segunda-feira, 28 de junho de 2010

Padre Gabriele Amorth - Aula sobre Exorcismos - I

4 comentários:

O Sousa da Ponte - João Melo de Sousa disse...

O Malleus Maleficarum é um disparate da idade média ou é algo de ter em conta ?

Espectadores disse...

Caro Sousa da Ponte,

O Malleus Maleficarum é, mais especificamente, uma obra do final do Renascimento (1486), e não da Idade Média. O seu autor é um inquisidor católico, mas é altamente discutível que a obra tenha tido aprovação eclesiástica.

A razão: a obra está contaminada com pensamento hermético neoplatónico, com a influência de autores da chamada "corrente hermética" (ver a obra de Frances Yates, "Giordano Bruno and the Hermetic Tradition"). É duvidoso que as autoridades eclesiásticas vissem a obra com bons olhos, uma obra onde surgem referências a ideias de astrologia. É verdade que a mera referência à astrologia (actividade que sempre esteve muito em voga na Europa, e que nunca foi fortemente repreendida, a não ser na vertente divinatória) não chega para concluir que a obra seria rejeitada pelas autoridades eclesiásticas só por essa razão.
É mais importante olhar para o contexto histórico: no início do século XV, a Igreja esteve a braços com o confuso cisma do Ocidente, com numa dada altura três papas a reclamarem o título. Todo o século XV foi eclesiasticamente desordenado. Uma obra como esta, nessa altura, poderia passar facilmente sob o crivo da censura, e foi sem dúvida uma obra muito popular. Mas duvido que haja base história para afirmar que foi uma obra sancionada pela autoridade eclesiástica.
Olhando para o fenómeno da Contra-Reforma e do Concílio de Trento (século XVI) e para o combate levado a cabo por homens como Marin Mersenne (século XVII), fica claro um recrudescer da atitude da Igreja Católica contra a tradição hermética. Essa antipatia já era antiga, mas não era tão intensa nos séculos anteriores ao da Contra-Reforma. Isso explica uma certa facilidade em disseminar uma obra teologicamente muito problemática como é certamente o Malleus Malleficarum.

O livro assenta numa ideia bizarra para a doutrina cristã: a ideia de que a actividade demoníaca ou satânica seria mais frequente nas mulheres, quando o Novo Testamento, e toda a tradição, sempre refere que tanto homens como mulheres podem ficar sob a alçada da possessão demoníaca, ou mais frequentemente, de influências demoníacas.

Cumprimentos

Espectadores disse...

PS: É comum cometer-se o erro (ao bom estilo Dan Brown) de falar na perseguição da Igreja Católica às bruxas. Os casos mais graves desse tipo de perseguição devem-se aos protestantes e foram cometidos em países protestantes. Regra geral (há sempre excepções), as pessoas acusadas de bruxaria preferiam ser julgadas pela Inquisição do que pelo poder civil, dado que elas sabiam que a Inquisição tinha mais burocracia e métodos mais analíticos, enquanto que o poder civil cedia muitas vezes aos medos e às pressões da sociedade.

Espectadores disse...

Interessante nota acerca desta obra, na Catholic Encyclopedia:

«Probably the most disastrous episode was the publication a year or two later, by the same inquisitors, of the book "Malleus Maleficarum" (the hammer of witches). This work is divided into three parts, the first two of which deal with the reality of witchcraft as established by the Bible, etc., as well as its nature and horrors and the manner of dealing with it, while the third lays down practical rules for procedure whether the trial be conducted in an ecclesiastical or a secular court. There can be no doubt that the book, owing to its reproduction by the printing press, exercised great influence. It contained, indeed, nothing that was new. The "Formicaris" of John Nider, which had been written nearly fifty years earlier, exhibits just as intimate a knowledge of the supposed phenomena of sorcery. But the "Malleus" professed (in part fraudulently) to have been approved by the University of Cologne, and it was sensational in the stigma it attached to witchcraft as a worse crime than heresy and in its notable animus against the female sex. The subject at once began to attract attention even in the world of letters. Ulrich Molitoris a year or two later published a work, "De Lamiis", which, though disagreeing with the more extravagant of the representations made in the "Malleus", did not question the existence of witches. Other divines and popular preachers joined in the discussion, and, though many voices were raised on the side of common sense, the publicity thus given to these matters inflamed the popular imagination. Certainly the immediate effects of Innocent VIII's Bull have been greatly exaggerated. Institoris started a witch campaign at Innsbruck in 1485, but here his procedure was severely criticised and resisted by the Bishop of Brixen (see Janssen, "Hist. of Germ. People", Eng. tr., XVI, 249-251). So far as the papal inquisitors were concerned, the Bull, especially in Germany, heralded the close rather than the commencement of their activity. The witch-trials of the sixteenth and seventeenth centuries were for the most part in secular hands.

One fact which is absolutely certain is that, so far as Luther, Calvin, and their followers were concerned, the popular belief in the power of the Devil as exercised through witchcraft and other magic practices was developed beyond all measure. Naturally Luther did not appeal to the papal Bull. He looked only to the Bible, and it was in virtue of the Biblical command that he advocated the extermination of witches. But no portion of Janssen's "History" is more unanswerable than the fourth and fifth chapters of the last volume (vol. XVI of the English edition, in which he attributes a large, if not the greater, share of the responsibility for the witch mania to the Reformers.»

http://en.wikisource.org/wiki/Catholic_Encyclopedia_(1913)/Witchcraft