sexta-feira, 19 de agosto de 2005

Sobre o sacerdócio feminino

Esta questão regressa sempre, mais cedo ou mais tarde...
É uma questão importante e de fundo, porque assistimos cada vez mais nos dias que correm a uma enorme multidão de crentes católicos a manifestarem-se a favor do sacerdócio feminino, o que é um grave sinal de incompreensão da doutrina que professam.
Muitos católicos modernos estão, hoje, cada vez mais empenhados em levantar uma série de objecções a aspectos específicos do culto católico e da organização da Igreja. A sociedade tornou-se menos exigente para com a cultura e o estudo, os crentes também se tornaram menos exigentes com eles próprios, e facilmente surgem inúmeras incompreensões doutrinais como esta.

Antes de principiar, um aviso importante: neste breve texto tratarei apenas desta objecção relativamente ao sacerdócio feminino. Cada objecção merece ser tratada à parte, porque existem diversos níveis de importância doutrinal nas várias objecções levantadas pelos católicos modernos. Se se quiser discutir, por exemplo, o celibato dos sacerdotes, estaremos perante outra questão, diga-se, com muito menor peso doutrinal. Pelo que se deve, doutrinalmente, manter inaceitável o sacerdócio feminino (explicarei adiante), mas se pode manter em aberto a discussão de outras questões não tão importantes, doutrinalmente, como a do celibato dos sacerdotes.

Esta explicação não é exaustiva e representa apenas um modesto esforço, uma recolha dos pontos essenciais e mais importantes que justificam esta interdição das mulheres ao sacramento da ordenação sacerdotal.

Ponto I: Jesus Cristo apenas escolheu homens para seus apóstolos. Nenhum dos doze apóstolos era mulher. Contudo, inúmeras mulheres seguiam Jesus como discípulas. No entanto, a distinção entre discípulo e apóstolo é importante: o discípulo é o "aluno", que escuta a Palavra. O apóstolo é o "enviado", encarregado de espalhar a Palavra. À mesa da Última Ceia estavam doze apóstolos. Na recepção do Espírito Santo, pelo Pentecostes, estavam reunidos os doze apóstolos.
Nesta escolha, não há a influência de qualquer preconceito social, uma vez que Jesus Cristo não moldou a sua doutrina ao sabor das condicionantes sociais.

Ponto II: O símbolo sacramental. O sacerdote exerce uma função primordial no sacramento eucarístico, pelo qual o pão e o vinho são transformados em Corpo e Sangue de Jesus Cristo. A doutrina católica ensina que, com cada sacramento, há a possibilidade de se receber uma graça divina concreta, pelo que o símbolo é a via pela qual se pode aceder a essa graça. No caso da Eucaristia, o símbolo é feito de pão e de vinho que, com as palavras adequadas, se transforma no Corpo e Sangue de Cristo. Tanto a matéria (pão e vinho) como a forma (as palavras pronunciadas) são fundamentais para a eficácia do sacramento eucarístico. Se bem que a forma seja a parte mais importante, a matéria também não deve ser desprezada: uma eucaristia feita, por exemplo, com arroz (mesmo pronunciando as palavras ritualísticas correctas), não seria eficaz porque a matéria não corresponderia simbolicamente à usada por Jesus Cristo na Última Ceia. No entanto, qualquer tipo de pão e vinho serve, visto que a parte material do símbolo está representada.
Posto isto, o sacerdote é a representação viva do próprio Jesus Cristo. Diz o sacerdote durante o ritual: "Por Cristo, com Cristo e em Cristo". Do mesmo modo que, para manter a matéria do símbolo, se deve usar pão e vinho, também para manter a imagem viva do próprio Jesus Cristo, o oficiante deve ser um homem. Deus escolheu o sexo masculino para incarnar, logo qualquer função representativa, onde o símbolo de Cristo seja fundamental (como o é nos sacramentos), deve ser desempenhada por um homem.
Poder-se-ia levantar esta objecção: mas Deus não tem sexo, logo, se o sacerdote está ali para representar Deus, então não tem que ter um sexo específico para O representar bem.
Resposta: Foi Deus Filho quem instituiu a Eucaristia, logo é para Jesus Cristo que estamos a olhar quando olhamos para um sacerdote em pleno rito eucarístico. E, se foi como homem, visível e audível pelos doze apóstolos, que Jesus instituiu a Eucaristia, pois terá que ser um homem a reproduzir, para a posteridade, a diginidade sacra desse momento.

Ponto III: O Cordeiro é um dos muitos animais atribuidos simbolicamente à figura de Jesus Cristo. Mais concretamente, este animal ganha especial significado graças ao simbolismo da Crucificação: Cristo é visto como o "Cordeiro de Deus", que pela sua morte "tirou o Pecado do Mundo". Tanto no Antigo como no Novo Testamento, a função sacrificial é cumprida por homens. Recordemos o episódio de Abraão, que apresenta a Deus o seu próprio filho Isaac para ser sacrificado. O sacrifício (no entanto não consumado) de Isaac por seu pai é visto, na exegese sacra, como um prenúncio do sacrifício de Jesus Cristo, o Filho, às mãos do Homem por vontade do Pai. O acto sacrificial está reproduzido da forma mais perfeita no mistério eucarístico. Pelo que, de novo, sendo um acto sacrificial, é desempenhado por um homem.

Para terminar, há que ter em consideração que as objecções que muitos católicos modernos levantam em relação a este ponto delicado da ordenação das mulheres são objecções muito influenciadas por uma tendência feminista (ou, no mínimo, por uma tendência ultra-igualitarista, onde uma artificial "igualdade" deveria ser estabelecida a qualquer custo), à qual se tem dado uma prioridade maior do que à exegese sacra e ao simbolismo sacramental. O que é, no mínimo insólito: existirem cada vez mais cristãos que, porventura sem se darem conta, estabelecem raciocínios nos quais dão primazia a tendências e modas sociais em detrimento do que é importante na sua fé, que deveria ser a compreensão real da doutrina que professam.
A mulher não tem menos capacidades em si mesma do que o homem para o exercício do sacerdócio. Contudo, tanto por respeito para com a intenção do Salvador, como por necessidade material do simbolismo sacramental, na qual o sacerdote deve apresentar-se como imagem viva do Deus Incarnado, foi dado apenas aos homens o acesso a este sacramento.
Assim, é enquanto símbolo, e não enquanto mulher, que a mulher é inapta para o sacerdócio cristão. É evidente, pela natureza idiossincrética do símbolo eucarístico, que isto não se pode generalizar: noutras doutrinas, onde os ritos se baseiem noutros simbolismos, poderemos encontrar legitimamente uma mulher a desempenhar funções sacerdotais. Vemos assim que não há, neste aspecto, qualquer "sexismo", mas sim apenas o respeito pelos símbolos cristãos e pelos sacramentos por eles representados. O sacerdócio feminino pode ser legítimo nos ritos de outras doutrinas que não a cristã.
O sacerdócio feminino não é um direito das mulheres, uma vez que se assim fosse, isso quereria dizer que uma universalização extrema de um suposto "direito feminino" obrigaria a atropelar o simbolismo, e consequentemente, a eficácia de um sacramento tão importante como o da Eucaristia. E far-nos-ia possivelmente pensar que, naquele que é o momento mais alto da revelação crística, Jesus se teria deixado influenciar por um suposto machismo na cultura judaica, ou seja, por uma volúvel condicionante social. Se assim fosse, a doutrina deixada por Cristo à Sua Igreja seria algo de passageiro e de validade limitada, algo subjugado e condicionado por características sociais.
Outras questões ficam por tratar, como a interessante questão do diaconato feminino. Em certas Igreja cristãs primitivas, era permitido às mulheres o acesso a um dos graus menores da ordenação, a do diaconato. Note-se que há uma distinção fundamental aqui presente: um diácono não é um sacerdote. Não recebe a ordenação sacerdotal. Deste modo, um diácono não está qualificado para presidir à Eucaristia.
Deste modo, existe algum campo aberto ao debate relativamente ao acesso das mulheres ao diaconato, uma vez que não seriam violadas questões essenciais de doutrina.

Bernardo

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