção 3 leva-nos a questionar que razões levaram o magistrado a cometer uma ilegalidade, se os documentos eram, como ele o diz, "irrelevantes".

O que se pode verificar é que qualquer uma das opções enfraquece sempre o processo e a credibilidade da Justiça.

Seja como for, há um facto que sobressai de todo este infeliz incidente: a inclusão de nomes que a opinião pública coloca acima de qualquer suspeita é um forte golpe no processo Casa Pia.

Se João Guerra fez uma ilegalidade premeditada, quem ganha com isso?

Bernardo