sábado, 27 de agosto de 2005

Resposta às objecções do CA

O leitor CA, num comentário ao texto anterior, deixou uma série de objecções que sujeitarei agora a uma análise detalhada. Desde já, os meus agradecimentos pelo seu contributo construtivo para este complexo debate.

«Ponto I:
"o discípulo é o "aluno", que escuta a Palavra. O apóstolo é o "enviado", encarregado de espalhar a Palavra."

Seguindo o seu raciocínio deveria concluir que as mulheres hoje não são chamadas a espalhar a Palavra. Constato na prática que muitas mulheres espalham a Palavra (catequistas, missionárias, etc.). Assim parece-me que o raciocínio falha quando assume que, porque Jesus não escolheu apóstolas, a Igreja nunca o poderá fazer.»


Bela objecção, à qual deverei dar a mão à palmatória.
De facto, o meu raciocínio apresentava, neste aspecto, claras falhas. Não serve usar uma argumentação etimológica, uma vez que nem sequer é constante o uso, na própria Sagrada Escritura, do termo "apóstolo" para os doze. Por vezes, são chamados de "discípulos". E lembrei-me, entretanto, de outra objecção ao meu raciocínio: Maria de Magdala, a quem Jesus expulsara demónios, é a primeira testemunha da ressurreição, e como tal é ela a "enviada" junto dos restantes onze, quem lhes vai comunicar que o Mestre ressuscitou (cf. S. Lucas, 16, 9). Posto isto, a minha argumentação neste ponto cai por terra.

Contudo, e porque julgo estar certo na tese geral que estou a defender, tentarei contornar as dificuldades por mim criadas usando uma linguagem mais cuidadosa e argumentos bem mais fortes...
Há muita razão da parte do CA quando afirma que todos os cristãos são, de certo modo, "enviados", co-responsáveis pelo espalhar da Palavra.
No entanto, a meu ver, há uma nítida diferença: os onze (retirando Judas, que se enforca antes da morte de Cristo) sobrevivem à Paixão como o núcleo dos próximos do Messias e vêem-se desse modo revestidos de uma graça bem particular e especial. São "enviados" como serão todos os cristãos, mas a um nível qualitativamente diferente. Uma passagem profundamente significativa encontra-se no final de S. Lucas:

Depois, disse-lhes: «Estas foram as palavras que vos disse, quando estava convosco: Que era necessário que se cumprisse tudo quanto a Meu respeito está escrito em Moisés, nos Profetas e nos Salmos».
Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras e disse-lhes: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar de entre os mortos ao terceiro dia, que havia de ser pregado, em Seu nome, o arrependimento e a remissão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destas coisas. E eu vou mandar sobre vós O que Meu Pai prometeu. Entretanto, permanecei na cidade até serdes revestidos com a força lá do Alto.
- S. Lucas 24, 44-49.

Há, claramente explícita, uma atribuição de dons interpretativos (diria mesmo, as chaves da hermenêutica sacra, que desde então estão na posse da Igreja) aos onze reunidos com o Jesus ressuscitado. Vejamos outro exemplo das Sagradas Escrituras, desta vez de S. João, exemplo este ainda mais claro de que há, nitidamente, uma diferença de estatura entre a profundidade espiritual da missão dos onze apóstolos e a dos restantes cristãos:

Na tarde desse dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se achavam juntos, com medo dos judeus, veio Jesus pôr-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz seja convosco». Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Alegraram-se os discípulos, vendo o Senhor. E Ele disse-lhes de novo: «A paz seja convosco» Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoares os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos». - S. João 20, 19-23.

São Marcos faz também coro neste ponto fulcral:

Apareceu, finalmente, aos próprios onze, quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e obstinação em não acreditarem naqueles que O tinham visto ressuscitado. Depois, disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura. Quem acreditar e for baptizado será salvo, mas quem não acreditar será condenado. Eis os milagres que acompanharão aqueles que acreditarem: Em Meu nome expulsarão os demónios, falarão línguas novas, apanharão serpentes com as mãos e, se ingerirem alguma bebida mortífera, não sofrerão nenhum mal; imporão as mãos sobre os enfermos e eles recuperarão a saúde». - S. Marcos 16, 14-18.

Num ponto que se afigura tão importante, S. Mateus não poderia falhar na concordância com os restantes evangelistas:

Os onze discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha designado. Quando O viram, adoraram-n'O; alguns, no entanto, duvidavam ainda. Aproximando-Se deles, Jesus disse-lhes: «Foi-Me dado todo o poder no céu e na terra: Ide, pois, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo ensinando-as a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo». - S. Mateus 28, 16-20.

Torna-se claríssimo, pela concordância dos quatro evangelistas, que é ponto doutrinal assente que os onze receberam do Jesus ressuscitado uma graça especial. S. João é explícito: os onze receberam o Espírito Santo, com a missão de, iluminados por Ele, espalharem a Boa Nova e realizar milagres em nome de Jesus.
A Boa Nova iria espalhar-se de boca em boca, sendo que todos os cristãos seriam convidados a fazê-lo. Contudo, aquele núcleo de onze homens, escolhidos por Jesus, seria o centro espiritual de onde emanariam todas as graças de Cristo e do Pai. Esse legado, essa herança deixada por Cristo aos Homens, está viva através dos onze primeiros da Sua Igreja. É um verdadeiro dom espiritual e é a fonte que vivifica espiritualmente a Igreja Católica, que honra desde então a sucessão apostólica a partir de Pedro.

Resumindo: não estavam mulheres presentes no Pentecostes. Não havia uma só mulher de entre os onze que foram investidos desta graça e desta missão especial.
Será que Jesus não valorizava as mulheres?
Supô-lo seria uma tolice: é uma mulher, Maria Madalena, a primeira testemunha humana da Ressurreição, que é o epicentro do cristianismo.
As Sagradas Escrituras não permitem outra interpretação: é nítido verificar que o vértice, a nascente espiritual da Igreja era constituida por onze homens investidos pessoalmente por Deus.
Negá-lo seria atentar contra a própria validade das Sagradas Escrituras.
Algo bastante normal para um não-cristão, mas algo de monstruoso para um cristão.

Aliás, por essa linha de raciocínio, não poderia haver apóstolos de raça negra, por exemplo. Porquê distinguir pelo sexo e não pela raça?

Esta objecção, sinceramente, CA, não percebi.
Apóstolos de raça negra? Mas Jesus e os doze apóstolos eram judeus. E na Palestina, naquele tempo, os judeus eram brancos. Existia (e ainda existe) na Etiópia uma pequena comunidade de judeus negros, mas isso nada tem a ver com a presente discussão. Os judeus da Palestina eram de raça semita, de pele branca.
Mas uma claríssima prova de que a Igreja não discrimina pela raça é o facto de a ordenação sacerdotal ser conferida a homens de qualquer raça.

Ponto II:

"Deus escolheu o sexo masculino para incarnar, logo qualquer função representativa, onde o símbolo de Cristo seja fundamental (como o é nos sacramentos), deve ser desempenhada por um homem."

Mais uma vez dá imensa relevância ao sexo. Ora não vejo em Jesus essa relevância explícita.


Apresentei-lhe referências extremamente explícitas para este facto simplicíssimo: Jesus escolheu onze homens para constituir a Sua Igreja. Sendo o homem diferente da mulher, Jesus fez desta distinção fundamental uma distinção de papéis no plano salvífico. Quando falei, no meu texto, da Eucaristia e do seu símbolo, fui bem claro na importância da "substância" ser compatível. Penso que consegui tornar claro a importância de ser um homem a presidir à Eucaristia, momento central da vida cristã.

Vemos que os evangelhos dizem que Jesus escolheu apenas homens mas não vejo Jesus a fazer referência ao sexo como algo de importante. Assim, a distinção do sexo como algo essencial parece-me mais uma insistência humana.

Não sei como insiste em não o ver, CA.
Pois que é bem claro que Jesus usou o género como um dos Seus critérios de escolha do grupo dos doze. Ou supõe que o facto de termos doze apóstolos todos homens seja um puro acaso probabilístico?

Ponto III:

"Tanto no Antigo como no Novo Testamento, a função sacrificial é cumprida por homens."

Mais uma vez o sexo como distinção, indo agora buscar o Antigo Testamento, o que não acrescenta nada de novo.


Antes pelo contrário, CA, é um reforço muito forte. Significa que encontramos, tanto no Antigo como no Novo Testamento, a função sacrificial a ser desempenhada por homens.

Parece-me que os símbolos são feitos pelo homem, são essencialmente culturais. Se a sua objecção é apenas ao nível do símbolo, então pode certamente ser alterada.

A sua ideia de símbolo é totalmente materialista e antropológica.
Para mim, o símbolo é uma ponte de conhecimento divino, uma porta aberta para o transcendente. O símbolo é uma forma de podermos, por via dos nossos sentidos, aceder ao que nos ultrapassa. Se Jesus é Deus e Jesus instituiu o Símbolo eucarístico, logo, para o cristão, a Eucaristia não é um "símbolo cultural", gerado por "homens", mas sim um Símbolo espiritual, instituido por Deus.

Estes três pontos parecem resumir-se a um apenas: se se constatou que houve discriminação pelo sexo feita por Jesus

CA, Jesus discriminou! Mas nunca num sentido pejorativo. Jesus, claramente, atribui papéis diferentes, no Seu plano, para homens e mulheres.
E uma razão bem forte, como já o disse, prende-se com uma necessidade simbólica incontornável.

Como Jesus fez outras discriminações práticas (a mais importante das quais foi dirigir-se ao povo de Israel apenas), deveríamos mantê-las sempre? A resposta tem que ser não, pois a Igreja abriu-se logo aos gentios. Então porquê a relevância especial atribuída ao sexo?

Objecção inválida. O seu pressuposto está errado. Jesus não trouxe a Boa Nova apenas para Israel. Releia, por favor, o final do Evangelho de S. Mateus: "ensinai todas as nações".

É o próprio Cristo que o desmente, Bernardo, pois diz que o Espírito há-de ensinar aos discípulos muitas coisas que eles ainda não podiam suportar.

Não compreendi esta objecção, e terá que a explicar melhor, por favor.
Obrigado pelos comentários.

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