quinta-feira, 26 de julho de 2012

Sobre o argumento teleológico ("fine tuning")...


O filósofo e físico Robin Collins é um dos mais competentes defensores do argumento do "fine tuning" para a existência de Deus (o conceito teísta de Deus). Eu ando a seguir este argumento há alguns anos, e cada vez mais me convenço de que o argumento é um dos melhores argumentos para levar até uma pessoa pouco razoável a reconhecer a existência de Deus. Um dos números mais impressionantes em defesa do "fine tuning" vem do físico Roger Penrose (ele mesmo um agnóstico), que em 1989 apresentou o problema do baixíssimo nível de entropia (ou altíssimo nível de ordem) do Universo nos seus instantes iniciais. Segundo Penrose (1), de forma a termos um universo que permita a vida, foi preciso que as condições iniciais da distribuição de massa-energia estivessem numa região tão "afinada" e tão específica que a sua probabilidade é de uma parte sobre 10 levantado a 10 levantado a 123. Trocado por miúdos, 10 levantado a 23 é o número 10000.... (com 123 zeros). Agora suponha-se o número cujo número de zeros é o anterior. É absurdamente baixa a probabilidade de o nosso universo ter tido, por acaso, a entropia que teve nos seus instantes iniciais.

Como é que daqui se deduz que a causa do universo é inteligente (é Deus)? Basta considerar as hipóteses alternativas:

  1. Facto bruto: o universo simplesmente partiu de um estado estupidamente improvável (uma parte em 10 levantado a 10 levantado a 123), e é assim que as coisas são; esta é a opção do "não faças perguntas complicadas, pá"
  2. Multiverso: o nosso universo é apenas um de muitos (infinitos?) universos; bom... à parte do facto de que é filosoficamente absurda a existência de infinitas coisas (surgem contradições se o admitirmos), não há uma só evidência científica a favor da existência de outros universos, pelo facto de que se tivéssemos forma de chegar a eles, eles fariam parte do nosso universo

A tese do multiverso é uma tese "ad hoc", de especulação científica, feita para evitar a espantosa probabilidade de o universo ter uma causa inteligente para a sua existência. Para evitar a espantosa probabilidade de um ser inteligente e dotado de espantosos recursos ser a causa do nosso Universo.


Vivemos tempos espantos.

Nunca foi tão fácil a uma pessoa razoável e informada acreditar na existência do Deus teísta, e no caso dos cristãos, esse é o Deus de Jesus Cristo, o nazareno, que morreu crucificado, foi sepultado, e três dias depois ressuscitou.


(1) "This now tells how precise the Creator's aim must have been, namely to an accuracy of one part in 10 to the 10^123rd power. This is an extraordinary figure. One could not possibly even write the number down in full in the ordinary denary notation: it would be 1 followed by 10^123 successive 0's." Roger Penrose, The Emperor's New Mind, 1989.

3 comentários:

Ludwig Krippahl disse...

Pelo que sei, Penrose, nesses cálculos, ignora o período inflaccionário. Um período de crescimento exponencial do espaço-tempo explica como o universo se tornou tão uniforme, inevitavelmente, e não com essa probabilidade pequena.

E esta hipótese é melhor do que a tua hipótese de ter sido Jesus a criar tudo porque a hipótese inflaccionária faz precisões quantitativas acerca da anisotropia na radiação de fundo, previsões essas que têm sido confirmadas.

Vê, por exemplo:

https://en.wikipedia.org/wiki/Inflation_(cosmology)#Observational_status

Concordo que este argumento do fine tuning pode bem ser o melhor argumento em favor do teu deus. O que não me parece é que seja um bom argumento, e não chega aos calcanhares das hipóteses alternativas :)

Bernardo Motta disse...

Ludwig,

Obrigado pelo teu comentário!

"Pelo que sei, Penrose, nesses cálculos, ignora o período inflaccionário."

Não é bem isso, Penrose é simplesmente um crítico da solução inflaccionária. A solução que ele propõe é distinta do modelo inflaccionário, e tem algo a ver com a curvatura de Weyl (sou demasiado leigo para te explicar o que é). Por isso, a solução de Penrose não "ignora o período inflaccionário". Acho que não podes falar com a segurança com que falas de um "período inflaccionário", porque esse modelo (o inflaccionário) ainda é especulativo, apesar de ter algum suporte empírico (medições no WMAP).

"Um período de crescimento exponencial do espaço-tempo explica como o universo se tornou tão uniforme, inevitavelmente, e não com essa probabilidade pequena."

Infelizmente (para ti), não explica o que dizes. Penrose explica bem o problema, no seu livro (de 2004), "The Road to Reality":

"There is, however, something fundamentally misconceived about trying to explain the uniformity of the early universe as resulting from a thermalization process, whether this is a uniformity in the background temperature, the matter density, or in the spacetime geometry generally. Indeed, it is fundamentally misconceived to try to explain why the universe is special in any particular respect by appealing to a thermalization process. For, if the thermalization is actually doing anything (such as making temperatures in different regions more equal than they were before) then it represents a definite increasing of the entropy. Thus, the universe would have been even more special before the thermalization than after. This only serves to increase whatever difficulty we might have had previously in trying to come to terms with the initial extraordinary special nature of the universe."

Assim, se quiseres, a melhor posição que me parece que terás que adoptar, se quiseres manter a tua rejeição injustificada do teísmo, é a de seguires a via agnóstica de Penrose: ele, rejeitando qualquer explicação teísta, prefere acreditar que a Ciência, um dia, explicará estes espantosos números do "fine tuning". Ele substitui a crença em Deus pela crença numa futura explicação para este fenómeno.

O que os defensores do argumento teleológico tentamo mostrar é que, com os dados actuais, o caso para o teísmo é já suficientemente forte, mesmo com a invenção de todo o tipo de teses "ad hoc" para tentar tornar a ciência actual menos "teísta", algo que é incómodo para muitos cientistas, pelo menos desde Einstein.

"E esta hipótese é melhor do que a tua hipótese de ter sido Jesus a criar tudo porque a hipótese inflaccionária faz precisões quantitativas acerca da anisotropia na radiação de fundo, previsões essas que têm sido confirmadas."

Como cristão, fico extasiado com qualquer descoberta científica, e se se confirmar que o modelo inflaccionário está correcto, viva a Ciência! No entanto, como Penrose explica, isso apenas reforça a tese teísta, porque nesse caso, a entropia no início do período inflaccionário terá que ser ainda menor, o que torna ainda mais inacreditáveis as condições iniciais do Universo.

Faça o que fizer essa fase inflaccionária, ela terá que respeitar a Segunda Lei da Termodinâmica, ou seja, os processos em operação nessa fase irão aumentar a entropia.

Pelo que o teu comentário, apesar de bem-vindo, não faz sentido!

Um abraço

Bernardo Motta disse...

PS: Faltou eu responder a este parágrafo:

"Concordo que este argumento do fine tuning pode bem ser o melhor argumento em favor do teu deus."

Não acho que seja o melhor. Os argumentos de São Tomás de Aquino, sendo filosóficos e sendo verdadeiros, são imunes a qualquer refutação científica. Simplesmente, toda e qualquer verdade científica nunca os poderá refutar, e eles permanecem, por isso mesmo verdadeiros.

O argumento teleológico é especialmente fascinante porque permite maior interacção com os dados científicos. Mas na verdade, é um argumento probabilístico, enquanto que os argumentos de São Tomás são dedutivos. A existência de Deus decorre, pelas leis da lógica, das premissas.

"O que não me parece é que seja um bom argumento, e não chega aos calcanhares das hipóteses alternativas"

As hipóteses alternativas são:

a) facto bruto: o Universo simplesmente é assim

b) multiversos

Se quiseres, juntamos o "sonho" de Penrose:

c) explicação X, que um dia explicará isto tudo, sem invocar Deus

Tens só que mostrar porque é que as hipóteses a) e b) são melhores do que a teísta (sem, claro, invocares que os ateus estão certos "porque sim", porque são ateus, "brights", e pronto). Ou então mostrar porque é que a hipótese X (ainda desconhecida) é melhor que a teísta.

Um abraço,

Bernardo