quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Richard Leigh (1943-2007)


No passado dia 21 de Novembro, morreu em Londres o escritor Richard Leigh, ficcionista, cuja notoriedade se deve maioritariamente à sua obra Holy Blood, Holy Grail (Londres, Dell, 1982), escrita em co-autoria com Henry Lincoln e Michael Baigent.

A última aparição mediatizada de Leigh deu-se durante o processo que moveu em Fevereiro de 2006, juntamente com Baigent, contra o autor Dan Brown, alegando que a sua obra The Da Vinci Code plagiara a obra Holy Blood, Holy Grail.

A decisão do Juiz Peter Smith (7 de Abril de 2006) foi clara e justa: não havia matéria para plágio. Dan Brown inspirou-se, e de que maneira, na obra do trio. Sem a obra do trio, Dan Brown não teria escrito O Código da Vinci, porque não teria tido acesso à "tese" que estrutura o romance. Mas Dan Brown não copiou trechos da obra do trio, ou seja, não a plagiou materialmente. Se é certo que se deve ao francês Pierre Plantard (1920-2000) a autoria do mito moderno do Priorado de Sião, também é justo atribuir ao trio a autoria de uma das mais belas mistificações dos nossos tempos: a teoria do "sangue real", da pretensa descendência humana de Cristo por via de Maria Madalena.
Fazer de Madalena a "mulher" de Jesus e a mãe dos "seus filhos" é, sem dúvida, um dos grandes feitos desinformativos das últimas décadas. E deve-se a este trio.
Plantard não se promoveu a descendente de Cristo. Quem o fez foi o trio Lincoln, Baigent e Leigh (com grande indignação por parte de Plantard, diga-se de passagem).

Hoje em dia, são incontáveis os títulos que circulam no mercado literário, explorando aberta e descaradamente este filão, num novo género que surge com a designação de "história alternativa", sobretudo sob a forma de obras anglo-saxónicas.

Há muita gente em dívida para com Lincoln, Baigent e Leigh. Muitos autores, e sobretudo editores, que ganharam e ainda ganham a sua vida a explorar o filão do "sangue real", as modernas fantasias pseudo-históricas, anti-cristãs e anti-científicas.

Não sei quem terá estado presente no enterro de Leigh. Mas, certamente, muitas pessoas deveriam lá estar a prestar homenagem ao homem que deu tanto dinheiro a ganhar a tanta gente. Leigh deverá ter ficado arruinado após o desfecho do processo de 2006, gastando a simpática quantia que ganhara durante os anos oitenta e noventa com a venda do Holy Blood, Holy Grail. Duvido que o influxo positivo d'O Código da Vinci na venda da obra do trio nestes últimos anos tenha compensado a ruína dos custos judiciais. Não me espantaria se Leigh tivesse morrido deixando a família em dificuldades económicas, e talvez ainda com dívidas para pagar a advogados do processo e indemnizações da Dan Brown e à sua editora.

Contudo, a gigantesca hidra editorial continua viva, à margem destes processos, a capitalizar fortemente a invenção literária do trio.

Não basta apenas considerar a máquina financeira que alimenta e cresce sobre o filão da "tese" do "sangue real". Há também que ter em conta que influentes grupos maçónicos (não toda a Maçonaria, é certo) aproveitaram e aproveitam esta "tese". A pertença de, pelo menos, Michael Baigent à Maçonaria (presumimos que a uma filiação regular) é assumida pelo próprio. Olhando para a obra colectiva dos três, não é de estranhar a proximidade dos outros dois autores, Lincoln e Leigh, a meios maçónicos ou para-maçónicos.

A destruição do cristianismo romano, ou pelo menos, o combate à dogmática católica, continua a ser o horizonte de vida de muitos maçons. A génese da Maçonaria na Grã-Bretanha protestante (James Anderson, 1717), e o influxo jacobino durante a Revolução Francesa, explicam-no e demonstram-no cabalmente, mesmo que algumas poucas filiações maçónicas não tenham vivido, e não vivam hoje, da guerra contra Roma.

É ainda toda uma franja da sociedade, que é anti-cristã e fanaticamente laicizante, que ganha com a demolição histórica do cristianismo (com a distorção da verdade histórica), e por isso, esta franja tem que demonstrar uma dívida de gratidão para com aqueles bravos e valentes maçons que trabalharam e trabalham para construir uma "história alternativa" que sirva o actual statu quo e que promova a agenda propagandística dos nossos tempos.

Curiosamente, a "New Age" e os seus novos filões literários de "história alternativa", poderão estar a fazer bem mais pela demolição do legado de Cristo junto da maleável e influenciável opinião pública do que os esforços de Marx!

Enfim... Que Richard Leigh descanse em paz!
Foi uma figura charneira nesta agitação anti-católica do virar do século, mas não chegou a tirar todo o proveito (financeiro ou outro) da sua genial criação...
Ironias do destino.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Mulheres, cristianismo e honra

Mário Soares, o actual presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, teceu hoje algumas considerações curiosas acerca de religião, mais específicamente das religiões judaica e cristã, fazendo algumas interpretações pessoais acerca do Antigo e do Novo Testamento.

O texto completo da notícia pode ser lido aqui.
Também lá estava Manuela Augusto, presidente do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas, que abriu o colóquio "Mulheres na Religião".

Citando passagens avulsas dos livros sagrados, diz Soares a certa altura:

Para demonstrar a «pouca estima que as religiões têm pela mulher», Soares recitou uma das mais famosas passagens da Bíblia: «Não cobiçarás a mulher do próximo...» e, depois de uma pausa, continuou ... «nem o escravo, o boi, o burro, nem nada que lhe pertença»
(...)
Para Mário Soares, que é o presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, este mandamento sagrado demonstra a "posição de inferioridade" da mulher no mundo da religião, que a iguala ao "boi e ao burro".


Não é preciso grande esforço para ler isto correctamente.
Apesar do final da frase, "nem nada que lhe pertença", falamos de pertenças muito diferentes.
Podemos dizer, sem qualquer risco de excesso machista, que a mulher pertence ao seu marido.
Como podemos dizer, sem qualquer risco de excesso feminista, que o marido pertence à sua mulher.
São dom eterno de um para o outro.
É assim que ensina a mais rudimentar teologia cristã.
E no entanto, o matrimónio é entre homem e mulher, e não entram na equação bois ou burros...
Este mandamento, distorcido por Soares, diz afinal uma coisa bem simples, que ele não compreendeu (ou não quis compreender):
o matrimónio é demasiado sagrado e sério para ser destruído por pessoas de fora.
O decálogo, entre outras coisas, proíbe a cobiça de pertences, é certo, mas proíbe a pior cobiça de todas: cobiçar a "cara-metade" do próximo!

É, sem dúvida, curiosa a leitura muito pessoal que Soares faz deste trecho, e de outros.
Deixa também por explicar um tremendo paradoxo: como é possível que, sendo as mulheres a larga maioria dos fiéis, elas aceitem em larga medida, e voluntariamente, jogar este pretenso jogo judaico-cristão do "escravo", do "boi" e do "burro"...

Há várias possibilidades:

a) as mulheres crentes em geral não sabem ler
b) as mulheres crentes em geral sabem ler, mas desconhecem a Bíblia e nunca leram os trechos indicados
c) as mulheres crentes em geral leram os trechos e aceitam a comparação que é feita
d) as mulheres crentes em geral leram os trechos e não aceitam a comparação que é feita
e) os textos em questão não devem ser lidos através das lentes de Mário Soares e de Manuela Augusto

Eu cá voto apenas na última alínea!
E parece que os nossos Mário Soares e Manuela Augusto votariam nas primeiras quatro alíneas!
Curiosamente, temos que escutar Mário Soares, e a sua colega de evento, Manuela Augusto, para vermos duas pessoas a infantilizarem profundamente as mulheres crentes, e deste modo, a faltarem-lhes ao respeito.
Ao suporem que as mulheres crentes não sabem que o decálogo as compara a escravos, bois e burros, chamam-lhes ignorantes ou iletradas.
Ao suporem que as mulheres crentes aceitam serem comparadas a escravos, bois e burros, chamam-lhes submissas e de masoquistas.
Ao suporem que as mulheres crentes não aceitam serem comparadas a escravos, bois e burros, e nada fazem de eficaz de forma a contrariar tal situação, chamam-lhes ineficientes ou passivas!

Pois, segundo a leitura errada que ambos fazem do texto sagrado, as mulheres crentes são "escravas" ignorantes num mundo de homens!

Para ler qualquer texto, basta saber ler.
Mas para o interpretar, há que ter alguma competência, alguma formação mínima, algum contexto.
Dá jeito ter coisas como catequese, leitura, estudo, seminários, formação teológica, vivência pessoal da fé e da religião, e outras coisas que nos impedem de dizer tristes asneiras sobre religião.

É caso para perguntar quais são as qualificações que se exigem a um presidente da Comissão da Liberdade Religiosa...
Talvez... perceber de religião?
A leitura primária feita por Soares faria rir um adolescente de Seminário, ou uma jovem na catequese, que antes dos quinze anos já deve saber a elevadíssima importância da Mulher na religião cristã, e já deve saber que a Bíblia, EVIDENTEMENTE, não equipara a mulher a um escravo, a um boi ou a um burro...

Diz ainda Soares:

«Se a lição que se pode extrair do Antigo Testamento é a de que 'devemos evitar as mulheres', no Novo Testamento a mulher surge como 'objecto vergonhoso'».


Algo me deve ter escapado, porque nunca recebi tais lições...
Talvez tema para uma bela lição sobre religiões judaico-cristãs para Soares leccionar, numa qualquer Faculdade de Teologia, como Doutor "honoris causa"?

Manuela Augusto ainda nos reserva esta observação:

"Manuela Augusto lembrou ainda que, apesar de as mulheres constituírem a maioria dos fiéis, estão «afastadas dos lugares de honra e glória», sendo-lhe por vezes «vedada a celebração do culto religioso» e até «proibido partilhar com os homens o mesmo espaço de culto»." (negrito meu)


O caminho do sacerdote é um caminho de serviço, e não de honra.
É certamente um caminho honrado, porque é de serviço ao outro e a Deus (que serviço mais elevado existe?), mas não existe para lhe serem prestadas honras ou prestígios.
Ser sacerdote cristão é, inegavelmente, algo de honrado.
Mas resta por demonstrar de que forma é que a honradez de um sacerdote é superior à de uma Santa Rita de Cássia, de uma Santa Clara, de uma Santa Isabel, de uma Santa Teresinha do Menino Jesus, de uma Santa Catarina, de uma Santa Teresa de Ávila,
entre tantas e tantas outras, e sobretudo de uma Santa Maria, Mãe de Deus!

Toda esta comparação entre as "honras" dos sacerdotes e as das mulheres é uma patetice!

O sacerdote representa, na Eucaristia, a própria pessoa de Cristo.
Ora todos sabem que Cristo veio ao Mundo no género masculino. Logo, o sacerdote representa melhor a figura de Cristo se for do mesmo género, ou seja, masculino. É uma contingência do cristianismo, visto que o nosso Deus veio ao Mundo nesse género. Não é porque a mulher não é digna do sacerdócio que não o pode exercer. Não falta à mulher qualquer faculdade ou competência para tal, excepto o facto de não ser do mesmo género escolhido por Cristo para incarnar. É que Cristo não veio ao Mundo como mulher, veio como homem.

E, certamente, não há nessa decisão divina nenhuma vontade em a menosprezar ou minimizar... Nascendo em corpo humano, Cristo, teria que vir ao Mundo num dos géneros: homem ou mulher.

E quantas vezes é preciso repetir que foi uma mulher, Santa Maria Madalena, a primeira testemunha humana da Ressurreição?
Que foi ela quem trouxe a Boa Nova aos discípulos em primeira mão?
Se soubermos que a ressurreição de Cristo é o evento maior da fé cristã, e se soubermos que sem o "fiat voluntas tua" de Maria, Cristo não teria nascido, entenderemos um pouco melhor qual é o lugar de honra que Cristo consagrou, e o cristianismo consagra, à Mulher.

Para terminar, a expressão "lugar de glória", proferida por Manuela Augusto naquele contexto, é uma tragédia: lugar de Glória, no Cristianismo, é reservado a Deus, e a Deus apenas!

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Milagres e a ciência empírica

Recentemente, o Ludwig escreveu:

«Ora eu não sou ateu por princípio. Sou ateu em consequência da forma como avalio qualquer hipótese, comparando-a com as alternativas e optando por aquela que melhor corresponde à informação que tenho. É isto que me faz rejeitar o deus cristão, por exemplo. Omnipotente e omnisciente, pode fazer qualquer coisa que julguemos impossível, refutando toda a ciência moderna. É contraditório, pois sabe de certeza o que vai fazer amanhã mas pode fazer o contrário. E não há vestígio dele.»

É espantoso! Como (quase) sempre, estamos a falar de conceitos diferentes.
É como eu dizer "Eu acredito no Manuel!", e o Ludwig responder "Não, o João não pode existir. Eu não acredito no João!".

Se Deus fosse como o "deus-à-Ludwig", eu não era crente. Mas, felizmente, o conceito que Ludwig usa para Deus não é o do Deus verdadeiro. É uma ideia errada de Deus.

Vamos por partes:

1. Deus é um ente metafísico: por definição, ele é O ENTE SUPREMO metafísico;

2. O possível metafísico é o real, ou seja, tudo o que é metafisicamente possível é real; o irreal não é rigorosamente nada, idem para o impossível; ou seja, não existem coisas impossíveis nem irreais, nem no mundo físico nem no metafísico;

3. Deus, não deixando de ser omnipotente, não faz o impossível, porque Deus não se ocupa a fazer o nada; o nada não foi feito, não vai ser feito, e não tem que ser feito: não existe;

4. Deus não é contraditório, nem pode ser contraditório, nem nada de contraditório tem existência real;

Argumentar que os pontos 2, 3 e 4 são limitações ao epíteto de "omnipotente" que se atribui a Deus, é insensato: Deus não é limitado de forma alguma por questões rigorosamente nulas. O "0" não limita a Possibilidade.

Deste modo, Ludwig está a negar um outro deus qualquer, o tal "deus-à-Ludwig", porque está na posse de uma definição metafisicamente incorrecta de Deus. Logo, está a falhar o alvo.

O Deus no qual acredito, o verdadeiro Deus, o Deus Criador de tudo o que existe, não viola o possível, não tem apetências pelo impossível, não é contraditório, nem ilógico (a violação das leis da lógica é um erro, e o erro é um puro nada, em termos ontológicos). Seria interessante evocar a palestra recente de Bento XVI em Regensburgo, na Alemanha. Curiosamente, o Papa referiu nessa palestra precisamente a questão que nos ocupa agora: será Deus compatível com violações à razão? Certamente que não, e o erro que mina a ideia que Ludwig faz de Deus não anda longe das confusões medievais de um Duns Escoto.

Ora, a imediata objecção que a confusa mente moderna levanta a esta exposição é: "e como justificar os milagres nos quais os crentes acreditam?".

Deus, ao contrário do que pretende o Ludwig, não refuta "toda a ciência moderna". Até podemos dizer, com toda a segurança, que Deus não refuta nem viola qualquer lei física.

Pegando num exemplo: os corpos físicos mais densos que a água não pairam sobre ela, logo é impossível um ser humano andar sobre a água. Logo, pela lógica ludwiguiana, Cristo não teria andado sobre a água.

Mas Cristo-Deus, o Deus incarnado num corpo humano, não é apenas um corpo físico. Cristo, como Ser metafísico supremo, é Senhor de tudo, inclusive da matéria.

Logo, especulando, Ele pode manifestar-Se, momentaneamente, num corpo em tudo idêntico ao corpo de um homem, mas com uma densidade inferior à da água. Ou pode, localmente, alterar a densidade da água sob os Seus pés. Ou pode, localmente, alterar as forças electromagnéticas em seu redor, para poder flutuar sobre as águas. As possibilidades são imensas, conquanto se entenda que estamos a falar de um ser que não está limitado às regras e às potencialidades estritas dos seres físicos.

Também é útil explicar o que é um milagre: trata-se de um fenómeno inesperado (tem que ser fenomenoménico, ou seja, empiricamente detectável) e extraordinário, cuja causa é metafísica.

Há três tipos diferentes de milagres (ver um estudo completo aqui), que poderíamos chamar de:

a) milagres sobre-naturais: efeitos extraordinários que seriam impossíveis a quaisquer forças naturais (por exemplo, o ressuscitar de um morto)

b) milagres extra-naturais: efeitos extraordinários que seriam possíveis a forças naturais, mas que envolvem um processo radicalmente diferente, ou mais rápido ou mais eficiente ou mais profundo (por exemplo, a cura imediata de um doente)

c) milagres contra-naturais: efeitos extraordinários que são possíveis a forças naturais, mas que se manifestam contra a tendência normal da natureza (por exemplo, andar sobre as águas, voar ou estar no meio das chamas sem perigo)

O exemplo que demos, no qual Cristo anda sobre a superfície das águas sem se afundar, é do terceiro tipo. Ao fazê-lo, Cristo não viola quaisquer regras físicas. O efeito seria o mesmo se utilizássemos estruturas compressoras que aumentassem drasticamente a pressão num dado metro cúbico de água: com a necessária pressão, e eventualmente com alterações químicas que produzissem maiores tensões superficiais no líquido, um homem poderia andar sobre a superfície dessa água. A diferença é que Cristo, ao fazê-lo, valeu-se de causas sobrenaturais que provocaram localmente um efeito contra-natural (mas sem violar as leis da física), ou seja, contrário ao comportamento esperado deste líquido na natureza, quando não estão presentes causas sobrenaturais.

A interação entre objectos físicos rege-se por equilíbrios e desequilíbrios de forças. Um ser humano pode participar, ou influenciar, essa interacção provocando ele mesmo forças de equilíbrio ou de desequilíbrio. Tais perturbações são então as causas naturais para os fenómenos físicos quotidianos, ou ordinários, provocados voluntariamente pelo Homem. Contudo, é perfeitamente possível que determinadas perturbações em sistemas físicos de forças sejam causadas metafisicamente, pela vontade de agentes metafísicos. É disso que estamos a falar neste caso.

Um cientista católico pode admitir, em teoria, uma tese metafísica como a do referido milagre de Cristo, e ao mesmo tempo, estudar dinâmica de fluidos sem entrar em incoerência intelectual. E com a plena certeza de que o Deus que venera não viola leis físicas quando produz milagres, directamente, ou através de outros seres humanos.

Para terminar: é certo que a ausência de provas empíricas, úteis para o método científico, de que tais fenómenos acontecem (de que Cristo andou sobre as águas) não nos permite ter a certeza científica da realidade dos mesmos. Mas tal ausência de provas não nos pode levar a, nem nos permite, negar a possibilidade teórica dos mesmos. Basta admitir a possibilidade de causas supra-empíricas (invisíveis, extra-sensoriais) para determinados fenómenos empíricos. Tal possibilidade não pode nunca contradizer os actuais postulados físicos.

É certo que a admissão de tal possibilidade não pode ser fortuita. No caso da Igreja, apoia-se em algo muito forte chamado Revelação. O Ludwig tem razão quando diz que o crente acredita por princípio. Esse princípio acabou de ser referido. A fé é um acto de confiança: não uma confiança no vazio mas sim no legado de Cristo e dos Apóstolos. Uma confiança na Santa Madre Igreja.

Por outro lado, a opção pística do Luwdig (é o que ela é), ao decidir-se pelo ateísmo, baseando-se, entre outras coisas, numa crença apriorística na impossibilidade de fenómenos que não são empiricamente reproduzíveis em laboratório, é então uma opção de princípio. O seu ateísmo é de princípio.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Coincidência?

Eu tenho sempre a mania (involuntária) de entrar numa discussão quando ela já arrefeceu... O que é uma chatice, porque quando tenho coisas para dizer, a sala fica vazia! Mas, simplesmente, não tenho tempo para estar atento a toda a blogosfera, e é só muito de vez em quando que tropeço em coisas que chamam a minha atenção.

Ontem, deparei-me com isto, do Nuno Ramos de Almeida (do 5 dias):

Coincidências

É claro que não podia ficar calado quando se distorce, voluntaria ou involuntariamente, a verdade histórica. Mas até agora, nada! Como os comentários já estavam adormecidos, a razão do silêncio de Nuno Ramos de Almeida deverá ser a simples: ainda não leu os meus comentários. Por isso, para já, o silêncio deverá ser coincidência com o facto de que comentei já tarde. Vamos ver... O tempo dirá!

Não posso deixar de agradecer ao André, pela simpatia em me ter referido num seu comentário. Foi graças a esse comentário que descobri o texto em questão.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Ditos e feitos dos padres do deserto

"Havia no deserto um anacoreta que pastava com os búfalos. Um dia dirigiu-se a Deus e perguntou-lhe: «Senhor, ensina-me aquilo que me falta». Então uma voz respondeu-lhe: «Entra num certo cenóbio e faz aquilo que te disserem». Ele dirigiu-se então a esse cenóbio e aí permaneceu. Não conhecia nada dos trabalhos dos monges, até que os pobres monges começaram a ensinar-lhe os diversos trabalhos, dizendo-lhe: «Faz isto, idiota! Faz aquilo, velho tonto». Aflito, o anacoreta disse a Deus: «Senhor, o trabalho dos homens não entendo, mandai-me novamente para junto dos búfalos». Deus consentiu e ele regressou ao campo para pastar no meio dos búfalos. Mas nesse lugar os homens tinham colocado umas redes. Alguns búfalos caíram nelas e, em certa altura, caiu também o ancião. E ele teve então o seguinte pensamento: «Tu que tens mãos, solta-te das redes». Mas depois respondeu-lhe outro pensamento: «Se és um homem, decide-te e vai viver com os homens. Mas se és búfalo, então deixa de ter mãos». E ficou envolto nas redes até ao outro dia. Quando os homens vieram apanhar os búfalos, ao verem o velho ficaram tolhidos pelo terror. Ele não disse palavra. Soltaram-no e deixaram-no partir. E ele fugiu, correndo, atrás dos búfalos."


Apotegma N. 516, de Apotegmas do manuscrito Coislin, 126, publicado em parte por F. Nau em «Revue de l'Orient chrétien» (ROC), 1907-1913. Retirado da obra Ditos e feitos dos padres do deserto, p.237, Assírio & Alvim, Lisboa, 2003.