Num extenso exercício de "non sequiturs", Inês Pedrosa veio em ataque daquelas raras pessoas que, na nossa sociedade, se preocupam e batalham pelo reconhecimento do direito à vida do ser humano em fase de desenvolvimento intra-uterino.
Vejamos: vivemos numa sociedade que mata seres humanos por conveniência. Essa mesma sociedade tolera esses crimes, considera-os legais, financia os ditos crimes, procura coagir os funcionários do sistema de saúde a perpetrá-los abusando da liberdade de consciência, e propagandeia a viva voz que esse crime é "um direito".
Ora nessa sociedade, existe um punhado de lutadores e de lutadoras que gritam "basta" e que batalham por uma sociedade mais justa, com menos crimes. E a Inês Pedrosa, advogando que o tal crime é "direito", combate quem tem razão. Ora, pelas regras inflexíveis da lógica, não pode ter razão quem combate os que têm a razão do seu lado.
Claro que Inês Pedrosa não explica como é que o aborto, esse crime hediondo, é um "direito". Ela assume isso. E claro que, então, todo o seu texto sofre da falácia da petição de princípio: está assente sobre o vazio ético da falta de razões decentes para se legitimar a destruição de seres humanos inocentes.
Vejamos alguns dos aspectos errados do dito artigo:
«Há dias, na televisão, uma senhora de uma associação que se opôs ao direito à interrupção da gravidez fazia o balanço dos três anos da lei nesse astuto tom de luta em prol dos direitos das mulheres.»
Cá está a falácia da petição de princípio. De forma descarada, Inês Pedrosa insere a expressão "opôs ao direito", assumindo que o aborto é um direito. Obviamente não é, pois nenhum crime é direito, mas a autora não explica porque razão considera que matar um ser humano inocente é um direito.
«A ideia que se pretende passar é essa: ser contra a lei que permite a interrupção da gravidez é ser-se feminista. Porquê? Porque, desde que existe a lei, "as mulheres" ficaram mais "sozinhas" e são "obrigadas" a abortar. Quando o médico presente tentava demonstrar a insensatez do argumento, a senhora contra-atacava, repetindo: "Eu estou no terreno, eu oiço as mulheres." Ora, no terreno estamos todos: e ninguém no seu perfeito juízo pode acreditar que um brutamontes qualquer arraste a mulher (ou a filha, ou a amante) pelos cabelos para o centro de saúde - ao contrário do que podia fazer, em total impunidade, quando se tratava de a levar para a abortadeira clandestina.»
Na teatralidade encenada para dar ar de solidez a argumentos vácuos, Inês Pedrosa fala numa hipotética e improvável cena teatral do machista bruto que arrasta as mulheres pelos cabelos para abortar. Claro que ela omite, astuciosamente, os casos frequentes de poderio que oprimem a mulher do nosso tempo. Situações abundantes como a do patrão que diz à sua empregada grávida que ela "tem que resolver o assunto". Inês Pedrosa não conhece esses casos. Então é porque não existem!
«Chamo-lhe delírio, porque as gravidezes interrompidas não deixariam de existir se não houvesse a lei.»
Eis agora a falácia da inevitabilidade do aborto. Abortar é tão inevitável como respirar. Temos que respirar como temos que abortar. Claro está que esta falácia consiste em erradicar alternativas válidas ao aborto. À luz da filosofia da inevitabilidade do aborto, a mulher atrapalhada com uma gravidez indesejada não pode optar por não abortar, e o Estado não pode também optar por financiar as grávidas em dificuldades! O aborto aparece como uma inevitabilidade. Sendo inevitável, tanto como o sol nascer amanhã de novo, há que providenciar então condições para ele ser executado. Mas porque razão seria o aborto inevitável? Inês Pedrosa risca do cenário das possibilidades um Estado que apoie a maternidade, um estado que permita à mulher que é mãe ser mãe. Isso é triste. É desumano. E falacioso.
«A mim, esse crescimento dá-me satisfação: significa que o aborto clandestino está a desaparecer.»
A coisa boa do aborto clandestino, para usufruto de opinadores como Inês Pedrosa, é que é clandestino. Se não há números do aborto clandestino, podemos dizer que o aumento do número de abortos "legais" se deve à redução do clandestino. Pode-se dizer o que se quiser: é clandestino.
«Como é lógico, não basta que a lei entre em vigor para que as mulheres corram para os hospitais. Têm medo de ser vistas.»
Medo. Muito medo. E medo de voltar vezes e vezes seguidas, como indicam as estatísticas de múltiplos abortos por mulher.
«É preciso dar tempo para que as mulheres ganhem confiança no sistema de saúde.»
Exacto: mães, ganhem confiança naqueles que vos destroem os vossos filhos. Confiem nos abortadores. Nada como confiar em pessoas que destroem seres humanos.
«Eu também me lembro. Conheci demasiadas mulheres que perderam a saúde e a vida por abortos miseravelmente feitos.»
Nova falácia: um crime clandestino e medicamente perigoso é coisa má. Mas já um crime "legal" e medicamente perfeito seria coisa boa. Isto está errado. Há que ver que o problema ético do aborto não está nas circunstâncias do acto de abortar. O problema está mesmo no acto de abortar!
«Nenhuma mulher interrompe uma gravidez por ordem de outrem»
Como é que tem tantas certezas? Conhece todas as mulheres? Todos os casos? Frases começadas por "nenhum" ou "nenhuma" são afirmações absolutas. Devem ser usadas com cautela. E os casos de coacção que referi atrás? Não existem? Nenhum? O patrão que ameaça despedimento? O namorado que ameaça ir à sua vida? O pai ou a mãe que ameaçam colocar a adolescente fora de casa?
«O que realmente perturba os controleiros da moral dos outros»
É preciso explicar a Inês Pedrosa que não estamos a falar da moral dos outros! Isto é A MORAL. A moral de todos nós. Se a Inês Pedrosa preferir, estamos a falar da ética de todos nós. Essa coisa pública e de todos. Se matar está mal, se matar não é ético, uma sociedade civilizada não pode tolerar o aborto, entende? Se não avançar com um só argumento a legitimar, eticamente, a destruição deliberada de seres humanos inocentes, então o seu artigo é um vazio argumentativo. É uma interminável lista de "non sequiturs" e de falácias, sustentadas no vazio ético.
"Mas, no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça" - Primeira Carta de São Pedro, cap. 3, vs. 15.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
segunda-feira, 12 de julho de 2010
Desconfiados do Diabo
Os meus últimos textos sobre o Diabo e sobre os fenómenos demoníacos atraíram a atenção do Ludwig, que dedicou um “post” à questão.
Antes de irmos a esse “post”, uma curta introdução: escrevi esses textos sobre o Diabo, pelas mesmas razões que escrevi outros dedicados ao mesmo tema, e que se encontram no passado deste blogue, sob a etiqueta "Diabo".
Os textos destinam-se a cristãos (mas gosto sempre de ser lido por não cristãos), e as razões são simples: recordar aos cristãos do meu tempo a importância destes aspectos da doutrina, e se o faço é porque me parece importante frisar que eles nunca foram abandonados: há quem pense que sim! O Magistério da Igreja Católica nunca, em momento algum, abandonou a doutrina acerca dos anjos e dos demónios, e em particular, a existência real do Diabo e a sua influência na Criação, e mais especificamente na vida humana, desde o Pecado Original até aos nossos dias (veja-se, como exemplo recente do Magistério, datando de 1985, a instrução sobre o Exorcismo, da Congregação para a Doutrina da Fé). Jesus Cristo menciona o Diabo várias vezes, e a dada altura é mesmo tentado pelo dito. Cristo pratica exorcismos vários. Na oração que Ele ensina aos seus discípulos, o Pai Nosso, a última petição diz assim: “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do Mal”. Nunca esta última palavra “Mal” foi interpretada com sendo alegórica ou figurativa. No tempo de Jesus, ninguém duvidaria de que a expressão final era para interpretar como sinónima de “… mas livrai-nos do Maligno”.
Então porquê recordar o que todo o cristão deveria conhecer? É que o materialismo, uma das mais atraentes modas filosóficas contemporâneas, é como a água mole, e faz furos até em pedra dura. Essa doutrina filosófica, mesmo desprovida de fundamento racional, tem vindo a corroer a visão cristã do Mundo. Não são só os não crentes que aderem a ela. Hoje em dia, inúmeros cristãos, alguns mesmo sacerdotes, estão sob o jugo do erro materialista e aderiram à visão redutora que essa filosofia implica. Desse modo, surgem, no nosso tempo, e pela primeira vez na História da Igreja, cristãos que interpretam o Diabo metaforicamente e que não acreditam na realidade dos fenómenos demoníacos!
É então por estas razões que tenho vindo a recordar estes aspectos da doutrina católica. Há quem diga que a crença na existência do Diabo e nos fenómenos demoníacos nos faz parecer ridículos aos olhos do Mundo, e que somos gozados por isso. Ora essa afirmação é espantosa: que outra coisa é o cristianismo senão algo que nos faz parecer ridículos aos olhos do Mundo? Dar a outra face? Amar o inimigo? Morrer pelo outro? Um Deus que Se fez Homem e que Se deixou morrer na cruz para resgatar os pecados da Humanidade? Ao pé destas ideias loucas e radicais, convenhamos que a da existência do Diabo é coisinha pouca.
Tenho sincera pena de todo o cristão que não acredita no Diabo por recear ser gozado pelo Mundo. Provavelmente, esse cristão não acredita no Diabo porque a sua fé se deteriorou e adquiriu um sabor materialista, e o receio do ridículo é só algo que se acrescenta ao materialismo. Já o cristão que entende e vê a doutrina cristã como um todo, quando confrontado com a incompreensão e com a sátira de quem não partilha da mesma fé, que pode fazer? Quando se sabe que algo é verdadeiro, e se é alvo da chacota de quem ainda não chegou lá, que fazer? Podemos encolher os ombros e não fazer nada (atitude pouco cristã), ou então insistir na pertinência e na verdade da doutrina que defendemos.
Mas insisto que é pura tontice um cristão temer contrariar a opinião dos não cristãos. Se teme isso, então está na religião errada, e encontra no imenso espectro das religiões do Mundo uma série de doutrinas que são muito mais “religiosamente correctas” para a ortodoxia contemporânea. No imenso supermercado das multiformes crenças, há toda uma panóplia de tretas de aspecto moderno como a Meditação Transcendental, o Teosofismo, a Cientologia, ou mesmo a mixórdia de meditação e física quântica do Deepak Chopra. Até se pode criar uma fé pessoal que seja um “mix” de várias doutrinas heteróclitas! Monta-se uma fé ao gosto do freguês, e nada melhor para receber os louvores dos nossos pares, e para estarmos alinhados com as telenovelas, as revistas “light” e os romances de Verão.
No entanto, é claro que o cristão sério não quer nada disto, e encara o seu cristianismo como uma doutrina coerente e perfeitamente adequada à realidade, ou seja, verdadeira.
Terminada esta introdução, regressemos ao Ludwig…
Olhando para o “post” do Ludwig, não é fácil encontrar uma metodologia. Claro que o Ludwig pode ter, simplesmente, desabafado por escrito acerca desta questão, sem preocupações rigoristas ou metodológicas. Tem todo o direito. Mas se o “post” dele não apresenta argumentos substanciais contra a existência do Diabo, enquanto que faz críticas rasteirinhas aos argumentos da outra parte (criticando de forma subjectiva, fazendo chacota, equiparando coisas diferentes, minimizando a outra parte, etc.), o debate tende a ficar atolado. Também é justo se o Ludwig não considerar que existe um patamar mínimo para debater, mas eu sei que ele gosta de um bom debate.
Procurando então, na atitude subjacente ao texto do Ludwig, algo de estruturante, penso ter encontrado o que me parece ser central à sua crítica: uma atitude de desconfiança. Essa atitude é perfeitamente consistente com o materialismo do Ludwig, e não se esperava outra coisa de um materialista.
Porque o problema do Ludwig está longe de ser raro, intitulei este texto “Desconfiados do Diabo”. Deliberadamente, deixei de parte a palavra “cépticos” e preferi a palavra “desconfiados”. Convenhamos que um céptico tem sempre mais pinta, e parece mais moderno, do que um desconfiado. Facilmente, com esse tipo de malabarismos eufemísticos, o problema da desconfiança do Ludwig, originado pela sua filosofia materialista, poderia ser comutado, erradamente, numa espécie de virtude do cepticismo do Ludwig. Ora o Ludwig julga que, na raiz da sua desconfiança, está uma atitude racional, que ele confunde com atitude científica. Ora racional é tudo o que é conforme à razão, ou seja, aos ditames da lógica e do pensamento estruturado. O científico é a aplicação dessa atitude racional a tudo o que é empírico. Por definição, a Ciência não trata, nem pode tratar, de explicar fenómenos que ultrapassem a sua própria (e auto-definida) esfera de trabalho. Se uma explicação científica é sempre, por definição, uma explicação que faz uso exclusivo de causas naturais, tudo o que é sobrenatural está fora do seu âmbito.
Ora, por uma estranha patologia do pensamento, aquela cultura cristã que deu origem ao pensamento científico, que de nos deu tantos e tão bons cientistas cristãos desprovidos de preconceitos materialistas, deteriorou-se em poucos séculos apenas, e transformou-se numa subcultura de elites descrentes, tão bem satirizada pelo genial John Cleese:
Essa subcultura manteve a Ciência, mas trocou de filosofia. Trocou a filosofia cristã pela filosofia materialista. Ficou pior com a troca, porque a boa filosofia é crucial para se interpretar Ciência. E aos olhos desta filosofia degenerada, aquilo que a Ciência não trata (as realidades imateriais), simplesmente não existe. Material e real tornam-se sinónimos. Se algo realmente existe, só será reconhecido como tal se for demonstrado cientificamente, ou seja, materialmente. A refutação evidente deste erro é esta: há montes de coisas que experimentamos, e que aos olhos desta filosofia, não deveriam existir. Mas se as experimentamos, é porque existem. Por exemplo, o amor não existe para os materialistas pois não é cientificamente demonstrável. O livre arbítrio também não. Apesar de os materialistas serem capazes de amar e de usarem o seu livre arbítrio para serem materialistas. É esta a patética incoerência da filosofia materialista: ela auto-refuta-se.
Essa subcultura manteve a Ciência, mas trocou de filosofia. Trocou a filosofia cristã pela filosofia materialista. Ficou pior com a troca, porque a boa filosofia é crucial para se interpretar Ciência. E aos olhos desta filosofia degenerada, aquilo que a Ciência não trata (as realidades imateriais), simplesmente não existe. Material e real tornam-se sinónimos. Se algo realmente existe, só será reconhecido como tal se for demonstrado cientificamente, ou seja, materialmente. A refutação evidente deste erro é esta: há montes de coisas que experimentamos, e que aos olhos desta filosofia, não deveriam existir. Mas se as experimentamos, é porque existem. Por exemplo, o amor não existe para os materialistas pois não é cientificamente demonstrável. O livre arbítrio também não. Apesar de os materialistas serem capazes de amar e de usarem o seu livre arbítrio para serem materialistas. É esta a patética incoerência da filosofia materialista: ela auto-refuta-se.
É, então, nesta nova filosofia degenerada que encontra berço a ideia peregrina de que uma explicação científica (material) é equivalente, no sentido de ser o mesmo, a uma explicação racional.
- Explicação científica e explicação racional
A atitude do materialista, exemplificada na visão do Ludwig, é a de rejeitar a existência do Diabo e os fenómenos demoníacos porque não pode haver explicação científica para eles. Apenas esta última parte está correcta: essa explicação não existe nem existirá. A não ser que a Ciência passe a admitir explicações sobrenaturais, o que me parece má ideia. A Ciência chegou onde chegou porque delimitou bem o seu âmbito às causas naturais. Mas nem tudo o que pensamos de forma racional e com qualidade é raciocínio científico. Por exemplo, a Ciência nunca demonstrou, nem demonstrará, a verdade dos princípios da Lógica. Em bom rigor, a Ciência nunca demonstrou, sequer, um teorema matemático, pois os teoremas matemáticos são demonstrados por intelectos humanos, cuja essência é imaterial. Um teorema matemático não é demonstrado pela matéria, mas sim pelo intelecto. Por essa razão, todo o cientista não contaminado pelo materialismo tem a noção do papel superior (na hierarquia do conhecimento) das matemáticas, e do seu carácter imaterial e transcendente. Uma lei matemática não se “monta” com coisas materiais. Ela pode ser descoberta pela observação empírica, ou não. Mas quem descobre é sempre o intelecto, que pode, nalguns casos, fazer uso dos sentidos para obter os necessários dados empíricos. O último teorema de Fermat, recentemente demonstrado em 1995, não foi deduzido de observações empíricas. Já as leis da termodinâmica e as leis de Newton, leis da Física, surgiram pela aplicação do intelecto humano a observações empíricas. O movimento começa na indução: o cientista intui a lei científica, e depois procura refutá-la ou confirmá-la. Deduz dela previsões e compara as previsões com medições. Não parte da dedução, ou seja, fazendo surgir uma lei directamente a partir de dados empíricos. A descoberta de uma nova lei científica não nasce de um somar de dados materiais, ela é feita no intelecto e principia com uma intuição.
Mas regressemos à Matemática: ela é uma área racional do saber humano que não parte, nem se apoia, em processos materiais. Logo, as verdades matemáticas caem fora da esfera das explicações científicas.
Mas regressemos à Matemática: ela é uma área racional do saber humano que não parte, nem se apoia, em processos materiais. Logo, as verdades matemáticas caem fora da esfera das explicações científicas.
Responde o materialista: “mas hoje há computadores que demonstram teoremas matemáticos! Logo, até a matemática é material como o computador”. Pobre materialista: esses computadores não são mais do que complexos emaranhados de interruptores microscópicos, auxiliados por suportes físicos de memória: eles executam demonstrações previamente preparadas pelos respectivos programadores, e fazem-no com base em regras de sintaxe: nada sabem de semântica, e para eles, demonstrar um teorema ou montar um vídeo caseiro tem o mesmo significado. Os computadores não têm real inteligência, e trabalham graças ao engenho do intelecto humano. A real inteligência é a humana, e é imaterial. É que há certas e determinadas verdades matemáticas que o intelecto humano demonstrou serem verdadeiras, enquanto que um computador nunca o conseguirá fazer. O matemático austríaco Kurt Gödel, nos seus teoremas da incompletude, demonstrou de forma brilhante que, num sistema formal consistente, existem proposições indecidíveis com base nas regras e nos axiomas do sistemas, mas que o matemático demonstrou serem, não obstante, verdadeiras. Reflectindo filosoficamente sobre o alcance dos resultados do trabalho de Gödel, chegamos à conclusão (como o filósofo John Lucas e o físico Roger Penrose) de que o nosso intelecto não pode ser apenas um computador biológico (material) sofisticado, visto que somos capazes de atingir verdades matemáticas impossíveis de serem obtidas por formalização matemática (ou computacional). O nosso intelecto, mesmo que no futuro possa ser demonstrado como mais lento ou com menos memória quando comparado com um computador avançado, vai sempre ser capaz de ir mais longe, em termos de poder gnoseológico, que esse computador: é esta a necessária conclusão filosófica a tirar do trabalho de Gödel.
Mas regressemos às explicações racionais…
Há, também, outro tipo de explicações racionais: as explicações pessoais. Quando eu decido, a seguir ao almoço, comer um gelado, não está por detrás dessa opção nenhuma lei cósmica ou matemática. A opção livre de comer um gelado não está no âmbito da Ciência e nunca poderá estar. É uma opção livre de um intelecto livre. E é também uma opção racional: para satisfazer um desejo, toma-se a opção que o irá, realmente, satisfazer: age-se de forma estruturada e consistente com vista ao fim determinado previamente. O materialista, esse sim, refém de uma filosofia pobrezinha, tem que admitir ser escravo de umas quaisquer leis cósmicas que o levam a comer um gelado depois do almoço. Em bom rigor, o pobre do materialista é forçado, assim lhe exige a sua filosofia, a admitir que ele mesmo é materialista por causa de determinismos no seu cérebro. O materialista não tem qualquer base filosófica para afirmar que o materialismo é verdadeiro, pois afinal, tudo o que o materialista pensa, diz e faz, está determinado pela matéria.
Podíamos dar inúmeros exemplos: a convicção de que o Universo está regido por leis, convicção essa reforçada (mas nunca provada) pelas observações empíricas, nunca pode ser uma certeza: poderíamos viver num Universo “matrix”, no qual dados empíricos adulterados seriam induzidos no nosso intelecto por uma rede sofisticada de mecanismos de engano. Obviamente, ninguém no seu juízo acredita num Universo “matrix”, e este é um exemplo de convicção racional, mas não demonstrada cientificamente. Usei a palavra convicção para ser mais facilmente compreendido, mas poderia ter usado a palavra “fé”. Temos fé em como não vivemos num Universo “matrix”, como temos fé em como vivemos num Universo explicável por leis estáveis e constantes. São tipos perfeitamente racionais de fé. Aceitamo-los de forma axiomática e dogmática, não os questionamos (se quisermos manter a sanidade mental), mas não os podemos demonstrar cientificamente.
- O lugar da confiança nas explicações racionais
“Enquanto não vir, não acredito”. Este vício do intelecto, ilustrado pela conhecida história de São Tomé, que duvidava da ressurreição do Divino Mestre só porque ainda não O vira ressuscitado, é um vício de sempre. Por isso, as palavras de Cristo, “Felizes os que crêem sem terem visto” são palavras sempre úteis, e hoje em dia, quem sabe ainda mais úteis. Evidentemente, não se pede, nem se defende, que se acredite em tudo. Cristo não pede uma suspensão da razão, mas sim uma suspensão da desconfiança, quando há boas razões para tal. Deve-se, então, confiar em tudo e em todos? De forma alguma. O mesmo Cristo diz-nos para sermos “prudentes como as serpentes”. O cristianismo é sempre uma tensão entre dois pólos positivos: confiança e prudência, fé e razão, contemplação e acção, e assim por diante. Se juntarmos os dois conselhos cristãos atrás referidos, o da confiança e o da prudência, temos então a conclusão racional de que só devemos entregar a nossa confiança a quem julgamos merecê-la, e devemos ser prudentes nesse juízo.
O estilo de escrita do Ludwig passa uma mensagem de confusão: "... apesar do feitiço ser simples a bruxaria só funciona...", escreve. O Ludwig pensa que entre a demonologia dos cristãos e o professor Karamba não há grande diferença. Isso confunde tudo, pois mascara as reais e cruciais diferenças:
a) O professor Karamba cobra, e o exorcista não;
b) O professor Karamba diz que a sua pessoa tem poderes mágicos especiais, enquanto que o exorcista diz que todo o poder vem de Cristo;
c) O objectivo dos métodos do professor Karamba pode ser instrumental (ganhar dinheiro, ter sorte no amor, prever o futuro, etc.), enquanto que o objectivo do exorcista nunca é instrumental (em caso algum se faz um exorcismo se não for apenas para curar alguém de influências demoníacas);
d) A Igreja Católica, e consequentemente o exorcista, sempre condenou as práticas mágicas; para a Igreja, não há boa magia, toda a magia é má; para o professor Karamba, a magia que ele faz é boa;
e) Os métodos do professor Karamba não estão assentes numa filosofia coerente e que pretenda explicar toda a realidade, quer visível quer invisível; o exorcista assenta os seus métodos na filosofia cristã (veja-se São Tomás de Aquino), pelo que as explicações dos fenómenos demonológicos e da eficácia dos exorcismos encontram explicações racionais na filosofia e na teologia cristã, explicações que se encaixam na visão global do cristianismo;
f) O professor Karamba é um recém-chegado; o cristianismo anda nisto há 2.000 anos; os Bispos da Igreja Católica, os únicos dotados de autoridade de nomear exorcistas, conseguem traçar a sua sucessão apostólica, indicando nome a nome os seus antecessores, até aos Apóstolos e Jesus Cristo; e o professor Karamba?
g) O exorcista colabora sempre com os médicos e não interfere com o seu trabalho; o exorcista nunca trata com o exorcismo aqueles casos que são do foro psiquiátrico ou fisiológico, pois ele respeita o âmbito dos saberes científicos: ele sabe que um fenómeno psiquiátrico ou fisiológico tem causas naturais, pelo que o exorcismo nesses casos é inútil; o professor Karamba, ao invés, pretende estar na posse de uma “ciência oculta” que dispensa totalmente as ciências positivas.
E poderia elencar mais, e mais…
O Padre Amorth é o exorcista de Roma, a diocese do sucessor de Pedro. Tem aprovação e mandato directo do seu superior, o Bispo de Roma, o Papa Bento XVI. O professor Karamba mete os anúncio dos seus serviços no Destak. Para o Ludwig, tudo isto são diferenças menores, mas para outras pessoas, as diferenças são abissais.
Essas diferenças abissais permitem a qualquer cristão atribuir confiança a um exorcista, que para mais, é designado caso a caso por um Bispo. O exorcista encaixa numa hierarquia, e está sujeito a vários mecanismos de controlo interno. O professor Karamba é um “free lancer”: não tem cartas de patente, não se sabe de onde vem, ao que vem, nem para onde vai. Por tudo isto, o Padre Amorth, e os exorcistas em geral, merecem confiança. Pelo menos, muito mais confiança do que os professores Karamba desta vida.
- Duas formas diferentes de explicar os fenómenos demonológicos e a eficácia dos exorcismos
a) Para o cristão, a coisa é simples, e sempre foi simples, desde que Cristo o exemplificou: o exorcista é eficaz graças a Cristo, que realmente é o agente do exorcismo e da cura: é a Ele que os demónios temem; exorcisar, neste caso, nada mais é do que invocar Jesus Cristo para libertar alguém de influências demoníacas, ou nos casos mais graves, para libertar alguém de possessão demoníaca; o cristão não se admira quando ouve relatos de exorcismos nos quais ele não participou, pois o cristão sabe que Cristo exorcizou e que a história da Igreja está repleta de casos de exorcismo, e que eles têm explicação filosófica e teológica
b) Para o materialista, a coisa também é simples: ou os exorcistas mentem conscientemente, ou então mentem inconscientemente; ou seja, ou são aldrabões, ou são vítimas de alucinações (são loucos)
Como se vê, o materialista, neste caso o Ludwig, não explica nada. A explicação que ele nos quer dar, e que devemos supostamente aceitar, renegando a nossa fé, é uma explicação tonta, que consiste em achar que os outros é que são tontos. Curiosamente, justificaríamos então a nossa estreiteza filosófica de vistas com base em patologias atribuídas arbitrariamente a outras pessoas. É a velha máxima: “os outros é que são os malucos”.
O materialismo força o Ludwig a rejeitar uma explicação decente, só porque ela não se coaduna com a filosofia que ele decidiu adoptar, sem explicar essa opção. Pelo contrário, o cristão é muito mais sensato: em momento algum, o cristão considera impossíveis as explicações dos materialistas, pois realmente não é impossível que todos os exorcistas fossem aldrabões ou loucos, ou ambas as coisas. E a tese do Ludwig até poderia ser testada cientificamente: o detective demonstrava, caso a caso, a aldrabice dos exorcistas aldrabões, e o psiquiatra demonstrava, caso a caso, a loucura dos exorcistas loucos.
No entanto, o cristão é sensato: ele prefere uma simples explicação sobrenatural para os fenómenos demonológicos do que uma rebuscada explicação científica para os ditos. O cristão sabe que ninguém tem tempo para demonstrar a tese do Ludwig, e que nem vale a pena fazê-lo, pois é uma tese que não faz muito sentido.
À laia de síntese, o Ludwig poderia afirmar: “tu nunca viste fenómenos sobrenaturais, e por isso não devias acreditar neles, e eu só acredito neles se os vir”. Mas isso é um tiro ao lado. Eu não preciso de ver tudo o que é real, para saber o que é real. Isso é, mais uma vez, um “a priori” filosófico, o de achar que apenas o empírico, o experimentável sensorialmente, é que é real. E, caso o Ludwig, ou qualquer outro materialista, visse fenómenos sobrenaturais, caso eles acompanhassem um exorcista e o vissem em acção, de nada serviria tal experiência pessoal, se eles mantivessem a sua filosofia materialista. É que um materialista, ao ver um exorcismo, pode manter-se materialista e arranjar a sua explicação naturalista para aquilo que ele está a ver, a cheirar ou a ouvir. Neste caso, e em qualquer caso, presenciar um fenómeno natural de causa sobrenatural não é suficiente para curar um materialista desse vírus mental, pois o vírus é resistente: o materialista, de forma circular, vai dizer que aquilo que ele viu, cheirou e ouviu tem que ser explicado por causas naturais. E porquê? Porque, segundo o materialismo, só há causas naturais. E porquê? Porque, segundo o materialismo, só é real o que é demonstrado cientificamente, e como a Ciência só trabalha sobre causas naturais, não há causas sobrenaturais. E assim por diante…
Toda uma existência explicada pelo materialismo!
Grande programa, o desta filosofia da treta que se auto-refuta, pois o materialista não tem livre arbítrio para atingir a verdade sobre o que quer que seja: para o materialista coerente, o seu materialismo não é nem verdadeiro nem falso, é aquela conclusão à qual ele chega pelo labutar interno do seu cérebro, ou seja, pela actividade electroquímica dos seus neurónios, e em última análise, pelas leis da Física. O neurónio faz surgir o raciocínio científico sobre neurónios, que por sua vez, explicam o neurónio. Esta é a triste circularidade de uma filosofia que abdicou da razão livre e da procura da verdade, seja ela qual for…
quinta-feira, 8 de julho de 2010
Aula do Prof. Walter Lewin (MIT)
Esta é apenas uma das muitas aulas excelentes, dadas por professores do MIT, e disponíveis na Internet. Neste caso, é uma aula do Prof. Lewin, e aborda o efeito Doppler, o Big Bang e tópicos de Cosmologia. O projecto MIT OpenCourseWare, que se dedica à disponbilização destas aulas e respectivo material de apoio, é uma verdadeira mina de ouro.
Mais sobre a "papisa Joana"
(Foto: © Constantin Film)
Como todas as boas histórias de ficção, a lenda da "papisa Joana" sobrevive, hoje mais do que nunca graças a um generalizado ambiente anticatólico nos agentes mediáticos (jornais, televisões, cinema, etc.), conjugado com uma invencível ignorância (não direi que a perfídia é generalizada) desses mesmos agentes acerca da História da Igreja e de antigas polémicas, há muito refutadas, mas que teimam em vir à superfície.
Atrás, reproduzi o artigo de Elizabeth Lev, da Zenit.
E agora, trago mais alguma informação pertinente para este tema.
Numa altura em que os protestantes, na sua generalidade, regozijavam-se com toda a boa historieta que manchasse a reputação de Roma, dois protestantes de notável erudição levantaram as suas vozes contra esta farsa, David Blondel e Pierre Bayle.
O francês David Blondel (1591-1655), escreveu uma obra inteira, que fez polémica entre os adeptos da lenda, intitulada De Joanna Papissa (póstuma, Amsterdão, 1657).
Por sua vez, o francês Pierre Bayle (1647-1706), no tomo dezasseis do seu Dictionnaire historique et critique, na entrada "PAPESSE" (pág. 501), usa os termos "conte" e "fable" para se referir à lenda da "papisa Joana".
Se não bastavam dois pesos pesados da erudição protestante, insuspeitos de qualquer proselitismo papal, ainda se podiam ir buscar mais exemplos de rejeição desta lenda, mas fica sempre bem ir buscar uma citação de Edward Gibbon, esse zeloso crítico do cristianismo, que na sua obra The decline and fall of the Roman Empire (1776-1788), refere-se à historieta da "papisa" como "the fable of a female pope". Veja-se o que o britânico escreve nas nota 139 e 140 da página 818 (cap. XLIX):
«139. As false, it deserves that name; but I would not pronounce it incredible (...)»
Mas é claro, Gibbon! Porque razão se diria que a história não poderia ter acontecido? O que interessa, realmente, para quem gosta da verdade, é saber se a história aconteceu mesmo! Gibbon não tem dúvidas: "as false, it deserves that name". Vinda de alguém que não perde uma oportunidade para denegrir o cristianismo, esta frase é valiosa. Vejamos agora a nota 140:
«140. Till the Reformation, the tale was repeated and believed without offense; and Joan's female statue long occupied her place among the Popes in the cathedral of Sienna (Pagi, Critica, tom. iii., p. 624-626). She has been annihilated by two learned Protestants, Blondel and Bayle (Dictionnaire Critique, Papesse, Polonus, Blondel); but their brethen were scandalized by this equitable and generous criticism. Spanheim and Lenfant attempt to save this poor engine of controversy; and even Mosheim condescends to cherish some doubt and suspicion (p. 289).»
"Poor engine of controversy", é assim que Edward Gibbon intitula a historieta da "papisa Joana". Pena é que, tanto Donna Woofolk Cross, a autora do livro Pope Joan que alimenta o recente filme Die Päpstin (2009), como o guionista do dito filme, Heinrich Hadding, não estejam na posse destes conhecimentos básicos, e usem a literatura e a sétima arte como veículos de mentira e de propaganda. Espero que inconscientemente, e apenas por causa da sua ignorância histórica.
Como todas as boas histórias de ficção, a lenda da "papisa Joana" sobrevive, hoje mais do que nunca graças a um generalizado ambiente anticatólico nos agentes mediáticos (jornais, televisões, cinema, etc.), conjugado com uma invencível ignorância (não direi que a perfídia é generalizada) desses mesmos agentes acerca da História da Igreja e de antigas polémicas, há muito refutadas, mas que teimam em vir à superfície.
Atrás, reproduzi o artigo de Elizabeth Lev, da Zenit.
E agora, trago mais alguma informação pertinente para este tema.
Numa altura em que os protestantes, na sua generalidade, regozijavam-se com toda a boa historieta que manchasse a reputação de Roma, dois protestantes de notável erudição levantaram as suas vozes contra esta farsa, David Blondel e Pierre Bayle.
O francês David Blondel (1591-1655), escreveu uma obra inteira, que fez polémica entre os adeptos da lenda, intitulada De Joanna Papissa (póstuma, Amsterdão, 1657).
Por sua vez, o francês Pierre Bayle (1647-1706), no tomo dezasseis do seu Dictionnaire historique et critique, na entrada "PAPESSE" (pág. 501), usa os termos "conte" e "fable" para se referir à lenda da "papisa Joana".
Se não bastavam dois pesos pesados da erudição protestante, insuspeitos de qualquer proselitismo papal, ainda se podiam ir buscar mais exemplos de rejeição desta lenda, mas fica sempre bem ir buscar uma citação de Edward Gibbon, esse zeloso crítico do cristianismo, que na sua obra The decline and fall of the Roman Empire (1776-1788), refere-se à historieta da "papisa" como "the fable of a female pope". Veja-se o que o britânico escreve nas nota 139 e 140 da página 818 (cap. XLIX):
«139. As false, it deserves that name; but I would not pronounce it incredible (...)»
Mas é claro, Gibbon! Porque razão se diria que a história não poderia ter acontecido? O que interessa, realmente, para quem gosta da verdade, é saber se a história aconteceu mesmo! Gibbon não tem dúvidas: "as false, it deserves that name". Vinda de alguém que não perde uma oportunidade para denegrir o cristianismo, esta frase é valiosa. Vejamos agora a nota 140:
«140. Till the Reformation, the tale was repeated and believed without offense; and Joan's female statue long occupied her place among the Popes in the cathedral of Sienna (Pagi, Critica, tom. iii., p. 624-626). She has been annihilated by two learned Protestants, Blondel and Bayle (Dictionnaire Critique, Papesse, Polonus, Blondel); but their brethen were scandalized by this equitable and generous criticism. Spanheim and Lenfant attempt to save this poor engine of controversy; and even Mosheim condescends to cherish some doubt and suspicion (p. 289).»
"Poor engine of controversy", é assim que Edward Gibbon intitula a historieta da "papisa Joana". Pena é que, tanto Donna Woofolk Cross, a autora do livro Pope Joan que alimenta o recente filme Die Päpstin (2009), como o guionista do dito filme, Heinrich Hadding, não estejam na posse destes conhecimentos básicos, e usem a literatura e a sétima arte como veículos de mentira e de propaganda. Espero que inconscientemente, e apenas por causa da sua ignorância histórica.
“A Papisa”, História de um Papa que jamais existiu
Por Elizabeth Lev
ROMA, quarta-feira, 7 de julho de 2010 (ZENIT.org) - «Desde a antiguidade, os romanos sempre adoraram uma boa farsa. De Plauto a Neri Parenti, mulheres fantasiadas de homens, personagens de clichê e bufões têm deleitado os habitantes da Cidade Eterna.
O novo filme alemão “A Papisa”, que estréia nesta semana nos cinemas italianos, porém, esquivou-se do âmbito da comédia para apresentar a história fictícia de um Papa do sexo feminino, numa narrativa longa e cansativa que nos faz lembrar os Monty Python com nostalgia.
“A Papisa” baseia-se no livro homônimo da escritora norte-americana Donna Woolfolk Cross. Publicado em 1996 após “sete anos de pesquisas”, narra uma fábula com suficientes viradas grotescas para ser digna dos irmãos Grimm.
A história gira em torno de Joana, uma jovem criada na Alemanha do século IX por um sacerdote que se recusava a reconhecer suas qualidades intelectuais, uma vez que “sob a perspectiva católica”, as mulheres seriam inferiores.
Este último aspecto, destacado pelos múltiplos maus-tratos sofridos pela protagonista, evidencia a convicção pessoal da autora da “evidente carência da Igreja católica” de um toque feminino.
Joana cresce travestida de homem, e mediante uma série de incidentes providenciais, chega a Roma, onde, graças às suas aptidões médicas únicas, seu alter ego, "Giovanni Anglicus", torna-se confidente do Papa Sérgio II (844-847). Com a morte prematura do Pontífice, provocada por intrigas, "Giovanni Anglicus" torna-se Papa por aclamação popular.
Joana dedica-se então a uma série de reformas, que incluem a implementação das “escolas catedrais” para mulheres (ainda que, na verdade, tais escolas só fossem surgir dois séculos mais tarde), a reforma dos aquedutos e melhorias na vida cívica. Obviamente, a missa, a oração e os sacramentos não tem lugar na vida atarefada de Joana, e o filme não faz menção a uma possível ordenação de "Giovanni Anglicus".
Seu breve pontificado encerra-se com sua morte, durante a procissão do Domingo de Páscoa, em razão de um aborto. Seu nome teria sido então apagado do Liber Pontificalis por vingança.
O filme apresenta uma típica visão do pontificado como uma corporação, na qual uma mulher pode exercer o papel de “diretora executiva” como qualquer homem. As cenas sensuais que retratam a relação de Joana com seu amante, o Conde Gerold (interpretado por David Wetham, o “Faramir” de “O Senhor dos anéis”), lembram cenas de “Sex in the City”.
A lenda da Papisa Joana nasceu há cerca de 800 anos, e é atribuída aos hereges cátaros. Há muitas discrepâncias nas diferentes versões: algumas dizem que teria sido eleita em 847, outras falam em 1087; algumas afirmam que seu nome era Joana (Giovanna), outras Agnese ou Giberta; o que é certo é que não há registros anteriores a 1250 da história, quando a Crônica Universal de Menz a menciona pela primeira vez.
O mito foi retomado pelos protestantes no século XVI e divulgado a fim de danificar a imagem do pontificado. David Blondel demonstrou a falsidade da história em uma série de estudos publicados em Amsterdã em 1650.
Como a maior parte dos filmes anti-católicos, “A Papisa” faz uso livre das palavras de São Paulo sobre as mulheres, a fim de sustentar que a Igreja as tem oprimido desde as origens. Ignora, por exemplo, que a mais antiga universidade do ocidente - a Universidade de Bolonha - já admitia estudantes mulheres desde o início de suas atividades, em 1088.
O filme se toma muito a sério, mas o resultado são 2 horas e 19 minutos de tédio. Na tentativa de resgatar o expectador do estado de torpor, quando a história é transportada para Roma, as cenas rurais desaparecem para dar lugar à suntuosa corte papal, enquanto os aposentos (situados erroneamente em São Pedro e não em São João Latrão) ostentam brilhantes colunas de mármore negro e um leito papal faraônico, com cortinas de veludo e estátuas douradas.
Embora o filme ainda não tenha encontrado um distribuidor nos EUA, estreou na telas italianas a tempo para as comemorações de São Pedro e São Paulo; e enquanto o mundo celebrava o testemunho daquele que foi o primeiro Papa, seus expectadores puderam acompanhar a história de um papa que jamais existiu.»
ROMA, quarta-feira, 7 de julho de 2010 (ZENIT.org) - «Desde a antiguidade, os romanos sempre adoraram uma boa farsa. De Plauto a Neri Parenti, mulheres fantasiadas de homens, personagens de clichê e bufões têm deleitado os habitantes da Cidade Eterna.
O novo filme alemão “A Papisa”, que estréia nesta semana nos cinemas italianos, porém, esquivou-se do âmbito da comédia para apresentar a história fictícia de um Papa do sexo feminino, numa narrativa longa e cansativa que nos faz lembrar os Monty Python com nostalgia.
“A Papisa” baseia-se no livro homônimo da escritora norte-americana Donna Woolfolk Cross. Publicado em 1996 após “sete anos de pesquisas”, narra uma fábula com suficientes viradas grotescas para ser digna dos irmãos Grimm.
A história gira em torno de Joana, uma jovem criada na Alemanha do século IX por um sacerdote que se recusava a reconhecer suas qualidades intelectuais, uma vez que “sob a perspectiva católica”, as mulheres seriam inferiores.
Este último aspecto, destacado pelos múltiplos maus-tratos sofridos pela protagonista, evidencia a convicção pessoal da autora da “evidente carência da Igreja católica” de um toque feminino.
Joana cresce travestida de homem, e mediante uma série de incidentes providenciais, chega a Roma, onde, graças às suas aptidões médicas únicas, seu alter ego, "Giovanni Anglicus", torna-se confidente do Papa Sérgio II (844-847). Com a morte prematura do Pontífice, provocada por intrigas, "Giovanni Anglicus" torna-se Papa por aclamação popular.
Joana dedica-se então a uma série de reformas, que incluem a implementação das “escolas catedrais” para mulheres (ainda que, na verdade, tais escolas só fossem surgir dois séculos mais tarde), a reforma dos aquedutos e melhorias na vida cívica. Obviamente, a missa, a oração e os sacramentos não tem lugar na vida atarefada de Joana, e o filme não faz menção a uma possível ordenação de "Giovanni Anglicus".
Seu breve pontificado encerra-se com sua morte, durante a procissão do Domingo de Páscoa, em razão de um aborto. Seu nome teria sido então apagado do Liber Pontificalis por vingança.
O filme apresenta uma típica visão do pontificado como uma corporação, na qual uma mulher pode exercer o papel de “diretora executiva” como qualquer homem. As cenas sensuais que retratam a relação de Joana com seu amante, o Conde Gerold (interpretado por David Wetham, o “Faramir” de “O Senhor dos anéis”), lembram cenas de “Sex in the City”.
A lenda da Papisa Joana nasceu há cerca de 800 anos, e é atribuída aos hereges cátaros. Há muitas discrepâncias nas diferentes versões: algumas dizem que teria sido eleita em 847, outras falam em 1087; algumas afirmam que seu nome era Joana (Giovanna), outras Agnese ou Giberta; o que é certo é que não há registros anteriores a 1250 da história, quando a Crônica Universal de Menz a menciona pela primeira vez.
O mito foi retomado pelos protestantes no século XVI e divulgado a fim de danificar a imagem do pontificado. David Blondel demonstrou a falsidade da história em uma série de estudos publicados em Amsterdã em 1650.
Como a maior parte dos filmes anti-católicos, “A Papisa” faz uso livre das palavras de São Paulo sobre as mulheres, a fim de sustentar que a Igreja as tem oprimido desde as origens. Ignora, por exemplo, que a mais antiga universidade do ocidente - a Universidade de Bolonha - já admitia estudantes mulheres desde o início de suas atividades, em 1088.
O filme se toma muito a sério, mas o resultado são 2 horas e 19 minutos de tédio. Na tentativa de resgatar o expectador do estado de torpor, quando a história é transportada para Roma, as cenas rurais desaparecem para dar lugar à suntuosa corte papal, enquanto os aposentos (situados erroneamente em São Pedro e não em São João Latrão) ostentam brilhantes colunas de mármore negro e um leito papal faraônico, com cortinas de veludo e estátuas douradas.
Embora o filme ainda não tenha encontrado um distribuidor nos EUA, estreou na telas italianas a tempo para as comemorações de São Pedro e São Paulo; e enquanto o mundo celebrava o testemunho daquele que foi o primeiro Papa, seus expectadores puderam acompanhar a história de um papa que jamais existiu.»
sexta-feira, 2 de julho de 2010
A magnífica Chaconne da Partita para Violino em Ré Menor de Bach (BWV 1004)
Itzhak Perlman
Yehudi Menuhin
Jascha Heifetz
Nathan Milstein (a minha favorita)
Yehudi Menuhin
Jascha Heifetz
Nathan Milstein (a minha favorita)
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