quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O escândalo do funeral de Ted Kennedy

THE KENNEDY FUNERAL: BOSTON'S LATEST SCANDAL

(recebido via Infovitae)

12 comentários:

Ludwig Krippahl disse...

Bernardo,

O "escândalo", se bem percebi, foi porque em vez de usarem o funeral para rezar pela alma do Kennedy, usaram-no para falar da vida dele.

Achas que, para o teu deus, isso faz alguma diferença? Achas que o destino da alma de Kennedy, seja a salvação seja a condenação ao sofrimento eterno, vai depender do que os que cá ficam fazem no seu funeral?

E, se não depender, então que mal é que tem fazer o funeral como quiserem?

Espectadores disse...

Ludwig,

Como estás?
Há quanto tempo!
Espero que as tuas férias tenham sido boas.

O enterro deste Kennedy teve vários pontos escandalosos. Talvez o mais escandaloso de todos tenha sido o facto de se ter optado por uma pompa de estadista para com uma figura pública que, afirmando-se católico, durante décadas esteve em dura contradição com essa sua fé professada, pelo facto de ter apoiado sem qualquer margem para dúvidas o pretenso "direito" de abortar.

Há evidente escândalo público, pois o senador não refutou publicamente essa posição pró-aborto antes de morrer.

Com isto não quero dizer que ele não deveria ter tido enterro católico. Ao que parece, há boas hipóteses de Kennedy se ter reconciliado com a Igreja, pelo menos a crer nas palavras de alguns comentadores, como Elisabeth Lev (via zenit.org):

«Em julho, Ted Kennedy enviou uma carta a Bento XVI, entregue através de ninguém menos que o presidente Obama. Parece agora que o Papa lhe escreveu de volta, e que havia um sacerdote ao lado de sua cama quando ele morreu. Em seu verdadeiro ato final, Ted Kennedy não promoveu a reforma da saúde, mas reconciliado com Cristo e Sua Igreja, forneceu a todos os espectadores um lembrete de que a Igreja prega a misericórdia e o perdão e aguarda de braços abertos o retorno de todos os seus filhos.»

Por isso, quem sou eu para duvidar da sincera reconciliação, "in extremis", do senador com Cristo.

Não sou daqueles que dizem, de forma exagerada e infundada, que o senador nem deveria ter tido enterro católico.

No entanto, dada a afronta continuada do senador à doutrina católica, é um bocado estranho fazer uma cerimónia opulenta e opípara, como se ele tivesse sido um católico exemplar e imaculado.

Este é talvez o maior escândalo de todos: não se faz de um político pró-aborto um herói do catolicismo. É puro disparate.

(continua)

Espectadores disse...

(continuação)

Em relação à liturgia propriamente dita, há alguns escândalos menores. Já descartando os típicos abusos liturgicos (discursos fora do momento apropriado, etc.), o que me chateia, como católico, é que a cerimónia tenha falhado redondamente no objectivo central da missa de finados: rezar pela salvação do morto.

«Achas que, para o teu deus, isso faz alguma diferença? Achas que o destino da alma de Kennedy, seja a salvação seja a condenação ao sofrimento eterno, vai depender do que os que cá ficam fazem no seu funeral?»

Sem dúvida.
O sufragar dos mortos é, e sempre foi, o objectivo central da missa de finados. Faz-se essa missa para rezar pela alma do morto. Sempre foi assim. Hoje em dia, imitam-se os "services" protestantes, e transforma-se a missa de finados num "memento" da pessoa, algo quase igual a uma cerimónia de enterro civil.

Outra coisa perturbante, e vê-se muito em todo o lado (aqui em Portugal é a regra), é a atitude do sacerdote em assumir a salvação da alma do defunto. É aberrante que o sacerdote se substituta a Cristo no juízo da alma do defunto, dizendo confiante que ele já goza das benesses celestiais.

Por fim, é evidente que a cerimónia de enterro de Kennedy teve momentos tocantes, sobretudo quando falaram familiares seus. Tudo isso cabe numa missa católica, e enriquece-a, mas nos momentos adequados.

Termino respondendo mais concretamente às tuas perguntas: a chave para se compreender estas críticas à missa de Kennedy está em ver que, no cristianismo, é o Amor que salva.

O Amor de quem, ainda vivo, reza pelos mortos, é o mesmo Amor que Cristo manifestou pela Humanidade, ao Se entregar por nós, para resgatar-nos dos nossos pecados. E é o mesmo Amor que une Deus Pai, Filho e Espírito Santo, o amor da Trindade antes de existir a Criação.

Porque o Amor é eterno. E o Amor é que salva.

É por isso que os católicos rezam pelos defuntos. Uma oração oca e estéril não faz nada. Uma oração suplicante e amorosa faz toda a diferença, em termos da salvação da alma. Mesmo ao maior dos pecadores...

Deus compadece-se naturalmente da alma do pecador, sobretudo se este se arrepender "in extremis". Deus ainda se compadecerá mais da alma do pecador se este tiver a sorte de ter quem reze amorosamente pela sua salvação.

É que se alguém reza por nós, com amor, quando partimos desta vida, isso é sinal de que, enquanto vivos, dispensámos amor aos outros.

Isto faz tudo muito sentido, Ludwig. Basta não ter preconceitos e ver as coisas como elas são.

O catolicismo, afinal, mais não é que uma espiritualidade muito humana porque muito real, muito adaptada à realidade.

Um abraço,

Bernardo

Ludwig Krippahl disse...

Bernardo,

«o que me chateia, como católico, é que a cerimónia tenha falhado redondamente no objectivo central da missa de finados: rezar pela salvação do morto.»

Isto parece-me terrivelmente injusto. Estás mesmo a dizer que pode acontecer uma alma penar para sempre no inferno por alguém, que fica vivo, engatar o ritual? Parece-me um deus extremamente cruel esse que castigar o Kennedy por algo do qual ele não tem culpa nenhuma...

Espectadores disse...

Ludwig,

Não compreendo as tuas dúvidas.
Da forma como o cristão vê as coisas, ou melhor, da forma como as coisas são, o Kennedy terá o destino que ele mesmo escolheu pela sua vida e pelos seus actos.

Deus é juiz na medida em que estabelece um padrão de certo e de errado, de bem e de mal. Não é Deus quem mete, por capricho, pessoas no Inferno. Deus estabelece uma justiça em toda a realidade, justiça essa que implica que tudo caia no seu lugar: a maldade tem consequências, assim como a bondade. Há lugar para o arrependimento e para o não arrependimento. O lugar para o arrependimento chama-se normalmente "Céu" e o lugar para o não arrependimento chama-se normalmente "Inferno".

Posto isto, nem o Kennedy é posto no Inferno (estamos a especular: ele pode claramente ter-se arrependido dos seus erros - ninguém humano sabe quem está no Inferno) por capricho divino nem por falta de acções humanas.

Se assim fosse, seria como dizes: algo tremendamente injusto.

A questão é mais simples e trivial: quando alguém morre em pecado grave sem se ter arrependido (e repito: não sabemos se terá sido o caso do Kennedy), precisa e não pouco de que se reze por ele. Porquê? Para que Deus constate, de forma clara, o quanto essa pessoa pecadora é amada na Terra.

Uma das bases escriturísticas desta ideia, aliás profundamente lógica e justa, está nesta passagem de São Lucas, capítulo 7, vs. 47:

«Por isso, digo-te que lhe são perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas àquele a quem pouco se perdoa pouco ama.»

É o conhecido episódio da pecadora que lava os pés de Jesus. Porque muito amou Jesus, os seus pecados ser-lhe-ão perdoados. Porque o amor salva. Literalmente, salva. Se Kennedy tiver orações sinceras pela sua alma, é porque foi amado. E isso é um forte indício de que ele mesmo amou, e recebe esse amor de volta em orações de sufrágio pela sua alma.

É lógico.

Abraço,

Bernardo

maria disse...

O problema do Bernardo é que conhece muito bem a Doutrina Católica e muito pouco o Evangelho.

Se não, vejamos:

"Se amais os que vos amam, que agradecimento mereceis? Os pecadores também amam aqueles que os amam." LC 6,32

Isto porque achei imensa graça Deus comover-se com as preces dos que amaram o senador. Como se Deus precisasse que lhe lembrassem que deve salvar todos os pobres diabos. Até um ateu percebe a ilógica disto.

O Bernardo fala de Deus Amor mas salta sempre para a questão do mérito. E a Graça onde fica no seu credo?

Espectadores disse...

Maria da Conceição,

Bons olhos a leiam!
Há quanto tempo?

«O problema do Bernardo é que conhece muito bem a Doutrina Católica e muito pouco o Evangelho.»

Tem TODA a razão. Não o escrevo com ironia. Tem mesmo TODA a razão. Sei demasiada teoria e pouca prática cristã. Reconheço-o já, sem hesitar.

«Isto porque achei imensa graça Deus comover-se com as preces dos que amaram o senador. Como se Deus precisasse que lhe lembrassem que deve salvar todos os pobres diabos. Até um ateu percebe a ilógica disto.»

Não há nada de ilógico:

1) Deus, evidentemente, não precisa de ser lembrado de nada

2) Somos livres: podemos amar ou não amar o Senador Kennedy

3) Deus reconhece, no nosso acto livre de amar, o amor pela pessoa por cuja alma rezamos

Isto é ilógico em que planeta, minha cara?

«O Bernardo fala de Deus Amor mas salta sempre para a questão do mérito.»

Mérito?
Acaso o Céu é apenas um prémio e o Inferno apenas um castigo?
Falo em JUSTIÇA, minha cara, essa justiça que vai para o maneta quando a nova "teologia" liberal pretende acabar com as bases da doutrina cristã da salvação.

«E a Graça onde fica no seu credo?»

Está lá toda. O meu credo não tira a Graça, nem tira a salvação, nem tira a condenação. Numa só palavra, o credo cristão (o verdadeiro) une simbioticamente amor com justiça. Não há um sem o outro.

A nova "teologia" liberal (nova é forma de expressão: já data dos anos sessenta) é que não se dá conta da incoerência em falar de amor e deitar fora a justiça.

É totalmente tolo supor que o pecador impenitente e não arrependido TEM que ser salvo só porque Deus é Amor. Deus é Amor, mas também é Justiça. Uma coisa não sobrevive sem a outra.

Se o filho pródigo não se arrependesse e voltasse a casa, é duvidoso que o pai fosse à sua procura e o forçasse ao arrependimento.

Abraço,

Bernardo

maria disse...

Bernardo,


dos malvados "teólogos liberais" sobressai um que ousou dizer isto:

"A justiça de Deus é a misericórdia."

quer saber o nome? João Paulo II na Encíclica "Deus rico em misericórdia".

À luz desta expressão, não sei se se poderá dizer que é tolo supor que Deus Tem que salvar um pecador impenitente. Porque, para já, sabemos lá até onde pode ir a impenitência. Que sabemos nós do que está para além da morte?

Acredito no inferno. Pode ser que alguém faça essa escolha de abandono de Deus. Mas tenho sérias dúvidas. Do que não duvido é da misericórdia de Deus.

Não podemos falar da justiça divina com os conhecimentos que temos da justiça humana. E, no Evangelho, não é o nosso modo de fazer justiça que transparece. Se Deus "encher completamente" a vida de uma qualquer vítima inocente, que reparação podemos exigir mais seja de quem for? O que é o castigo de um pecador frente ao Amor total que é Deus? nada de nada, creio eu.

Abraço, Bernardo

Ludwig Krippahl disse...

Bernardo,

«A questão é mais simples e trivial: quando alguém morre em pecado grave sem se ter arrependido (e repito: não sabemos se terá sido o caso do Kennedy), precisa e não pouco de que se reze por ele. Porquê? Para que Deus constate, de forma clara, o quanto essa pessoa pecadora é amada na Terra.»

"Omnisciência" quer dizer o quê, então?

Espectadores disse...

Ludwig,

Penso que entendo mais ou menos o teu ponto de vista. Se bem entendi, a tua dúvida é: se Deus é omnisciente, então conhece os nossos pensamentos, e se sabe que amamos alguém, não precisa das nossas orações públicas nem das nossas missas.

Ora, uma coisa não impede a outra: Deus conhece, certamente, todos os nossos pensamentos. Mas nós não somos meros intelectos: temos corpo. Interagimos uns com os outros de forma física: rezamos juntos, a uma mesma voz, fazemos gestos em sociedade, agimos em conjunto. O ser humano é, não só corporal mas gregário.

Agora dizes: ora bolas, Bernardo, se Deus conhece os teus pensamentos, porque é que os tens que exteriorizar.

É que eu não estou sozinho: há outras pessoas no mundo: e elas não têm forma de saber o que me vai na alma se eu não comunicar, se eu não verbalizar o que penso. E vice-versa: eu não tenho forma de saber o amor que pessoa A tem por pessoa B sem ver algo exteriorizado.

A força de se rezar em conjunto, a força de uma missa de sufrágio, não está em que Deus descobre algo que não sabia, mas sim em que Deus constata que um grupo de pessoas agem em conjunto com vista a um mesmo fim, fim esse que prova a estima, o amor, a consideração que se tem por alguém que morreu.

Se ainda está confuso, diz-me e eu tento explicar-me melhor. Também ajudava se me explicasses melhor o que é que te faz confusão.

Abraço,

Bernardo

Ludwig Krippahl disse...

Então fazer uma missa pela alma de alguém serve para mostrar a deus que se gosta dessa pessoa ou é só para mostrar aos outros?

Se é para mostrar a Deus, compreendo a tua exigência que se siga o ritual (assumindo que Deus se importa com o ritual).

Mas se é para mostrar aos outros então deve-se seguir o que quer que seja mais apropriado à comunidade dos outros a quem se quer mostrar. E, provavelmente, no contexto deste funeral o que fizeram foi o que lhes pareceu mais apropriado e a tua crítica é mal informada, deturpada pela tua visão diferente das coisas.

Seja como for, não me parece razoável que um ser omni-tanta-coisa se esteja a ralar com essas minudências...

Espectadores disse...

Ludwig,

«Então fazer uma missa pela alma de alguém serve para mostrar a deus que se gosta dessa pessoa ou é só para mostrar aos outros?»

Bom...
1) A missa é por excelência a forma de prestar louvor a Deus: inclusive, os anjos participam em todas as missas nos louvores a Deus
2) A missa não "serve para mostrar" a Deus ou a quem quer que seja que se gosta de alguém: a missa a sério pela alma de alguém é um acto simultâneo de amor a Deus e à pessoa que partiu; parece-me que "mecanizas" a coisa em si, sem te dares conta de que a missa não é um mero formalismo: é um acto completo, voluntário, que envolve corpo e alma
3) Uma missa nunca é para "mostrar aos outros": quem participa numa missa participa com todos nessa missa, e não há qualquer intenção exibicionista: a razão é simples, porque Cristo referiu que, onde dois ou mais se reunirem em Seu nome, Ele aí estará (Mateus 18, 19-20); é de Cristo que aprendemos que não se é cristão sozinho: por isso é que a missa é o centro da vida espiritual do cristão, porque se reza a Deus com toda a comunidade

«Se é para mostrar a Deus, compreendo a tua exigência que se siga o ritual (assumindo que Deus se importa com o ritual).»

Cristo, Deus, Filho de Deus, criou este ritual. Cristo instituiu a Eucaristia à frente dos seus doze discípulos na sala do Cenáculo, no Monte Sião, em Jerusalém, na quinta-feira à noite, véspera do dia em que seria crucificado no Gólgota.

Não há grandes dúvidas historiográficas a respeito da extrema antiguidade do ritual cristão, e do facto de que ele é praticado desde os primeiros discípulos de Cristo, seguindo-se escrupulosamente o sentido que Cristo queria para esse ritual.

«Mas se é para mostrar aos outros então deve-se seguir o que quer que seja mais apropriado à comunidade dos outros a quem se quer mostrar.»

Não. Não é para se mostrar nada, no sentido que referes.

«E, provavelmente, no contexto deste funeral o que fizeram foi o que lhes pareceu mais apropriado»

Ludwig, a coisa é simples: o ritual católico está claro e estabelecido. Tem regras próprias, que se compreendem da necessidade de preservar intacto o espírito deste ritual, que não foi deturpado nem estragado em 2.000 anos de cristianismo. Como compreenderás, visto que os cristãos atribuem a Cristo a origem do ritual e a sua fundação, ninguém tem o direito de o deturpar, seja para que fim for.

É típico do protestantismo, e não do catolicismo, a ideia de que o ritual é uma ferramenta moldável que se adequa às circunstâncias e desejos dos intervenientes. A missa é acto eterno de louvor a Deus, e não um capricho humano.

«e a tua crítica é mal informada, deturpada pela tua visão diferente das coisas.»

Isto não é um argumento. Eu posso dizer o mesmo: que a tua crítica é mal informada e deturpada pela tua visão diferente das coisas. Só o facto de supores que, nos EUA, alguém poderia alterar o ritual da missa demonstra que não conheces bem esse ritual, as suas origens e o seu profundo significado.

«Seja como for, não me parece razoável que um ser omni-tanta-coisa se esteja a ralar com essas minudências...»

Se Cristo, que é Deus, se "ralou" com esse ritual na precisa véspera da sua morte, e lhe deu tanto significado, juntamente com a ordem "fazei isto em memória de Mim", parece-me lógico que o cristão se "rale" com essas ditas "minudências".

Abraço,

Bernardo