terça-feira, 18 de março de 2008

Ainda o anti-clericalismo maçónico?

Quando se poderia pensar que nas hostes maçónicas a febre anti-católica estava a serenar, considerando que a animosidade anti-maçónica está relativamente calma na nossa sociedade, aparecem situações caricatas como esta.

O jornalista e fotógrafo Inácio Ludgero (um excelente fotógrafo, diga-se sem ironia), que também é maçon, apresentou ontem a obra "Dicionário de termos maçónicos", do autor Pedro Manuel Pereira.

A notícia da RTP que dá conta deste acontecimento é de se pasmar, por aquilo que Ludgero disse aos "media". Vejamos alguns excertos da notícia:

«"Somos e seremos uma República. Conquistámos esse direito gloriosamente a 5 de Outubro de 1910, e agora dar voz a uma minoria, que nem sabe quem é o seu verdadeiro Rei, é uma pura perda de tempo, um disparate sem sentido", afirmou Inácio Ludgero, que hoje apresenta em Lisboa o "Dicionário de Termos Maçónicos", de Pedro Manuel Pereira.»


Até aqui, tudo mais ou menos bem. Ludgero assume-se republicano convicto. Isso é razoável. No entanto, é sempre desagradável que perca o sentido democrático ao considerar o debate público sobre a forma de regime "uma perda de tempo" ou "um disparate". Se a sociedade portuguesa, concedo que num futuro remoto, quisesse debater a questão, ecoariam as pesadas e anti-democráticas palavras de Ludgero: "uma pura perda de tempo, um disparate sem sentido". Aliás, pertence ao clássico espírito de muitos maçons a ideia de que a elite iluminada dos "iniciados" é competente para esclarecer o povo "profano" acerca do que, segundo eles, é ou não disparate.

O "iniciado" diz: "Monarquia é disparate", o "profano" ouve e cala... "Democracia" maçónica no seu melhor...

«Aproveitando a apresentação do livro, Inácio Ludgero fez questão de prestar homenagem a Manuel dos Reis Buíça e Alfredo Luís Costa, os autores dos disparos que mataram o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe, no dia 01 de Fevereiro de 1908.
"Quero prestar homenagem a estes dois cidadãos impolutos, que sendo assassinados, matando (...) foram capazes de mudar o rumo da história pela Pátria e pela República", afirmou, defendendo que "nas revoluções pela Liberdade tem de haver mortes".»


Aqui é que o caldo se entorna. Este texto deplorável é bem claro: Ludgero faz a apologia do assassinato político. Enquanto que as solenidades do Grande Oriente Lusitano se esforçaram e esforçam tanto para passar a imagem de que não se associam ao regicídio e que repudiam o assassinato político como ferramenta de "trabalho" revolucionário, eis que Ludgero não tem papas na língua: "tem que haver mortes".
Bonito...
«Igualdade, Liberdade, Fraternindade!», mas com sangue.

Mas a "pièce de résistance" está mais adiante, numa não assumida profissão de anti-catolicismo, como sempre, usando a clássica separação maniqueísta entre os bons "católicos" e os maus da "hierarquia da Igreja":

«Vincando a sua condição de maçon assumido, Inácio Ludgero sublinha que os inimigos da Maçonaria "não são nem os monárquicos, nem os católicos, ou de qualquer outro credo, ateus, ou Homens que sejam de qualquer raça ou partido".
"Os verdadeiros inimigos da Maçonaria são os membros de uma seita que dá pelo nome de Opus Dei e quem os apoia, a Igreja Católica, Vaticano com seu papa, no seu profundo reaccionarismo intolerante e racista (onde a mulher nada vale) e todos os ditadores que ainda governam neste nosso mundo", disse.»


Aqui está patente a demonização do Opus Dei (é que já nos tínhamos esquecido do Dan Brown e há que ressuscitar os fantasmas que fizeram sucesso há poucos anos), a identificação do Opus Dei com um Papado maligno, com uma hierarquia "intolerante e (sic) racista"! Será que Ludgero quereria dizer "machista"? Nem assim acertaria no seu juizo preconceituoso, mas ao menos usava um termo lógico.

Tudo isto é da mais pura fantasia, porque quando o Opus Dei foi criado já a Maçonaria contava com mais de um século de actividade anti-católica notória, e já havia nas fileiras católicas muitos e bravos anti-maçons a reagir a essas ofensivas.

O catolicismo é incompatível com a Maçonaria. Ponto.
É bem certo que a sobrevivência da Igreja às investidas anti-católicas dos séculos XIX e XX é uma das maiores frustrações destes "engenheiros sociais" que quereriam ter trocado o catolicismo pelo jacobinismo. Mas a Igreja está para ficar. E isso nada tem a ver com pretensas teorias conspiratórias que apontem o Opus Dei (ou antigamente, os Jesuítas) como arqui-inimigos da Maçonaria.

A questão não tem a ver com inimizade, pelo menos do lado católico. Não se trata de questões de amor ou ódio. Trata-se de defender a verdade. A Igreja e a Maçonaria têm noções diametralmente opostas acerca do que é verdadeiro. E isso é irreconciliável.

Alguns maçons mais intempestivos e desbocados bem podem procurar demonizar a hierarquia da Igreja ou o Opus Dei. Mas ainda há muitos católicos atentos, categoria na qual me incluo, que não pertencem ao Opus Dei (apesar de lhe reconhecerem virtudes inegáveis), pelo que não podem ser acusados de defender causa própria, e ao mesmo tempo nem aderem a teorias conspiratórias acerca desta organização ou da hierarquia da Igreja, nem têm qualquer apetência pelos ideais maçónicos. A visão simplista, redutora e maniqueísta de Ludgero, simplesmente, não cola.

Parece claro que Ludgero quer fazer uma aproximação "amiga" aos "monárquicos" e aos "católicos", ao afirmar que não são eles os verdadeiros inimigos da Maçonaria. Face a esta aproximação atrevida, há que dizer-lhe em voz alta que não é previsível que qualquer bom monárquico (eles sabem bem quem lhes matou o Rei) ou que qualquer bom católico (eles sabem bem de que é feita a cartilha maçónica) alinhe com alegria neste neste "convite" do maçon Ludgero...

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