Aqui há dias, na caixa de comentários do meu "post" recente sobre a existência do Diabo, a Leonor fez-me a seguinte pergunta acutilante e valiosa:
«Isso significa que o ser humano é apenas um boneco à mercê de demónios e influências malignas? Onde está o livre arbítrio, então? Onde está a responsabilidade individual?»
Eu não acredito em coincidências. Hoje mesmo, sem o planear, vim parar a este blogue magnífico: Suma Teológica.
E em poucos cliques, achei, na obra de São Tomás de Aquino (à qual esse blogue se dedica) a resposta ideal para as questões da Leonor: Tomás responde: Todos os pecados humanos vêm da sugestão do diabo?
Eis, então, a resposta de São Tomás às questões da Leonor. Resposta sempre actual, sempre rigorosa, sempre útil.
Parece que todos os pecados humanos vêm da sugestão do diabo:
1. Com efeito, Dionísio afirma que a multidão dos demônios é a causa de todos os males para si mesmos e para os outros.
2. Além disso, segundo o Evangelho de João: “quem comete o pecado é escravo do pecado” (8, 34). Ora, como diz a segunda Carta de Pedro: “Alguém se entrega à escravidão daquele por quem foi vencido” (2, 19). Logo, aquele que comete o pecado é vencido pelo diabo.
3. Ademais, Gregório diz que o pecado do diabo é irreparável, porque ele caiu sem sugestão de ninguém. Por conseguinte, se os homens pecam pelo livre-arbítrio e sem sugestão de ninguém, seu pecado também seria irremediável, o que evidentemente é falso. Logo, todos os pecados humanos são sugeridos pelo diabo.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, está dito no livro dos Dogmas Eclesiásticos: “Não é sempre o diabo que excita em nós os maus pensamentos; eles emergem algumas vezes pelo movimento de nosso livre-arbítrio”.
RESPONDO. Ocasionalmente e indiretamente o diabo é a causa de todos os nossos pecados, pois ele induziu o primeiro homem a pecar. E em seqüência deste pecado a natureza humana foi de tal modo viciada que todos nós somos inclinados a pecar. É como se dissesse que a madeira queimou por causa daquele que a fez secar. Pois uma vez seca inflama-se facilmente. Diretamente, o diabo não é a causa de todos os pecados humanos, como se persuadisse a cada um deles. Orígenes prova pelo fato de que, mesmo se o diabo não existisse, os homens não deixariam de ter o apetite dos alimentos e das coisas venéreas e de outras semelhantes. E este apetite poderia ser desordenado se a razão não o ordenasse, o que está no poder do livre-arbítrio.
Portanto, quanto às objeções iniciais deve-se dizer que:
1. A multidão dos demônios é a causa de todos os nossos males em sua primeira origem, como foi dito.
2. Alguém não se torna escravo de outrem apenas quando se é vencido por eles, mas ainda quando se submete voluntariamente a ele. É assim que aquele que peca por seu próprio movimento torna-se escravo do diabo.
3. O pecado do diabo foi irremediável porque ele o cometeu sem que ninguém lho sugerisse, sem que houvesse nenhuma inclinação para o mal causada por uma sugestão anterior. De nenhum pecado humano pode-se dizer a mesma coisa.
Fonte: ST I-II, 80, 4
16 comentários:
Caro Bernardo
O que dizer se não que a resposta está dada e dada por quem a sabe dar!
Obrigado!
Um abraço amigo em Cristo
Olá Joaquim,
De facto, sinto-me um bocado tolo. Quando a Leonor me colocou a questão, tentei responder o melhor que pude, mas senti-me como se nunca tivesse realmente pensado na questão que a Leonor levantou. Pensei na hora e respondi na hora. Qual não é o meu espanto quando me deparo, como que por acaso, com a resposta exacta e clara de São Tomás?
As respostas de São Tomás são sempre valiosas. Trata-se de uma grande cabeça assente nos ombros de uma grande pessoa (ele era enorme, aliás!). E ele pensou tanto sobre estas questões que deveria ser a nossa primeira fonte. Da próxima vez, já sei: antes de tentar dar uma resposta imperfeita ou mesmo errada, nada como dar uma saltada à Suma!
Serve de lição!
Um abraço
“Não é de forma alguma um paradoxo, mas uma verdade certeira, que não temos maior inimigo a temer do que nós mesmos. Como isso é possível? Eu sou mais temível para mim do que todo o resto do mundo, já que só cabe a mim aniquilar a minha alma e excluí-la do reino de Deus” jesuíta francês Bourdaloue
Ora bolas o Bernardo é S Tomás de Aquino, estamos tramados...
Olá sr. Bernardo como vai?
Para mim que creio num criador hiper-evoluído, mas que não creio em religiões, o "diabo" é mais um bicho papão dos muitos que o cristianismo apresenta, como os demônios que se instalaram nos porcos, almas penadas, exorcistas paranóicos, e etc,etc,e etc.
O cristianismo, (não Jesus)não confunda,tem na sua raíz uma grande contradição.
Se Deus fosse omnipotente, seu arquinimigo (o diabo)não poderia existir. Se existe então Deus não é omnipotente.
Se Deus é omnipotente e o diabo e os demônios existem (como é o caso no cristianismo) então o Deus Cristão é bem sádico.
Há-de entender porquê, não é sr. B ernardo? (conheço o livro de Jó!!!)
Vou ficar-me apenas em "uma" "virtude" do Deus Cristão.
Veja, respeito a Filosofia de Jesus enquanto homem (cidadão e sofredor) como todos nós, mas não aceito argumentos bíblicos "arrumados" por homens inescrupulosos e de interesses muito duvidosos...!!!
-Há, não me julgue ateu, pois sei que tirando o "catolicismo" eu sei que o sr. é um verdadeiro ateu, assim sendo, conceda-me o direito de ser ateu a todas as religiões. Sinto-me talvez em relação às religiões do mundo como Jesus se sentia em relação ao Judaísmo, no entanto assim como ele, eu nunca neguei um Criador Universal, mas
um (Criador Universal com qualidades e sentimentos humanos) ofende minha inteligência,(desculpe).
Abraço.
Post muito interessante. Embora me pareca muito bom que alguém se dê ao trabalho de ir consultar S. Tomás, sugiro um caminho mais simples e, quiçá, mais eficaz para responder a estas e outras perguntas: ler o Catecismo da Igreja Católica, certamente um dos livros mais subvalorizados dos últimos 20 anos.
Olá, Bernardo!
Desculpa o atraso da resposta, mas estive fora e sem internet decente para acompanhar as tuas respostas e posts.
Percebo, pelos teus argumentos, que não vês a existência do diabo como uma mera metáfora para a maldade humana. Afinal, vens defender os exorcismos, feitos muito ao gosto da época medieval,e a julgar pelo vídeo que colocaste, com muita "magia" e sem qualquer consideração pela saúde psíquica da pessoa em questão.
Julgo que já tivemos esta conversa noutra situação, talvez no Portal. Parece-me que vês a história da criação como algo literal, já que deus criou toda a hoste celestial antes da criação do Homem, diz-me por favor, em que momento se deu essa criação? Com o primeiro hominídeo?
Não é possível continuar a dizer que o Catolicismo defende a Evolução e que não há superstição ou crença no sobrenatural para depois vir falar em demónios e em criação dessa maneira.
Leonor
Leonor,
«Desculpa o atraso da resposta»
Idem!
«Percebo, pelos teus argumentos, que não vês a existência do diabo como uma mera metáfora para a maldade humana.»
Nunca os cristãos viram a existência do Diabo como uma metáfora. E isto porque o próprio Cristo nunca tratou o Diabo, nem os demónios, como metáforas. O exorcista de referência para os cristãos é o próprio Cristo, cujos exorcismos estão documentados nos Evangelhos.
«Afinal, vens defender os exorcismos, feitos muito ao gosto da época medieval»
Os exorcismos sempre se praticaram na Igreja Católica, quer antes da Idade Média (desde o próprio Cristo) quer depois.
Vê, por exemplo, a página de vídeos do Padre Duarte, que é exorcista da Diocese de Lamego:
http://www.santidade.net/videos.htm
É verdade que são poucos os exorcistas, porque felizmente são raras as situações de possessão demoníaca. Mas eles existem por uma razão simples: fazem falta.
«e a julgar pelo vídeo que colocaste, com muita "magia" e sem qualquer consideração pela saúde psíquica da pessoa em questão.»
O exorcismo não é magia. É o antídoto para as situações de influência demoníaca, que muitas vezes são o resultado de práticas mágicas. É a magia e a superstição, assentes na mentira e na falsidade, que expõem as pessoas às influências demoníacas. O exorcismo cura os efeitos nefastos das práticas mágicas, esotéricas e divinatórias.
«Parece-me que vês a história da criação como algo literal, já que deus criou toda a hoste celestial antes da criação do Homem, diz-me por favor, em que momento se deu essa criação? Com o primeiro hominídeo?»
Antes de mais, a Criação, em sentido lato, é o acto pelo qual Deus dá a existência todas as coisas e todos os seres. A palavra existência, de "ex-stare", revela que o ser das coisas está apoiado em algo ("ex") que lhes pré-existe. Esse Ser cuja existência é necessária é Deus.
Por isso, Deus está permanentemente em acto de Criação, e se deixasse de o estar, tudo desaparecia.
No que diz respeito ao surgimento do primeiro homem, o mais sensato é dizer que, nem a ciência actual está suficientemente madura, nem o nosso grau de interpretação teológica está suficientemente maduro. O relato do Génesis pode conter (e contém) a verdade acerca da Criação de tudo, inclusive do homem, mas está escrito em linguagem figurativa, e é complexo casar essa linguagem com os dados da ciência. A minha posição, e a da Igreja, é a de que essa compatibilidade tem que ser total. São Tomás dizia que uma verdade de fé não colide com uma verdade de Ciência, pois a verdade não contradiz a verdade.
Eu, para já, considero sensata a interpretação (não dogmática nem infalível) do Papa João Paulo II, que especulava que, possivelmente, o primeiro ser humano surgiu quando Deus introduziu num hominídeo, pela primeira vez, o intelecto humano (o intelecto é imaterial). Ou seja, falamos de um cérebro de hominídeo, já maturado pela evolução, que teria recebido pela primeira vez o intelecto racional do ser humano.
Essa interpretação não viola o sentido do Génesis e é compatível com a teoria da evolução. Note-se que essa teoria já quase demonstrou como certa a origem da raça humana em África. A tese da monogénese da raça humana pode ser conciliada com a tese bíblica da monoparentalidade (um primeiro homem e uma primeira mulher). Mas é ainda complicado perceber-se como.
(continua)
(continuação)
Leonor: a minha atitude é simples e consistente com o que os cristãos sempre disseram: adesão ao Magistério, respeito pela Ciência. Se eu te fizer uma lista dos 500 cientistas mais influentes dos últimos séculos, verás que a esmagadora maioria era composta por cristãos coerentes, que aderiam ao Magistério enquanto faziam Ciência. Só a propaganda descrente dos séculos XVIII, XIX e XX é que procurou montar uma suposta incompatibilidade que não existe.
Penso que já referi no Portal que o padre belga Georges Lemaître foi o criador da teoria do átomo primordial, mais tarde rebaptizada como teoria do "Big Bang". Ele concebeu essa teoria porque tinha fé na visão do Génesis do "fiat lux" ("Faça-se luz"). Há vários casos de descobertas científicas inspiradas na Bíblia. A Bíblia não é um livro científico, mas contém verdades inspiradas por Deus. Não é Deus o autor da Bíblia, e nisso somos diferentes dos muçulmanos, mas acreditamos que Deus inspira os autores dos textos da Bíblia, e que há lá coisas espantosas que não poderíamos descobrir pela Ciência, mas essas coisas espantosas não podem colidir com a Ciência, e quando colidem, devemos pensar que nós é que estamos a interpretar mal o texto sagrado.
«Não é possível continuar a dizer que o Catolicismo defende a Evolução e que não há superstição ou crença no sobrenatural para depois vir falar em demónios e em criação dessa maneira.»
1) O conceito teológico cristão de Criação em NADA viola as verdades científicas; a Criação é um conceito teológico, que até pode ter tradução filosófica (no argumento Cosmológico, por exemplo, que é filosófico); a teoria do Big Bang, por exemplo, é perfeitamente compatível com o conceito cristão de Criação, muito mais compatível do que, por exemplo, a metafísica hindu
2) O conceito teológico cristão de anjo ou de demónio em NADA viola as verdades científicas; os seres angélicos ou demoníacos são imateriais, ou seja, não são compostos por matéria (e como matéria é energia, eles não são compostos por energia); há uma completa separação de domínios: os anjos e os demónios, se bem que podem agir no domínio material, são imateriais: só podemos ver os seus efeitos, e não os podemos analisar enquanto seres imateriais usando a Ciência
Penso que confundes a percepção cultural de incompatibilidade (hoje em dia, por preconceito, consideramos que estas realidades, teológica e científica, são incompatíveis, mas isso é propaganda) com uma possível incompatibilidade filosófica entre Ciência e Cristianismo, que é INEXISTENTE. Ou pelo menos, até hoje nunca vi qualquer incompatibilidade manifesta.
Quando eu detectei problemas de incompatibilidade, havia sempre:
a) ou má Ciência
b) ou má Teologia
Um abraço,
Bernardo
Já agora, e porque falaste em psiquiatria, o livro que citei contém testemunhos de psiquiatras que trabalharam em colaboração com o Padre Amorth, em regime de total separação de domínios: os problemas psiquiátricos tratados pelos psiquiatras, e os problemas espirituais tratados pelo padre exorcista.
O título do livro é precisamente "Exorcistas e Psiquiatras": http://www.paulus.pt/index.php?page=shop.product_details&flypage=flypage.tpl&product_id=716&category_id=77&option=com_virtuemart&Itemid=29&lang=pt
Como se distinguem os casos, e se garante que uma pessoa com problemas psíquicos é encaminhada para o psiquiatra? O Padre Amorth, e os psiquiatras que ele cita no seu livro, explicam bem. Há vários factores comportamentais que são analisados para destrinçar os dois casos, mas normalmente, é por métodos empíricos:
a) se o exorcismo "funciona" e o tratamento psiquiátrico não, então o caso será espiritual
b) se o exorcismo não causa qualquer alteração comportamental, então o caso será psiquiátrico
Evidentemente, podem existir casos mistos, ou seja, de uma mistura de problemas espirituais com problemas psiquátricos. Nesses casos, o exorcista e o psiquiatra devem trabalhar separadamente sobre a mesma pessoa.
Olá Bernardo!
Obrigada pelo aviso.
Não tenho muito tempo, mas há umas quantas coisas que gostaria de responder.
“O exorcismo não é magia. É o antídoto para as situações de influência demoníaca, que muitas vezes são o resultado de práticas mágicas. É a magia e a superstição, assentes na mentira e na falsidade, que expõem as pessoas às influências demoníacas. “
Desculpa, mas não consigo ver a diferença entre a macumba do senhor ali do lado e as práticas que a Igreja afinal admite. Trata-se para ti apenas de uma questão de quem a faz – asseguras autoridade a uma certa entidade e não a outra. Tanto um como o outro aproveitam-se da credulidade das pessoas, e sobrevivem graças à superstição.
No fundo, este tipo de crendice sobrevive graças à desculpa que muitas pessoas dão para não assumirem os seus erros e assim desculpabilizam-se atribuindo a responsabilidade a demónios, vontades superiores a elas que, coitadinhas não podem fazer mais nada. Não vejo a diferença entre uma pessoa que acredita que está sob domínio do diabo, ou à sua mercê e outra que afirma que é por mau-olhado que não consegue arranjar um trabalho decente.
“os anjos e os demónios, se bem que podem agir no domínio material, são imateriais: só podemos ver os seus efeitos, e não os podemos analisar enquanto seres imateriais usando a Ciência”
E que efeitos são esses? São assim tão extraordinários que não tenham uma explicação racional para acontecerem?
Custa-me ver, Bernardo, que médicos pactuem com estas feitiçarias – a menos que considerem o poder da sugestão mais forte que qualquer outra coisa. Custa-me ver que tu sendo inteligente, aceites esse tipo de “superstição e falsidade” (palavras tuas) só porque está revestido de doutrina cristã. Que acredites que qualquer pessoa pode fazer magia ou invocar as forças malignas ou benignas a seu belo proveito.
Essa adaptação que a Igreja faz à Evolução de maneira a fazer encaixar a sua ideia de criação naquilo que a ciência é capaz de demonstrar, é interessante e mostra que pelo menos não fecha os olhos totalmente às evidências, mas não deixa de ser uma forma de recusar a ideia que a evolução do Ser humano resulta de um longo processo, feito durante milhares de anos e que não precisa de intervenção divina. Não foi uma coisa automática de “receber pela primeira vez o intelecto racional”, se isso tivesse acontecido, seria a primeira a dizer que sim, tens razão, não há explicação possível para que tal tenha acontecido assim de repente. Mas sabemos hoje que esse processo demorou milhares de anos e há uma quantidade de factores que contribuíram para que o ser humano se tenha tornado na espécie dominante que é hoje.
As coisas não são simples como afirmas, a nossa origem não se deu com uma varinha mágica e puff… tens o Ser humano feito. Nem podes realmente falar num primeiro homem ou mulher com seriedade. Que fales da origem dos hominídeos em África, é uma coisa, quanto ao surgimento do Homem anatomicamente moderno então, o caso é mais complicado que isso.
Uma brincadeira, a teres razão, Deus foi então um criador muito infeliz, já que houve uma quantidade de modelos que não vingaram e teve de esperar que a natureza tivesse tratado das coisas. Não é assim tão perfeito, então.
“A Bíblia não é um livro científico, mas contém verdades inspiradas por Deus.”
A Bíblia realmente foi inspirada pelo conceito – nem sempre homogéneo - que os seus autores tinham de Deus, não vou argumentar contra isso. Mas não consigo perceber o que queres dizer com “coisas espantosas que não poderíamos descobrir pela Ciência” Falas de textos filosóficos? Produto da conceptualização do Homem?
A Bíblia é um texto fabuloso, e estou a falar sem ironia, mas não percebo essa ideia que o erro é sempre da nossa interpretação e não o contrário, que foram os seus autores a errar. Porque errar é humano, como diz o velho provérbio, e foram homens a escrever, ao longo de vários anos, com diferentes influências, diferentes propósitos e com diferentes interpretações ao reescreverem, traduzirem, etc.
Fica bem, Bernardo, sempre um prazer discutir contigo.
Leonor
Leonor,
«Desculpa, mas não consigo ver a diferença entre a macumba do senhor ali do lado e as práticas que a Igreja afinal admite.»
A diferença é um abismo.
A macumba do Dr. Karamba (ou seu congénere) pode ser de dois tipos (isolados ou combinados):
a) pura aldrabice
b) invocação do Demónio ou de seres demoníacos
Essa macumba é nociva, de forma diferente, de acordo com os dois tipos referidos:
a) nociva porque enganadora, ludibriadora, etc.
b) nociva porque perigosa para a pessoa que a pratica ou recebe, pelo facto de submeter essa pessoa às ditas influências demoníacas
«Trata-se para ti apenas de uma questão de quem a faz – asseguras autoridade a uma certa entidade e não a outra.»
É uma questão de autoridade, claro. O exorcista exorcisa pela autoridade única de Jesus Cristo. Aliás, em bom rigor, o agente do exorcismo é sempre Cristo. O exorcista é a pessoa que invoca a ajuda de Cristo.
«Tanto um como o outro aproveitam-se da credulidade das pessoas, e sobrevivem graças à superstição.»
Não tens razão: o Dr. Karamba, e qualquer curandeiro do mesmo género, cobra pelo "serviço". Nenhum padre exorcista leva dinheiro.
Além de que, obviamente, rejeito que o exorcismo seja superstição.
«No fundo, este tipo de crendice sobrevive graças à desculpa que muitas pessoas dão para não assumirem os seus erros e assim desculpabilizam-se atribuindo a responsabilidade a demónios, vontades superiores a elas que, coitadinhas não podem fazer mais nada.»
Estás a meter tudo no mesmo saco. Se uma pessoa se aproxima de um exorcista com tal atitude de desculpabilização, essa pessoa não estando possessa, não vai reagir ao exorcismo.
«Não vejo a diferença entre uma pessoa que acredita que está sob domínio do diabo, ou à sua mercê»
Não é a pessoa que se auto-avalia. Quem avalia se o caso é ou não um caso para exorcista é o próprio exorcista. O próprio padre Amorth explica que, no passado, foi abordado por muitas pessoas que realmente não eram casos de possessão nem sequer casos de influência demoníaca. Ele diz que, hoje em dia, só recebe pessoas que lhe sejam enviadas por alguém da sua confiança.
«e outra que afirma que é por mau-olhado que não consegue arranjar um trabalho decente.»
Obviamente, nenhum exorcista recebe uma pessoa com base numa razão tonta dessas.
«E que efeitos são esses? São assim tão extraordinários que não tenham uma explicação racional para acontecerem?»
São. Glossolália (capacidade de falar múltiplas línguas, verificada em pessoas analfabetas), força extraordinária (pessoas que sobem facilmente paredes verticais sem ajuda), materialização de objectos na boca, reacção violenta à Eucaristia e aos sacramentais, entre outros.
O exorcista, para despistar falsos casos de exorcismo, pode levar consigo, oculto na sua roupa, um frasco com água benta ou uma hóstia consagrada. O exorcizado não pode ter conhecimento disso, e nos casos reais de possessão, dão-se reacções violentas com a aproximação do exorcista ao exorcizado.
E depois, há a validação empírica: o exorcista, perante um caso real de possessão, e se tudo correr bem, em poucas sessões (ou mesmo numa só), cura a pessoa, e esta volta a ter uma vida normal, livre de ataques demoníacos. Este é outro dos argumentos "a posteriori" para a validade do exorcismo: a cura.
Como explicas isto?
(continua)
(continuação)
«Custa-me ver, Bernardo, que médicos pactuem com estas feitiçarias – a menos que considerem o poder da sugestão mais forte que qualquer outra coisa.»
O poder da sugestão permite a uma pessoa subir paredes num ápice, sem ajuda? Permite-lhes levantar pesos impossíveis para a sua estatura física? Permite a uma adolescente proveniente de um meio rural falar em latim fluente com o exorcista? Permite a alguém cuspir fios e pregos em grande quantidade, que nunca poderiam ter vindo do esófago, senão causariam hemorragias graves?
«Custa-me ver que tu sendo inteligente, aceites esse tipo de “superstição e falsidade” (palavras tuas) só porque está revestido de doutrina cristã.»
Digamos assim: partilhando da visão cristã da realidade, eu não tenho o meu intelecto bloqueado pelas limitações da filosofia materialista, hoje tão em voga.
Digo-te eu: custa-me ver que tu sendo inteligente, aceites esse tipo de “superstição e falsidade” que é a filosofia materialista, só porque essa mesma filosofia vem travestida, muitas vezes, de ciência.
Quando um cientista afectado pela filosofia materialista faz interpretações materialistas de dados científicos, porque é que tu aceitas os dados científicos juntamente com a filosofia materialista?
É que a filosofia materialista é ilógica e contraditória. Recordas-te da pergunta fatal que eu fiz ao Ricardo durante a gravação do debate? O materialista não pode estar seguro de nada.
Em momento algum, a Ciência diz que a demonologia é impossível. Quem o diz são os cientistas infectados pela filosofia materialista.
A Ciência, nos humanos, é interpretada sempre em modo filosófico. E há aqueles que interpretam a Ciência em matriz cristã (eu) e os que o fazem em matriz materialista. A ciência não tem culpa da má filosofia de muitos cientistas.
«Que acredites que qualquer pessoa pode fazer magia ou invocar as forças malignas ou benignas a seu belo proveito.»
Eu não acredito nisso.
(continua)
Olá, Bernardo!
Vou estar fora na próxima semana e por isso vai ser difícil esperar pela continuação até poder responder-te.
Por isso, aproveito apenas para dizer uma coisa:
"Glossolália (capacidade de falar múltiplas línguas, verificada em pessoas analfabetas), força extraordinária (pessoas que sobem facilmente paredes verticais sem ajuda), materialização de objectos na boca, reacção violenta à Eucaristia e aos sacramentais, entre outros."
Sim, eu também assisti a uma coisa assim... ah, foi no "Exorcista".
Desculpa, Bernardo. Não tenho motivos para acreditar nesse tipo de fenómeno, tal como não tenho motivos para acreditar nas descrições de fantasmas, naves espaciais de galáxias longínquas, ou monstros de lagos.
Não quer dizer que não haja uma ínfima possibilidade de serem reais, apenas que é necessário mais que o simples testemunho de alguém.
Podes considerar que é filosofia materialista ou coisa que o valha, mas sabendo que tanta doença psicológica nunca diagnosticada foi usada como pretexto para exorcismos, acho que é de bom senso duvidar dessas coisas sem provas dignas deste nome.
Fica bem!
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