terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Razões para não votar Cavaco Silva - Parte IV

Alteração do regime jurídico do divórcio
(Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro).


O que é que se destruiu de fundamental com esta alteração do regime jurídico do divórcio?
Não é preciso ser jurista para entender as alterações mais significativas, de entre as quais esta alteração estruturante, patente na nova redacção do Artigo 1773º, logo no ponto 1:

«1 — O divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges.»

O casamento deixa de ser visto juridicamente como um contrato com regras, sendo que ambas as partes têm que ter justa causa para o rescindir, caso contrário terão que ressarcir a outra parte. Porque é que isto desaparece? Vejamos o ponto 3 do mesmo Artigo 1773º:

«3 — O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artigo 1781.º»

À primeira vista, a coisa parece bem. Se o casamento é para romper sem o consentimento de uma das partes, parece que a parte interessada no divórcio terá que o fazer com base em alguns fundamentos, previstos no tal Artigo 1781º. Vamos então vê-lo, para vermos que fundamentos são esses:

«Artigo 1781.º
Ruptura do casamento
São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:
a) A separação de facto por um ano consecutivo;
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.»


É de génio, a alínea d), e revela os espantosos poderes de raciocínio do Legislador. As alíneas a), b), c) e d) dão algumas razões que fundamentam o divórcio sem consentimento de um dos cônjugues. Independentemente de se considerarem essas razões suficientes ou não para legitimar o divórcio unilateral, o problema é de índole lógica. É que a alínea d) serve para tudo e mais alguma coisa. Em bom rigor, as alíneas anteriores são irrelevantes e redundantes, dada a alínea d). Outro ponto importante da alínea d), a tal alínea "guarda-chuva" debaixo da qual cabe tudo, é que está lá escrito "independentemente da culpa dos cônjugues". Assim, basta uma razão tão simples quanto aquela apontada por uma deputada do Bloco de Esquerda: "às vezes o amor acaba". O Legislador desce assim da digna cadeira de entidade interessada na redacção de leis justas e importantes para a sociedade, e cai na sarjeta das revistas sentimentais. Realmente, é possível aceitar, no âmbito da alínea d), como fundamento para divórcio unilateral, a razão sentimental de que "o amor acabou".

Que mal tem isto, perguntarão alguns?
Deve o Estado obrigar uma pessoa a permanecer casada com outra, quando a primeira já não quer estar casada com a segunda? É defensável o argumento de que não deva. Mas a Justiça deve intervir, pois o casamento, aos olhos da Lei, é um contrato civil com direitos e deveres. Assim, o conceito de culpa é fundamental para se avaliar se a parte interessada no divórcio unilateral não terá que ressarcir a parte não interessada. Se desaparece o conceito de culpa, então um espertalhão que cometa adultério com uma colega do trabalho pode dar um chuto na mulher e nos filhos pois "o amor acabou". Culpa? Desapareceu. "Eu quero o divórcio, pois surgiu um novo amor na minha vida". E o Legislador aprova.

Esta é mais uma porcaria de lei, uma lei que mina as estruturas da sociedade, ao depreciar de forma fatal o contrato civil do casamento. Desta lei, é impossível que não nasçam situações de real injustiça social e de grande fragilidade sócio-económica. Sem o conceito de culpa, o cônjuge que salta fora do casamento não tem que explicar nada em tribunal. Veja-se, por exemplo, mais esta pérola, no ponto 3 do Artigo 21016º-A:

«3 — O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.»

No nosso exemplo, muito provavelmente, a mulher que fica com as crianças, perdendo a entrada do vencimento do marido adúltero no orçamento familiar, poderá ter que fazer mudanças drásticas na sua vida e na vida dos seus filhos, mudanças ao nível da habitação e/ou da educação, duas das áreas mais pesadas nos orçamentos familiares. E note-se: tudo por causa da vontade egoísta do adúltero.

Como sempre, as crianças vão ficando cada vez mais prejudicadas e desprotegidas. No Artigo 1906º, a cláusula geral introduz esta mudança radical:

«1 — As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.»

No exemplo dado atrás, a mulher que foi abandonada à sua sorte, juntamente com os seus filhos, pelo seu marido adúltero que se pôs a andar com a amante tem agora, ao abrigo da nova lei, e ao abrigo específico deste ponto 1 do Artigo 1906º, que passar a dar cavaco ao adúltero das decisões "de particular importância" que toma relativamente à vida dos seus filhos.

Não só a culpa desaparece, pois o culpado deixa de o ser, como o dito ainda passa a ter mais direitos, devendo ser envolvido nas decisões "de particular importância" relativas à vida dos filhos que abandonou. É de génio!

Nas vésperas da aprovação desta alteração do regime jurídico do divórcio, é de supor que uma série de crápulas (de ambos os sexos, entenda-se, mas com previsível predominância de crápulas do sexo masculino) estivessem já a postos para "meter os papéis" assim que esta porcaria legislativa entrasse em vigor. Nenhum crápula com dois dedos de testa, sabendo do que aí vinha, avançaria com um divórcio antes dessa data de entrada em vigor. Assim temos o Legislador a pactuar com crápulas.

Cavaco Silva assinou esta lei injusta a 21 de Outubro de 2008. Está lá o nome dele. Só por esta razão, uma pessoa de bem não pode voltar a votar em Cavaco Silva. Mas, infelizmente, há mais razões...

(continua)

PS: Os especialistas, felizmente, não ficaram calados: Especialistas criticam nova lei do divórcio. Mas, mais uma vez, Sócrates e o seu Governo mostraram que nada se poderia colocar no seu caminho de reengenharia social, nem sequer as incómodas críticas dos especialistas, que não parecem apreciar o admirável mundo novo em criação. E Cavaco ajudou à festa.

3 comentários:

Anónimo disse...

Ou seja, acabou com o casamento. Se é indiferente assinar ou não um contrato, já que ele não valerá de nada perante uma mudança de vontade, o casamento civil torna-se apenas simbólico. Depois desta, o golpe final no casamento foi a inclusão das parelhas homossexuais ao seu acesso. O motivo invocado nessa situação terá de ser reconhecido para o próximo indivíduo que se lembre de apelar aos tribunais o direito a casar com mais de um. O casamento

Neste mandato acabou-se com o direito à vida e destrui-se a base mais elementar do direito familiar (um casal é um homem e uma mulher).

Políticos tão medíocres e ingénuos, que acham que o estado institui o casamento por causa do "amor". Percebem mesmo a natureza humana, vê-se que são pessoas com maturidade e experiência de vida...

Acabar com o divórcio litigioso, é acabar com o casamento. Tal como acabar com o despedimento litigioso, é acabar com os contratos de trabalho.

Espectadores disse...

É mesmo isso, Jairo.
Cortaram o fundamental. O que resta é um fantasma jurídico. Um "nada" a ocupar espaço nos manuais de Direito e a consumir recursos da nossa Justiça.

Eu já ligava pouco ao efeito civil do meu matrimónio católico, mas agora é que o casamento civil passou a valer zero.

O que me impressiona é a insensibilidade social desta gente. Não olham nem por um minuto para o impacto que isto tem na vida das pessoas. Eu conheço alguns casos (felizmente poucos) de pessoas que se aproveitaram da nova lei para se "porem a andar" assim que a revisão da lei entrou em vigor. Uma vergonha.

Um abraço

Anónimo disse...

A minha contribuição eleitoral, no último dia de campanha:

http://paiocomervilhas.blogspot.com/2011/01/presidenciais-2011.html

Cumprimentos.