terça-feira, 28 de setembro de 2004

"O Código Da Vinci" desmascarado



Os media têm coisas engraçadas.

Durante os últimos meses, tenho tentado desmascarar o embuste Dan Brown, com relativo insucesso. A grande percentagem das pessoas que leram as minhas críticas reagiram de forma muito negativa. Muitos rotularam-me de "padre Motta", ou "supranumerário Motta". Porque eu era uma voz isolada, poucos ligaram. Muitos insultaram. A certa altura, referi o artigo do Nouvel Observateur. Isso gerou algum gelo nos contestatários, mas, enfim, era um artigo em francês. Uma língua difícil para o tuga. Poucos leram. A treta continuou.

Esta semana, a Visão, em colaboração com o Nouvel Observateur, trouxe-nos um artigo bem apresentado, bem trabalhado, bem traduzido. Finalmente, num periódico de grande leitura, uma apresentação correcta e relativamente completa sobre este grande embuste.

Pela primeira vez, vem lá tudo: Pierre Plantard, o seu passado anti-semita, as suas associações pseudo-cavaleirescas, as suas falsificações dos "dossiers secretos", as suas amizades. A desmontagem é potente. E atinge um público considerável aqui em Portugal.

Certamente que agora as vozes contestatárias (pelo menos aquelas de Portugal, que leram a Visão), irão começar a desaparecer. Para nos dar alguma paz e descanso.
O que me entristece é que é preciso que isto venha numa revista como a Visão para que se acredite. Hoje em dia, mais que o discernimento crítico, mais que a pesquisa pessoal, mais que o bom senso, mais que a cultura geral, o que vence sempre é a letra mediática. É o que vem nas revistas, nos jornais.

Desta vez, dou total apoio à Visão, pela sua iniciativa em prol da verdade. Mas porque é que é preciso uma revista semanal dizê-lo para que, finalmente, as pessoas se dêem conta de que tudo isto é um embuste, e uma história sinistra?

Que poder impressionante, o dos media...

Bernardo

terça-feira, 21 de setembro de 2004

O Santo Graal


Aqui há tempos, um leitor do Afixe pediu-me para escrever um artigo sobre o Santo Graal. Na altura, recordo-me de lhe dizer que daria um trabalho monstro resumir tão complexo assunto num artigo para o Afixe, mas que iria tentar...

Escrevi um artigo sobre o Santo Graal, porque corresponde a um dos capítulos do livro de Simon Cox.

Visto que se trata de um texto muito extenso, não quis publicá-lo no Afixe, porque iria tornar a página muito pesada e demorada a carregar. Contudo, deixo aqui o link, para quem estiver interessado passar por lá, e dar uma espreitadela.

O texto foi acabado agora mesmo, e escrito um bocado à pressa. Parti de um trecho de Guénon, que traduzi um bocado a correr, e adicionei alguns comentários no fim. Como tudo aquilo está ainda muito crú, e irá ser melhorado e corrigido com o passar dos dias, pareceu-me melhor apontar o link para o texto, em vez de o "postar" directamente. Porque certamente ficaria desactualizado depressa...

Bernardo

segunda-feira, 20 de setembro de 2004

À segunda-feira sai sempre um especial "Terra da Alegria"...

... que convém ler com atenção:

Terra da Alegria

E, a cada segunda-feira, eu me pergunto ao espelho: "E tu, preguiçoso? Para quando outro artigo para a Terra da Alegria?"

Aqui fica um compromisso de honra em relação a um artigo de substância, para breve.

Até lá, não deixem de consultar a TdA, às segundas e às quartas-feiras!

Bernardo

quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Mais material sobre o Carmelo de Vintras...

(publicado em paralelo no Afixe)

Eugène Vintras

Encontrei, num site italiano, este trecho da obra "Satan - Études Carmelitaines" (1948) do carmelita Bruno de Jésus-Marie:

Non abbiamo voluto render pubblico il testo completo della Confessione di Boullan. Il lettore ce lo perdonerà, ma non ne avrebbe sopportato la lettura. Tranne i passi interessanti che abbiamo segnalato, essa provoca disgusto e noia. In questo campo conviene limitarsi, ed anche così si rischia di danneggiare i più sensibili. Boullan — scrive Drack Dusquesne — non è un isolato. Appar­tiene ad una razza che la storia delle aberrazioni religiose non ignora. Il suo caso getta anzi uno spiraglio di luce su alcune manifestazioni non bene note, inserendosi nella grande corrente dei misteri orgiastici che si ritrovano in tutte le religioni come una deviazione, una stortura del culto reso a la Sophia o Sapienza divina. Le sette gnostiche vedevano nello Spirito Santo il «principio fem­minile » della Divinità. Tutta la dottrina di Boullan si riallaccia in modo del tutto naturale e continua la corrente « paracletica » pseudo-mariale, pseudo-carisma­tica degli illuminati medievali (Fratelli e Sorelle del Libero Spirito, Beghards e Beguines, ecc.). Se a Boullan non mancano antenati “spirituali”, tanto meno mancano discendenti. Quando egli muore nel 1893, alcuni dei suoi fedeli se ne tornano ai loro paesi, sia in Moravia sia nella Polonia, allora austriaca; ed è appunto là che, verso il 1894, cominciano i vati­cini di Maria Francesca Kozlowska, suora francescana, chiamata più tardi la Matuchka (la mammina), il cui illuminismo, dopo aver sedotto ecclesiastici quali Kowalski, Prochniewksi, ed altri, infatuati di ascesi e di misticismo anarchico, terminò nel 1903 con la condanna formale del movimento «mariavita » (de Mariae vita) da parte di Pio X. I settari si staccano allora da Roma e fondano la chiesa maria-vita, il cui Patriarca, Kowalski, e i vescovi sono (validamente) consa­crati dall’episcopato vecchio cattolico (giansenista) d’Olanda nel 1909. Il sogno di Boullan è realizzato! Ma la dottrina e la pratica dei “matrimoni mistici” tolti come quasi tutto il resto dalla dottrina di Boullan e destinati a diffondere la procreazione senza condupiscenza (sic) di bambini nati, per conse­guenza, mondi da peccato originale (sic), provocano uno scandalo inaudito. La “poligamia spirituale” (sic) dei Mariaviti è divenuta così pubblica che il Congresso Vecchio-Cattolico internazionale di Berna del 1924 lancia la scomunica a tutta la Chiesa mariavita, che contava allora circa 600.000 fedeli! Dopo di che il Patriarca ed alcuni Vescovi hanno subito in Corte d’assise gravi condanne per offesa al buon costume. Si potranno trovare particolari sul mariavitismo, ridotto oggi-giorno a 100.000 fedeli, nella collezione Die Religion in Geschichte und Gegenwart. I lineamenti caratteristici della setta sono del più puro Boullan, aggiuntavi la parte speciale che si attribuì la Matuchka di “reincarnazione della Santa Vergine” e di preposta, in questo mulier amicta sole, alla salvezza del genere umano, non appena inco­minceranno gli Ultimi Tempi, ormai imminenti”

A página de onde tirei isto é estranha, tem uma coloração horrorosa, e não sei se é fidedigna. Nem conheço o autor deste site, Vittorio Fincati.
Ainda não consegui verificar se este trecho está correctamente transcrito (o original é evidentemente em francês). Mas a obra "Satan - Études Carmelitaines" existe mesmo, assim como foi escrita pelo carmelita Bruno de Jésus-Marie, cuja autoridade e competência historiográfica é incontestável.

Se o texto for fidedigno à obra do carmelita, então temos um relato rigoroso e valioso da forma como este historiador encaixa esta cadeia de movimentos orgiásticos resultantes do legado de Vintras na história do satanismo. Segundo Bruno de Jésus-Marie, o Carmelo de Vintras é uma extensão da heresia do gnosticismo.

Mais sobre isto em breve...

Bernardo

terça-feira, 14 de setembro de 2004

Eugène Vintras, senhor Simon Cox?

(publicado em paralelo no Afixe)

Regresso de novo ao meu tema fetiche: o sub-mundo onde Dan Brown decidiu chafurdar no seu último romance, "O Código Da Vinci".

O que eu tenho para dizer ainda não merece ser lido como um "artigo", porque o que eu quero contar agora não é ainda uma posição sólida. É apenas um desabafo de preocupação. Estou ainda a pesquisar, e ainda não tenho provas contundentes em relação ao que vou escrever agora.

É bem conhecida a simpatia que Dan Brown nutre por Margaret Starbird, a teórica americana do "sagrado feminino":

http://www.telisphere.com/~starbird/

Eu costumo dizer que esta senhora é a inventora do "sagrado feminino", e de uma muito peculiar interpretação do conceito alquímico do "hieros gamos", ou "casamento sagrado". Mas se calhar, ela não é a "inventora" coisa nenhuma, porque hoje em dia já são poucas as coisas verdadeiramente novas...

Para resumir, Starbird afirma que o modelo máximo de divindade está na união sexual de Jesus com Madalena, ou seja, do "deus" com a "deusa".

Tudo isto parecerá pateta, mas se se reparar no site de Margaret Starbird, ela está a falar muito a sério: o número de palestras que ela dá por toda a América é surpreendente. Assim como o número de obras que ela já escreveu sobre o assunto.

Por isso, nada de mais natural do que Dan Brown ter usado esta "estrela em ascensão", para inserir mais um detalhe pitoresco e vigoroso no seu romance: o "hieros gamos".

Até aqui, toda a gente poderia sorrir, ou até dizer: "e qual é o mal, Bernardo, porque é que ficas sempre tão lixado com estas coisas?"

É que, com o passar dos anos a farejar estas porcarias, adquire-se um faro... E este meu faro sensível a este tipo de porcaria andava a chatear-me desde que tomei contacto com estas teorias do "hieros gamos". De onde tinha vindo tudo isto? Onde é que eu já tinha visto isto anteriormente?

Foi com a leitura do "Código Da Vinci Descodificado", de Simon Cox, que se fez luz na minha mente. Ora então diz este senhor a páginas tantas (no capítulo sobre o "Hieros Gamos"):

"Tentativas genuínas para obter um ramo mais «gnóstico» do Catolicismo, incorporando rituais sexuais sagrados e a restauração da monarquia francesa duma forma muito semelhante à dos dogmas do Priorado de Sião, podem ser encontradas num movimento chamado a Igreja do Carmelo..."

Foi como se se tivesse feito luz!
"Igreja do Carmelo"? Isto soava-me a "déjà vu". Logo depois de ter ficado chocado pelo aval de Simon Cox à seita satânica e orgiástica de Eugène Vintras, comecei a pesquisar sobre o assunto. E o que encontro? O mistico Vintras fundou o Carmelo porque acreditava que a santificação vinha da prática da "sexualidade sagrada". Cá está o elo até às teorias de Starbird que eu procurava!

Estou neste momento a fazer uma viagem bem suja ao sub-mundo do satanismo do século XIX e do início do século XX. Nomes como Clément de Saint Marcq, o padre Boullan, Eugène Vintras, e outros mais modernos como Jean (Joanny) Bricaud, podem ser estranhos a muita gente, mas quando eles começam a surgir, não se trata de coisa boa, acreditem...

E, para mais, não há semelhança alguma entre a mistificação do Priorado de Sião (invenção de Pierre Plantard) e as seitas orgiásticas de Vintras e Boullan! Porque raio assimila Simon Cox as duas coisas? Plantard não era tão perverso!

O Carmelo de Vintras (que foi continuado após a morte deste pelo infame padre Boullan) constituiu uma das situações mais exóticas e funestas de propagação do satanismo através de missas negras, com profanações como a prática de sexo em grupo e de masturbação em altares consagrados e em conventos. A febre orgiástica de Vintras espalhou-se como pólvora e foi complicado para a Igreja Católica conseguir contê-la e extinguir o movimento. Até os suspeitos ocultistas franceses do "fin de siècle" atacaram violentamente o movimento de Vintras e Boullan (como foi o caso de Stanislas de Guaita), que consideravam escandaloso e perverso.

Eis senão quando o século XXI assiste ao reaparecimento, devidamente sanitizado por Margaret Starbird (que se calhar, inocentemente, não imagina de onde lhe vem a sua "inspiração"), dos ideais do Carmelo de Vintras, através desta publicidade inaudita ao "casamento sagrado", ou "hieros gamos".

Ainda não estou em condições de escrever algo de sério. Faltam-me provas, e tenho que obter documentos originais. Mas tudo aponta para uma semelhança assustadora entre a recuperação do "hieros gamos" por Dan Brown e Margaret Starbird, e as heresias de perversão sexual de Eugène Vintras.

Mas a procissão ainda vai no adro, se se souber que Vintras era um seguidor do falso Louis XVII (Naundorff), que ele dizia que deveria subir ao trono de França, porque era o "Grande Monarca". Isto diz alguma coisa aos nossos leitores? Nostradamus? É que o mito do "grande monarca", falado pela primeira vez pelo vidente Michel de Notredame (Nostradamus), foi recuperado em pleno século XX, aquando do livro "Holy Blood, Holy Grail" do trio britânico, uma década antes de Dan Brown. O trio britânico via em Pierre Plantard o tão aguardado "grande monarca", futuro rei dos Estados Unidos da Europa.

E Dan Brown chafurda nisto tudo como gente grande!
Parece uma criança a brincar numa central nuclear abandonada!

Conclusão: Dan Brown está, à custa da psique hodierna e da ignorância dos leitores, a fazer dinheiro com um romance que é um autêntico barril de pólvora das maiores imundícies que o género humano alguma vez produziu, disfarçadas de "suspense" artístico-literário.

Estará Dan Brown consciente? Estará Margaret Starbird consciente? Saberão eles da sua "afinidade ideológica" com o Carmelo de Vintras? Eu não sei! O que sei é que Simon Cox chegou lá, e disse-o no "Código Da Vinci Descodificado", dando a Igreja do Carmelo de Vintras como um exemplo de "tentativa genuína para estabelecer um ramo mais «gnóstico» do catolicismo".

A ver vamos... Era só para levantar um pouco o véu às coisas que ando agora a pesquisar... Quando tiver algo de mais sólido não hesitarei em publicá-lo.

Bernardo

segunda-feira, 6 de setembro de 2004

É com um artigo verdadeiro que...

... se inicia mais uma brilhante temporada no Guia dos Perplexos.

O nosso amigo José traz-nos um texto tão lúcido e pertinente, que tem que incomodar muita gente. Hoje em dia, infelizmente, a verdade incomoda sempre.

O José trouxe-nos a descrição de um debate televisivo interessante (o que por si só seria uma esplêndida e fresca novidade), na RTP, no qual participaram várias pessoas, mas das quais o José quis, e bem, realçar o Dr. Carlos Santos Gomes, pela sua participação modesta mas decisiva (pelo que diz o José, não o deixavam falar, o que faz todo o sentido, porque ele pareceu ser o mais competente e o que tinha, de facto, alguma coisa para dizer).

O escândalo máximo do debate terá ocorrido, segundo o José, quando o dito médico estimou que, neste momento, morressem em Portugal devido ao aborto clandestino, entre uma e duas mulheres por ano!

Escândalo nas hostes abortadeiras!

Por favor, leiam o artigo do José. A lucidez, na blogosfera, é um bem escasso. Saibamos aproveitá-la...

Termino com as "20 boas e verdadeiras razões para se votar sim no referendo do aborto", conforme apresentadas pelo José:

"Porque é de esquerda
Porque é um direito a mais que conquistamos
Porque é um dever a menos que suportamos
Porque os países civilizados tem
Porque é sinal de modernidade
Porque a Igreja é contra
Porque é mais uma causa
Porque é o principal problema deste país
Porque assim está-se mais à vontade
Porque assim controlo melhor o meu destino
Porque a barriga é minha e só lá está quem eu deixo
Porque já andamos nisto há uma data de tempo
Porque eu choro e os fetos não choram
Porque até fica bem no currículo
Porque me convém
Porque é mainstream
Porque é mais um passo
Porque eu quero
Porque eles não querem
Porque sim"


Bernardo

quinta-feira, 2 de setembro de 2004

O suposto "papa de Hitler"

(publicado em simultâneo no Afixe)



Pio XII - Eugenio Pacelli - 1876-1958

Já lá vão dois anos que li o "Hitler's Pope", de John Cornwell. Foi um livro que vendeu bem, e teve até honras de tradução portuguesa - "O Papa de Hitler" (precisamente porque venderia bem, traduziu-se). Por cá, sei que muitas pessoas o leram, e quem o leu entenderá o que eu vou dizer de seguida.

Lido a uma velocidade estonteante, o livro de John Cornwell foi escrito para não deixar margem para dúvidas ao novato. Eu era um novato. Ao final do livro não tinha dúvidas. Eu tinha-me transformado num anti-Pio XII. Mas um novato nunca dá por nada. Não sabe ler nas entrelinhas. Lê tudo. Papa tudo. E eu dizia a toda a gente que Pio XII era um dos piores papas do século XX, e toca a andar...

Naturalmente, e graças a Deus, as pessoas amadurecem e eu não fui excepção. Navegando na Internet, já se tornava cada vez mais frequente encontrar páginas refutatórias destes ataques a Pio XII, pelo que, a pouco e pouco, comecei a suspeitar de que o nosso amigo John Cornwell tinha deturpado um bocadito as coisas.

Pode-se datar o início da campanha anti-Pacelli à peça de teatro "O Vigário" do escritor alemão Rolf Hochhuth (1963). Sim, porque fique-se a saber que, desde o final da guerra em 1945 até 1963, os ataques a Pacelli eram praticamente inexistentes. Antes pelo contrário, os louvores sucederam-se a uma velocidade estonteante, e começaram mesmo a meio da Guerra, como se poderá ver mais abaixo.

De 1963 até aos dias de hoje, a avalanche anti-Pio XII tem crescido. Os media, como sempre, gostam de dar uns retoques surrealistas para apimentar a discussão. O filme "Amen" de Constantin Costa-Gravas, é um belo exemplo desses processos mediáticos de profunda deturpação histórica, quando o que conta é o que vende, e o que vende é o "papa de Hitler".

Da esplêndida obra de Matteo L. Napolitano e Andrea Tornielli, "Il Papa che salvò gli ebrei" (2004), podem-se agora tirar ilacções totalmente diferentes daquelas que os media têm tentado impor à mente do "consumidor". Estes dois autores, aproveitando-se da abertura recente do Arquivo Secreto do Vaticano relativo aos anos "quentes" do pré e do pós Segunda Guerra Mundial, por autorização e ordem expressa do Papa João Paulo II, puderam elaborar várias obras em torno do tema, das quais destaco aquela atrás citada.

Assim, o livro que cito, bem mais pequeno que o de Cornwell, está, contudo, repleto de excertos fulcrais de cartas e documentos originais do Vaticano. Está repleto de trechos vitais de correspondência entre embaixadores, núncios apostólicos, papas (o período abrange os papados de Pio XI - Achille Ratti - e Pio XII - Eugenio Pacelli), dirigentes políticos, representantes de associações judaicas, entre outros.

Napolitano e Tornielli não se perdem em grandes especulações. Limitam-se a intercalar uma citação de um documento com um ou outro comentário. O que interessou, para eles, foi colocar num volume de fácil leitura, o máximo possível de factos concretos provenientes da documentação oficial, agora que ela foi tornada pública.

Que podemos ler nesses documentos?
O filonazista Pacelli?
O germanófilo Pacelli?
O antisemita Pacelli?

Não me parece...

Ao folhear as páginas deste livro, que estão tão repletas de refutações às teses do "papa de Hitler" que dá vontade de bater nos difamadores, dei-me conta de uma curiosidade: na sua obra supracitada também John Cornwell tinha cedido à tentação de dizer algo como: "no início eu queria verificar que a tese do papa de Hitler estava errada, mas no desenrolar da minha investigação, eu tive que mudar de opinião", etc, etc... (não foram estas as palavras, não tenho o livro agora aqui à mão, mas foi algo de parecido o que ele disse). Onde é que eu já tinha visto isto? Esta conversa fiada?

Aqueles que leram o livro do trio britânico Henry Lincoln, Michael Baigent, e Richard Leigh, sobre o mistério de Rennes e o Priorado de Sião, sabem a que conversa fiada me refiro: também este maravilhoso trio de investigadores tinha decidido "partir à procura da refutação", mas inevitavelmente teriam sempre que concluir que, afinal, "era tudo verdade".

Ou seja, uma táctica bem conhecida de bluff intelectual. Mas que funciona. É eficaz.

Isto já vai longo. Queria deixar-vos com algumas citações deste livro. Em primeiro lugar, esta, do prefácio de Sérgio Romano:

"Ma in bocca a certi studiosi come quelli citati da Napolitano e Tornielli nel loro libro, certi giudizi su Pacelli mi sembrano configurare il più grave dei peccati che gli storici commettono talvolta nel loro lavoro. Si chiama anacronismo."

Algumas citações de posições a favor de Pio XII e da Igreja Católica durante este periodo conturbado (tentei traduzi-las a olho, quem não gostar da tradução pode pedir-me os excertos originais em italiano):

"Tenho na minha mesa [de trabalho], em Israel, uma pasta intitulada «Calúnias contra Pio XII». Sem ele, muitos dos nossos não estariam vivos" - Rabi-chefe de Roma, Israel Zolli.

"Se o papa tivesse falado [abertamente contra o regime de Hitler], Hitler teria provavelmente massacrado mais de seis milhões de hebreus e talvez dez vezes dez milhões de Católicos, se tivesse tido o poder para o fazer" - Rabi-chefe da Dinamarca, Marcus Melchior.

"Qualquer ofensa propagandística da Igreja Católica contra o Reich hitleriano teria sido não só um provocatório suicídio, mas também teria acelerado a execução de muitos outros hebreus e padres" - Robert M. W. Kempner, juíz de instrução do processo de Nuremberga.

"Só a Igreja contrariou de forma decisiva a campanha de Hitler para suprimir a verdade. Eu nunca nutri interesse especial de qualquer tipo em relação à Igreja anteriormente, mas agora tenho um afecto e uma admiração profunda porque só a Igreja teve a coragem e a persistência de se erguer em favor da verdade intelectual e da liberdade moral. Sou levado a confessar que aquilo que eu via há já tempo com desprezo, agora louvo-o sem reservas." - Albert Einstein, em entrevista à Time (1940).

"A Santa Sé está a prestar a sua potente ajuda onde pode para mitigar o facto dos meus correlegionários perseguidos" - Chaim Weizmann, durante a Guerra, antes de se vir a tornar no futuro primeiro presidente do Estado de Israel.

"Disse-lhe que o meu primeiro dever era agradecer-lhe, e através dele agradecer da parte do povo hebreu à Igreja Católica, por tudo o que tinha feito nos vários países para salvar os hebreus" - Moshe Sharrett, o segundo presidente do Conselho israelita, em visita a Pio XII, em Abril de 1945.

"O povo de Israel nunca mais esquecerá o quanto Sua Santidade e os seus ilustres delegados, inspirados no eterno princípio da religião, que forma o verdadeiro fundamento da verdadeira civilização, estão a fazer pelos nossos desafortunados irmãos e irmãs na hora mais trágica da nossa história, e que é a prova viva da Divina Providência neste mundo" - Isaak Herzog, Rabi-chefe da Terra Santa, em carta dirigida ao Delegado apostólico de Istambul, Angelo Roncalli, em Fevereiro de 1944.

Mas Napolitano e Tornielli não se ficam por aqui. Por simples citações. Numa análise surpreendentemente tão lúcida quanto sucinta, eles passam revista a todas as teses anti-Pacelli, apoiando-se em argumentos e documentos refutatórios credíveis e verificáveis, porque, ao contrário do livro de Cornwell escrito numa altura em que a verificação no Arquivo Secreto era ainda privilégio de poucos, agora os arquivos estão abertos. Sobretudo o dossier "Germania", que contém um acervo impressionante de correspondência fulcral.

Espero regressar a este tema polémico em breve. A minha intenção foi apenas a de partilhar convosco alguns fortes pontos de vista de quem contesta em voz alta e com indignação esta onda infame do "papa de Hitler".

Na minha opinião estritamente pessoal, não consigo isolar esta onda anti-Pacelli da onda das pseudo-teses de Dan Brown. Para mim, fazem parte de uma longa e profunda ofensiva anti-católica, que está activa há muitos anos, e a crescer em força e em alcance mediático.

Bernardo

quarta-feira, 1 de setembro de 2004

Cá vem a tradução...

... do excerto de Jean Borella que apresentei no último artigo.

Caro Francisco, sempre às ordens! Desculpa só a fraca qualidade da tradução, mas não tenho um dicionário à mão e isto vai ser feito a olho!

"Não há, então, inconveniência radical entre a essência feminina e o sacerdócio. Não podem senão existir inconveniências relativas à natureza particular, e mesmo única, do sacerdócio cristão. E, antes de mais, dever-se-ia afirmar que estas inconveniências relativas não são senão a contrapartida de uma conveniência maior para uma outra função [da mulher] na economia geral do cristianismo. É então a natureza do sacerdócio cristão, desejada por Cristo, que determina conveniência e inconveniência, sendo entendido, mais uma vez, que estas nada têm de arbitrário, e contribuem pelo contrário a fazer do homem e da mulher o que eles devem ser para Deus. Assim, a abolição desta distinção quanto à aptidão dos dois sexos ao sacerdócio teria por efeito, não somente alterar (ou mesmo enfraquecer) a essência verdadeira do sacerdócio cristão, mas ainda perverter a relação que a mulher cirstã possui com a economia da salvação, e por via das consequências, arruinar definitivamente a ordem da sociedade cristã. Porque não é indiferente, para esta sociedade, que a distinção dos sexos, que está na base de toda a organização social, esteja sancionada e conservada por uma instituição divina, que, sózinha, lhe dá o seu sentido verdadeiro. Repousando apenas em critérios biológicos, ou seja, em última análise, animais, é toda a organização social que passa a estar "animalizada". E cada qual sabe que um homem reduzido à sua animalidade não é mais que uma besta. Querendo apagar todos os sinais distintivos dos dois sexos, os feministas não se dão conta que se condenam necessariamente a sofrer a ditadura da inapagável distinção psicológica, a qual, reinando, não conhece outros limites que os da sua própria satisfação e não pode senão ir ao ponto de transformar as mulheres em puras fêmeas para machos reduzidos à função genesíaca. Esta é a verdade rigorosamente inscrita na revolução do «segundo sexo»." - Jean Borella, "De la Femme et du Sacerdoce".

A tradução é má, mas que fique bem claro que Jean Borella repudia a expressão "segundo sexo"! Para ele, e eu partilho desta opinião, o feminismo é um dos maiores atentados à verdadeira essência da mulher que a História humana alguma vez assistiu. Obviamente que o machismo, nem é preciso dizer, é uma postura de, e para, imbecis. A "luta dos sexos" só tem lugar no mundo complexo, variável e inconstante da psique e da emotividade humanas. No plano de Deus, apesar de terem "papéis" diferentes, homem e mulher são seres em "igualdade hierárquica".

Se algo ficou pouco claro deste pequeno excerto, porque eu tive que escolher uma parte pequena (o resto pode ser lido no site que indiquei), foi como expõe Jean Borella o papel da mulher no plano salvífico de Deus, de acordo com a doutrina católica. Remeto os leitores para o artigo de Jean Borella, porque isso exigiria um artigo grande só por si. Se eu puder, regressarei a este tema, traduzindo mais alguns excertos do referido artigo, sobretudo nesta última parte do papel da mulher, que é deveras interessante.

Um abraço,

Bernardo

ADENDA: Quando usei a palavra "feminismo", fi-lo, aliás como Jean Borella, no sentido de "extremismo feminista". Evidentemente que não podemos estar contra a protecção da mulher e dos seus genuínos direitos, bem como a protecção dos genuínos direitos de quem quer que seja. Contudo, e fica bem claro pela posição aqui apresentada, não considero o sacerdócio na sua forma especificamente cristã um direito genuíno da mulher.