segunda-feira, 5 de abril de 2004

Argumentos contra: "Movimento"

O nosso leitor João Vasco apresentou-nos estes argumentos contra o argumento de S. Tomás de Aquino, que aqui nomeei como "Movimento":

1. Movimento - a passagem de potência a acto, que ocorre no universo, implica a existência de um primeiro Motor imóvel (primum movens immobile), que é Deus; senão, seria preciso admitir uma série infinita de motores, o que é inconcebível;

Argumenta-nos o João Vasco:

R:
a) A série infinita de motores não é menos concebível do que Deus (que também seria infinito á mesma, e mais complicado de conceber, nem que mais não fosse pelo problema lógico da Omnipotência, que a série infinita de motores não tem).
b) A passagem de potência a acto não implica nenhuma série infinita de motores nem causa primeira caso o Universo fosse cíclico ou pseudo-cíclico em termos temporais. Esta hipótese é suficientemente consistente e plausível para os Físicos ainda não a terem descartado.
c)MAIS IMPORTANTE - Mesmo que exista uma causa primeira (por a) e b) não é obrigatório, mas até será muito provável) NADA garante que essa causa é Deus (tudo indica que NÃO é Deus).


Antes de mais, queria agradecer ao João Vasco por enriquecer este assunto com os seus comentários, que são pertinentes.

Em relação à alínea a):
Diz o João Vasco que a série infinita de motores não é menos concebível do que Deus. Quer o João Vasco dizer que passámos a discutir o infinito? Acho pertinente diferenciar o tema do "movimento", que foi o tema apresentado, da discussão sobre o predicado de "infinito" que se estava a discutir relativamente ao movimento.
Não é sensato supor uma série infinita de motores, não tanto pelo uso do adjectivo "infinita", mas sobretudo porque seria ilógico supor que a cadeia de movimento (análoga à cadeia de causalidade), não teve origem num motor inicial, imóvel, que deu origem à cadeia. Eu não estava a referir-me à infinitude de Deus, ou à concepção que podemos dar desta ideia, estava a falar da infinitude de motores, que essa sim é ilógica.

Em relação à alínea b):
Também considero o Universo pseudo-cíclico em termos temporais!
Não sei bem o que o João Vasco quis dizer com isso, mas eu concordo com esta ideia.
Contudo, o ciclo tem um caráter perpétuo, e não infinito.
Tem um carácter de duração indefinida, e não infinita!
Eu tenho presente a dicotomia indefinido vs. infinito.
E a dicotomia perpétuo vs. eterno.
Por isso, o Universo cíclico como refere, e muito bem, o João Vasco, é perfeitamente conciliável com a visão de S. Tomás, desde que se tenha em consideração que o ciclo de movimentos, ou ciclo de "motores", usando a expressão aristotélica, fosse um ciclo perpétuo, e não um ciclo infinito. São conceitos MUITO diferentes!
Porque o Criador surge como a entidade supra-processual, que fora da cadeia de perpetuidade de movimento, a gerou e a pôs em movimento. Por isso, Deus é o motor imóvel, que gera movimento perpétuo (a cadeia de causalidade e movimento no Universo é do tipo perpétuo), e não movimento infinito. A passagem de potência a acto é uma característica dos processos de movimento no nosso Universo, e essa passagem dá-se perpetuamente. Contudo, teve uma origem causal, que se encontra necessariamente num nível superior. E é isso que se chama a Causa Primeira, o Motor Imóvel.
Convém adicionar, para esclarecer, que o tempo no nosso Universo não é uma grandeza que cresce em direcção ao infinito, mas sim em direcção a um limite que não está definido. É a distinção entre perpetuidade e eternidade. A eternidade é um predicado divino e não cosmológico.

Em relação à alínea c):
Sinceramente, não a percebi, João Vasco.
Porque é que "tudo indica" que não seja Deus?
Deus é o nome que eu atribuo a esse conceito (filosófico, no âmbito da presente exposição), que para mim é muito real!
Não estou a pensar num velhinho de barbas!
Será que estamos a cair na confusão do que se entende por "Deus pessoal"?
Isto tudo pede imenso tempo, que infelizmente não tenho. Mas não vou deixar de comentar as restantes contribuições do João Vasco, nem o resto do texto de Sebastien Faure, que desde já agradeço sinceramente.

Bernardo

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