sexta-feira, 3 de junho de 2011

São Tomás de Aquino sobre o lúdico

(Nossa Senhora jogando às cartas com o Menino Jesus - painel de azulejos na nave da Sé Catedral de Beja)

É frequente a crítica que se faz à Igreja Católica por esta ser, alegadamente, uma força de bloqueio às coisas boas da vida e ao divertimento. Essa crítica é absurda, sobretudo no contexto da verdadeira revolução que o cristianismo operou durante a Idade Média, e que lançou as bases para a melhor parte do nosso legado cultural. O humor é um legado medieval. Uma das melhores defesas das virtudes do humor, da brincadeira e dos jogos vem do maior teólogo cristão do período, São Tomás de Aquino.

Eis um excerto do segundo artigo da Questão 168 da parte II-II, no qual São Tomás responde à questão de se não haverá alguma virtude nas actividades lúdicas, "Videtur quod in ludis non possit esse aliqua virtus" (a tradução completa deste artigo encontra-se aqui):

«RESPONDO. Assim como o homem precisa de repouso para refazer as forças do corpo, que não pode trabalhar sem parar, pois tem resistência limitada, proporcional a determinadas tarefas, assim também a alma, cuja capacidade também é limitada e proporcional a determinadas operações. Portanto, quando realiza certas atividades superiores à sua capacidade, ela se desgasta e se cansa, sobretudo porque nessas atividades o corpo se consome juntamente, pois a própria alma intelectiva se serve de potências que operam por meio dos órgãos corporais. Ora, os bens sensíveis são conaturais ao homem. Por isso, quando a alma se eleva sobre o sensível para se dedicar a atividades racionais, gera-se aí certa fadiga psíquica, seja nas atividades da razão prática, seja nas da razão especulativa. Mas a fadiga é maior quando o homem se entrega à atividade contemplativa, porque é assim que ele se eleva ainda mais sobre as coisas sensíveis, embora em certas ações exteriores da razão prática possa haver, talvez, um cansaço físico maior. Em ambos os casos, porém, ocorre o cansaço da alma, tanto maior quanto mais se entrega às atividades da razão. Ora, assim como a fadiga corporal desaparece pelo repouso do corpo, assim também é preciso que o cansaço mental se dissipe pelo repouso mental. O repouso da mente é o prazer, como acima se explanou ao se falar das paixões (I-II, q. 25, a. 2; q. 31, a. 1, ad 2). Daí a necessidade de buscar remédio à fadiga da alma em algum prazer, afrouxando o esforço do labor mental. Nesse sentido, lê-se nas “Conferências dos Padres”, que João Evangelista, quando alguém se escandalizou de o ver jogando com os discípulos, mandou um deles de arco na mão que disparasse uma seta. Depois que ele repetiu isso muitas vezes, perguntou-lhe se poderia fazê-lo sem parar, ao que o outro respondeu que, se assim procedesse, o arco se quebraria. Então, o santo observou que, da mesma forma, a alma se romperia se permanecesse sempre tensa.
Essas palavras e ações nas quais não se busca senão o prazer da alma chamam-se divertimentos ou recreações. Lançar mão delas, de quando em quando, é uma necessidade para o descanso da alma. E é o que diz o Filósofo, quando afirma que “em nosso dia-a-dia, é com os jogos que gozamos de algum repouso”. Por isso, é preciso praticá-los de vez em quando.» (o negrito é meu)

Há algo de elementar que os adversários da Igreja Católica, na sua maioria, ainda não entenderam. A Igreja Católica, propondo um credo exigente (como o são todas as coisas verdadeiras), não poderia manter, durante mais de dois mil anos, o seu imenso apelo se esse credo não respondesse às aspirações mais genuínas do ser humano. Se o divertimento, os jogos, o sentido de humor, são características excelentes do ser humano, a Igreja Católica não teria sobrevivido todo este tempo se não fosse compatível com elas, e se não as encorajasse...
Se Chesterton ainda fosse vivo, e perante o colapso do Comunismo do final dos anos oitenta, ele provavelmente diria que essa ideologia morreu por falta de humor. Os comunistas, ao contrário dos cristãos, eram demasiado sérios. Morreram de tédio, e por essa razão (e por outras) desapareceram da face da Terra.

7 comentários:

Amilcar Fernandes disse...

Ja conheci muitas abordagens sobre o riso, nunca vi nenhuma caricatura ou retrato de deus ou jesus a rir, jesus riu? Não tendera o humor a profanar o sagrado. Parece-me que os católicos pensam que sim. Se o bernardo vivesse no convento medieval imaginario do humberto eco no nome da rosa, em que um jorge de burgos representa o guardião da verdade absoluta que não pode ser desafiada nem mesmo pelo riso,"“Mas o que te assustou nesse discurso sobre o riso? Não eliminas o riso eliminando o livro.”, todos morreriam e não podia rir. Aliás uma vez aqui coloquei uma inofensiva piada num comentario relacionada com o tema do post, de uma velhota, um preserbvativo, um orgão (instrumento musical) e um padre e fui logo ameaçado de censura ao comentario, por isso pela amostragem se ve o riso dos catolicos, só faltou considerar um sacrilegio.

Anónimo disse...

Muito bom artigo!

Sempre recomendáveis os bons momentos lúdicos, e se em comunidade ainda melhor. Jesus até transformou água em vinho :)

Amilcar Fernandes disse...

É pá essa de transformar água em vinho é o milagre mais fácil que existe, por cá também se prática ha muitos anos, e chama-se martelar o vinho. Pelos vistos e há documentos escritos religiosos e tudo nesse sentido, em cannã era prática corrente faze-lo e ninguém se importava com a qualidade do “licor”, em convivios comunitários alargados como casamentos era natural que o vinho faltasse por isso na ausência de uma ASAE fiscalizadora recorria-se ao truque, no fundo no fundo, é como fazer um “autêntico” e “original” sumo de laranja a partir de um tang e agua. Tem a cor de sumo, sabe a sumo, mas não é autentico sumo. O milagre milagre é transformar vinho em água isso sim.

Anónimo disse...

Os convidados disseram que aquele era o melhor vinho, logo não seria "tanga".

Amilcar Fernandes disse...

"Os convidados disseram que aquele era o melhor vinho, logo não seria "tanga"."

Ora, ora, isso ja era efeito da "carraspana"?

Bernardo Motta disse...

Caro Anónimo,

Leia, por favor, o meu mais recente "post", no qual respondo aos seus comentários.

Cumprimentos

Amilcar Fernandes disse...

Afinal não respondeu nada.