segunda-feira, 6 de abril de 2009

Luvas de boxe

Por:
Nuno Serras Pereira

06. 04. 2009 (via Infovitae)

Sua Santidade o Papa na conferência de imprensa que deu a bordo do avião aquando da sua viagem apostólica a Espanha em 2010, como fosse interrogado sobre as luvas de boxe como meio de combate à violência doméstica, respondeu que a distribuição das ditas luvas não resolvia o problema da violência e que pelo contrário poderia agravá-la. Que o importante era mudar os comportamentos, suscitar a educação, formar para a responsabilidade, induzir ao respeito e ao amor. A notícia correu, pressurosa e indignada, as redacções do mundo inteiro. Políticos, jornalistas e eclesiásticos abespinhados conclamaram à uma que o Papa era um mata-mulheres, genocida do género feminino, ignorante troglodita, personagem imundo, etc. Por aqui não se ouviu uma voz episcopal que denunciasse o escárnio sacrílego com que o Santo Padre foi agredido. Pelo contrário, alguns Bispos professaram publicamente a sua fé nas luvas de boxe e admoestaram severamente que era não só aconselhável mas eticamente obrigatório o seu uso, por quem não prescindisse de espancar as suas mulheres.

4 comentários:

Pedro Amaral Couto disse...

Espectadores,
li o artigo das luvas de boxe e achei que é uma falsa analogia.

Em artes marciais podem ser usadas luvas, conquilhas, protecção para a cara, etc. Sei que meu irmão usa luvas no karaté. Não é como o pugilato grego, onde eram usadas tiras de couro nos punhos para protegê-lo e infligir mais danos, geralmente partindo os dentes do adversário que os engolia. Quem pretende lesar ou matar alguém não usa luvas de boxe. As luvas de boxe protecções usadas em combates voluntários com regras definidas - existem casais que combatem com luvas gigantes no ringue. Isso vai contra o que o agressor pretende durante a violência doméstica - lesar o agredido. Um agressor não vai pensar em usar luvas... as luvas nos combates é para o contrário do que o agressor pretende fazer com as mãos, com os pés, com um pau, com uma garrafa, com uma faca, com um cinto, etc. A comparação mais próxima seria de uma violação - temos um agressor e um agredido; o agressor força um acto contra uma vítima. Mas os violadores não andam com preservativos preparados no pénis.

Mas então o que dizer de capacetes, de cintos de segurança e das caneleiras? Podemos também argumentar que o melhor seria educar quem usa a estrada - os cintos de segurança só iriam agravar a situação. Ou devia-se abster do uso de motas e skaters, que são perigosos ou podem ser mal usados. Muitas coisas podem ser mal usado com resultados desastrosos, como o forno, mas não vou deixar de usá-lo para optar pelo micro-ondas. Até um tio fez uma tampa saltar da tampa que chegou até ao tecto. Nada é 100 % seguro.

Se colocas a hipótese de alguém esconder o seu estado de saúde, ei mais uma razão para usar o preservativo. Existem soropositivos que não informam que o são aos seus parceiros, mesmo assim mantendo relações sexuais - refiro-me a casados, o que resulta em processos judiciários. Também pode acontecer que um dos parceiros esconda amantes, ou simplesmente é soropositivo sem o saber mesmo sendo fiel. O único exemplo que considero racional é a decisão de quem sabe ser soropositivo e decidir abster-se do sexo. Ou pelo menos limitar-se à masturbação e brinquedos. Mas se o parceiro for informado do seu estado e mesmo assim decidir ter relações sexuais - que pode ser por uma demonstração de amor -, não vejo qual é o problema ético nem a irrazoabilidade do uso do preservativo (ver parágrafo anterior).

Na revista do Público de 12.04.09, leio, a respeito dos evangelhos: "pode haver perspectivas demasiado historicistas, diz Carreiras das Neves, que critica o livro de Joseph Ratzinger/Bento XVI por essa abordagem". Não fiquei chocado com isso. Os papas também dizem idiotices e existem católicos que não são meras ovelhas, capazes de pensarem pela sua cabeça e com direito de criticarem os papas e divulgarem a sua opinião. Gostava de conhecer as fontes que fazem "escárnio sacrílego com que o Santo Padre foi agredido", chamando-o papa de "mata-mulheres, genocida do género feminino, ignorante troglodita, personagem imundo".

Num fim-de-semana faço uma caricatura dos preservativos como luvas de boxe para o meu blog...

Espectadores disse...

Caro Pedro Amaral Couto,

«li o artigo das luvas de boxe e achei que é uma falsa analogia.»

Está no seu direito!

«Quem pretende lesar ou matar alguém não usa luvas de boxe.»

Parece-me que não entendeu o texto nem o objectivo do seu autor.
A ideia era simples: a violência doméstica é um flagelo, e não seria suavizado mesmo que o agressor usasse luvas de boxe. Tal como o sexo entre uma pessoa infectada e outra não infectada é um flagelo, que não é suavizado se a pessoa infectada usar preservativo.

Ninguém está a dizer que as luvas pioram a violência doméstica: está-se, precisamente, a mostrar o ridículo de sugerir preservativo quando alguém está infectado. É o ridículo de sugerir um "suavizante" quando o acto em si é gravemente errado.

«Mas então o que dizer de capacetes, de cintos de segurança e das caneleiras?»

Não tem nada a ver.
Andar de automóvel pode ter os seus riscos, mas à partida não é um acto imoral. Já praticar sexo quando se está infectado é imoral, porque é colocarar em risco a vida de alguém.

«Podemos também argumentar que o melhor seria educar quem usa a estrada - os cintos de segurança só iriam agravar a situação.»

Não é boa a comparação: eu posso andar na estrada de forma civilizada, e não faço nada de errado. O cinto protege-me. O preservativo, no caso da SIDA, não é como o cinto, pois o erro cometido é realmente o de estar infectado e ter sexo. Esse é que é o grande erro.

«Nada é 100 % seguro.»

Realmente, se eu decido fazer sexo mesmo estando infectado, então nada é 100% seguro. Mas não posso decidir não fazer sexo, e assim ser responsável, e não colocar a vida de ninguém em risco?

«Se colocas a hipótese de alguém esconder o seu estado de saúde, ei mais uma razão para usar o preservativo.»

Não!
Eis mais uma razão para essa pessoa NÃO TER SEXO COM NINGUÉM!

«Existem soropositivos que não informam que o são aos seus parceiros, mesmo assim mantendo relações sexuais»

Mas isso é um desastre. O que há a fazer não é usar preservativos, mas sim ter sexo apenas com pessoas em quem se confie. Uma pessoa que esconde que tem SIDA não é uma pessoa de confiança.

«Também pode acontecer que um dos parceiros esconda amantes, ou simplesmente é soropositivo sem o saber mesmo sendo fiel.»

No primeiro caso, a solução moral é, claramente, não ter amantes!

No segundo caso, então se a pessoa infecta alguém sem querer, não se aplica nenhum juizo moral: ninguém tem culpa do que faz por ignorância. Mas, mesmo assim, não se entende a recomendação do preservativo. Uma pessoa que foi sempre fiel, e não teve comportamentos de risco, não estará, à partida infectada.

«O único exemplo que considero racional é a decisão de quem sabe ser soropositivo e decidir abster-se do sexo.»

Exacto!

«Ou pelo menos limitar-se à masturbação e brinquedos.»

Bom, como compreenderá, aqui já não concordo consigo.

«Mas se o parceiro for informado do seu estado e mesmo assim decidir ter relações sexuais - que pode ser por uma demonstração de amor»

Amor?
Ou tolice?

«não vejo qual é o problema ético nem a irrazoabilidade do uso do preservativo (ver parágrafo anterior)»

O problema ético é o de colocar o prazer sexual à frente da protecção da vida e do risco de vida.

«Os papas também dizem idiotices e existem católicos que não são meras ovelhas, capazes de pensarem pela sua cabeça e com direito de criticarem os papas e divulgarem a sua opinião.»

Meu caro: toda a gente faz isso. Qualquer pateta alegre diz ao microfone que o papa está errado, e "divulga a sua opinião". Dessas tontarias está o mundo cheio. O que importa saber é se o Papa, REALMENTE, está errado. Eu digo que não está. E não o digo porque sou "mera ovelha" em sentido pejorativo. Digo-o porque PENSEI no assunto, coisa que os opinadores da praxe raramente fazem.

Cumprimentos

Pedro Amaral Couto disse...

Espectadores: «a violência doméstica é um flagelo, e não seria suavizado mesmo que o agressor usasse luvas de boxe»

Eu tinha escrito: «Quem pretende lesar ou matar alguém não usa luvas de boxe.» (...) «as luvas nos combates é para o contrário do que o agressor pretende fazer com as mãos, com os pés, com um pau, com uma garrafa, com uma faca, com um cinto, etc.»
A intenção do agressor é magoar a vítima (contrário de suavizar o impacto). Logo não vai usar luvas de boxe, que são usadas para proteger o adversário em combates de ringue (a intenção é suavizar o impacto). É por isso que parece-nos logo ridículo que sejam dadas luvas de boxe aos agressores para que o "flagelo da violência doméstica" seja "suavizado". Usando as tuas palavras: "Não tem nada a ver." Logo as luvas de boxe uma falsa analogia, daí que seja inválida usá-la para "mostrar o ridículo de sugerir preservativo quando alguém está infectado". É isso que quis dizer, e poderás verificá-lo por si mesmo relendo o parágrafo.

Vou passar para a resposta que começas com "Não!". Continuando a frase que citaste: «Existem soropositivos que não informam que o são aos seus parceiros, mesmo assim mantendo relações sexuais - refiro-me a casados, o que resulta em processos judiciários.» Eu não estava a querer dizer que é legítimo esconder o seu estado de saúde se usar o preservativo. Eu estava a dar o exemplo do ponto-de-vista de quem não é soropositivo, ou acha que não é. Tal como outros condutores podem não ser tão civilizados como nós, existem, por exemplo, casos de maridos que são soropositivos, sabem que o são, escondem isso da mulher e mantém relações sexuais com a mulher - fui claro quando disse "refiro-me a casados", ou seja, supostamente pessoas que confiam entre si. Também escrevi, «Também pode acontecer que um dos parceiros esconda amantes, ou simplesmente é soropositivo sem o saber mesmo sendo fiel», o que é similar com o exemplo que indiquei. A educação pode funcionar para mim, mas não para o outro. Se dizes que o teu argumento é racional, convém que seja um pouco mais pragmático.

Colocaste-me a questão: «Mas não posso decidir não fazer sexo, e assim ser responsável, e não colocar a vida de ninguém em risco?»
Mas eu já tinha escrito: «O único exemplo que considero racional é a decisão de quem sabe ser soropositivo e decidir abster-se do sexo.» Ou seja, concordei antecipadamente que podes. Amor ou tolice? Posso escolher os dois? O amor e tolice não são exclusivos. O amor e o problema com a masturbação e brinquedos sexuais são irracionais. O sexo é um modo de um casal manifestar o seu amor, partilhando prazer orgásmico ao mesmo tempo, coisa que é muito diferente do simples afecto. O mais sensato é afastar-nos completamente dos soropositivos. O mais sensato é não fazer esqui, paraquedismo ou montanhismo. Conheço argumentos moralistas contra o montanhismo. De Testemunhas de Jeová.

Tens razão, eu, o opinador de praxe, não pensei no assunto.

Cumprimentos e boa noite.

Espectadores disse...

Caro Pedro,

«A intenção do agressor é magoar a vítima (contrário de suavizar o impacto). Logo não vai usar luvas de boxe, que são usadas para proteger o adversário em combates de ringue (a intenção é suavizar o impacto).»

Acho que ainda não percebeu o texto. Permita-me que insista. O autor do texto (que não sou eu) usou a luva de boxe como algo que, à primeira vista, suavizaria a violência doméstica, mas mantinha-se o comportamento errado do agressor.

«Usando as tuas palavras: "Não tem nada a ver." Logo as luvas de boxe uma falsa analogia, daí que seja inválida usá-la para "mostrar o ridículo de sugerir preservativo quando alguém está infectado". É isso que quis dizer, e poderás verificá-lo por si mesmo relendo o parágrafo.»

Pedro: pode dizer que a analogia é má. Eu digo que é boa, e já a tentei explicar. Mas longe de mim querer convencê-lo desta analogia.
A ideia central é estupidamente simples: usar uma barreira como uma luva de boxe não apaga o erro grave da violência doméstica. Como usar um preservativo não apaga o erro grave que está subjacente à decisão de ter a relação sexual.
Acho que a analogia é boa o suficiente para o efeito pretendido, que é o de mostrar que o problema é comportamental, e que o uso de dispositivos artificiais não resolve porcaria nenhuma, e até pode agravar o comportamento de risco. Veja os meus textos abaixo sobre o caso do Uganda.

«Eu não estava a querer dizer que é legítimo esconder o seu estado de saúde se usar o preservativo. Eu estava a dar o exemplo do ponto-de-vista de quem não é soropositivo, ou acha que não é.»

E eu mantenho que essa é uma má razão para usar preservativo: usar o preservativo só porque não sei se o meu parceiro sexual está infectado é um mau sinal: um mau sinal da relação que tenho com essa pessoa.

«Tal como outros condutores podem não ser tão civilizados como nós, existem, por exemplo, casos de maridos que são soropositivos, sabem que o são, escondem isso da mulher e mantém relações sexuais com a mulher - fui claro quando disse "refiro-me a casados", ou seja, supostamente pessoas que confiam entre si.»

Mas o Pedro acha que o preservativo é uma solução para esse tipo de relacionamento viciado e baseado em enganos?

«Também escrevi, «Também pode acontecer que um dos parceiros esconda amantes, ou simplesmente é soropositivo sem o saber mesmo sendo fiel», o que é similar com o exemplo que indiquei.»

Insisto: acha que o preservativo é a solução para esse tipo de relacionamentos baseados na mentira, no engano e na devassidão moral?

«A educação pode funcionar para mim, mas não para o outro. Se dizes que o teu argumento é racional, convém que seja um pouco mais pragmático.»

Acho que é muito pragmático: não é um bocado de látex que vai tornar moral uma decisão que é imoral. Essa é a ideia brutalmente pragmática: ao fazer propaganda pela ideia do preservativo, passa-se a ideia de que não há imoralidade nas decisões, e de que o preservativo torna certa uma decisão que é irremediavelmente errada. A moralidade está nos actos humanos, e não nos objectos ou artifícios que usamos para tentar minimizar as más consequências de más decisões.

«Mas eu já tinha escrito: «O único exemplo que considero racional é a decisão de quem sabe ser soropositivo e decidir abster-se do sexo.» Ou seja, concordei antecipadamente que podes.»

Então não percebo porquê, ao mesmo tempo, aprovar o uso do preservativo quando a decisão tomada é a má decisão.

Quem aprova o preservativo, aprova a decisão de ter sexo de risco. E é isso que eu acho irracional!

«O mais sensato é afastar-nos completamente dos soropositivos.»

Quem falou em afastamento?
Por acaso a única forma de manifestar afecto por alguém é pela via sexual? Que visão redutora dos afectos...

«Tens razão, eu, o opinador de praxe, não pensei no assunto.»

Não me referi directamente ao Pedro como opinador da praxe. Fiz um alerta genérico contra os opinadores da praxe. No entanto, quando o Pedro faz certas observações referentes a erros de Papas, sobretudo em matéria tão certa e segura como esta, matéria da qual a Igreja não se tem desviado NUNCA, e o Pedro fala nesta posição de Bento XVI como se fossem equívocos de um Papa. Ao fazer isso, dá claros sinais de que não conhece a Igreja Católica, não está por dentro da dogmática moral católica, e por isso, está claramente em terreno falso.

Não lhe peço que concorde comigo ou que se torne católico. Isso era óptimo, por sinal, mas não espero tanto. Espero, isso sim, que alguém que critica a postura de um Papa saiba o que está por detrás dessa postura, até para não fazer a figura de quem fala do que não conhece.

Cumprimentos,

Bernardo

PS: O facto de vários católicos, alguns mesmo figuras da hierarquia da Igreja (padres e bispos) dizerem disparates acerca da doutrina da sua própria Igreja é um fenómeno triste, mas não deveria iludir ninguém. Procure mesmo averiguar se esses dissidentes estão a ser fiéis à doutrina que professam, quando criticam essa mesma doutrina. O mundo está cheio de incoerentes, mas não devem ser eles a referência em matéria de ideias coerentes, quando eles mesmos são incoerentes.