Os argumentos cosmológicos constituem uma categoria de argumentos que pretendem demonstrar a existência de Deus "a posteriori", partindo da observação de certos aspectos do Cosmos. Estes argumentos têm uma longa tradição: Platão elaborou um argumento cosmológico, Aristóteles aperfeiçoou este tipo de argumentos (derivando um primeiro "motor imóvel" a partir da constatação de movimento no Cosmos), os filósofos árabes também (Avicena, Averróis, Algazel, entre outros), assim como o filósofo judeu Maimónides, São Tomás de Aquino (das suas cinco "vias" para demonstrar a existência de Deus, as primeiras três são argumentos cosmológicos), John Locke, Samuel Clarke, entre outros, até aos nossos tempos, sendo hoje o filósofo norte-americano William Lane Craig o mais proeminente defensor do argumento cosmológico dito "kalam" (que parte da finitude do passado cósmico).
Recentemente, deram-me conhecimento deste vídeo que apresenta o Argumento Cosmológico "Kalam" em linguagem bastante acessível:
Ao divulgar este vídeo no Facebook, recebi como resposta este outro vídeo, um excerto do debate entre William Lane Craig e Peter Millican na Universidade de Cambridge, em Outubro de 2011, mas contendo apenas alguns minutos com as objecções de Millican ao Argumento Cosmológico "Kalam", conforme defendido por Craig:
(o debate completo pode ser visto
aqui)
Em primeiro lugar, e antes de comentar as objecções de Millican, é importante começar por louvar a presença e a atitude deste filósofo ateu, que cedo se prontificou para debater com Craig, representando e defendendo o ateísmo, ao se constatar que não seria possível ter Richard Dawkins presente para debater com Craig. O notório promotor do ateísmo não se mostrou disponível para enfrentar Craig, porventura temendo um vexame, e coube a ateus mais corajosos a responsabilidade de defender o ateísmo e criticar os argumentos de Craig. Só por isso, mas também pelo seu civismo e cordialidade durante o debate, Millican merece todo o respeito e consideração.
No trecho acima, que alguém disponibilizou no Youtube com o epíteto optimista de "Debunking the Kalam Cosmological Argument", vemos apenas os minutos da intervenção de Millican nos quais este filósofo levanta objecções ao argumento defendido anteriormente por Craig. É importante saber que Craig respondeu a todas as objecções de Millican, e olhando para todo o debate, é difícil defender que Millican o ganhou.
Craig apresentou assim o Argumento Cosmológico "Kalam":
Premissa 1. Tudo o que começou a existir tem uma causa
Premissa 2. O Universo começou a existir
Conclusão: Por "modus ponens" das premissas 1 e 2, o Universo tem uma causa.
Propriedades da causa do Universo: Craig prossegue com uma análise conceptual das propriedades que esta causa terá que ter. Não irei comentar essas propriedades, ou defender a análise de Craig, ou comentar as objecções de Millican a estas propriedades, mas apenas cingir-me às objecções que Millican levanta às duas premissas do argumento.
Neste trecho, Millican levanta as seguintes objecções às duas premissas do Argumento Cosmológico "Kalam" (a numeração é minha, e as respostas são da minha responsabilidade, se bem que inspiradas nas respostas dadas pelo próprio Craig durante o debate):
Objecções à Premissa 1
1. Temos experiência de mudanças que observamos no dia-a-dia, e essas mudanças têm causas, mas são apenas re-arranjos de coisas existentes, nunca vemos algo surgir do nada, pelo que não é razoável, com base na nossa experiência quotidiana, esperar encontrar a criação do Universo a partir do nada; e se esta ocorreu, não é razoável esperar que a essa criação se aplique o mesmo tipo de causalidade.
Resposta: Esta não parece ser uma objecção à Premissa 1, mas uma objecção baseada na experiência quotidiana para criticar a ideia de criação do Universo a partir do nada. Mesmo quando Millican admite, "ex suppositione", que a criação a partir do nada ocorreu, ele apenas critica que esta tenha que envolver o mesmo tipo de causalidade que vemos nas coisas do dia-a-dia, pelo que ele não está ainda a negar que o surgimento do Universo tenha uma causa. Está apenas a dizer que a criação a partir do nada é contra-intuitiva, e que se ela ocorreu, poderá ter sido através de um outro tipo de causalidade. Estou de acordo com ambas as ideias, mas não vejo como estas ideias possam enfraquecer a Premissa 1.
2. Todavia, partículas quânticas parecem surgir aleatoriamente do nada, e são evidências em segunda mão de que algo pode surgir do nada, de forma não-causal.
Resposta: Este é um erro frequente: tomar a materialização de partículas subatómicas a partir do vácuo quântico como um exemplo de algo surgir do nada. Acontece que o vácuo quântico não é "nada", mas sim uma realidade física concreta e estruturada, dotada de campos electromagnéticos e contendo partículas virtuais. Em resposta a esta objecção, Craig cita o filósofo de ciência Bernulf Kanitscheider, que acerca dos ditos eventos quânticos diz que estamos a lidar com "um processo causal que parte de um substrato primordial com uma rica estrutura física para um substrato materializado do vácuo. Admitidamente, este processo não é determinístico, e inclui aquele tipo fraco de dependência causal peculiar a todos os processos mecânicos quânticos" (Bernulf Kanitscheider, "Does Physical Cosmology Transcend the Limits of Naturalistic Reasoning?" in Studies on Mario Bunge's "Treatise," ed. Weingartner and G. J. W. Doen [Amsterdam: Rodopi, 1990], pp. 346-74).
É simplesmente absurdo defender que algo pode surgir absolutamente do nada. Ou seja, que algo pode começar a existir sem uma causa pré-existente que explique esse início de existência. Negar o princípio da causalidade é uma atitude irracional. Mais sobre isto na resposta à objecção seguinte.
Nota: Craig não está, na Premissa 1, a dizer que todos os eventos têm causa(s). Até poderia ser verdade (mas não é) que o exemplo quântico representaria um tipo de evento sem causa. A Premissa 1 diz que tudo o que começou a existir tem uma causa, e não que todos os eventos têm causas.
3. Todas as coisas que vemos a mudar têm causas físicas para essas mudanças. A nossa experiência diz-nos que tudo o que começou a existir tem uma causa física, e se o Universo inclui todas as coisas físicas, então parece óbvio que, no seu todo, o Universo não pode ter uma causa física; será então válido aplicar o princípio da causalidade a todo o Universo sem cometermos a falácia da composição (aplicar ao todo o que só é válido para a parte)?
Resposta: Curiosamente, Millican vem aqui em auxílio de Craig, dizendo precisamente que o Universo não pode ter uma causa física. Essa é uma das conclusões do argumento cosmológico defendido por Craig. Todavia, Millican erra ao afirmar que devemos duvidar da universalidade do princípio da causalidade, que pode não ser válido aplicar o princípio da causalidade a todo o Universo.
Primeiro, algumas palavras sobre a falácia da composição. Um silogismo por composição, que argumenta da parte para o todo, pode ser falacioso ou não ser falacioso. Por exemplo, este silogismo opera da parte para o todo e, todavia, é perfeitamente válido:
P1) Esta parede é constituída por tijolos
P2) Todos esses tijolos são de betão
C) Logo, esta parede é de betão
Por isso, argumentar da parte para o todo pode ter os seus riscos, e podemos em certos casos cair na falácia da composição, mas também é possível argumentar validamente da parte para o todo. Não é evidente, como pretende Millican, que estamos a argumentar de forma falaciosa ao querer estender a todo o Universo o princípio da causalidade que constatamos no interior do Universo.
Mas o ponto mais importante é este: será que é razoável questionar a universalidade do princípio da causalidade? Não é difícil ver que o princípio da causalidade é universal e aplicável, não só a tudo o que conhecemos, mas também ao que ainda não conhecemos.
Podemos começar por reconhecer que todo o conhecimento científico e filosófico parte de dois axiomas, não demonstrados, que todos tomamos como verdadeiros sem provas:
a) toda a realidade é racional, tem uma estrutura regular assente em "leis" (regularidades) universais, ou seja, que são válidas em toda a parte e em todo o tempo
b) o intelecto humano é capaz de inteligir essa racionalidade da realidade; dito de outra forma, toda a realidade é inteligível, acessível ao nosso intelecto
Antes que alguém objecte que, ao presente, a Mecânica Quântica ainda não foi compatibilizada com a Relatividade Geral (o que é um facto), há que ter presente que todos os cientistas trabalham sob a hipótese de que essa compatibilização é possível, na esperança de que haja uma super-teoria que seja válida, quer na escala microscópica dos fenómenos quânticos, quer na escala macroscópica dos fenómenos cósmicos. Claramente, os cientistas trabalham com base nos axiomas acima referidos, que são aceites sem provas.
Ora, aceitar o princípio da causalidade implica o mesmo tipo de atitude perante os axiomas acima referidos. Aceitar que todos os fenómenos têm causas, que tudo o que muda, mudou por causa de algo que despoletou mudança, ou seja, que há sempre uma ou mais causas para explicar toda e qualquer mudança, é uma atitude perfeitamente compatível com esses axiomas porque tal atitude assume a racionalidade de toda a realidade. Tal atitude rejeita a possibilidade de fenómenos irracionais. Rejeita a possibilidade de contradições lógicas e também de contradições físicas. Toda a pessoa que considera racionais os axiomas acima referidos tem que, coerentemente, aceitar também a universalidade do princípio da causalidade.
Mas talvez o mais importante seja compreender, em termos metafísicos, o que está em jogo no princípio da causalidade. Toda a mudança implica o desaparecimento de algo e o aparecimento de algo novo. Quando uma coisa X muda para Y, X deixa de existir e Y passa a existir.
(Evidentemente, este raciocínio só é válido para quem defende uma teoria A do tempo (segundo a nomenclatura de McTaggart). Está fora do âmbito deste texto defender a teoria A do tempo, mas para já, basta explicar que de acordo com a teoria A, o fluir do tempo é um fenómeno real, ou seja, o passado já não existe e o futuro ainda não existe. Nessa teoria, a mudança é um fenómeno real: quando X muda para Y, X deixa de existir eY passa a existir. De acordo com a teoria B, o fluir do tempo é uma ilusão, ou seja, o passado, o presente e o futuro existem sempre: então, a mudança não é um fenómeno real: X nunca deixa de existir e Y nunca começa a existir: X e Y são apenas "regiões" distintas de um mesmo objecto-bloco eternamente presente.)
Ora, o que é que explica que, a determinado momento, X mude para Y? O que explica é a causa, ou causas. Vamos supor que, como pretende Millican, certos fenómenos seriam não-causais... Isso quereria dizer que, em certos casos, X pode mudar para Y sem causa. Vejamos o que isso implica:
a) que X deixa de existir sem razão alguma, num momento específico (e não noutro momento)
b) que Y começa a existir sem razão alguma, num momento específico (e não noutro momento)
c) que X e Y estão sequenciados no tempo (Y surge quando X desaparece), sem razão alguma
Negar o princípio da causalidade equivale a "desligar" os eventos X e Y. Eles apenas surgem sucessivamente no tempo, mas nada os liga para além disso. Nada explicaria o desparecimento de X e o aparecimento de Y. A mudança seria inexplicável porque seria não causal. Esta manobra é anti-científica, ao pretender que certos fenómenos são essencialmente inexplicáveis (porque não causais).
Vejamos ao detalhe o caso do aparecimento "mágico" de Y, sendo que um mesmo raciocínio pode ser feito para o desaparecimento "mágico" de X. Mais, o aparecimento de Y nem sequer é "mágico", porque pelo menos para aqueles que acreditam em magia (eu não acredito em magia) existe o mago a operar a magia. Acreditar no aparecimento de Y sem causa é o mesmo que acreditar que Y começou a existir sem razão alguma. Mas se, obviamente, Y não existia antes de existir, porque é que começou a existir em determinado momento? Porque não cinco minutos antes? Porque não meia-hora depois? Negar o princípio da causalidade implica afirmar que o aparecimento de certa coisa Y (sem causa) é um fenómeno inteiramente desligado da realidade na qual essa coisa surge, de forma mágica e inexplicável, num certo instante inexplicável (e não noutro). Negar o princípio da causalidade implica postular eventos que estão como que "desligados" da teia de causas e efeitos que constitui a realidade, e então estaremos a atacar a estrutura racional da realidade, estrutura essa que não provámos, mas que todos tomamos como um axioma verdadeiro. Há quem tente ancorar o surgimento não causal de uma coisa Y nessa própria coisa Y, mas isso é irracional: se Y começa a existir, Y não pode ser a causa do começo da sua própria existência, senão Y teria que existir antes de começar a existir, o que é irracional. Por esta razão, se o Universo começou a existir, o Universo não pode ser a causa da sua própria existência.
Em resumo...
Negar o princípio da causalidade em certos fenómenos é exactamente o mesmo que, perante as questões científica do "como" e filosófica do "porquê" de certos fenómenos, responder de forma anti-intelectual: "sem razão alguma"! Note-se que a resposta que se está a dar a essas questões nem sequer é apenas um modesto "não sabemos", ou um temporário "ainda não sabemos". É uma resposta absurda: "não há razão"! E assim, negar o princípio da causalidade é uma atitude literalmente irracional: negar a existência de razões para certos fenómenos, ou seja, afirmar a irracionalidade de certos fenómenos.
E é fundamental, para responder às objecções de Millican, reparar que isto é também válido para a negação do princípio da causalidade em fenómenos não-físicos. Se o surgimento do Universo é, admitidamente, um fenómeno não-físico, pretender que esse surgimento é um processo não-causal implica a atitude irracional de negar toda e qualquer explicação para esse surgimento. Dizer que o Universo surgiu sem causa é abandonar os axiomas da racionalidade e da inteligibilidade da realidade. Dizer que o Universo surgiu sem causa é manifestamente não querer explicar esse surgimento.
Se queremos continuar a acreditar que toda a realidade (mesmo não física) é racional e inteligível, então o princípio da causalidade tem que ser válido mesmo para fenómenos não físicos, ou seja, fenómenos em operação "fora" da realidade espácio-temporal do nosso Universo.
4. De acordo com a Relatividade Geral de Einstein, espaço e tempo fazem parte do nosso Universo; todas as causas, mesmo as inteligentes, actuam no tempo; se o tempo não existe "antes" do Universo, é difícil imaginar como é que a noção de causalidade se pode aplicar ao surgimento do Universo.
Resposta: Dado que, como vimos, não é razoável questionar o princípio da causalidade, resta apenas recordar o que o próprio Millican disse no início das suas objecções à Premissa 1: que o tipo de causalidade envolvido no surgimento do Universo pode ser diferente da causalidade que observamos nos processos a decorrer dentro do Universo. Será, certamente, outro tipo de causalidade, isso ninguém discute. Deverá ser um tipo de causalidade que não depende do tempo, visto que o tempo parece ser estrutural ao Universo e portanto, o tempo apenas existe quando o Universo já existe. A causa que opera o surgimento do Universo estará então a operar "fora" dos ditames do tempo. Isso significa que temos que admitir um âmbito maior ao conceito de causalidade, distinguindo pelo menos dois tipos de causalidade: processos causais temporais (os que vemos no dia-a-dia) e processos causais atemporais. Negar isto implica negar a universalidade do princípio da causalidade, e como vimos, isso é irracional.
Uma forma de tornar esta conclusão mais intuitiva é vermos que o próprio tempo é uma realidade dependente da existência de mudança física. O tempo está dependente da realidade da mudança física. Se o Universo não existisse, não haveria realidade física que pudesse mudar, e por isso, sem Universo não se pode falar propriamente do "passar do tempo". E, todavia, como vimos, ainda seria racional falar de causas a operar "fora" do tempo, dado o carácter universal do princípio da causalidade.
Objecções à Premissa 2
1. Há que distinguir o Universo local (que terá tido início no Big Bang) do Universo global (todas as coisas físicas); há cosmólogos que especulam acerca da existência de múltiplos universos: há diversas teorias que os prevêem, bem como modelos oscilantes ou evolutivos, com múltiplos Big Bangs; por isso, mesmo que o nosso Universo local tenha começado a existir com o Big Bang, pode haver uma causa física no Universo global que explique o início do nosso Universo local.
Resposta: O
Teorema de Borde-Guth-Vilenkin também se aplica em Universos n-dimensionais, bem como a vários dos modelos oscilantes, desde que em média a taxa de expansão seja positiva:
"Our argument can be straightforwardly extended to cosmology in higher dimensions. For example, in the model of Ref. [15] brane worlds are created in collisions of bubbles nucleating in an inflating higher-dimensional bulk spacetime. Our analysis implies that the inflating bulk cannot be past-complete.
We finally comment on the cyclic universe model [16] in which a bulk of 4 spatial dimensions is sandwiched between two 3-dimensional branes. The effective (3+1)-dimensional geometry describes a periodically expanding and recollapsing universe, with curvature singularities separating each cycle. The internal brane spacetimes, however, are nonsingular, and this is the basis for the claim [16] that the cyclic scenario does not require any initial conditions. We disagree with this claim.
In some versions of the cyclic model the brane space-times are everywhere expanding, so our theorem immediately implies the existence of a past boundary at which boundary conditions must be imposed. In other versions, there are brief periods of contraction, but the net result of each cycle is an expansion. For null geodesics each cycle is identical to the others, except for the overall normalization of the affine parameter. Thus, as long as Hav > 0 for a null geodesic when averaged over one cycle, then Hav > 0 for any number of cycles, and our theorem would imply that the geodesic is incomplete."
2. O Universo global pode ser infinito no passado (não há nenhuma contradição nessa possibilidade).
Resposta: É verdade que, em si mesma, a afirmação de que o Universo (local ou global) é infinito no passado é uma afirmação que não contém contradição intrínseca. Todavia, surgem inúmeros problemas de postular um passado eterno para o Universo. Craig apresenta esses problemas no seu debate com Millican. Um dos problemas mais importantes é o de que postular a existência de quantidades infinitas de coisas ou de eventos leva a contradições. Por isso, as contradições não são intrínsecas à tese do Universo eterno, mas surgem naturalmente assim que começamos a pensar acerca de como seria um Universo eterno.
3. Pode-se evitar a conclusão do
Teorema de Borde-Guth-Vilenkin alegando que o Universo não esteve sempre em média em expansão, e que esteve em contracção até certo momento antes do Big Bang.
Resposta: Sim, é verdade que basta a taxa média de expansão (Hav) não ser positiva para o teorema de Borde-Guth-Vilenkin não se aplicar. Todavia, Millican nem sequer se dá ao trabalho de discutir os problemas dessa hipótese. Vejamos como Vilenkin explica estes problemas, lendo a seguinte sequência de perguntas feitas por Victor Stenger e respostas do próprio Vilenkin:
Mr. Stenger asked Mr. Vilenkin the following question,
Does your theorem prove that the universe must have had a beginning?
Vilenkin replied,
No. But it proves that the expansion of the universe must have had a beginning. You can evade the theorem by postulating that the universe was contracting prior to some time.
Vilenkin added,
This sounds as if there is nothing wrong with having contraction prior to expansion. But the problem is that a contracting universe is highly unstable. Small perturbations would cause it to develop all sorts of messy singularities, so it would never make it to the expanding phase. That is why Aguirre & Gratton and Carroll & Chen had to assume that the arrow of time changes at t = 0. This makes the moment t = 0 rather special. I would say no less special than a true beginning of the universe.
(Fonte:
William Lane Craig's Arguments for God Refuted, o negrito é meu)
4. No estado actual do conhecimento cosmológico, é impossível ter qualquer confiança na informação que as nossas teorias possam dar acerca do que se passou "para lá" do Big Bang.
Resposta: E, no entanto, é bizarro que Millican tenha decidido usar este argumento, ao mesmo tempo que argumenta que existe um Universo global "para lá" do nosso Universo local. Ou usa o argumento do Universo global, defendendo-o o melhor que puder, ou então usa este argumento pela ignorância acerca do que se passa "para lá" do Big Bang. Não é coerente usar ao mesmo tempo dois argumentos contra a Premissa 2 que são mutuamente incompatíveis.
Tomada em si mesma, esta objecção também é estranha, quer em termos de Ciência quer em termos de Filosofia. Não faz sentido dizer que é impossível ter qualquer confiança na informação que as nossas teorias nos dão. As teorias não são perfeitas, mas também não são tão más ao ponto de não lhes podermos dar nenhuma confiança. Se não temos confiança no que nos dizem as nossas teorias, então não podemos usá-las para nada, incluindo para argumentar contra a Premissa 2.
5. Incompatibilidade entre a Relatividade Geral e a Mecânica Quântica; tudo o que sabemos acerca da física contemporânea nos sugere que nas escalas muito grandes e muito pequenas, as nossas intuições acerca do que faz sentido são guias pouco fiáveis para chegarmos à verdade.
Resposta: Este argumento é bastante vago. Em primeiro lugar, não se entende qual é o alvo da crítica de Millican: quando, e de que forma, é que Craig usou intuições para defender o seu argumento? Em segundo lugar, apesar de ser verdade que a Relatividade Geral e a Mecânica Quântica continuam a não estar unificadas numa teoria "macro", Millican não explica em que é que isso afecta a Premissa 2. Uma leitura atenta do artigo de Borde, Guth e Vilenkin mostra bem em que é que este artigo é diferente de tentativas anteriores para demonstrar a finitude do passado do Universo:
"In such spacetimes, it is natural
to ask if the Universe could also be past-eternal. If it
could, eternal inflation would provide a viable model of
the Universe with no initial singularity. The Universe
would never come into existence. It would simply exist.
This possibility was discussed in the early days of inflation, but it was soon realized [6, 7] that the idea could not be implemented in the simplest model in which the inflating universe is described by an exact de Sitter space. More general theorems showing that inflationary space-times are geodesically incomplete to the past were then proved [8]. One of the key assumptions made in these theorems is that the energy-momentum tensor obeys the weak energy condition. Although this condition is satisfied by all known forms of classical matter, subsequent work has shown that it is likely to be violated by quantum effects in inflationary models [9, 10]." (artigo completo aqui)
Borde e Vilenkin já tinham demonstrado em 1994, que espaços-tempo inflaccionários são geodesicamente incompletos no passado (ver nota de rodapé 8 no artigo referido), mas os autores tinham partido então de um pressuposto importante: o de que a condição de energia fraca não era violada. Mas à escala quântica, em modelos inflaccionários, essa condição poderia ser violada por efeitos quânticos. Ora
o teorema de 2001 não usa esse pressuposto, pelo que não se vê de que forma é que a incompatibilidade entre a Relatividade Geral e a Mecânica Quântica poderá afectar as conclusões do teorema de 2001:
"Our argument shows that null and time- like geodesics are, in general, past-incomplete in inflationary models, whether or not energy conditions hold, provided only that the averaged expansion condition Hav > 0 holds along these past-directed geodesics. This is a stronger conclusion than the one arrived at in previous work [8] in that we have shown under reasonable assumptions that almost all causal geodesics, when extended to the past of an arbitrary point, reach the boundary of the inflating region of spacetime in a finite proper time (finite affine length, in the null case)."