Recentemente, foi noticiado que aproximadamente 75% dos profissionais a trabalhar no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, irão inscrever-se como objectores de consciência, recusando praticar o aborto a pedido.
Faz todo o sentido.
São pessoas com formação superior na área de Medicina, pessoas cientificamente elucidadas acerca do significado científico e ético de abortar: é perfeitamente normal que a esmagadora maioria dos profissionais desta instituição se recusem a matar seres humanos a pedido.
Seria desejável que os mesmos conhecimentos (se não científicos, pelo menos éticos) tivessem estado disponíveis à populaça ignorante que votou no passado referendo, evitando-se assim o resultado intelectualmente (e eticamente) desastroso.
Mas parece-me interessante notar aqui um paradoxo. Apesar de eu partilhar da ideia de que o ser humano tem uma tendência inata para o mal e para a asneira, a verdade é que o fenómeno homicida é minoritário na nossa espécie. Não é normal a tendência homicida, e quando ela se manifesta, é sempre em poucos elementos da nossa espécie.
A percentagem elevada de objectores de consciência denota uma tendência inata que temos para a protecção dos nossos, para a recusa terminante em dar a morte a um ser da nossa espécie. Contudo, uns bons 25% de médicos não têm quaisquer reservas éticas: atropelando o Juramento de Hipócrates, que hipocritamente proclamaram a viva voz no dia da sua graduação (talvez apenas para satisfazer o folcore ou "espírito de grupo"), irão sem quaisquer problemas executar diligentemente os abortos que lhes forem pedidos.
O Milfepristone já vem a caminho, juntamente com as belas máquinas de aspirar. O primeiro mata o embrião, fazendo com que este seja expelido para fora do útero. O segundo é mais intuitivo: trata-se de uma potente máquina de sucção, que arranca o embrião das vísceras maternas. Uma beleza, a técnica...
Os nossos governantes congratulam-se com a "limpeza" das modernas técnicas abortivas: de tal forma que não se preocupam minimamente com os objectores! Porque bastará um "médico" abortadeiro determinado para, munido destas belas ferramentas, "despachar" dezenas de embriões por dia. Note-se o fascínio triturador destes políticos modernos pelas comodidades da técnica, como eles são subjugados pelo poder esmagador do número e da máquina: um só abortador vale por centenas de objectores de consciência!
Mas ponho-me a pensar... Se não é frequente que nasçam homicidas, como justificar a elevada percentagem (ainda assim, 25%!) de médicos sem ética, que incluem o verbo "matar" no seu léxico profissional? Sou da opinião de que grassa, entre eles, um erro intelectual que pode explicar este fenómeno sem igual.
É, aliás, o mesmo fenómeno que explica a vitória do "sim" ao aborto livre. As pessoas não vêem problema ético na coisa. As pessoas não vêem o aborto como matar. Contudo, os mais acérrimos defensores da eticidade do aborto sabem que se mata alguma coisa. Por isso, ainda há aquelas mentes esclarecidas que sabem que se mata com o aborto, mas segundo eles, mata-se uma "coisa" não humana.
De novo, miopia intelectual. Já são aos milhares, aqueles que dizem que só nos tornamos humanos com o desenvolvimento cerebral. Não têm dúvidas de que, mesmo num adulto sem um rim, se está perante um ser humano. Não têm dúvidas de que, mesmo numa criança cujo coração foi transplantado, se está perante um ser humano (mesmo naquela fase da operação na qual o peito da criança está sem esse órgão). Contudo, para eles, o cérebro é o órgão decisivo: aquela peça de tecido esponjoso do "tudo ou nada". Tens, és humano. Não tens, és lixo orgânico.
Somos humanos desde a fertilização. A partir desse instante, não ganhamos nada de geneticamente relevante. Se não somos humanos enquanto ovo, como nos poderíamos tornar num?
O aborto, como fenómeno sociológico, permanece para mim injustificável, inexplicável. Como pudemos descer tão baixo?
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