Anda tudo eufórico com as descobertas da Synthetic Genomics, de Craig Venter. Uns andam justamente eufóricos, pois trata-se de um avanço científico digno de comemoração. Outros andam felizes da vida, convencidos de que Craig Venter acabou de destruir a tese cristã de Deus Criador.
Como é sabido, Craig Venter não criou vida artificial. Ele substituiu o ADN natural de um micro-organismo (a levedura) por ADN sintético. E a nova célula, assim modificada, reproduziu-se como qualquer célula natural. O entusiasmo da equipa de Venter tem que se lhe diga: ao final de algumas gerações do processo reprodutivo deste micro-organismo em ambiente adequado, já não resta material da célula natural original. Por isso, um observador mais distraído, e menos treinado filosoficamente, poderia achar que se tinha criado vida artificial. Mas em bom rigor, Venter e a sua equipa transformaram uma forma de vida natural numa nova forma de vida com ADN artificial (sintetizado). Não partiram do zero. Nem de matéria inanimada. E o resultado final não é matéria inanimada: é vida.
Qualquer estudante de teologia cristã sabe que o conceito cristão de Criação, acto atribuído a Deus, corresponde a fazer surgir algo do nada ("ex nihilo"). Deste modo, é absurdo pretender que esta descoberta da equipa de Craig Venter belisca, sequer ao de leve, a noção cristã de Criação. Mesmo que tivesse sido criada vida artificial a partir de matéria inanimada (o que não é o caso), mesmo assim, não se poderia falar em criação "ex nihilo". O cristão, sobretudo o católico, não tem quaisquer problemas doutrinais ou filosóficos com esta descoberta, ou mesmo com uma possível descoberta futura de um processo para criar vida a partir de matéria inanimada.
Por outro lado, a legítima alegria por esta descoberta científica notável deve ser temperada com o bom senso e com a prudência. Um dos mais bem informados e esclarecidos testemunhos acerca dos prós e dos contras desta descoberta provém de Gregory E. Kaebnick, investigador do The Hastings Center (ver notícia aqui):
Written testimony of Gregory E. Kaebnick to the House Committee on Energy and Commerce
Deve-se ler este depoimento com atenção. Kaebnick tem toda a razão no que diz. A linha de investigação aberta por Venter e equipa não deve ser restringida pelo Governo norte-americano. Não coloca problemas éticos imediatos. No entanto, como Kaebnick avisa, de forma lúcida, há perigos e riscos bem reais nos horizontes de aplicação desta tecnologia, assim como há potenciais ganhos para a ecologia e para a medicina. A solução passa por permitir a investigação científica, mas ao mesmo tempo, sujeitá-la a rigorosos controlos e auditorias e a um amplo debate científico, ético e político.
"Mas, no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça" - Primeira Carta de São Pedro, cap. 3, vs. 15.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
terça-feira, 25 de maio de 2010
Quando é que eles vão entender?
Na sequência da leitura de um arraial de disparates do Nuno Ramos Almeida... é caso para perguntar:
Quando é que eles vão entender?
Quando é que eles vão entender?
- Que discriminar é distinguir o que é diferente, e que se o casamento é (e sempre foi, e será) a união entre um homem e uma mulher, então o casamento será sempre diferente dos actos sexuais homossexuais, e haverá sempre que discriminar entre casamento e "união homossexual"
- Que discriminar não implica tratar mal, bater, prender, ou roubar queles que praticam actos homossexuais, e que é falacioso pretender que a justa discriminação implique discriminações injustas
- Que uma coisa é discordar do pretenso "casamento homossexual" (uma aberração), e outra coisa é concordar com a discriminação laboral de um homossexual por este ser homossexual (outra aberração), ou outras discriminações injustas
- Que o direito a constituir casamento está vinculado às condições necessárias para que haja casamento, e que, por exemplo, um pai não pode casar com uma filha, nem um homem pode casar com duas mulheres, e que estes factos óbvios não constituem uma violação de pretensos direitos dos incestuosos ou dos polígamos
- Que o casamento não é "o macaquear de uma moral e de um quadro familiar clonado do pensamento e dos horizontes mais pequeno-burgueses que se conhecem", mas sim o facto elementar da reprodução da nossa espécie e a estrutura basilar da sociedade humana
- Que a sociedade não pode ser vítima destas novas experiências de engenharia social, perpetradas por políticos incompetentes e "opinion-makers" filosoficamente analfabetos, secundados por uma gigantesca máquina de propaganda ideológica que tomou os "media" de assalto
- Que a esmagadora maioria dos homossexuais nunca que quiseram casar, nem se querem casar, e que a máquina de propaganda LGBT apenas visa a erosão dos valores e a engenharia social, e que age muitas vezes à revelia da própria maioria dos homossexuais
- Que as crianças não são mercadoria para ser manuseada, e que toda a criança tem o direito a ter uma mãe e um pai, e a nascer da união sexual entre uma mãe e um pai
- Que nenhuma pessoa tem direito a ter filhos, mas pelo contrário, são os filhos que têm direito a ter pais
- E finalmente, que um filho ou filha é uma pessoa, um ser humano, e como tal não pode constituir uma propriedade que seja direito de outra pessoa
Caminhamos para a aberração total. Inseminação artificial, barrigas de aluguer, homossexuais a usar a engenharia e a tecnologia para "comprar" seres humanos (cujos direitos fundamentais são pisados e desprezados). Selecção das "melhores" doadoras de óvulos, consoante a "qualidade" do seu património genético? Triagem (destruição) dos embriões de menor "qualidade"? Exposição de uma criança a uma infância e adolescência enquadrada no LGBT "lifestyle"? É este o admirável mundo novo? Devemos todos desligar os cérebros e ir atrás da propaganda LGBT defendida como moderna por esta gente?
É um quadro bizarro: mudar toda a estrutura da sociedade, substituir valores universais, de sempre, por uma nova ideologia que redesenha o ser humano segundo os caprichos de uma ideologia insana, que nem sequer julga que tem a obrigação de apresentar argumentos racionais em sua defesa?
E chamam a isto direitos humanos?
E é suposto concordarmos, mesmo quando não nos apresentam argumentos?
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Igreja Católica e Maçonaria
Ainda é frequente encontrar-se a opinião de que se pode ser católico e maçon em simultâneo. Muitas vezes esta opinião é emitida por maçons que procuram evidenciar a atitude inclusiva e aberta da Maçonaria, ou por católicos que frequentam as lojas maçónicas.
Os maçons mais bem informados sabem que a incompatibilidade se mantém em vigor, e está em vigor praticamente desde os primórdios da Maçonaria moderna, que surge em 1717. A primeira condenação papal surge em 1738, e desde então a posição da Santa Sé não mudou, pois a natureza da Maçonaria também não mudou. Porém, alguns maçons não tão bem informados continuam a afirmar que há compatibilidade, chegando mesmo alguns a afirmar que a Igreja teria mudado recentemente a sua posição, acabando com a condenação. Tal afirmação é falsa.
Para ilustrar a consistência das condenações da Igreja Católica à Maçonaria, independentemente da sua filiação ou ritual, acrescentei um curto artigo à secção "Artigos em PDF", ali do lado direito. Esse artigo elenca as condenações mais importantes, ordenadas por data.
Este artigo faz parte de um trabalho de fundo que está em preparação, trabalho esse dedicado às origens da Maçonaria e à apresentação e discussão dos seus mais importantes problemas filosóficos.
Para levantar um pouco o véu, pode-se desde já afirmar que, ao contrário do que se costuma dizer, a condenação da Igreja Católica não incide apenas sobre as organizações maçónicas que conspiram contra ela. É verdade que muitos maçons, hoje em dia, já não dedicam a sua actividade maçónica à conspiração contra a Igreja: se isto já é em parte verdade no que diz respeito a maçons de filiação irregular (da dita "Maçonaria Continental"), ainda é mais completamente no que diz respeito aos maçons de ritos regulares (da dita "Maçonaria Azul", "Inglesa", ou "Andersoniana", ou da dita "Maçonaria Escocesa"). No entanto, a incompatibilidade persiste, uma vez que é o próprio ideário filosófico da Maçonaria, intrinsecamente relativista e muitas vezes sincrético, e presente em todas as filiações maçónicas, que a torna incompatível com a doutrina católica.
Os maçons mais bem informados sabem que a incompatibilidade se mantém em vigor, e está em vigor praticamente desde os primórdios da Maçonaria moderna, que surge em 1717. A primeira condenação papal surge em 1738, e desde então a posição da Santa Sé não mudou, pois a natureza da Maçonaria também não mudou. Porém, alguns maçons não tão bem informados continuam a afirmar que há compatibilidade, chegando mesmo alguns a afirmar que a Igreja teria mudado recentemente a sua posição, acabando com a condenação. Tal afirmação é falsa.
Para ilustrar a consistência das condenações da Igreja Católica à Maçonaria, independentemente da sua filiação ou ritual, acrescentei um curto artigo à secção "Artigos em PDF", ali do lado direito. Esse artigo elenca as condenações mais importantes, ordenadas por data.
Este artigo faz parte de um trabalho de fundo que está em preparação, trabalho esse dedicado às origens da Maçonaria e à apresentação e discussão dos seus mais importantes problemas filosóficos.
Para levantar um pouco o véu, pode-se desde já afirmar que, ao contrário do que se costuma dizer, a condenação da Igreja Católica não incide apenas sobre as organizações maçónicas que conspiram contra ela. É verdade que muitos maçons, hoje em dia, já não dedicam a sua actividade maçónica à conspiração contra a Igreja: se isto já é em parte verdade no que diz respeito a maçons de filiação irregular (da dita "Maçonaria Continental"), ainda é mais completamente no que diz respeito aos maçons de ritos regulares (da dita "Maçonaria Azul", "Inglesa", ou "Andersoniana", ou da dita "Maçonaria Escocesa"). No entanto, a incompatibilidade persiste, uma vez que é o próprio ideário filosófico da Maçonaria, intrinsecamente relativista e muitas vezes sincrético, e presente em todas as filiações maçónicas, que a torna incompatível com a doutrina católica.
Frei Bento Domingues "versus" Concílio Vaticano II
Frei Bento Domingues, em defesa das suas ideias, invoca frequentemente o Concílio Vaticano II. Desse modo, ele procura alicerçar a sua teologia na teologia da Igreja, mormente na do Concílio.
Ora nem sempre a sua posição pessoal coincide com as decisões do próprio Concílio.
Primeiro, fala Frei Bento:
« Quem viveu de forma consciente a época anterior ao Concílio e a comparar com os gestos e os documentos do Vaticano II não pode deixar de se espantar com a revolução cultural que eles significam. (…) Depressa surgiu, neste clima, um documento fatal – a Humanae Vitae (1968) – acerca da concepção ética da vida sexual de solteiros e casados. (…) Volto, porém, ao primeiro ponto deste texto, à maior redescoberta da eclesiologia do Vaticano II: a hierarquia não é a Igreja. A hierarquia é um serviço indispensável à Igreja, na Igreja de todos.»
Agora, deixemos falar o Concílio:
« O ministério episcopal de ensinar
25. Entre os principais encargos dos Bispos ocupa lugar preeminente a pregação do Evangelho (75). Os Bispos são os arautos da fé que para Deus conduzem novos discípulos. Dotados da autoridade de Cristo, são doutores autênticos, que pregam ao povo a eles confiado a fé que se deve crer e aplicar na vida prática; ilustrando-a sob a luz do Espírito Santo e tirando do tesoiro da revelação coisas novas e antigas (cfr. Mt. 13,52), fazem-no frutificar e solicitamente afastam os erros que ameaçam o seu rebanho (cfr. 2 Tim. 4, 1-4). Ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica. E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com religioso acatamento. Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao magistério autêntico do Romano Pontífice, mesmo quando não fala ex cathedra; de maneira que o seu supremo magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam, segundo o seu sentir e vontade; estes manifestam-se sobretudo quer pela índole dos documentos, quer pelas frequentes repetições da mesma doutrina, quer pelo modo de falar. » - Constituição Dogmática Lumen Gentium
A contradição é evidente: quando Frei Bento chama “documento fatal” à encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI, ele está em contradição com o que a Constituição Dogmática “Lumen Gentium” afirma sobre o ministério episcopal de ensinar, em particular sobre a necessidade de prestar “sincera adesão aos ensinamentos” do ministério petrino.
De nada vale, como se constata lendo a “Lumen Gentium”, discutir se a “Humanae Vitae” é ou não doutrina infalível. Todo o católico digno desse nome deve aceitar todos os ensinamentos doutrinais e morais do magistério petrino, sejam eles formalmente declarados infalíveis ou não, e só poderá dissentir do Santo Padre em questões que não tenham a ver com a doutrina ou com a moral. Ora, claramente, a sexualidade humana cai na esfera da moral, e portanto na esfera do ensinamento petrino. A “Humanae Vitae” deve ser aceite por todos os católicos.
Frei Bento deve aceitar a “Humanae Vitae”. Logo, não pode apelidá-la de “documento fatal”. E não se argumente que os ensinamentos vertidos na “Humanae Vitae” ainda estão em aberto para discussão teológica: não estão. O Santo Padre, Papa Pio XII, foi bastante claro nessa matéria, no ponto 20 da sua encíclica Humani Generis:
«20. Nem se deve crer que os ensinamentos das encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu magistério. Entretanto, tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10,16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e inculcado nas encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da doutrina católica. E, se os romanos pontífices em suas constituições pronunciam de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo a intenção e vontade dos mesmos pontífices, essa questão já não pode ser tida como objeto de livre discussão entre os teólogos.»
Frei Bento, no mesmo artigo, tece esta crítica:
«Os grandes obstáculos vieram daqueles que se diziam a favor do Concílio e das suas reformas, mas para as contrariar.»
Parece-me que, na sua recusa de certos ensinamentos centrais do Vaticano II, e enquanto se diz a favor desse Concílio, Frei Bento está ele mesmo a constituir um obstáculo à prossecução dos objectivos do Vaticano II.
Ps: Uma extraordinária exposição do valor doutrinal da “Humanae Vitae”, do dominicano francês Gagnebet, publicada no Osservatore Romano a 12, 19 e 26 de Setembro de 1968: The Authority of the Encyclical Humanae Vitae
Ora nem sempre a sua posição pessoal coincide com as decisões do próprio Concílio.
Primeiro, fala Frei Bento:
« Quem viveu de forma consciente a época anterior ao Concílio e a comparar com os gestos e os documentos do Vaticano II não pode deixar de se espantar com a revolução cultural que eles significam. (…) Depressa surgiu, neste clima, um documento fatal – a Humanae Vitae (1968) – acerca da concepção ética da vida sexual de solteiros e casados. (…) Volto, porém, ao primeiro ponto deste texto, à maior redescoberta da eclesiologia do Vaticano II: a hierarquia não é a Igreja. A hierarquia é um serviço indispensável à Igreja, na Igreja de todos.»
Agora, deixemos falar o Concílio:
« O ministério episcopal de ensinar
25. Entre os principais encargos dos Bispos ocupa lugar preeminente a pregação do Evangelho (75). Os Bispos são os arautos da fé que para Deus conduzem novos discípulos. Dotados da autoridade de Cristo, são doutores autênticos, que pregam ao povo a eles confiado a fé que se deve crer e aplicar na vida prática; ilustrando-a sob a luz do Espírito Santo e tirando do tesoiro da revelação coisas novas e antigas (cfr. Mt. 13,52), fazem-no frutificar e solicitamente afastam os erros que ameaçam o seu rebanho (cfr. 2 Tim. 4, 1-4). Ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica. E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com religioso acatamento. Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao magistério autêntico do Romano Pontífice, mesmo quando não fala ex cathedra; de maneira que o seu supremo magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam, segundo o seu sentir e vontade; estes manifestam-se sobretudo quer pela índole dos documentos, quer pelas frequentes repetições da mesma doutrina, quer pelo modo de falar. » - Constituição Dogmática Lumen Gentium
A contradição é evidente: quando Frei Bento chama “documento fatal” à encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI, ele está em contradição com o que a Constituição Dogmática “Lumen Gentium” afirma sobre o ministério episcopal de ensinar, em particular sobre a necessidade de prestar “sincera adesão aos ensinamentos” do ministério petrino.
De nada vale, como se constata lendo a “Lumen Gentium”, discutir se a “Humanae Vitae” é ou não doutrina infalível. Todo o católico digno desse nome deve aceitar todos os ensinamentos doutrinais e morais do magistério petrino, sejam eles formalmente declarados infalíveis ou não, e só poderá dissentir do Santo Padre em questões que não tenham a ver com a doutrina ou com a moral. Ora, claramente, a sexualidade humana cai na esfera da moral, e portanto na esfera do ensinamento petrino. A “Humanae Vitae” deve ser aceite por todos os católicos.
Frei Bento deve aceitar a “Humanae Vitae”. Logo, não pode apelidá-la de “documento fatal”. E não se argumente que os ensinamentos vertidos na “Humanae Vitae” ainda estão em aberto para discussão teológica: não estão. O Santo Padre, Papa Pio XII, foi bastante claro nessa matéria, no ponto 20 da sua encíclica Humani Generis:
«20. Nem se deve crer que os ensinamentos das encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu magistério. Entretanto, tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10,16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e inculcado nas encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da doutrina católica. E, se os romanos pontífices em suas constituições pronunciam de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo a intenção e vontade dos mesmos pontífices, essa questão já não pode ser tida como objeto de livre discussão entre os teólogos.»
Frei Bento, no mesmo artigo, tece esta crítica:
«Os grandes obstáculos vieram daqueles que se diziam a favor do Concílio e das suas reformas, mas para as contrariar.»
Parece-me que, na sua recusa de certos ensinamentos centrais do Vaticano II, e enquanto se diz a favor desse Concílio, Frei Bento está ele mesmo a constituir um obstáculo à prossecução dos objectivos do Vaticano II.
Ps: Uma extraordinária exposição do valor doutrinal da “Humanae Vitae”, do dominicano francês Gagnebet, publicada no Osservatore Romano a 12, 19 e 26 de Setembro de 1968: The Authority of the Encyclical Humanae Vitae
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Um artigo fatal?
Escreve Frei Bento Domingues,
«Depressa surgiu, neste clima, um documento fatal – a Humanae Vitae (1968) – acerca da concepção ética da vida sexual de solteiros e casados. Teve grande influência no aumento dos chamados “católicos não praticantes”.»
Ele já o escreveu várias vezes, e sempre que pode, Frei Bento Domgingues repete-o: a encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI, é "um documento fatal".
Frei Bento Domingues intitula a "Humanae Vitae" de "documento fatal". Mas mais uma vez, não diz porquê. Ora o texto pode ser lido no "site" da Santa Sé, e teria sido fácil a Frei Bento dizer exactamente o que é que é "fatal" nessa essencial encíclica de Paulo VI.
Dizer várias vezes, como Frei Bento tem feito, que o documento em questão é "fatal", mas sem explicar porquê, é bem mais grave do que uma desobediência ao Magistério. É acusar sem explicar. E, já agora, porque é que Frei Bento não escreveu "encíclica fatal", e preferiu a expressão "documento fatal"?
Frei Bento escreve ainda:
«A “papolatria” é uma doença que faz mal ao Papa, aos Bispos, aos Padres e, sobretudo, ao povo cristão.»
Onde está a falácia? Parece-me claro: Frei Bento critica a "papolatria" sugerindo a desobediência ao Papa. Frei Bento pede que abandonemos um excesso para nos lançarmos noutro. Frei Bento, falaciosamente, não concebe um católico que respeite o Papa como autoridade magisterial, sem no entanto defender que se preste culto ("latria") ao Santo Padre.
Não poderá Frei Bento elucidar-nos, a nós que seguimos fielmente o Magistério, com um resumo objectivo dos pontos que considera "fatais" nessa encíclica de Paulo VI?
Se ele não fizer isso, a sua crítica é superficial e injusta. A função de um teólogo católico é a explicação racional da verdade da doutrina católica, entendida como um serviço a Deus e à Verdade que é Deus. Se já é grave um teólogo defender a rejeição de um ensinamento de um papa, neste caso Paulo VI, é ainda mais grave fazê-lo sem apresentar uma explicação racional.
Bem dizia o Santo Padre da homilia no Terreiro do Paço:
«Sabemos que não lhe faltam filhos insubmissos e até rebeldes, mas é nos Santos que a Igreja reconhece os seus traços característicos e, precisamente neles, saboreia a sua alegria mais profunda.»
Ouçamos o Santo Padre e os Santos, e sigamos o seu exemplo.
«Depressa surgiu, neste clima, um documento fatal – a Humanae Vitae (1968) – acerca da concepção ética da vida sexual de solteiros e casados. Teve grande influência no aumento dos chamados “católicos não praticantes”.»
Ele já o escreveu várias vezes, e sempre que pode, Frei Bento Domgingues repete-o: a encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI, é "um documento fatal".
Frei Bento Domingues intitula a "Humanae Vitae" de "documento fatal". Mas mais uma vez, não diz porquê. Ora o texto pode ser lido no "site" da Santa Sé, e teria sido fácil a Frei Bento dizer exactamente o que é que é "fatal" nessa essencial encíclica de Paulo VI.
Dizer várias vezes, como Frei Bento tem feito, que o documento em questão é "fatal", mas sem explicar porquê, é bem mais grave do que uma desobediência ao Magistério. É acusar sem explicar. E, já agora, porque é que Frei Bento não escreveu "encíclica fatal", e preferiu a expressão "documento fatal"?
Frei Bento escreve ainda:
«A “papolatria” é uma doença que faz mal ao Papa, aos Bispos, aos Padres e, sobretudo, ao povo cristão.»
Onde está a falácia? Parece-me claro: Frei Bento critica a "papolatria" sugerindo a desobediência ao Papa. Frei Bento pede que abandonemos um excesso para nos lançarmos noutro. Frei Bento, falaciosamente, não concebe um católico que respeite o Papa como autoridade magisterial, sem no entanto defender que se preste culto ("latria") ao Santo Padre.
Não poderá Frei Bento elucidar-nos, a nós que seguimos fielmente o Magistério, com um resumo objectivo dos pontos que considera "fatais" nessa encíclica de Paulo VI?
Se ele não fizer isso, a sua crítica é superficial e injusta. A função de um teólogo católico é a explicação racional da verdade da doutrina católica, entendida como um serviço a Deus e à Verdade que é Deus. Se já é grave um teólogo defender a rejeição de um ensinamento de um papa, neste caso Paulo VI, é ainda mais grave fazê-lo sem apresentar uma explicação racional.
Bem dizia o Santo Padre da homilia no Terreiro do Paço:
«Sabemos que não lhe faltam filhos insubmissos e até rebeldes, mas é nos Santos que a Igreja reconhece os seus traços característicos e, precisamente neles, saboreia a sua alegria mais profunda.»
Ouçamos o Santo Padre e os Santos, e sigamos o seu exemplo.
terça-feira, 18 de maio de 2010
Sacerdote morre ao tentar salvar jovens de afogamento
Uma história impressionante, de um sacerdote católico indiano cujo nome evidencia ser descendente de portugueses.
GOA, segunda-feira, 17 de maio de 2010 (ZENIT.org). - Um sacerdote morreu na praia de Galgibaga, Índia, tentando salvar três jovens do afogamento, na semana passada.
O Pe. Thomas Remedios Fernandes, de 37 anos, vigário da paróquia de Jesus, Maria e José, estava com um grupo da paróquia que comemorava um dia de convivência na praia, segundo informou a agência Cathnewsindia. Não hesitou em lançar-se ao mar revolto para socorrer três jovens que gritavam por socorro.
O presbítero conseguiu salvar os três - uma jovem e dois rapazes de idades entre 17 e 19 anos -, mas enquanto salvava o terceiro, sofreu um ataque cardíaco e não resistiu.
O ato comoveu as mais de 60 pessoas que testemunhavam o resgate.
O sacerdote recebeu assistência no local e foi levado ao hospital, onde os médicos constataram sua morte. Os três jovens resgatados receberam os primeiros-socorros e passam bem.
Na comunidade católica de Goa vive-se a perda do sacerdote com dor, mas também com admiração e esperança.
"Foi um pastor que deu a vida por suas ovelhas - comenta-se. Neste Ano Sacerdotal, é um exemplo e testemunho para todos os sacerdotes."
GOA, segunda-feira, 17 de maio de 2010 (ZENIT.org). - Um sacerdote morreu na praia de Galgibaga, Índia, tentando salvar três jovens do afogamento, na semana passada.
O Pe. Thomas Remedios Fernandes, de 37 anos, vigário da paróquia de Jesus, Maria e José, estava com um grupo da paróquia que comemorava um dia de convivência na praia, segundo informou a agência Cathnewsindia. Não hesitou em lançar-se ao mar revolto para socorrer três jovens que gritavam por socorro.
O presbítero conseguiu salvar os três - uma jovem e dois rapazes de idades entre 17 e 19 anos -, mas enquanto salvava o terceiro, sofreu um ataque cardíaco e não resistiu.
O ato comoveu as mais de 60 pessoas que testemunhavam o resgate.
O sacerdote recebeu assistência no local e foi levado ao hospital, onde os médicos constataram sua morte. Os três jovens resgatados receberam os primeiros-socorros e passam bem.
Na comunidade católica de Goa vive-se a perda do sacerdote com dor, mas também com admiração e esperança.
"Foi um pastor que deu a vida por suas ovelhas - comenta-se. Neste Ano Sacerdotal, é um exemplo e testemunho para todos os sacerdotes."
Há momentos...
"Há momentos na vida de um país em que a ética da responsabilidade tem de ser colocada acima das convicções pessoais de cada um"
Foi com esta frase triste e profundamente errada que o Senhor Presidente Aníbal Cavaco Silva, dando a sua assinatura a mais uma lei imoral, entra para a história de Portugal como o Presidente da República que mais cooperou com o mal. Sabendo-se que ele é católico, tal situação é trágica. Primeiro, Cavaco pactuou com o mal do aborto, infanticídio tornado direito subsidiado pelo Estado, e que ele ratificou com a sua assinatura. Depois, com a famigerada lei do "divórcio na hora", que institucionalizou a irresponsabilidade e a fragilidade social, Cavaco pactuou com a injusta lei que já tem lançado na miséria e na precariedade várias pessoas. Agora, Cavaco dá o golpe final no conceito de casamento civil, insultando todos os casais dignos desse nome, ao institucionalizar a imoralidade e a perversidade da homossexualidade, chamando-a de "casamento".
Nestes minutos, todos aqueles católicos que votaram Cavaco devem estar a sentir-se muito estúpidos. Eu sou um desses estúpidos, que um dia achou, ingenuamente, que votar num político católico implicaria que tal político, uma vez eleito, se pautaria por princípios e valores católicos. Fui enganado por Cavaco Silva. E como eu, foram enganados todos os católicos que votaram nele. Não volto a cair noutra...
Este tipo de político incoerente e pactuante com o mal «um dia, brevemente, terá de responder diante do Supremo Juiz, prestando rigorosas contas dos imensos crimes por que foi responsável», como justamente escreveu o Padre Nuno Serras Pereira.
Foi com esta frase triste e profundamente errada que o Senhor Presidente Aníbal Cavaco Silva, dando a sua assinatura a mais uma lei imoral, entra para a história de Portugal como o Presidente da República que mais cooperou com o mal. Sabendo-se que ele é católico, tal situação é trágica. Primeiro, Cavaco pactuou com o mal do aborto, infanticídio tornado direito subsidiado pelo Estado, e que ele ratificou com a sua assinatura. Depois, com a famigerada lei do "divórcio na hora", que institucionalizou a irresponsabilidade e a fragilidade social, Cavaco pactuou com a injusta lei que já tem lançado na miséria e na precariedade várias pessoas. Agora, Cavaco dá o golpe final no conceito de casamento civil, insultando todos os casais dignos desse nome, ao institucionalizar a imoralidade e a perversidade da homossexualidade, chamando-a de "casamento".
Nestes minutos, todos aqueles católicos que votaram Cavaco devem estar a sentir-se muito estúpidos. Eu sou um desses estúpidos, que um dia achou, ingenuamente, que votar num político católico implicaria que tal político, uma vez eleito, se pautaria por princípios e valores católicos. Fui enganado por Cavaco Silva. E como eu, foram enganados todos os católicos que votaram nele. Não volto a cair noutra...
Este tipo de político incoerente e pactuante com o mal «um dia, brevemente, terá de responder diante do Supremo Juiz, prestando rigorosas contas dos imensos crimes por que foi responsável», como justamente escreveu o Padre Nuno Serras Pereira.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
O Papa em Fátima
Ontem, em Fátima, por volta das 9h41. Esta era a vista da multidão para quem olhava na direcção da Igreja da Santíssima Trindade. O que mais impressionou? Que era uma multidão verdadeiramente internacional. Do ponto de vista de um lisboeta que fez cento e poucos quilómetros para ir a Fátima, impressionou-me fortemente o gesto de tantos que viajaram milhares de quilómetros para estar ali, no 13 de Maio. Também de referir a forte presença dos nossos irmãos do Caminho Neocatecumenal. Eram às centenas, oriundos de Portugal, Espanha, França, Estados Unidos, Alemanha, etc., e destacavam-se pelas suas enormes faixas e pelos cânticos incessantes. Um bem-haja para eles!
O tempo ajudou. Uma curta chuva antes de a missa começar, e foi tudo! Todos receávamos que se abatesse um temporal durante a santa missa. Nada disso: o sol brilhou quase sempre!
O que fica?
Uma intensa admiração pela inteligência espiritual dos beatos Jacinta e Francisco, admiração que saiu reforçada pelas palavras do Santo Padre:
"Prova disto mesmo é este lugar bendito. Mais sete anos e voltareis aqui para celebrar o centenário da primeira visita feita pela Senhora «vinda do Céu», como Mestra que introduz os pequenos videntes no conhecimento íntimo do Amor Trinitário e os leva a saborear o próprio Deus como o mais belo da existência humana. Uma experiência de graça que os tornou enamorados de Deus em Jesus, a ponto da Jacinta exclamar: «Gosto tanto de dizer a Jesus que O amo. Quando Lho digo muitas vezes, parece que tenho um lume no peito, mas não me queimo». E o Francisco dizia: «Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus!» (Memórias da Irmã Lúcia, I, 40 e 127)."
quarta-feira, 12 de maio de 2010
O Papa no Centro Cultural de Belém
A péssima qualidade da fotografia não é só culpa do fotógrafo. Tirei-a com o meu telemóvel em difíceis condições de clandestinidade. Toda a gente tirou milhares de fotografias, com máquinas a sério e com os seus telemóveis. Mas eu estava muito perto de uma zelosa colaboradora da organização, e tive que ser discreto ao tirar esta fotografia.
Foi memorável.
D. Manuel Clemente falou muitíssimo bem. O que não tem apenas a ver com a forma (muito cuidada, como é seu hábito) do seu discurso. Quando digo que D. Manuel Clemente falou muitíssimo bem, digo-o porque ele proferiu verdades importantes.
Manoel de Oliveira surpreendeu-me. Talvez a surpresa tenha como principal razão o meu profundo desconhecimento do cineasta, e da sua vida e obra. Palavras comoventes e verdadeiras, que certamente tocaram Bento XVI.
Sobre o discurso do Papa escreverei mais tarde...
Terreiro do Paço - Nascente
Tentei chegar cedo ao Terreiro do Paço. Mas por volta das 15 horas, já só consegui ter esta vista. No sector Poente, mesmo de frente para o altar, havia uma área enorme que esteve vazia até perto das 17 horas. Por várias vezes pensei, e comigo pensaram os que estavam ao meu lado, que alguém teria que preencher aquele espaço fantástico. Vieram aos magotes, milhares de jovens vestidos de "t-shirt" azul, e encheram depressa uma área que parecia enorme.
O discurso de muitos inimigos do catolicismo está repleto de alusões depreciativas à terceira idade: que os crentes são quase sempre idosos (pretendendo-se com isso desprestigiar o catolicismo, sabe-se lá porquê: a presença da terceira idade, com a sua sabedoria de vida, tende pelo contrário a prestigiar). Perante uma imagem destas, que ilustra a dimensão da adesão da juventude ao Papa e à Igreja Católica, uma adesão espontânea e entusiasta, as críticas mudam de tom: a desculpa passa a ser a de que a juventude que lá esteve terá que ser ignorante, inculta e acrítica. Para algumas pessoas, tudo vale...
Mas, mais uma vez, uma imagem vale mais do que mil palavras mentirosas.
Terreiro do Paço - Poente
O Terreiro do Paço, nas horas que antecederam a primeira missa presidida pelo Santo Padre em Portugal. É nestes momentos, e com estas imagens, que se dissipam as palavras vãs dos que vaticinaram o fracasso do evento. Também se vê que, pese embora a realidade da propaganda mediática que alguns fazem contra a Igreja Católica, os "media" também mostram aqui a sua valência positiva: a transmissão televisiva não pôde ocultar que algo de especial se passou ontem no Terreiro do Paço ao final da tarde.
terça-feira, 11 de maio de 2010
Papa na Nunciatura
Quase ninguém leu isto, pois não?
No programa "Prós e Contras" terminado há poucas horas atrás, a apresentadora lançou a pergunta: "Qual é o legado que este Papa vai deixar?". Bom... Para além de se achar erradamente que Bento XVI já deu tudo o que tinha para dar, há que ver que ele já nos deixou toneladas de coisas boas.
Com o Papa Bento XVI quase a aterrar em Lisboa, achei que era interessante ir ao baú de Joseph Ratzinger buscar uma coisa boa, que está mesmo no topo, pois não é muito antiga. Trata-se do seu esplêndido discurso na Aula Magna da Universidade de Regensburgo, a 12 de Setembro de 2006.
Cada vez tenho menos dúvidas de que este discurso foi distorcido e manipulado precisamente porque era bom demais para ser conhecido no original. É que era um contributo importante e decisivo para a questão da fé racional e racionalmente consistente. A "catequese" novo-laicista pretende que a fé é uma coisa privada e supersticiosa, incompatível com a razão. Bento XVI estragou-lhes o arranjinho, pelo que as suas palavras teriam que ser mediaticamente distorcidas, para que quase ninguém as recebesse na forma original.
Então, pro memoria, e contra o esquecimento, e contra a distorção mediática, cá vai... Bento XVI no seu melhor!
No sétimo colóquio (διάλεξις – controvérsia) publicado pelo Prof. Khoury, o imperador aborda o tema da jihād, da guerra santa. O imperador sabia seguramente que, na sura 2, 256, lê-se: «Nenhuma coacção nas coisas de fé». Esta é provavelmente uma das suras do período inicial – segundo uma parte dos peritos – quando o próprio Maomé se encontrava ainda sem poder e ameaçado. Naturalmente, sobre a guerra santa, o imperador conhecia também as disposições que se foram desenvolvendo posteriormente e se fixaram no Alcorão. Sem se deter em pormenores como a diferença de tratamento entre os que possuem o «Livro» e os «incrédulos», ele, de modo surpreendentemente brusco – tão brusco que para nós é inaceitável –, dirige-se ao seu interlocutor simplesmente com a pergunta central sobre a relação entre religião e violência em geral, dizendo: «Mostra-me também o que trouxe de novo Maomé, e encontrarás apenas coisas más e desumanas tais como a sua norma de propagar, através da espada, a fé que pregava». O imperador, depois de se ter pronunciado de modo tão ríspido, passa a explicar minuciosamente os motivos pelos quais não é razoável a difusão da fé mediante a violência. Esta está em contraste com a natureza de Deus e a natureza da alma. Diz ele: «Deus não se compraz com o sangue; não agir segundo a razão – «σὺν λόγω» – é contrário à natureza de Deus. A fé é fruto da alma, não do corpo. Por conseguinte, quem desejar conduzir alguém à fé tem necessidade da capacidade de falar bem e de raciocinar correctamente, e não da violência nem da ameaça... Para convencer uma alma racional não é necessário dispor do próprio braço, nem de instrumentos para ferir ou de qualquer outro meio com que se possa ameaçar de morte uma pessoa...».
Nesta argumentação contra a conversão através da violência, a afirmação decisiva está aqui: não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus. E o editor, Theodore Khoury, comenta: para o imperador, como bizantino que cresceu na filosofia grega, esta afirmação é evidente; mas não o é para a doutrina muçulmana, porque Deus é absolutamente transcendente. A sua vontade não está vinculada a nenhuma das nossas categorias, incluindo a da razoabilidade. Neste contexto, Khoury cita uma obra do conhecido islamita francês R. Arnaldez, onde este assinala que Ibn Hazm chega a declarar que Deus nem sequer estaria vinculado à sua própria palavra e que nada O obrigaria a revelar-nos a verdade. Se fosse a sua vontade, o homem deveria inclusive praticar a idolatria.
Aqui gera-se um dilema, na compreensão de Deus e consequentemente na realização concreta da religião, que nos desafia hoje de maneira muito directa: a convicção de que o agir contra a razão estaria em contradição com a natureza de Deus, faz parte apenas do pensamento grego ou é válida sempre e por si mesma? Penso que, neste ponto, se manifesta a profunda concordância entre o que é grego na sua parte melhor e o que é a fé em Deus baseada na Bíblia. Modificando o primeiro versículo do livro do Génesis, o primeiro versículo de toda a Sagrada Escritura, João iniciou o prólogo do seu Evangelho com estas palavras: «No princípio era o λόγος». Ora, é precisamente esta a palavra que usa o imperador: Deus age «σὺν λόγω», com logos. Logos significa conjuntamente razão e palavra – uma razão que é criadora e capaz de se comunicar, mas precisamente enquanto razão. Com este termo, João ofereceu-nos a palavra conclusiva para o conceito bíblico de Deus, uma palavra na qual todos os caminhos, muitas vezes cansativos e sinuosos, da fé bíblica alcançam a sua meta, encontram a sua síntese. No princípio era o logos, e o logos é Deus: diz-nos o evangelista. Este encontro entre a mensagem bíblica e o pensamento grego não era simples coincidência. A visão de São Paulo – quando diante dele se estavam fechando os caminhos da Ásia e, em sonho, viu um macedónio que lhe suplicava: «Passa à Macedónia e vem ajudar-nos!» (cf. Act 16, 6-10) – esta visão pode ser interpretada como a «condensação» da necessidade intrínseca de aproximação entre a fé bíblica e a indagação grega.
Com o Papa Bento XVI quase a aterrar em Lisboa, achei que era interessante ir ao baú de Joseph Ratzinger buscar uma coisa boa, que está mesmo no topo, pois não é muito antiga. Trata-se do seu esplêndido discurso na Aula Magna da Universidade de Regensburgo, a 12 de Setembro de 2006.
Cada vez tenho menos dúvidas de que este discurso foi distorcido e manipulado precisamente porque era bom demais para ser conhecido no original. É que era um contributo importante e decisivo para a questão da fé racional e racionalmente consistente. A "catequese" novo-laicista pretende que a fé é uma coisa privada e supersticiosa, incompatível com a razão. Bento XVI estragou-lhes o arranjinho, pelo que as suas palavras teriam que ser mediaticamente distorcidas, para que quase ninguém as recebesse na forma original.
Então, pro memoria, e contra o esquecimento, e contra a distorção mediática, cá vai... Bento XVI no seu melhor!
No sétimo colóquio (διάλεξις – controvérsia) publicado pelo Prof. Khoury, o imperador aborda o tema da jihād, da guerra santa. O imperador sabia seguramente que, na sura 2, 256, lê-se: «Nenhuma coacção nas coisas de fé». Esta é provavelmente uma das suras do período inicial – segundo uma parte dos peritos – quando o próprio Maomé se encontrava ainda sem poder e ameaçado. Naturalmente, sobre a guerra santa, o imperador conhecia também as disposições que se foram desenvolvendo posteriormente e se fixaram no Alcorão. Sem se deter em pormenores como a diferença de tratamento entre os que possuem o «Livro» e os «incrédulos», ele, de modo surpreendentemente brusco – tão brusco que para nós é inaceitável –, dirige-se ao seu interlocutor simplesmente com a pergunta central sobre a relação entre religião e violência em geral, dizendo: «Mostra-me também o que trouxe de novo Maomé, e encontrarás apenas coisas más e desumanas tais como a sua norma de propagar, através da espada, a fé que pregava». O imperador, depois de se ter pronunciado de modo tão ríspido, passa a explicar minuciosamente os motivos pelos quais não é razoável a difusão da fé mediante a violência. Esta está em contraste com a natureza de Deus e a natureza da alma. Diz ele: «Deus não se compraz com o sangue; não agir segundo a razão – «σὺν λόγω» – é contrário à natureza de Deus. A fé é fruto da alma, não do corpo. Por conseguinte, quem desejar conduzir alguém à fé tem necessidade da capacidade de falar bem e de raciocinar correctamente, e não da violência nem da ameaça... Para convencer uma alma racional não é necessário dispor do próprio braço, nem de instrumentos para ferir ou de qualquer outro meio com que se possa ameaçar de morte uma pessoa...».
Nesta argumentação contra a conversão através da violência, a afirmação decisiva está aqui: não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus. E o editor, Theodore Khoury, comenta: para o imperador, como bizantino que cresceu na filosofia grega, esta afirmação é evidente; mas não o é para a doutrina muçulmana, porque Deus é absolutamente transcendente. A sua vontade não está vinculada a nenhuma das nossas categorias, incluindo a da razoabilidade. Neste contexto, Khoury cita uma obra do conhecido islamita francês R. Arnaldez, onde este assinala que Ibn Hazm chega a declarar que Deus nem sequer estaria vinculado à sua própria palavra e que nada O obrigaria a revelar-nos a verdade. Se fosse a sua vontade, o homem deveria inclusive praticar a idolatria.
Aqui gera-se um dilema, na compreensão de Deus e consequentemente na realização concreta da religião, que nos desafia hoje de maneira muito directa: a convicção de que o agir contra a razão estaria em contradição com a natureza de Deus, faz parte apenas do pensamento grego ou é válida sempre e por si mesma? Penso que, neste ponto, se manifesta a profunda concordância entre o que é grego na sua parte melhor e o que é a fé em Deus baseada na Bíblia. Modificando o primeiro versículo do livro do Génesis, o primeiro versículo de toda a Sagrada Escritura, João iniciou o prólogo do seu Evangelho com estas palavras: «No princípio era o λόγος». Ora, é precisamente esta a palavra que usa o imperador: Deus age «σὺν λόγω», com logos. Logos significa conjuntamente razão e palavra – uma razão que é criadora e capaz de se comunicar, mas precisamente enquanto razão. Com este termo, João ofereceu-nos a palavra conclusiva para o conceito bíblico de Deus, uma palavra na qual todos os caminhos, muitas vezes cansativos e sinuosos, da fé bíblica alcançam a sua meta, encontram a sua síntese. No princípio era o logos, e o logos é Deus: diz-nos o evangelista. Este encontro entre a mensagem bíblica e o pensamento grego não era simples coincidência. A visão de São Paulo – quando diante dele se estavam fechando os caminhos da Ásia e, em sonho, viu um macedónio que lhe suplicava: «Passa à Macedónia e vem ajudar-nos!» (cf. Act 16, 6-10) – esta visão pode ser interpretada como a «condensação» da necessidade intrínseca de aproximação entre a fé bíblica e a indagação grega.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Os anúncios da Adecco...
Nas últimas horas os ditos anúncios têm sido apagados de vários sites de emprego (basta abrir o Google e procurar por "Adecco Papa" e verificar que a maioria dos anúncios desapareceu), mas ainda se pode ver o anúncio em alguns deles. Por exemplo, às 18 horas de hoje, neste site e neste site, ainda se pode ler o seguinte:
«A Adecco, Líder Mundial de Recursos Humanos, no seguimento da sua política de desenvolvimento e expansão, pretende recrutar Apoiantes (M/F) ao Papa Bento XVI na sua missão a Lisboa no dia 11 de Maio de 2010:
Local: Praça do Comércio.
Horário de trabalho: Manhã e/ou tarde
Requisitos:
- Muito boa apresentação;
- Gosto pelo contacto com o público;
- Dinamismo e responsabilidade;
- Resistência Física.
Entregamos:
- 1 T-shirt alusiva ao evento (ficará para os participantes)
- 1 Bandeira ou 1 Faixa alusiva ao evento (a devolver a agência)
Se reúne os requisitos, envie já o seu Curriculum Vitae para: merchandising@adecco.com com a REF:APB.»
Mas o mais provável é que estes anúncios sejam em breve apagados, assim que as empresas responsáveis pelos respectivos sites se dêem conta e apaguem os ditos.
O que está a acontecer?
1) Se o anúncio é a sério, porque é que está a ser retirado dos vários sites de emprego? Já preencheram todas as vagas?
2) Alguém acredita que os organizadores da Visita do Papa recorreriam à medida desonesta, imoral e desesperada de pagar "apoiantes"?
3) Alguém acredita que são precisos mais "apoiantes" para encher as ruas, avenidas e praças de Lisboa, Fátima e Porto, que vão ser poucas e apertadas para acolher todos os católicos que irão ver o Papa?
Não é difícil entender para que é que serve um anúncio destes.
Serve, entre outros propósitos, para isto e para isto.
E, é claro, serve para lançar ainda mais alto o papagaio da "imoralidade" da Igreja Católica. «Que raio de gente, estes católicos, hã? Andam por aí, a aproveitar-se do desemprego para comprar "apoiantes"? Que vergonha...»
Mas não terá sido "atrevido" da parte dos autores do anúncio a expressão "Muito boa apresentação"? Alguém acredita que a religião do Cristo crucificado, a religião do Bom Samaritano, iria pedir "boa apresentação"? O anúncio já era arriscado (pretender que a Igreja Católica compraria "apoiantes"), mas não terá sido arriscado demais meter a frase da "muito boa apresentação", deixando assim a cauda de fora?
O que dirá este gente quando vir o banho de multidão?
Que a Adecco está a facturar em grande com a vinda do Papa?
«A Adecco, Líder Mundial de Recursos Humanos, no seguimento da sua política de desenvolvimento e expansão, pretende recrutar Apoiantes (M/F) ao Papa Bento XVI na sua missão a Lisboa no dia 11 de Maio de 2010:
Local: Praça do Comércio.
Horário de trabalho: Manhã e/ou tarde
Requisitos:
- Muito boa apresentação;
- Gosto pelo contacto com o público;
- Dinamismo e responsabilidade;
- Resistência Física.
Entregamos:
- 1 T-shirt alusiva ao evento (ficará para os participantes)
- 1 Bandeira ou 1 Faixa alusiva ao evento (a devolver a agência)
Se reúne os requisitos, envie já o seu Curriculum Vitae para: merchandising@adecco.com com a REF:APB.»
Mas o mais provável é que estes anúncios sejam em breve apagados, assim que as empresas responsáveis pelos respectivos sites se dêem conta e apaguem os ditos.
O que está a acontecer?
1) Se o anúncio é a sério, porque é que está a ser retirado dos vários sites de emprego? Já preencheram todas as vagas?
2) Alguém acredita que os organizadores da Visita do Papa recorreriam à medida desonesta, imoral e desesperada de pagar "apoiantes"?
3) Alguém acredita que são precisos mais "apoiantes" para encher as ruas, avenidas e praças de Lisboa, Fátima e Porto, que vão ser poucas e apertadas para acolher todos os católicos que irão ver o Papa?
Não é difícil entender para que é que serve um anúncio destes.
Serve, entre outros propósitos, para isto e para isto.
E, é claro, serve para lançar ainda mais alto o papagaio da "imoralidade" da Igreja Católica. «Que raio de gente, estes católicos, hã? Andam por aí, a aproveitar-se do desemprego para comprar "apoiantes"? Que vergonha...»
Mas não terá sido "atrevido" da parte dos autores do anúncio a expressão "Muito boa apresentação"? Alguém acredita que a religião do Cristo crucificado, a religião do Bom Samaritano, iria pedir "boa apresentação"? O anúncio já era arriscado (pretender que a Igreja Católica compraria "apoiantes"), mas não terá sido arriscado demais meter a frase da "muito boa apresentação", deixando assim a cauda de fora?
O que dirá este gente quando vir o banho de multidão?
Que a Adecco está a facturar em grande com a vinda do Papa?
Visita do Papa - agradece-se divulgação
Esclarecimento da Organização da Visita do Santo Padre a Portugal:
ESCLARECIMENTO
Na sequência de notícias dando conta de que estaria em curso uma acção de recrutamento de pessoas para participarem nas Missas presididas pelo Santo Padre, a Comissão Organizadora da Visita do Papa Bento XVI a Portugal informa que não recorreu a qualquer serviço de recrutamento para trabalho temporário relacionado com as cerimónias que vão ter lugar em Lisboa, Fátima e Porto.
Milhares de voluntários associaram-se a este momento sem receberem nada em troca.
É esse o espírito que torna esta Viagem um momento de alegria para muitos portugueses.
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