Frei Bento Domingues, em defesa das suas ideias, invoca frequentemente o Concílio Vaticano II. Desse modo, ele procura alicerçar a sua teologia na teologia da Igreja, mormente na do Concílio.
Ora nem sempre a sua posição pessoal coincide com as decisões do próprio Concílio.
Primeiro, fala Frei Bento:
« Quem viveu de forma consciente a época anterior ao Concílio e a comparar com os gestos e os documentos do Vaticano II não pode deixar de se espantar com a revolução cultural que eles significam. (…) Depressa surgiu, neste clima, um documento fatal – a Humanae Vitae (1968) – acerca da concepção ética da vida sexual de solteiros e casados. (…) Volto, porém, ao primeiro ponto deste texto, à maior redescoberta da eclesiologia do Vaticano II: a hierarquia não é a Igreja. A hierarquia é um serviço indispensável à Igreja, na Igreja de todos.»
Agora, deixemos falar o Concílio:
« O ministério episcopal de ensinar
25. Entre os principais encargos dos Bispos ocupa lugar preeminente a pregação do Evangelho (75). Os Bispos são os arautos da fé que para Deus conduzem novos discípulos. Dotados da autoridade de Cristo, são doutores autênticos, que pregam ao povo a eles confiado a fé que se deve crer e aplicar na vida prática; ilustrando-a sob a luz do Espírito Santo e tirando do tesoiro da revelação coisas novas e antigas (cfr. Mt. 13,52), fazem-no frutificar e solicitamente afastam os erros que ameaçam o seu rebanho (cfr. 2 Tim. 4, 1-4). Ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica. E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com religioso acatamento. Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao magistério autêntico do Romano Pontífice, mesmo quando não fala ex cathedra; de maneira que o seu supremo magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam, segundo o seu sentir e vontade; estes manifestam-se sobretudo quer pela índole dos documentos, quer pelas frequentes repetições da mesma doutrina, quer pelo modo de falar. » - Constituição Dogmática Lumen Gentium
A contradição é evidente: quando Frei Bento chama “documento fatal” à encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI, ele está em contradição com o que a Constituição Dogmática “Lumen Gentium” afirma sobre o ministério episcopal de ensinar, em particular sobre a necessidade de prestar “sincera adesão aos ensinamentos” do ministério petrino.
De nada vale, como se constata lendo a “Lumen Gentium”, discutir se a “Humanae Vitae” é ou não doutrina infalível. Todo o católico digno desse nome deve aceitar todos os ensinamentos doutrinais e morais do magistério petrino, sejam eles formalmente declarados infalíveis ou não, e só poderá dissentir do Santo Padre em questões que não tenham a ver com a doutrina ou com a moral. Ora, claramente, a sexualidade humana cai na esfera da moral, e portanto na esfera do ensinamento petrino. A “Humanae Vitae” deve ser aceite por todos os católicos.
Frei Bento deve aceitar a “Humanae Vitae”. Logo, não pode apelidá-la de “documento fatal”. E não se argumente que os ensinamentos vertidos na “Humanae Vitae” ainda estão em aberto para discussão teológica: não estão. O Santo Padre, Papa Pio XII, foi bastante claro nessa matéria, no ponto 20 da sua encíclica Humani Generis:
«20. Nem se deve crer que os ensinamentos das encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu magistério. Entretanto, tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10,16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e inculcado nas encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da doutrina católica. E, se os romanos pontífices em suas constituições pronunciam de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo a intenção e vontade dos mesmos pontífices, essa questão já não pode ser tida como objeto de livre discussão entre os teólogos.»
Frei Bento, no mesmo artigo, tece esta crítica:
«Os grandes obstáculos vieram daqueles que se diziam a favor do Concílio e das suas reformas, mas para as contrariar.»
Parece-me que, na sua recusa de certos ensinamentos centrais do Vaticano II, e enquanto se diz a favor desse Concílio, Frei Bento está ele mesmo a constituir um obstáculo à prossecução dos objectivos do Vaticano II.
Ps: Uma extraordinária exposição do valor doutrinal da “Humanae Vitae”, do dominicano francês Gagnebet, publicada no Osservatore Romano a 12, 19 e 26 de Setembro de 1968: The Authority of the Encyclical Humanae Vitae
11 comentários:
Olá Bernardo,
Encurtando o que tenho a dizer, sem comentar trechos: sim, tem razão. Penso que Frei Bento diria o mesmo. Mas ele não precisa de advogado de defesa, embora eu gostasse que ele fosse mais preciso e detalhado nos seus textos - em alguns deles pelo menos.
Sim, tem razão. Mas essa é uma visão parcial (um fideísmo disfarçado - cujo disfarce cai sempre que levamos a conversa mais longe). Há quem ensine sem ser bispo. E há também a consciência dos leigos. E... E... A linguagem dos documentos não é objectiva, como muitas vezes diz, mas deixa portas abertas - fale com um teólogo católico capaz de esmiuçar esses textos e as expressões nele usadas que lhe parecem transparentes. Os documentos da Igreja (e não só da Santa Sé) criam uma rede labiríntica de procura da verdade, dialogando uns com os outros. Na Igreja reconhecemos mais autoridade aos doutores e doutoras da Igreja do que aos bispos, reconhecemos mais a autoridade da voz dos Concílios (imagem da comunidade) do que a dos Papas.
Para meditar sobre estas questões pense em São Tomás de Aquino, condenado pela hierarquia, depois feito santo. Pense também na sua teologia negativa (e veja como está longe da sua certeza positiva da "verdade").
Um grande abraço
PS - Sabe o que mais me emocionou na visita apostólica de Bento XVI? Foi o modo como nos juntámos todos, sem mas nem meio mas, expressando a união da Igreja.
Sérgio,
Pedia que relesse de novo o meu texto. Depois de ter recebido um "mail" de um amigo meu, reconsiderei a linguagem que usei, e retoquei o texto. Não quero que a agressividade natural da minha escrita estrague o conteúdo. Se for ver agora, verá que o meu "post" está com uma linguagem totalmente diferente, mas mantendo a crítica.
«Encurtando o que tenho a dizer, sem comentar trechos: sim, tem razão.»
Eu não quero "ter razão". Eu quero a verdade, essa verdade que é Cristo, como todos devemos querer. No querer dessa verdade, devemos deixar de parte o que nos é cómodo, para aceitarmos as coisas incómodas que algumas verdades nos trazem.
O central da minha crítica ao Frei Bento é isto: Frei Bento propõe um caminho confortável, no qual "diálogo com o mundo" é entendido como negociação com o mundo, e cedência nos princípios. Frei Bento escreve o que escreve porque se indigna com o facto de que o Santo Padre (seja ele Paulo VI, João Paulo II ou Bento XVI, ou outros anteriores) não cede nos princípios.
Frei Bento tem razão ao temer que a posição da Santa Igreja, de não cedência nos princípios, vai irritar muitos fiéis, e afastar muitos potenciais fiéis.
Mas eu não posso concordar com Frei Bento: acaso pode-se ceder nos princípios? Como?
«Mas essa é uma visão parcial (um fideísmo disfarçado - cujo disfarce cai sempre que levamos a conversa mais longe).»
Não há sombra de heresia fideísta na minha posição. Detesto argumentos de autoridade suportados na irracionalidade (isso é que é fideísmo). E só aceito argumentos de autoridade suportados em argumentação racional, o que é o caso da Humanae Vitae, cujo conteúdo está exposto de forma racional, e não autoritária. Aliás, as críticas tantas e infames à Humanae Vitae são um insulto ao pobre Papa Paulo VI, que não merece que o tratemos assim, ele que nunca teve pinga de autoritarismo, e ficou tão magoado com a reacção à Humanae Vitae que nunca mais publicou encíclicas.
«A linguagem dos documentos não é objectiva, como muitas vezes diz, mas deixa portas abertas»
Oh Sérgio, é certo que são documentos complicados. Mas não me venha dizer que a linguagem é ambígua. E em caso de dúvidas, quem é o intérprete autorizado? Para qualquer católico coerente, o intérprete autorizado é o Santo Padre, ou então qualquer Bispo unido ao Santo Padre. Há outros intérpretes, como o Frei Bento, que farão interpretações pessoais.
Mas a Igreja nunca afirmou que os teólogos tinham algum tipo de magistério. Não têm. Eles devem elucidar, com o seu estudo racional e sistemático, o conteúdo da doutrina e da moral da Igreja.
«Os documentos da Igreja (e não só da Santa Sé) criam uma rede labiríntica de procura da verdade, dialogando uns com os outros.»
Mas pretende então dizer que as mensagens desses documentos são ambíguas?
Ainda não percebi o que quer o Sérgio. Quer que eu concorde com o Frei Bento? Eu não posso concordar com ele!
(continua)
(continuação)
«Na Igreja reconhecemos mais autoridade aos doutores e doutoras da Igreja do que aos bispos»
Desculpe: a Lumen Gentium explica bem. A autoridade está no Santo Padre e nos Bispos unidos a ele. Unidos a ele.
«reconhecemos mais a autoridade da voz dos Concílios (imagem da comunidade) do que a dos Papas.»
Mas o Papa não é a suprema imagem da comunidade, incarnando humanamente a unidade da Igreja?
O Concílio não está acima do Papa. O Concílio é uma ferramenta da qual o Papa se serve, no seu magistério petrino. Acho que o Sérgio tem uma visão democrática dos concílios, mas não é bem assim.
Nunca entendi que tantos católicos ainda não aceitem que Cristo quis dar as chaves a Pedro. Haverá ambiguidade no texto evangélico que faz de Pedro a pedra angular da Igreja?
«Para meditar sobre estas questões pense em São Tomás de Aquino, condenado pela hierarquia, depois feito santo.»
Má comparação.
É que São Tomás foi criticado injustamente. E que eu saiba, do magistério papal não saíram pronunciamentos a condenar São Tomás. Ou saíram?
«Pense também na sua teologia negativa (e veja como está longe da sua certeza positiva da "verdade").»
Sérgio: é manifestamente falso que a teologia negativa que refere implique abandonar a certeza positiva da verdade. O que você acabou de escrever vai contra todo o magistério dos séculos XIX e XX, nomeadamente o dos Papas Pio IX, Leão XIII, Pio X, Pio XI, Pio XII, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II, que nunca deixaram de pronunciar ensinamentos em defesa da certeza positiva da verdade integral da doutrina católica. Sim, verdade integral.
«PS - Sabe o que mais me emocionou na visita apostólica de Bento XVI? Foi o modo como nos juntámos todos, sem mas nem meio mas, expressando a união da Igreja.»
A mim também!
E é por isso que fico sinceramente entristecido com as traições de alguns católicos com papel proeminente na nossa sociedade, como Cavaco Silva e Frei Bento, que manifestamente têm uma atitude contrária ao que Bento XVI nos veio dizer. Se Bento XVI é o sinal da nossa unidade, e ela foi vivida e sentida por todos, então deveríamos respeitar o nosso Santo Padre.
Um grande abraço!
PS: A minha escrita é áspera, mas não condiz, no fundo, com o meu feitio. Mas não posso aceitar fazer concessões no que diz respeito aos princípios e à verdade. Sempre que lhe parecer que estou a ser insultuoso, é pela forma da escrita, e não pelo conteúdo. Procuro atacar ideias e não pessoas.
Olá Bernardo,
Parece-me que não sabe o estatuto dos doutores na Igreja. Os doutores como São Tomás de Aquino (que teve as suas escaramuças com o Papa, embora este não o tenha condenado, como o Bispo Etienne Tempier o fez) e Santa Teresa de Ávila moldam o entendimento das crenças da Igreja, desenvolvem-nas. Alguns Papas também o fizeram mas não é essa a sua competência: a sua competência é preservar a palavra (e para o fazerem recorrem muitas vezes à palavra dos doutores reconhecidos pela Igreja).
Os Concílios têm de facto uma autoridade doutrinal que supera a do Papa (como foi declarado no Concílio de Constança). Investigue isso mais a fundo. É claro que neste momento as regras são outras e as duas autoridades não são vistas como estando em "competição", como aconteceu nesse tempo.
O Papa une a comunidade em volta de si (é o símbolo de Pedro), mas como é óbvio não pode ser, em si, uma imagem da comunidade.
Não disse que a teologia negativa implique abandonar a certeza positiva da verdade. Isso seria absurdo. Mas é uma teologia que nos torna cautelosos acerca da declaração incessante de "verdades". É uma teologia que reafirma uma e outra vez o papel do mistério e da nossa incapacidade de entender, absolutamente.
Um grande abraço!
Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.» Mt 16, 17-19
Por acaso, ou talvez não, esta troca de opiniões aqui expressa fez-me ir à procura desta passagem bíblica.
Não sou um exegeta da Bíblia, não sou um teólogo, não sou sequer um licenciado, seja no que for e muito menos em assuntos bíblicos ou teológicos, mas sou um cristão, um católico, que quer viver empenhado, lendo a Palavra e vivendo-a, não a interpretando literalmente, mas deixando que o Espírito Santo me vá mostrando o que a Palavra quer dizer ao meu caminho para Deus e com Deus.
E hoje ao ler novamente esta passagem, “percebi” algo que nunca tinha “visto”, mesmo depois de tantas vezes já ter lido estes versículos.
É que esta passagem é a primeira vez que Pedro, que o Papa, é infalível em matéria de fé, em matéria doutrinal!
E porquê?
Porque «porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu»!!!
Por isso mesmo, digo eu, Jesus Cristo, o Senhor, lhe diz: «Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»
Não serão as Encíclicas parte destas «chaves do Reino»?
Não serão as Encíclicas uma ligação da terra para alcançar o Céu, pela graça de Deus, sempre?
Será que Frei Bento concordaria com Jesus Cristo ao dar este poder aos “Pedros” da Igreja?
Ou será que muitas vezes não está a “exigir” esse “poder” para ele?
Não estará Frei Bento um pouco como Tiago e João: «Eles disseram: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda.» Mc 10,37
Enfim, já sei que não faltarão imensas interpretações da Bíblia, teológicas e outras, dizendo que esta passagem não significa o que eu considero que significa, ao que eu humildemente, assim o consiga, respondo: se no meu coração alguma dessas respostas me mostrar o que ainda não vi, de imediato farei a minha contrição, mas se no meu coração apenas as sentir como coisas dos homens, fico-me por aquilo que por enquanto me diz o meu coração.
Um abraço amigo em Cristo
voce tem um problema com o frei bento, faça um frente a frente, ou convide-o para um almoço esclareça as duvidas pessoalmente, e arruma a questão.
ou ele não lhe liga a minima.
Há cerca de 20 a 30 mil denominações protestantes,cristãs não católicas, cobrindo quase todas as opções e gostos, em praticamente todas as vertentes doutrinais. A quem não se sente a gosto na Igreja Católica (católica implica aceitação do Magistério), não falta por onde escolher ... Não precisam de se "martirizar" numa Igreja tão "retrógrada". Isto é só para quem quer!
Sérgio,
«Os Concílios têm de facto uma autoridade doutrinal que supera a do Papa»
Essa heresia que acabou de enunciar tem um nome: conciliarismo, e foi precisamente condenada pelo Concílio ecuménico de Constança.
«(como foi declarado no Concílio de Constança)»
Sérgio: de que Concílio fala?
Tenho a certeza de que se refere ao concílio que principiou a 16 de Novembro de 1414, e que não foi considerado ecuménico pelo Papa.
No entanto, há outro concílio de Constância, frequentado, é certo, pelos Bispos do anterior, que foi convocado pelo Papa a 4 de Julho de 1415, e esse sim, foi declarado pelo Papa como ecuménico. Entre outras razões, a necessidade de o Papa convocar novo concílio prendeu-se com também com a heresia conciliarista do primeiro concílio.
A heresia conciliarista, presente na quinta sessão do primeiro concílio (não ecuménico) de Constância, já não está presente no verdadeiro Concílio ecuménico de Constância.
Já agora: o Sérgio não achou estranha a total contradição entre a heresia conciliarista que acabou de enunciar, e da qual partilha, e o que foi determinado pelo Concílio Vaticano I em matéria de infalibilidade papal?
O conciliarismo mina a infalibilidade papal. É doutrina herética. Em matéria de doutrina e moral, o Papa tem sempre a primazia sobre um Concílio, e um Concílio só é válido se ratificado por um Papa.
Abraço,
Bernardo
Olá Bernardo,
Não defendi o Conciliarismo, se pensado como reunião que exclui o Papa. Tomo a declaração do Concílio de Constança como sinal, cuja a validade é disputada como refere. Não se pode pensar no Concílio e no Papa como rivais, porque o Papa como Bispo de Roma faz parte do Concílio e ratifica-o. O Concílio tomado como Colégio de Bispos, reunido raras vezes, e em comunhão com o Papa, tem de facto primazia sobre o Papa agindo só. Como vem no Cap. III do "Lumen Gentium" e a "Nota praevia" deixa ainda mais explícito.
Abraço
Sérgio,
Desculpe-me a franqueza, mas devemos falar claro. Esta é uma questão importante. Entendo onde quer chegar: como Paulo VI não determinou a doutrina da Humanae Vitae em Concílio, é como se essa doutrina fosse menor, por não ser conciliar.
Isso é heresia. O Santo Padre é a fonte suprema de autoridade magisterial, e tem todo o poder. Mesmo que ele queira defender doutrina que seja rejeitada pelos Bispos em bloco. Os Bispos recebem a sua infalibilidade da sua união a Pedro, e enquanto permanecem unidos a Pedro.
Em relação ao Concílio, esta é uma ferramenta ao dispor do Papa para questões de maior amplitude. O Papa tem que convocar o concílio e ratificá-lo. O concílio não se auto-convoca nem se auto-ratifica.
Nota: eventualmente, como nos casos de sede vacante ou de cisma (como aconteceu com o Cisma do Ocidente), podem decorrer sessões de um concílio ecuménico válido mesmo com a sede de Pedro vaga (no caso de Constância, é o caso a partir de 14 de Julho de 1415, e até à eleição de Martinho V). Obviamente, isto não representa superioridade do concílio sobre o Papa, mas sim que o Concílio é a autoridade enquanto não há Papa (durante o período de sede vaga)!
«Não defendi o Conciliarismo, se pensado como reunião que exclui o Papa.»
Espere: mesmo que o Papa esteja presente no Concílio, você pode à mesma incorrer na heresia conciliarista. Desde que você pretenda que o poder do Papa com o Concílio é maior do que o poder do Papa sem o Concílio, já está a dar primazia magisterial ao concílio, e isso é a heresia conciliarista.
«Tomo a declaração do Concílio de Constança como sinal, cuja a validade é disputada como refere.»
Sérgio: sejamos claros e transparentes, e evitemos palavreado ambíguo: há duas fases conciliares em Constança, a saber:
1) A primeira, iniciada em 1414, consiste num concílio não ecuménico e não ratificado pelo Papa legalmente eleito (na altura havia três Papas: Roma, Avinhão e Pisa); é composto pelas primeiras 13 sessões
2) A segunda, iniciada com a 14ª sessão a 14 de Julho de 1415, define o inicio do concílio ecuménico, que viria a ser ratificado pelo Papa Martinho V uns anos mais tarde (essa ratificação já não inclui a heresia conciliarista)
Sejamos claros: se acha que estou em erro, mostre-o.
As minhas fontes:
Hefele, "Histoire des Conciles", Vol. VII, Tomo I, que corresponde ao Livro XLV, pp. 296-298.
A data de 4 de Julho de 1415 é crucial. Diz Hefele: "Une lettre du concile, datée du 4 julliet 1415, porta à la connaissance de la ville de Viterbe et sans doute de plusieurs autres villes l'abdication volontaire de Grégoire XII, ainsi que la déposition de Jean XXIII.": esta carta do Concílio marca o início do fim do Cisma do Ocidente. João XXIII é deposto, Gregório XII abdica, e resta ao Concílio eleger um novo Pontífice (viria a ser Martinho V).
O próprio texto da sessão 14 mostra que os membros do Concílio quiseram que ele fosse considerado válido a partir desta sessão, pois os seguidores de João XXIII e de Gregório XII encontram-se unidos a partir desta sessão. Note que ficam para trás as determinações conciliaristas (e heréticas) da 5ª sessão.
E sejamos ainda mais precisos: se o concílio já é ecuménico a partir da 14ª sessão, apenas nas sessões finais (41ª-45ª), em que Martinho V (eleito em conclave, durante o Concílio, a 11 de Novembro de 1417) e o Concílio agem de forma concertada, é que o Concílio atinge a sua plenitude magisterial. É Martinho V que dá essa força ao Concílio, e não ao contrário!!
(continua)
(continuação)
Sobre a heresia conciliarista definida na 5ª sessão, de 6 de Abril de 1415, veja-se Hefele, pp. 209-213. Diz Hefele:
"Ainsi le concile de Constance prononça solennellement la supériorité du concile oecuménique sur le pape, donnant naissance à une controverse qui, dogmatiquement résolue, sera sans doute longtemps encore discutée du point de vue historique. Les nécessités particulières du temps poussèrent à ce décret comme le seul moyen d'échapper à ce terrible désordre de trois prétendants se disputant la tiare"
Hefele é claro: a situação da 5ª sessão é auto-explicativa: a heresia conciliarista surgiu como uma forma de procurar resolver o Cisma do Ocidente, mas pelo facto de não existir sanção papal, essa heresia era auto-contraditória. Um concílio inválido, sem sanção papal, a decretar a sua superioridade sobre o Papa?
«Não se pode pensar no Concílio e no Papa como rivais, porque o Papa como Bispo de Roma faz parte do Concílio e ratifica-o.»
Nem eu disse tal coisa.
«O Concílio tomado como Colégio de Bispos, reunido raras vezes, e em comunhão com o Papa, tem de facto primazia sobre o Papa agindo só.»
Insisto: essa sua ideia de que "Concílio + Papa > Papa" (usando terminologia matemática) é herética.
«Como vem no Cap. III do "Lumen Gentium" e a "Nota praevia" deixa ainda mais explícito.»
Não vejo onde. Pode citar, por favor?
Abraço
Enviar um comentário