quinta-feira, 5 de julho de 2012

Resposta às críticas do Ludwig ao meu Curso Ciência e Fé


Caro Ludwig,

Obrigado pelo teu tempo, pelos teus comentários e pelo destaque dado ao meu trabalho!

Em primeiro lugar, leste (do que percebi) apenas o resumo do Curso. Esse resumo não é apenas uma síntese de todos os temas que tratei. É uma síntese de uma selecção dos temas que tratei. Ou seja, esse resumo deixa muitos temas de fora. O Curso faz um todo (que me parece) coerente, e é preciso tomá-lo como um todo. Senão, há ideias afloradas superficialmente no Resumo que ficam sem o aprofundamento necessário, por falta de leitura do(s) módulo(s) onde elas são aprofundadas.

"Em primeiro lugar, não há “o conceito de Deus”. Há uma carrada. Cada religião – diria até cada religioso – tem um, diferente dos restantes."

Há coisas que me pasmam. Não és o primeiro, e não serás o último, a pedir a um cristão que defenda TODOS os conceitos de Deus. Será que tu tens que defender TODOS os conceitos de ateísmo?
Eu não estou em defesa da "religião" (seja lá o que isso for). Estou em defesa do cristianismo, e de um Deus concreto. O Deus de Jesus Cristo.

"Alguns são inconsistentes, é verdade. Por exemplo, o de ser omnipotente e omnisciente. Se já sabe tudo o que irá acontecer não pode fazer mais do que assistir, impotente, ao desenrolar do destino."

Entendo que a Teologia não seja o teu forte, e eu diria que isso sucede apenas por falta de leitura e estudo da tua parte. Mas todos temos que tomar opções, dado que o nosso tempo de vida é limitada, certo?
O Cristianismo não defende um fatalismo, no qual o futuro está todo decidido. Se achas isso, gostava de perceber de onde te vem essa ideia.
Imagina o futuro como uma complexa árvore com todas as ramificações de todas as possibilidades, quer das decisões de agentes livres, quer do desenrolar de processos naturais. Deus conhece essas ramificações todas, sabe o que irá acontecer se agente A fizer B, ou se agente C deixar de fazer D. Deus conhece, como se diz em Filosofia, todos os contrafactuais. É assim que se deve entender o conhecimento de Deus. Esse conhecimento em nada interfere com a omnipotência ou com a liberdade dos agentes realmente livres, como os seres humanos. Deus não decide por mim. Senão, eu não teria livre arbítrio.

Tens que te esforçar mais por apontar as tais alegadas contradições e inconsistências!

"E se pode fazer tudo o que entender então não há nada para saber. Vai chover no Sábado? A Terra é redonda? Será como quiser e pronto. Em vez de sabedoria só terá caprichos. Quanto aos conceitos de deuses que não são inconsistentes, são tão pouco plausíveis que também não se justifica acreditar neles."

Não só tens que ser mais rigoroso e profundo nas tuas tentativas de refutação, como há coisas que não convém deixar vagas. Falas em conceitos de "deuses" que não são inconsistentes? Quais? E porque são pouco plausíveis?

"Segundo o Bernardo, «Só se pode dizer que [a crença na existência de Deus] é irracional se se mostrar que é impossível que Deus exista». Não é verdade. Por exemplo, é possível que o Bernardo seja um extraterrestre e que a Alexandra Solnado escreva o que Jesus lhe dita, mas ainda assim é irracional acreditar em tais coisas."

Não entendo este exemplo. Eu concordo que ambas as teses que escreves são teses erradas. Mas são irracionais? Se há extraterrestres (eu acho que não há), é pelo menos metafisicamente possível que eu fosse um deles (caso eu conseguisse disfarçar a minha aparência). E se Deus existe (eu acho que sim), é metafisicamente possível que Ele fale com a Alexandra Solnado. O que queres dizer, julgo eu, é que não podemos dar crédito a essas teses, e não que elas são irracionais. Uma coisa irracional é uma coisa que viola a razão. Essas teses não são más por violarem a razão, mas simplesmente por não terem qualidade epistémica. Não são credíveis pela sua falta de indícios, pela falta de evidências que reforcem a sua verosimilhança.

"Porque o irracional está logo em dar mais crédito a uma hipótese do que se justifica pelo peso das evidências."

Em primeiro lugar, não trataste sequer das evidências. Deste de borla que aquelas duas teses atrás não tinham crédito. Eu acho que não têm, mas tu não mostraste isso. Afirmaste numa de "magister dixit". E, quando dizes que é irracional dar mais crédito a uma hipótese do que se justifica pelo peso das evidências, estás a usar a palavra "irracional" num segundo sentido, e não no sentido literal e etimológico. De certa forma, porque a nossa razão deve estar guiada pelas evidências, é irracional fazer o que dizes tu, e concordo contigo, mas quando encontras a palavra "irracional" nos meus slides, estou a usá-la correctamente, no sentido etimológico original, no primeiro sentido da palavra.

Tu usas a palavra "irracional" no sentido de falhar nas boas práticas do uso da razão. Eu uso a palavra "irracional" no sentido literal, de violar a razão, de defender ou acreditar numa contradição ou numa ideia inconsistente.

"Por isso, é irracional crer que o criador do universo engravidou uma palestiniana para nascer dela e depois morrer torturado como requisito para nos perdoar os pecados dos nossos antepassados já defuntos. Não é que seja impossível, mas não é uma hipótese favorecida pelo peso das evidências."

Dizes tu. Sem o explicar.
Devemos acreditar em ti com base em que credenciais? Já que não apresentas fundamentos para as tuas afirmações, como as devemos tratar? Qual a base epistémica das tuas afirmações?

"Seguidamente, o Bernardo apresenta o cristianismo como «berço da Ciência» pela sua visão judaico-cristã de um universo inteligível, um criador separado da criação, o «enorme valor dado à Criação e ao Homem», o «Fim do Cosmos pagão» e assim por diante. Isto não encaixa na história."

Se calhar não. Vamos supor que tens razão (não tens)... Mais uma vez, era bom mostrares porquê.

"O primeiro grande passo em direcção à ciência foi a filosofia grega, que pôs a análise metódica, a discussão aberta e a argumentação racional à frente do misticismo e da prepotência religiosa."

Qual é o título do segundo módulo do meu Curso?
Eu dou uma ajuda: Filosofia Grega.
E o módulo seguinte chama-se Cosmologia Grega.

"O cristianismo veio depois, recuando meio passo pelo menos."

Enquanto não estudares, quer a filosofia grega, quer a filosofia cristã, não entenderás um facto histórico cabal. A sabedoria grega, fenómeno socialmente minúsculo e longe de afectar a sociedade grega como a intelectualidade cristã afectou a sociedade cristã, teria morrido sem os cristãos. De um ponto de vista estritamente histórico, o saber dos gregos iria à fava sem sábios cristãos como Agostinho, Boécio ou Cassiodoro. Isto é um facto histórico. Mas há muito mais... Os cristãos purificaram os erros dos gregos. Um São Tomás defendeu a verdade do Cosmos criado (como início temporal) contra o cosmos eterno de Aristóteles. E um Etienne, Bispo de Paris, em 1277, condenando as ideias peripatéticas, abriu as portas da física moderna, ao forçar o mundo académico de então a procurar uma nova física não aristotélica, o que permitiu o desenvolver das ideias antigas de João Filopono até à maturação da física do ímpeto, trabalhada pelos Doutores de Paris (Buridan, Oresme) e pelos "calculadores" de Merton College (Oxford), como Dumbleton, Swineshead, Heytesbury, Grosseteste, etc.

"E o segundo grande passo foi a tecnologia dos instrumentos de medição e observação, a partir do século XV, que deu à filosofia uma base empírica sólida e a tornou no que agora chamamos ciência. O cristianismo limitou-se a atolar o primeiro passo na teologia e depois a ameaçar com prisão ou fogueira os que começaram a dar o segundo."

É uma pena este teu parágrafo.
É uma pena porque simplesmente perdeste uma boa oportunidade para evitar dizer tretas.
E bastaria teres lido os módulos seguintes do meu curso. Não por causa da minha sabedoria (que é escassa e amadora), mas porque lá encontrarias a mais recente informação em termos do estado-da-arte em história de Ciência.

Por favor, procura os detalhes nestes módulos:
Filosofia Medieval
Ciência Medieval
São Tomás de Aquino
Inquisição e Ciência
O Caso Galileu, parte 1
O Caso Galileu, parte 2
A revolução científica

Está hoje demonstrado, sobretudo com o trabalho seminal de William A. Wallace, que o método experimental desenvolvido por Galileu, só para ir buscar um exemplo bem conhecido, remonta às aulas dos jesuítas do Collegio Romano, e que estes, por sua vez, pegaram numa longa e antiga tradição de prova científica e de método científico que remonta a Aristóteles, tendo sido esse método amplamente trabalhado e fortalecido por São Tomás de Aquino. Não basta falar de experiências e instrumentos (apesar de termos inúmeros exemplos medievais disso mesmo, como os notáveis trabalhos de Pierre de Maricourt com o íman), é preciso também falar das bases filosóficas do método científico, de como os medievais amadureceram os conceitos de prova, demonstração, certeza científica, e assim por diante.

Estás totalmente desligado do "mainstream" académico de História da Ciência.
É urgente que leias Drake, Kraghe, Wallace, Westfall, Baldini, Artigas, Wallace, e essa gente toda, os investigadores "top" sobre estes temas, em vez de te ficares por estereótipos do século XIX acerca do mítico "conflito" entre cristianismo e ciência, porque a tese do conflito foi abandonada há quase um século, apesar de ainda não te teres dado conta disso.

"O Bernardo alega também haver «certos princípios que aceitamos como verdadeiros, mesmo sem provas empíricas», mas depois dá exemplos do mais empírico que há, como «Existo […] Sou distinto do que me rodeia […] Há uma realidade objectiva […] Os meus sentidos reflectem, de certo modo, a realidade» e assim por diante. Estas conclusões não são deduzidas de axiomas abstractos."

Nem eu digo que são. Usas a falácia do espantalho, atacando uma posição que não é a minha.
Aliás, isso seria bizarro, dado que eu sou tomista, e São Tomás diz que todo o conhecimento vem através dos sentidos, pelo que Tomás é , em certo sentido, um empiricista em termos da sua epistemologia. O que eu pretendo, com esse "slide", é explicar que há inúmero conhecimento verdadeiro que aceitamos sem PROVA empírica. Claro que nem sequer formaríamos essas frases sem os sentidos, porque em primeiro lugar, não saberíamos falar nem escrever nem ler. Não teríamos vocabulário, sem os sentidos. O que quero dizer é que aceitamos tais ideias com bases filosóficas, e não com provas empíricas.
Como sabes, poderíamos viver num mundo "matrix", alimentados artificialmente com ideias erradas através de sentidos enganadores, e se rejeitamos essa visão "matrix", é por uma convicção sem provas. Uma convicção perfeitamente racional e justificada, mas sem provas. Isto é bem conhecido: falo do "génio" de Descartes, que poderia existir e enganar-nos acerca de tudo o que recebemos pelos sentidos.

"São fruto da nossa experiência."

São fruto dela, mas não estão provados por ela. Como referi, a mesma experiência poderia ser fruto de uma imensa estrutura sofisticada, tipo "matrix", que nos enganaria.

"Outra confusão é achar que a ciência e o conhecimento exigem pressupor «um Cosmos racional e inteligível». Nada disso. Para procurar conhecimento basta ter curiosidade. Não é preciso pressupor essas coisas."

Que disparate. Qual é o cientista que não se socorre da matemática? A matemática, o próprio uso da matemática em Ciência, pressupõe que a realidade natural é analisável matematicamente.

"Hoje até sabemos que o universo está longe de ser inteligível. Não conseguimos imaginar um angstrom, um ano luz, um picosegundo ou um milhão de anos."

Confundes inteligibilidade com imaginação. São coisas diferentes. Não consigo imaginar um picosegundo, mas consigo inteligir o conceito.

"Não conseguimos perceber os detalhes dos modelos do clima, de reacções nucleares ou de dinâmica molecular que, sem computadores, nunca conseguiríamos implementar."

Confundes complexidade com inteligibilidade. São coisas diferentes. Não consigo perceber os detalhes ínfimos de um modelo complexo, mas consigo inteligir o modelo como um todo, na sua estrutura.

"Graças a sistemas formais como a matemática conseguimos criar modelos rigorosos de processos sub-atómicos, mas não temos forma de os transpor para a nossa experiência subjectiva de forma a que a mecânica quântica seja inteligível."

A mecânica quântica pode ser inteligível. Este teu parágrafo é preocupantemente obscurantista. O facto de existirem uma dúzia de diferentes, e complexas, interpretações da mecânica quântica não nos deve desanimar de procurar uma interpretação que seja inteligível e que faça sentido. Os paradoxos da interpretação de Copenhaga deviam levar-nos a rejeitar (ou procurar melhorar) essa interpretação, e não a apelar, como tu fazes, à ininteligibilidade da mecânica quântica.

Aquela bezerrice do físico que, virado para um leigo estupefacto, lhe diz que a mecânica quântica é bizarra e paradoxal "porque sim", enquanto que o físico permanece pateta com um sorriso na cara, de quem acha que acabou de dizer uma coisa muito sofisticada, e enquanto o leigo permanece estupefacto porque não aceita que a realidade seja paradoxal ou bizarra, fala toneladas sobre o valioso senso comum do leigo e sobre a parvoíce tonta do físico que sacrificou a sua racionalidade em favor de má filosofia da natureza.

Os paradoxos da mecânica quântica são má filosofia da natureza, um estágio ainda imperfeito do nosso conhecimento, porque caminhamos para uma sólida e correcta filosofia da natureza, que nos vai ajudar a compreender cada vez melhor a realidade.

"O universo é muito mais do que qualquer um de nós consegue compreender e, colectivamente, até a ciência já ultrapassou os limites do cérebro humano."

Confundes inteligibilidade com infinitude do conhecimento. Nunca disse que o nosso conhecimento era infinito. Defender a inteligibilidade do Cosmos não implica defender a infinitude do nosso conhecimento. Acho também piada ao que dizes sobre a ciência ter ultrapassado os limites do cérebro humano. Que queres dizer com isso?

"O Bernardo tenta também demonstrar que se pode obter conhecimento sem um fundamento empírico apelando para os axiomas “da Lógica” (2). Isto presume que a origem da lógica está na formalização e nas regras de manipulação sintática que definem, por exemplo, que de P e P→Q se deduz Q."

Não, não presume. Alerta espantalho! Estás a criticar um espantalho. Eu não disse que podemos obter conhecimento sem fundamento empírico, e já o escrevi ali atrás. Disse que podemos ter conhecimento verdadeiro que não foi provado empiricamente, o que é bem diferente. Para mais, na origem da Lógica não está a formalização, mas sim a natureza do intelecto. A Lógica está intimamente relacionada com a natureza da intelecção. A formalização (até onde ela é possível) vem depois.

"Mas isto é ver a coisa ao contrário. As lógicas formais pretendem automatizar processos de inferência abstraindo-se do significado das proposições."

Sim, concordo, e então? Eu disse o contrário?

"Nesse contexto abstracto parece que o conhecimento surge magicamente pela aplicação das regras, mas isso é uma representação simplificada do nosso raciocínio."

Eu nunca disse tal coisa. Eu não acho que possamos provar os axiomas da Lógica (identidade, não contradição e exclusão do terceiro termo) aplicando regras, pela razão óbvia de que eles são axiomas, logo, não são demonstráveis através de regras. Como sabemos, pelo menos desde Aristóteles (talvez os hindus já o soubessem antes), os axiomas da Lógica são aceites porque se os tentamos negar, chegamos a resultados contraditórios ou inconsistentes. Eles parecem estar na base do que é a natureza do pensar e do inteligir.

"Na prática, lidamos com símbolos que têm significado, em vez de apenas Ps e Qs, e o nosso raciocínio, que tentamos modelar com lógicas formais, é fundamentalmente empírico, quer na determinação do significado dos termos quer na escolha dos axiomas que melhor o representem."

E então? Não entendo o que estás a criticar acerca da minha posição. Concordo com o que escreves, mas não vejo em que é que isso refuta o que eu escrevi. Acho também curioso que venhas defender a semântica (significado). Concordo contigo, mas gostava de saber como um ateu materialista como tu consegue fazer uma defesa não nominalista da realidade da semântica. Isso choca de frente com uma visão materialista da mente humana. Se a nossa mente é inteiramente material, só vejo duas hipóteses: ou não existe semântica (ela é ilusória), ou então a semântica que existe é puramente convencional (não é verdadeira nem falsa, é uma invenção humana), e então caímos no nominalismo.

"Há conflito entre fé e ciência porque cada fé dá muito mais crédito a algumas hipóteses, arbitrariamente escolhidas conforme a religião, do que aquilo que se justifica sem essa fé ou com uma fé diferente."

Isto é uma frase vaga, imprecisa e generalista. Repito: eu não sei, nem quero, defender "fés" ou "religiões". Procuro saber defender o cristianismo e a ciência.

"Isto é contrário ao método da ciência, que visa convergir para conclusões independes de preferências pessoais ou preconceitos, procurando indícios objectivos que favoreçam uma hipótese em detrimento das restantes. A ciência serve para descobrir como as coisas são e não para maiorem Dei gloriam."

Descobrir como as coisas são é chegar à Razão criadora que tudo fez, e que tudo dispôs "segundo medida, número e peso" (como diz o Livro da Sabedoria). Uma das formas de servir à maior glória de Deus é fazer ciência, procurar a verdade sobre o Mundo, sobre a Criação, sobre a realidade natural. Procurar a verdade é procurar Cristo, Aquele que é "o caminho, a verdade e a vida".

Um abraço,

Bernardo

19 comentários:

NCB disse...

Bernardo,

Boa argumentação.

Tenho duas perguntas:

O que queres dizer com "base epistémica" que supostamente falta ao Ludwig?

E como é a falácia do espantalho?

Abraço e obrigado!,
NCB

Bernardo Motta disse...

Olá Nuno!

Quando pedi ao Ludwig para detalhar a base epistémica dele, referia-me a esta frase dele:

"Por isso, é irracional crer que o criador do universo engravidou uma palestiniana para nascer dela e depois morrer torturado como requisito para nos perdoar os pecados dos nossos antepassados já defuntos. Não é que seja impossível, mas não é uma hipótese favorecida pelo peso das evidências."

Por base epistémica, pretendo que ele explique onde suporta ele, racionalmente, as afirmações que ele fez, e porque razão lhe devemos dar apoio, porque razão devemos aceitar o que ele diz como conhecimento verdadeiro.

A base epistémica dele pode ser variada: experiência pessoal, leituras e investigação pessoal, peritos que ele conhece e cuja sabedoria ele possa recomendar, alguma autoridade à qual ele faça referência, etc.

Ele diz duas coisas:

1) "é irracional crer que o criador do universo engravidou uma palestiniana para nascer dela e depois morrer torturado como requisito para nos perdoar os pecados dos nossos antepassados já defuntos"

e depois diz:

2) "Não é que seja impossível, mas não é uma hipótese favorecida pelo peso das evidências."

Ele não justificou nenhuma destas afirmações. E se ele o fizer, terá que mostrar onde assenta a credibilidade que ele pretende para as afirmações.

Acerca da falácia do espantalho, consiste em criticar uma posição, ou posições, que o oponente nunca defendeu. Tudo o que ele escreve sobre a Lógica é um conjunto de coisas acertadas, mas não são críticas ao que eu escrevi, porque ele não está a criticar o que eu escrevi, mas sim a criticar coisas que uma outra pessoa hipotética (o espantalho, e não eu) poderia ter dito sobre Lógica.

Um abraço!

António Parente disse...

Muito bom, Bernardo

Bernardo Motta disse...

Obrigado, António!

Um grande abraço!

Ludwig Krippahl disse...

Bernardo,

Obrigado pelo post, se bem que um pouco extenso demais :)

«a pedir a um cristão que defenda TODOS os conceitos de Deus»

O que peço é que me expliques o método pelo qual pessoas de várias religiões, e de nenhuma, poderiam averiguar qual dos conceitos de Deus é o correcto, e como é que esse método os levaria a concluir que é o teu. Não precisas de defender nem refutar os outros. Basta explicares como é que se determina qual o conceito correcto de Deus.

«Imagina o futuro como uma complexa árvore com todas as ramificações de todas as possibilidades [...] Deus conhece essas ramificações todas»

Ser omnisciente não é apenas ser capaz de dizer "se a moeda cair, ou calha cara ou coroa". Isso fica muito aquém da omnisciência.

E ser omnipotente implica poder alterar tudo. Por exemplo, implica poder escolher que, quando a moeda cair, se transforma num frango assado e não calha cara nem coroa.

A inconsistência, que tu implicitamente reconheces ao limitar quer a omnisciência quer a omnipotência para as compatibilizar, está em que se Deus pode escolher o que acontece não se trata de saber o que vai acontecer ou não. É o que lhe der na gana. E se já sabe tudo o que vai acontecer, então não pode mudar nada (senão não sabe e está enganado).

«Não só tens que ser mais rigoroso e profundo nas tuas tentativas de refutação, como há coisas que não convém deixar vagas.»

Não. A minha tese é de que não há nenhuma religião que seja claramente mais plausível que qualquer outra e, por isso, não se justifica escolher nenhuma como a certa. A justificação para isto é que não há forma nenhuma -- nem sequer consensual entre os religiosos -- de determinar qual a religião certa. Posso também dedicar algum tempo aos detalhes, por exemplo a explicar que é um disparate crer na transubstanciação da hóstia ou que o racional é concluir que o nascimento virgem de Jesus é uma fábula como o nascimento virgem de Pitágoras, mas isso é secundário.

«Em primeiro lugar, não trataste sequer das evidências. Deste de borla que aquelas duas teses atrás não tinham crédito. Eu acho que não têm, mas tu não mostraste isso»

Eu tenho uma regra pessoal. Escrevo os posts em arial 11, em páginas A4 com 1.5 linhas de espaçamento e o texto não pode ultrapassar as duas páginas. Evita escrever lençóis que depois ninguém queira ler :)

Por isso, se acho que o que digo é consensual não me preocupo em demonstrá-lo desnecessariamente. Quanto ao irracional, concordo que «Uma coisa irracional é uma coisa que viola a razão. » E aceitar como verdade que a Alexandra Solnado escreve o que Jesus dita viola a razão porque a razão indica que essa alegação é falsa. Precisamente o mesmo se passa quando uma mulher grávida diz não ter tido relações sexuais ou alguém diz que um conhecido esteve três dias morto mas depois ressuscitou.

Ludwig Krippahl disse...

«Qual a base epistémica das tuas afirmações?»

A mesma de sempre. Considero P e ~P, confronto ambas com as evidências e vejo se alguma delas sai favorecida. Por exemplo, seja P a hipótese "Pitágoras nasceu de uma virgem por intervenção divina". As evidências que temos é que muita gente antigamente acreditava que isto era verdade. Mas é mais plausível que tenha sido apenas uma ficção popular do que tenha sido verdade. Isto porque há indícios independentes de muita coisa na qual muita gente acredita mas que é falsa e não há evidência independente de bebés a nascerem de virgens por intervenção divina. É esta a "base epistémica" para a minha conclusão de que o caso de Jesus era igualmente fictício (e pouco imaginativo; isto de nascer de uma virgem era quase um sine qua non de qualquer pessoa que quisesse ser alguém, nessas épocas).

Quanto à ciência, houve dois passos importantes. Primeiro, a compreensão de que antes de fazermos afirmações acerca do que é precisamos de uma forma fiável de o determinar. Se quiseres a versão resumida, a epistemologia precede a ontologia. Nem todos os gregos concordavam, nem todos percebiam o problema, mas foi o mais importante que ficou. O segundo foi a tecnologia suficiente para que os resultados experimentais fossem úteis. Relógios, principalmente, mas também telescópios, microscópios, métodos de cálculo, etc.

O cristianismo contribuiu zero para isto. Menos que zero, porque a teologia rejeita explicitamente ambos estes aspectos cruciais. Mas vou olhar para os teus módulos sobre isto. Só que acho que o problema fundamental nunca resolveste. O debate entre Galileu e o Papa não foi um debate científico. Foi uma prepotência violenta e criminosa da parte deste último, que ameaçou o primeiro para que ele retractasse a sua tese. Isto é, cientificamente, inadmissível seja qual for o mérito científico da tese em causa. Se os astrónomos propuserem uma lei que puna com cadeia quem defender a astrologia, por muita razão que objectivamente tenham acerca dos méritos desta arte, essa atitude será o contrário da ciência. E essa foi a atitude dominante do cristianismo enquanto teve poder para agir assim, e ainda é nos sítios onde o tem (por exemplo).

«São fruto dela, mas não estão provados por ela. Como referi, a mesma experiência poderia ser fruto de uma imensa estrutura sofisticada, tipo "matrix", que nos enganaria.»

Pode. Mas a "prova" é irrelevante. São tudo hipóteses provisórias. Neste momento, segundo as evidências que tenho a melhor explicação é de que estou mesmo imerso numa realidade que me transcende, e não apenas num sonho ou ilusão. Pode ser falso mas, seja como for, vale a pena tentar perceber o que isto é. Não há necessidade nenhuma de axiomatizar seja o que for.

Ludwig Krippahl disse...

«Qual é o cientista que não se socorre da matemática? A matemática, o próprio uso da matemática em Ciência, pressupõe que a realidade natural é analisável matematicamente.»

Não no sentido de axioma. Se eu vejo uma coisa desfocada à minha frente tiro os óculos para ver se estão sujos. Isto não é pressupor como axioma que os óculos estão sujos. É testar uma hipótese. Se tento criar um modelo estatístico dos contactos entre aminoácidos na interface de proteínas diferentes comparados com os contactos dentro da proteína não estou a pressupor como axioma que isso me vai revelar alguma coisa acerca da interacção. Estou com curiosidade para saber se vai ou não.

Tu estás a confundir a vontade de testar uma hipótese com a promoção dessa hipótese a um pressuposto inquestionável.

«Confundes inteligibilidade com imaginação. São coisas diferentes. Não consigo imaginar um picosegundo, mas consigo inteligir o conceito.»

Nesse sentido também posso dizer que consigo inteligir um círculo quadrado. É um círculo, só que quadrado. Está aí, perfeitamente inteligível. E, nesse sentido, não há forma do universo ser outra coisa que não inteligível, por muito estranho que seja.

«São coisas diferentes. Não consigo perceber os detalhes ínfimos de um modelo complexo, mas consigo inteligir o modelo como um todo, na sua estrutura.»

Não consegues não. Só consegues representar mentalmente uma versão simplificada do modelo. Tens uma ideia vaga de alguns aspectos mais salientes mas o modelo em si não é inteligível precisamente porque te falta a imaginação necessária para o representar na tua mente.

«Acho também piada ao que dizes sobre a ciência ter ultrapassado os limites do cérebro humano. Que queres dizer com isso?»

Que a soma dos dados, métodos e modelos da ciência moderna é muito maior do que qualquer cérebro humano pode conter. E isto é verdade mesmo para as partes corriqueiras da ciência. No meu trabalho quotidiano posso descarregar umas centenas ou milhares de estruturas, fazer um programa para tirar certas estatísticas desses dados e compilar os resultado, e depois daí percebo uma pequena parte com o meu cérebro, mas o processo é complexo demais para o poder representar mentalmente. Fica-me apenas a ideia dos traços gerais.

«Descobrir como as coisas são é chegar à Razão criadora que tudo fez, e que tudo dispôs "segundo medida, número e peso" (como diz o Livro da Sabedoria).»

É o tal problema dos pressupostos (também conhecidos por preconceitos). Em vez de pressupor, devemos é testar. Descobrir como as coisas são pode levar-nos à Razão criadora se tal coisa existir, mas também pode revelar que as coisas simplesmente são, sem Razão criadora nenhuma. Ou que foi tudo criado pela vontade de Elvis. Isso é o que queremos descobrir, e é um erro partir logo do pressuposto que é aí que vamos chegar.

Bernardo Motta disse...

Ludwig,

"Obrigado pelo post, se bem que um pouco extenso demais :)"

You know me! ;)

"O que peço é que me expliques o método pelo qual pessoas de várias religiões, e de nenhuma, poderiam averiguar qual dos conceitos de Deus é o correcto, e como é que esse método os levaria a concluir que é o teu. Não precisas de defender nem refutar os outros. Basta explicares como é que se determina qual o conceito correcto de Deus."

Penso já ter amplamente respondido a este ponto, sobretudo no teu mural do Facebook. Falamos, basicamente, de rejeitar as religiões cuja filosofia seja má, ou incompatível com a Ciência. Se fizeres isso, tens que deitar fora o Hinduísmo, o Budismo, o Islão, o Taoísmo, e isto só falando das religiões com idade respeitável (uma religião que não passou ainda o teste do tempo não tem ainda "pergaminhos" que nos permitam dar-lhe grande importância). Se o que fica para análise são os vários ramos do cristianismo, o judaísmo, e algumas filosofias gregas antigas como o platonismo ou o estoicismo, a escolha fica mais fácil.

Um argumento de peso a favor do cristianismo é o de que é uma religião com base histórica, que faz afirmações acerca do passado que podem ser averiguadas pelos arqueólogos e pelos historiadores. Enquanto que os relatos dos vedas hindus remontam a eras distantes, e parecem desvanecer-se no tempo, o Novo Testamento é um conjunto de livros que se lê como se fossem crónicas de um passado histórico recente e rico de detalhes com os quais nos podemos relacionar, pois temos elos entre esses relatos e o que sabemos da história dos primeiros anos da nossa era.

"Ser omnisciente não é apenas ser capaz de dizer "se a moeda cair, ou calha cara ou coroa". Isso fica muito aquém da omnisciência."

Tu és engraçado! Foste logo buscar um exemplo de um evento aleatório, quando eu falei de coisas como decisões de agentes livres e processos naturais. A omnisciência de Deus deve ser entendida como o saber exactamente, até ao ínfimo detalhe, quais são TODOS os possíveis estados futuros do Cosmos. E como se vê facilmente, isso não colide com o livre arbítrio nem impõe um fixismo ao Cosmos.

"E ser omnipotente implica poder alterar tudo."

Sim, implica. No entanto, se Deus opta livremente por criar criaturas livres (como os anjos e o ser humano), e se Deus é coerente (um Deus racional é sempre coerente), Deus não pode violar a liberdade das criaturas livres sem entrar em contradição com a Sua própria vontade.

"Por exemplo, implica poder escolher que, quando a moeda cair, se transforma num frango assado e não calha cara nem coroa."

Sim, implica isso. Mas vê-se facilmente que um Deus que cria seres livres deve, logicamente, colocá-los num Cosmos em que essas coisas não acontecem. O filósofo Alvin Plantinga, no seu livro recente em defesa da concordância entre cristianismo e ciência, explica bem que a criação de seres livres condiciona o Cosmos a um tipo particular de Cosmos que Deus teria que criar: um Cosmos regular e previsível. Pensando um bocado nestas coisas, é fácil chegar à conclusão de que seria completamente inútil Deus criar criaturas livres num Cosmos irregular e imprevisível.

Como vês, é fácil lidar com a objecção que levantas.

Bernardo Motta disse...

"A inconsistência, que tu implicitamente reconheces ao limitar quer a omnisciência quer a omnipotência para as compatibilizar, está em que se Deus pode escolher o que acontece não se trata de saber o que vai acontecer ou não. É o que lhe der na gana. E se já sabe tudo o que vai acontecer, então não pode mudar nada (senão não sabe e está enganado)."

1) Mostrei que não há inconsistência; podes é não aceitar os meus argumentos

2) Eu não "limito" a omnipotência de Deus; mais uma vez, é um erro filosófico da tua parte, porque dizer que os actos divinos estão regulados pela razão não é uma limitação: a racionalidade de Deus é uma perfeição, e não uma limitação: esse é o erro de quase toda a teologia islâmica, porque eles consideram que Alá não está limitado por nada, nem pela razão; eles simplesmente não entendem (não estudaram São Tomás e os grandes teólogos da cristandade) que a razão de Deus não é uma limitação mas sim uma perfeição, e que fazer uma coisa conttraditória é uma impossibilidade, pelo que o facto de Deus não fazer coisas contraditórias não é uma limitação da omnipotência, porque a omnipotência implica Deus ser capaz de fazer tudo o que é fazível;

3) não vejo como é que a minha definição de omnisciência é limitativa

4) Deus não pode ser coerente consigo mesmo, e fazer coisas incoerentes como criar seres livres num Cosmos irregular e imprevisível (considero esta objecção respondida de vez); por isso, logicamente, Deus não pode ser caprichoso com seres livres como nós (ou os anjos); acrescente-se ainda que Deus, sendo sumamente Bom, rege-se por uma perfeição moral total e completa, pelo que não é sequer capaz de fazer algo de errado ou imoral (isso seria uma imperfeição divina)

5) Acerca das decisões dos seres livres, Deus sabe exactamente quais as possibilidades de acção (todas elas) que se apresentam a um ser livre, e sabe ainda a ramificação de todas as decisões de todos os seres livres, conjugadas com o desenrolar de todos os processos físicos; se realmente há seres livres, uma decisão livre de um agente livre só se torna real (existente) quando o ser livre decide: antes da decisão, não há "outcome" dessa decisão, pelo que a decisão não existe ainda, pelo que não há conhecimento acerca dela que falte a Deus


Ludwig: dá-te conta de que estás a navegar em temas que já foram muito trabalhados e analisados. A teologia cristã atingiu um nível de sofisticação racional que, sem estudo, não conseguirás dominar o suficiente para a poderes sequer criticar ou mesmo refutar.

"Não. A minha tese é de que não há nenhuma religião que seja claramente mais plausível que qualquer outra e, por isso, não se justifica escolher nenhuma como a certa."

Sim, entendi. É uma tese que, até ver, não tem argumentos. Se tem bons argumentos em sua defesa, apresenta-os, por favor.

Bernardo Motta disse...

"A justificação para isto é que não há forma nenhuma -- nem sequer consensual entre os religiosos -- de determinar qual a religião certa."

Que interessa a consensualidade? Agora tem que existir um fórum mundial de religiões na qual, em plenário, elas decidam um método consensual? Bento XVI virou o mundo ao contrário quando disse aos muçulmanos que Deus não pode agir irracionalmente. Ora cá está um método excelente, proposto pelo pontífice da Igreja Católica: Deus não age contra a razão. Por isso, borda fora com as teologias irracionais, ou que colocam a vontade de um putativo deus contra a razão.

"Posso também dedicar algum tempo aos detalhes, por exemplo a explicar que é um disparate crer na transubstanciação da hóstia ou que o racional é concluir que o nascimento virgem de Jesus é uma fábula como o nascimento virgem de Pitágoras, mas isso é secundário."

Não é nada secundário. Deixei no teu mural as minhas respostas a esses casos, que nada têm de irracional ou anticientífico.

"Eu tenho uma regra pessoal. Escrevo os posts em arial 11, em páginas A4 com 1.5 linhas de espaçamento e o texto não pode ultrapassar as duas páginas. Evita escrever lençóis que depois ninguém queira ler :)"

;)
Lamento. Não consigo evitar. É muito difícil responder com qualidade a objecções que requerem imenso contexto para serem respondidas. O que tu fazes é parecido com abordares um jurista japonês com uma crítica que pretende demolir toda a jurisprudência japonesa com três frases sacadas da cartola. E o jurista tem que te responder com alguma qualidade, numa situação em que tem que começar por te dar um contexto linguístico e cultural ainda antes sequer de poder responder às tuas objecções infundadas.

"Por isso, se acho que o que digo é consensual não me preocupo em demonstrá-lo desnecessariamente."

Consensual entre ateus alheados da intelectualidade cristã, e da sofisticação intelectual da filosofia e da teologia cristã?
Que interessa essa consensualidade?

"Quanto ao irracional, concordo que «Uma coisa irracional é uma coisa que viola a razão. »"

OK!

"E aceitar como verdade que a Alexandra Solnado escreve o que Jesus dita viola a razão porque a razão indica que essa alegação é falsa."

Sim, mas já não falas da "razão" propriamente dita, mas sim de um determinado método (que é racional) de aferição, que pesa evidências a favor e em contrário. É um processo intelectual diferente do simples processo de aferir a pura irracionalidade de uma tese. Eu não acho que o teu exemplo da Alexandra Solnado seja um bom exemplo de uma tese irracional. Uma tese pode ser eminentemente falsa (como essa é), e mesmo assim, ser racional (eu acho que é racional).

"Precisamente o mesmo se passa quando uma mulher grávida diz não ter tido relações sexuais ou alguém diz que um conhecido esteve três dias morto mas depois ressuscitou."

1) Não é irracional uma mulher estar grávida sem ter tido relações sexuais: se alguém ou algo a fertilizou sem relações sexuais, ela pode estar grávida: o católico apenas diz que esse alguém ou algo é o Espírito Santo, e não podes invocar a tua negação dessa entidade para dizer que a tese é irracional

2) Não é irracional dizer que alguém esteve três dias morto, mas depois ressuscitou, desde que se postule que algo de sobrenatural (algo que transcenda as potências da Natureza) explica esse fenómeno que não é explicável naturalmente; não podes invocar a tua negação de Deus para dizer que a tese é irracional

Bernardo Motta disse...

"A mesma de sempre. Considero P e ~P, confronto ambas com as evidências e vejo se alguma delas sai favorecida. Por exemplo, seja P a hipótese "Pitágoras nasceu de uma virgem por intervenção divina". As evidências que temos é que muita gente antigamente acreditava que isto era verdade. Mas é mais plausível que tenha sido apenas uma ficção popular do que tenha sido verdade."

Concordo. Agora junta à tese "T1: Jesus Cristo nasceu de uma Virgem" a tese que falta ao Pitágoras: "T2: Jesus Cristo ressuscitou dos mortos".
A verosimilhança de T1 & T2 tornou-se imensamente maior, pela junção de T2. Na história de Pitágoras não tens nada disso.
Todo o cristianismo pode ser visto como uma macro-tese composta da conjunção de teses mais pequenas, e todas bem fundadas. Se partes o cristianismo nas pequenas teses, e as isolas, já sabes que estás a fazer batota em termos da análise da verosimilhança da macro-tese.

"Isto porque há indícios independentes de muita coisa na qual muita gente acredita mas que é falsa e não há evidência independente de bebés a nascerem de virgens por intervenção divina. É esta a "base epistémica" para a minha conclusão de que o caso de Jesus era igualmente fictício (e pouco imaginativo; isto de nascer de uma virgem era quase um sine qua non de qualquer pessoa que quisesse ser alguém, nessas épocas)."

Essa tua ideia de que era banal dizer na Antiguidade que alguém nasceu de uma virgem parece-me algo vindo da pseudo-"scolarship" de um Kersey Graves, não?
Desde o século XIX que se tem difundido entre os ateus e os secularistas a ideia de que, na antiguidade, toda a gente com pretensão divina nascia de virgens, mas essa ideia é algo maluca. Pode até existir um caso ou outro bem documentado (não o sei dizer), mas alguns ateus gostam de rebolar em fantasias deste tipo. Graves escreveu a famosa obra de ficção pseudo-histórica e pseudo-erudita: "The World's Sixteen Crucified Saviours", alegando que nada menos do que dezasseis salvadores teriam alegadamente morrido cruficiados (ao que leva o desespero!) e já nem o site Infidels usa esse material rasca. Eu nem sequer estudei a tal lenda de Pitágoras para validar se, realmente, essa lenda se encontra historicamente relatada. Não me espantaria se fosse mais uma fantasia inventada por ateus.

O que fazem os historiadores do "mainstream" académico é procurarem explicações para os seguintes factos históricos:

a) Jesus Cristo existiu

b) Jesus Cristo foi crucificado publicamente em Jerusalém sob Pôncio Pilatos

c) Jesus Cristo morreu e esteve sepultado em local público e conhecido

d) A Sua sepultura foi encontrada vazia (por mulheres, nada pior do que, numa cultura judaica, invocar o testemunho de mulheres)

e) Centenas ou milhares de pessoas deixaram para a posteridade o testemunho oral e escrito de terem visto (e até tocado) o Jesus Cristo ressuscitado, e de o ter visto inclusive a comer peixe (algo que um fantasma ou uma visão não faz)

f) Grande parte dessas pessoas foram corajosamente para a morte, e morte violenta, por não quererem rejeitar as suas ideias

Como explicas estes factos, à luz dos conhecimentos históricos?
Esse é o desafio, e não vagas generalidades acerca da proliferação (não documentada) de nascimentos virgens. Mesmo que existisse o mesmo peso evidencial que temos no caso de Cristo, nota bem que nada há de bizarro na tese de que Deus poderia ter provocado outros casos de nascimentos virgens. Basta usar um bocado de lógica para perceber que a tua objecção de que Cristo não PODE ter nascido de uma virgem porque haveria (supostamente) mais relatos desse tipo é uma objecção farrusca.

Bernardo Motta disse...

"O cristianismo contribuiu zero para isto."

A tua insistência assusta-me. Que posso eu fazer mais?
Viste sequer os factos históricos do módulo "Ciência Medieval"? Nada tens a dizer sobre isso?
Tivemos até um Papa matemático, Gerberto de Aurillac, que recuperou o uso da esfera armilar (esquecida desde o Império Romano) e introduziu na Europa o ábaco e a numeração árabe.
Eu não te vou repetir aqui as dezenas de casos que dei nos meus slides. Não tenho explicação para a tua posição nesta matéria. Transcende-me.

"Menos que zero, porque a teologia rejeita explicitamente ambos estes aspectos cruciais."

Posso sorrir?
Posso esboçar um sorriso? ;)
Acho que, nesta fase, dificilmente estarás a falar a sério.
Estás na brincadeira, certo?
Estás na paródia, brincalhão! Ah, manganão! ;)

"Mas vou olhar para os teus módulos sobre isto."

Please!
Pretty please, with lots of sugar on top? ;)

"Só que acho que o problema fundamental nunca resolveste."

Não resolvi muita coisa. Nem sequer na minha cabeça, quanto mais em slides.

"O debate entre Galileu e o Papa não foi um debate científico."

Em parte foi, mas na maior parte, não foi. Concordo.

"Foi uma prepotência violenta e criminosa da parte deste último, que ameaçou o primeiro para que ele retractasse a sua tese."

Bom, vejo que continuas a resistir à leitura dos factos. Como sabes, não é por eu ser católico que não alinho na tua leitura errada e simplista, é mesmo por amor à verdade histórica.
É tão absurdo dizeres isso, quando foi o mesmo Urbano VIII, amigo de Galileu durante anos, a aprovar a escrita do "Diálogo", e mesmo a sugerir o título da obra. Sabias que a obra que veio a causar a desgraça de Galileu tem um título que foi sugerido, "ipsis verbis", pelo mesmo Papa que condenou Galileu?
Não sei que te dizer… É tão desgastante ter que escrever aqui o que já está escrito nos "slides"… Se ao menos os visses…

Bernardo Motta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bernardo Motta disse...

"Isto é, cientificamente, inadmissível seja qual for o mérito científico da tese em causa."

Condenar alguém pelas suas ideias científicas é algo de inadmissível. Como bem sabes, mas insistes em ignorar, por detrás da condenação de Galileu está uma preocupação com ideias doutrinais (acerca da interpretação das Sagradas Escrituras, na esteira do Concílio de Trento). Quem insiste em ver a condenação de Galileu como uma condenação da Ciência, persiste na asneira. A motivação para a condenação, e eu não quero defender a condenação, sempre foi teológica, e não científica.

"Se os astrónomos propuserem uma lei que puna com cadeia quem defender a astrologia, por muita razão que objectivamente tenham acerca dos méritos desta arte, essa atitude será o contrário da ciência."

De acordo. Galileu não foi condenado por razões científicas (no que diz respeito à motivação dos seus juízes). Tu mesmo concordas com isto, certo?
Então não entendo onde queres chegar…

"E essa foi a atitude dominante do cristianismo enquanto teve poder para agir assim, e ainda é nos sítios onde o tem (por exemplo)."

Essa não foi a atitude dominante do cristianismo, pelo simples facto de que se tu tentares compilar uma lista de cientistas atacados pela Igreja Católica por motivos científicos, não consegues colocar ninguém nessa lista. O que sucede na Índia, fora da esfera do cristianismo, terá que recair sobre os ombros dos representantes da religião em questão. Volto a repetir que não pretendo justificar outras religiões para além da cristã.

"Pode. Mas a "prova" é irrelevante. São tudo hipóteses provisórias. Neste momento, segundo as evidências que tenho a melhor explicação é de que estou mesmo imerso numa realidade que me transcende, e não apenas num sonho ou ilusão. Pode ser falso mas, seja como for, vale a pena tentar perceber o que isto é. Não há necessidade nenhuma de axiomatizar seja o que for."

Se calhar, o fraseado do meu slide pode ser melhorado. A palavra axioma pode gerar equívocos. Usei-a porque listei uma série de teses que todos (ou quase todos) aceitamos sem prova empírica. Não são como os axiomas lógicos (se bem que eu fale neles noutro slide) ou matemáticos, mas são como que "axiomas filosóficos", ou seja, teses que tomamos como verdadeiras mesmo sem prova.

Bernardo Motta disse...

"Não no sentido de axioma. Se eu vejo uma coisa desfocada à minha frente tiro os óculos para ver se estão sujos. Isto não é pressupor como axioma que os óculos estão sujos. É testar uma hipótese."

Acho que não te estás a dar conta da carrada de teses filosóficas que assumes "a priori":

1) que os óculos são reais, e não uma ilusão dos teus sentidos

2) que a tua memória é fiável, e portanto, se te lembras de teres visto algo desfocado há segundos atrás, é porque deves ter razão, e vale a pena agir em conformidade

3) que as leis da óptica se mantêm constantes, de modo a que possas deduzir que sujidade nos teus óculos vai distorcer da mesma forma, e em condições semelhantes, os raios de luz que os atravessam

E assim por diante...
Todos estes slides que eu montei para explicar este tipo de teses "a priori" têm como único objectivo atacar o cientismo. Visto que tu sofres de cientismo, entendo que estes slides sejam os que te fazem maior confusão. O cientismo pretende que o método científico é a única forma de obter conhecimento verdadeiro. E eu tenho tentado explicar-te que o método científico requer a aceitação tácita de uma série de teses filosóficas acerca da realidade, teses essas que toda a gente mentalmente sã aceita mesmo sem provas científicas. O próprio método que tu mesmo recomendas para obter conhecimento é um método que não pode ser provado por si mesmo. O método científico não prova a justeza do método científico: na verdade, esse mesmo método é todo um conjunto de teses filosóficas apriorísticas colocadas em prática. O facto de darem "bons resultados" é importante, mas erras se julgas que esses "bons resultados" são prova de verdade. Se vivesses toda a vida na caverna de Platão, poderias ter um método como o científico para viveres dentro da caverna e aprenderes montes de coisas acerca da caverna, MENOS o facto de que há um mundo exterior à caverna.

Na raiz desta discussão está a crítica ao cientismo: a ciência não pode ser a fonte primeira e última do conhecimento humano, pois o seu método requer toda uma série de teses filosóficas aceites (e bem) sem prova científica.

"Se tento criar um modelo estatístico dos contactos entre aminoácidos na interface de proteínas diferentes comparados com os contactos dentro da proteína não estou a pressupor como axioma que isso me vai revelar alguma coisa acerca da interacção. Estou com curiosidade para saber se vai ou não."

O método científico não é apenas curiosidade: é vontade de conhecer uma realidade que se pressupõe ser analisável lógico-matematicamente.

"Tu estás a confundir a vontade de testar uma hipótese com a promoção dessa hipótese a um pressuposto inquestionável."

Não. Podes questionar que a realidade seja matematizável. Podes questionar que a realidade seja objectiva e regular. Não fazes é ciência assim.

"Nesse sentido também posso dizer que consigo inteligir um círculo quadrado. É um círculo, só que quadrado. Está aí, perfeitamente inteligível."

Como é óbvio, não estás a inteligir um círculo quadrado, porque esse conceito é ininteligível.
Uma coisa é estares a formular uma proposição inconsistente. Isso é o que estás a fazer. Mas essa tua proposição faz alusão, não apenas a um não-ente, ou seja, a algo que não existe, mas a algo que nem sequer pode existir.

Não existe o objecto "quadrado circular", nem o objecto "círculo quadrangular". Também não existe um unicórnio. Mas enquanto tu podes inteligir o que é um unicórnio, porque apesar de (do que sabemos) ser algo que não existe, é metafisicamente possível (numa outra qualquer realidade possível) que existisse um cavalo com um corno. Mas em nenhum universo possível poderá existir um "quadrado circular" ou um "círculo quadrangular".

É impossível inteligir conceitos contraditórios, ou seja, coisas metafisicamente impossíveis.

Bernardo Motta disse...

"E, nesse sentido, não há forma do universo ser outra coisa que não inteligível, por muito estranho que seja."

Como vês, estás errado. É uma surpresa que o Universo seja inteligível, porque se nós somos materiais (como tu defendes) e não há nenhuma razão criadora, é espantoso que algo irracional e material dê origem a seres com inteligência. Na verdade, é algo filosoficamente absurdo. Do menos não pode vir o mais. Da não-inteligência não pode vir a inteligência. O erro materialista está em achar que não existe finalidade no Cosmos, quando todo ele grita por finalidade. É giro que um ateu dedique parte da sua vida à finalidade de tentar convencer-nos de que não há finalidade. Um universo sem finalidade deu origem a seres que tudo fazem com finalidade?

"Não consegues não. Só consegues representar mentalmente uma versão simplificada do modelo. Tens uma ideia vaga de alguns aspectos mais salientes mas o modelo em si não é inteligível precisamente porque te falta a imaginação necessária para o representar na tua mente.""

Continuas a confundir imaginação com inteligibilidade. Eu posso ter dificuldade em imaginar um icosaedro, mas consigo inteligir o conceito na perfeição. Eu posso inteligir a definição de um fractal, e no entanto, não consigo imaginar todas as suas ramificações. É precisamente porque o inteligi na perfeição que consigo programar aplicações que o vão gerar.

"Que a soma dos dados, métodos e modelos da ciência moderna é muito maior do que qualquer cérebro humano pode conter."

Não tenho nenhum problema com isso. Concordo.

"É o tal problema dos pressupostos (também conhecidos por preconceitos). Em vez de pressupor, devemos é testar."

Como te disse: mesmo para testar, tens que pressupor. Um dia, quando pensares nas implicações filosóficas do método científico, vais-te dar conta disso. A primeira coisa que a mente humana faz é pressupor. O início do pensar é um acto de vontade, se quiseres, é sempre uma posição de fé. Isso não é nenhuma vergonha, porque o acto de fé nada tem de vergonhoso. O que é triste é que tantas pessoas não entendam a importância da fé, das convicções, dos pressupostos, em tudo o que elas fazem. O problema é estares iludido acerca da quantidade imensa de pressupostos tácitos que tu usas para tudo. Estás convencido de que tudo o que tu aceitas foi testado. Isso é uma ilusão.

"Descobrir como as coisas são pode levar-nos à Razão criadora se tal coisa existir"

Se tal coisa existir, e se quisermos pautar a nossa vida por essa realidade. Boa parte do ateísmo não nasce de erros intelectuais, mas de um problema de vontade.

"mas também pode revelar que as coisas simplesmente são, sem Razão criadora nenhuma."

Terias que explicar pilhas de coisas. Como um cosmos racional e inteligível surge de uma realidade que não é inteligente nem racional.

"Ou que foi tudo criado pela vontade de Elvis. Isso é o que queremos descobrir, e é um erro partir logo do pressuposto que é aí que vamos chegar."

Partes do pressuposto de que eu existo, para debateres comigo. E não tens a menor prova de que a minha mente (eu) existe. Lês uns caracteres que te surgem num blogue, e sabes lá se eu existo. Mesmo que nos tivessemos conhecido pessoalmente, eu poderia ser um "zombie", um robô. Não temos provas científicas de que, sequer, existem outras mentes que não a nossa. Poderia dar-se o caso de toda a realidade ser subjectiva, ou seja, gerada por nós mesmos, um sonho nosso...

Quase ninguém acha isso, para além de alguns loucos, mas isso é porque pressupomos que a realidade é distinta de nós e objectiva.

Abraço

Ludwig Krippahl disse...

Bernardo,

(Agora tenho pouco tempo, por isso vou só começar por esta parte, mas acho que é a mais fundamental).

«Falamos, basicamente, de rejeitar as religiões cuja filosofia seja má, ou incompatível com a Ciência.»

Ok. Rejeitemos então todas as religiões que sejam incompatíveis com a ciência.

A ciência é, sobretudo, um método. Esse método diz-nos, entre outras coisas, que de um conjunto de hipóteses mutuamente exclusivas devemos preferir aquela suportada pelo maior corpo de evidências que enfraquece as alternativas. Se não temos evidências objectivas (daquelas que qualquer observador imparcial e racional aceitaria independentemente das suas opiniões pré-concebidas), então não devemos preferir nenhuma das alternativas e deixar o problema como estando ainda por resolver.

Aplicando este método à questão da vida depois da morte, a conclusão mais bem suportada pelas evidências é de que tudo o que nós somos, subjectivamente, desaparece com a decomposição do corpo. Não podemos testar isto directamente porque não conseguímos falar com os mortos, se bem que isto, por si, já esteja de acordo com esta hipótese. Mas podemos testar a resistência de cada parte da nossa subjectividade à degradação do cérebro. O resultado, empírico, é que nada do que subjectivamente somos é imune à degradação do cérebro. Personalidade, memória, vontade, raciocínio, sentidos, emoções. Nada. Logo, a hipótese mais bem suportada (por uma grande margem) é a de que a degradação do corpo destrói por completo o eu e toda a nossa subjectividade.

Portanto, aplicando o teu critério devemos rejeitar todas as religiões que incluam uma crença na persistência de algo subjectivo depois da morte.

Isto leva facilmente ao ateísmo.

QED :)

Alma peregrina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alma peregrina disse...

É pena que você não esteja a aplicar esse critério "científico" ao tema da "vida após a morte".

Se você aplicasse o seu próprio critério diria, nas suas próprias palavras, que tal "problema está ainda por resolver".

Que é o que a Ciência diz.

Em vez disso, contrariamente à sua própria definição, você prefere uma das hipóteses.

Problema: "Há vida após a morte?"

Hipótese 1: "Não, a subjectividade é destruída após a morte"

Hipótese 2: "Sim, a nossa subjectividade é desligada do corpo material e transladada para um Além imaterial"

Nenhuma destas hipóteses é provada pelo empirismo. O que o empirismo prova é: "Não é possível a um humano vivo experimentar a subjectividade de um humano morto".

Você confunde esse facto empírico com a hipótese 1, preferindo-a.

Mas isso é abusivo, porque esse facto empírico pode ser explicado por ambas as hipóteses. E nenhuma das hipóteses é testável cientificamente.

Aplicando o seu próprio critério.

""A ciência é, sobretudo, um método. Esse método diz-nos, entre outras coisas, que de um conjunto de hipóteses mutuamente exclusivas devemos preferir aquela suportada pelo maior corpo de evidências que enfraquece as alternativas. Se não temos evidências objectivas (daquelas que qualquer observador imparcial e racional aceitaria independentemente das suas opiniões pré-concebidas), então não devemos preferir nenhuma das alternativas e deixar o problema como estando ainda por resolver."

QED