Mesmo comentadores ateus moderados e ponderados com o Ludwig caem, frequentemente, numa situação de falta de objectividade quando se trata de criticar a Igreja Católica.
Há um pressuposto, um "parti pris" anticatólico, que tolda a visão mesmo do ateu mais esclarecido e ponderado.
No seu blogue, o Ludwig criticou recentemente as palavras do Papa Bento XVI na sua visita ao Reino Unido. E é espantoso verificar como, num texto que o Ludwig intitulou de Treta da semana: papal disparatismo, o Ludwig se entala em várias tretas e disparates. Sem dúvida, todos não desejados. Não se trata de questionar a honestidade do Ludwig, mas sim a sua falta de objectividade quanto se trata de comentar este tipo de temas.
Vejamos disparate a disparate.
Ou se preferirmos, vejamos treta a treta...
1. Bento XVI teria classificado o nazismo de ateu
Este é, claramente, um problema de leitura. Ou se quisermos, de interpretação do texto lido. Diz o Ludwig:
«Criticando o que chama de “secularismo agressivo”, o Papa recordou aos britânicos a sua luta corajosa «contra uma tirania Nazi que queria erradicar Deus da sociedade»(3). Isto porque, de outra forma, os britânicos só se recordariam dos bombardeamentos e das invasões, esquecendo que o maior perigo da segunda grande guerra foi o ateísmo»
Ora isto é totalmente um tiro ao lado. Bento XVI, homem culto, não está a chamar Hitler de ateu nem está a classificar o Terceiro Reich de projecto ateísta. Eis as palavras do Papa, que raramente são lidas na fonte pelos seus críticos (Ludwig faz o típico: cita jornais):
«Também na nossa época podemos recordar como a Grã-Bretanha e os seus chefes se opuseram a uma tirania nazista que tinha no ânimo desenraizar Deus da sociedade e negava a muitos a nossa comum humanidade, sobretudo aos judeus, que eram considerados como não dignos de viver.»
O que quer o Papa dizer com o objectivo nazi de "desenraizar Deus da sociedade"? Estará o Papa a culpar o ateísmo pelos crimes nazis? Não se vê como... O Papa refere-se ao objectivo nazi de descristianizar a sociedade alemã, e por arrasto, a Europa. O plano nazi passava por remover a doutrina e a moral cristã da "weltanschauung" do comum dos mortais. E substituí-la pela cosmovisão nazi. Era ateia, essa cosmovisão? Não: era de tipo pagão, apesar de também ter o ateísmo como um dos seus ingredientes. Era uma mistura de mitos nórdico-germânicos com esoterismo "à la carte" (teosofista, neognóstico, neotemplário, ocultista, etc.) e com o ateísmo de Nietzsche. A doutrina nazi era uma mistura algo indigesta, mas seria pouco rigoroso classificá-la de ateísta.
Bento XVI está a afirmar algo que é bem sabido: Hitler queria desalojar Cristo, o Deus dos Cristãos, da cultura. Há aliás inúmeras citações de Hitler, de Himmler, ou de Goebbels a dizer precisamente isso. Basta aliás ler o "Mein Kampf" para se ver todo o programa de descristianização da sociedade.
Diz ainda o Ludwig sobre esta questão:
«Além das incorrecções históricas, a ligação entre o ateísmo e o nazismo é falaciosa. Mesmo que Hitler tivesse sido ateu, coisa que estava longe de ser, não se podia inferir daí que o problema do nazismo era o ateísmo.»
É caso para perguntar: e o Papa diz isso? Diz que Hitler era ateu, ou que o problema do nazismo era o ateísmo? É caso para recomendar ao Ludwig: "Lê o texto do Papa!". Não seria mais interessante criticar as palavras do Papa em vez de criticar a leitura que um jornalista da BBC fez sobre essas palavras?
Depois, segue-se a segunda argolada do Ludwig:
2. O nacional-socialismo teria uma base cristã
Diz o Ludwig: «Ratzinger esqueceu, no entanto, a base cristã do nacional socialismo.». Isto dá vontade de rir, mas o melhor era chorar.
O Ludwig não explica como é que o nazismo, essa ideologia do ariano nórdico montada sobre mitos e ideias de força, de supremacia do poder, se concilia com a doutrina cristã do pobre, manso e humilde Cristo. De tal forma o nazismo não pega com o cristianismo que Hitler se viu obrigado a inventar uma pseudo-igreja alemã intitulada "Deutsche Christen", sustentada numa patética deturpação do cristianismo, na qual Cristo seria ariano e não judeu.
Mas por detrás da confusão do Ludwig, há uma verdade. Hitler, realmente, capitalizou sobre os sentimentos antisemitas dos alemães e dos austríacos. Hitler, aliás, esteve mergulhado desde novo nesses sentimentos. E é sabido que esses sentimentos, alguns velhos de séculos, antes de serem racistas foram teológicos, inspirando-se naqueles que diziam que os Judeus eram os assassinos de Cristo. Só que uma coisa é má teologia, e outra coisa é a doutrina racista que se constrói em cima dessa má teologia, e sobretudo quando essa construção se faz noutro século e noutro contexto. O teólogo que, com fins de "propaganda fide", diz que o Judeu é pérfido porque não reconhece Cristo tem um problema teológico com o Judeu. Obviamente, essa não é a mesma pessoa que, séculos mais tarde, por causa da crise económica e da inveja, vai desenterrar velhos ódios antijudaicos para os transformar numa doutrina de ódio racial, suportada em ideias eugénicas e estruturada sobre a aplicação ilícita do darwinismo ao melhoramento da raça humana.
Agora a terceira treta...
3. A Igreja Católica apoiou Hitler
Enterra-se o Ludwig com esta frase: "E Ratzinger omitiu também o apoio da Igreja Católica a Hitler". A frase está sustentada na nota de rodapé número (5). Entusiasmado, salto para a nota, à procura de uma citação de um Harold Deutsch, de um Rhodes, de um Gilbert, ou mesmo de uma erudita adversária da Igreja como uma Susan Zuccotti. Teria sido muito simples ir buscar frases a mais historiadores críticos da atitude da Santa Sé durante a Guerra: haveria um Carlo Falconi ou um Saul Friedlander, ou ainda um Guenter Lewi para socorrerem à causa anticatólica. Mas em vez destes investigadores com obra feita, que encontro? Está isto na nota (5): "Por exemplo, o Ricado Alves...", e já nem é preciso ler mais... O Ludwig, na sua cabal acusação à Igreja Católica, a forte acusação de colaboração com os nazis, sustenta-se na propaganda anticatólica do Ricardo Alves, cujos pseudo-argumentos não têm o menor vislumbre de suporte documental, e que se apoiam, fragilmente e de forma auto-contraditória em vários locais, sobre uma leitura deturpada e multiplamente equivocada dos dados históricos.
Evito aprofundar mais uma óbvia treta, mas não queria deixar de a referir "en passant": a dos preservativos em África, pois sai do tema. O Ludwig preferiu misturar preservativos e SIDA ao nacional-socialismo. Entende-se, quando o objectivo é atirar lama à Igreja Católica. Aliás, faz parte da cartilha, e o Ludwig, com algum esforço e não pouco talento, seria capaz de lá meter o Galileu. E um Torquemada. Mas já debati a questão da SIDA com ele várias vezes, e infelizmente o diálogo não progride perante o preconceito.
Deixo apenas uma pergunta, perante a tese que pretende que a Igreja Católica é a responsável pela não eficácia do combate à SIDA. Um africano infiel à sua mulher usa, evidentemente, preservativo para evitar as consequências óbvias da sua infidelidade. Logo, o preservativo sustenta o seu comportamento infiel e é fundamental para um estilo de vida promíscuo e para o aumento de situações de risco de contágio. Isto é evidente, mas o Ludwig nega. Mas pergunto: faz sentido supor que o africano médio obedece à Igreja na questão do preservativo e desobedece na questão da fidelidade? Está para nascer o anticatólico que me explique esta contradição na simplista teoria que liga a Igreja à proliferação da SIDA.
"Mas, no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça" - Primeira Carta de São Pedro, cap. 3, vs. 15.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Cristianismo e Maçonaria
Placa comemorativa da primeira reunião da Grande Loja de Londres, em 1717, afixada na entrada da taberna "Goose and Gridiron" (créditos da fotografia: JaneMT)
No último Sábado, deu entrada um comentário assinado "José" no meu texto já antigo, de Outubro do ano passado, intitulado Dan Brown e a Maçonaria.
O comentário é muito importante, pois é escrito, ao que tudo indica, por um cristão que também pertence à Maçonaria. Não é pequeno o número de cristãos membros de filiações maçónicas, alguns inconscientes da incompatibilidade entre ambas as pertenças, outros conscientes mas displicentes em relação a essa incompatibilidade, e outros ainda defensores categóricos da compatibilidade (e mesmo complementaridade) entre Cristianismo e Maçonaria. O comentador José pertence a este último grupo.
Antes de refutar o comentário do José, queria deixar bem claro um ponto: tenho o maior fascínio pelo fenómeno da Maçonaria, cuja história estudo, informalmente, há vários anos. Por essa razão, e como sucede com todos os que procuram seriamente compreender a Maçonaria, eu não adiro a teorias demonizadoras da Maçonaria, que fazem dela a grande conspiradora, e a causa de todos os males sociais e de todas as revoluções e desestabilizações.
O antimaçonismo católico tem uma longa história, e tem coisas boas e coisas más. Acerca das coisas más, podemos dizer que não poucos católicos antimaçónicos deixaram para a posteridade uma mole de obras cujo fio condutor foi, em grande medida, o de "desvendar a grande conspiração". Muitas obras não eram escritas por historiadores, e frequentemente, o autor não estava muito preocupado com o rigor histórico, mas sim com a eficácia da guerra em questão.
Mas o antimaçonismo católico também teve, e tem, coisas muito boas. Talvez a coisa mais valiosa que se possa retirar do legado católico antimaçónico é o demonstrar a clara e insolúvel incompatibilidade entre cristianismo e Maçonaria. Todo o cristão que se filia na Maçonaria, seja qual for o seu ramo, regular ou irregular, está em contradição. Mesmo que se trate de uma filiação que exige uma prática religiosa aos seus membros, como sucederá em correntes maçónicas regulares, a contradição não desaparece. É essa contradição que passo agora a explicar, com base no comentário aqui deixado pelo comentador José, e que aproveitarei para melhor elucidar os erros da sua posição.
Começa o José:
«Considero completamente infundada a alegada incompatibilidade entre a Maçonaria e a doutrina católica. Se ela existe é certamente por confusão de quem a estabeleceu.»
A incompatibilidade entre Maçonaria e Igreja Católica é um facto, ainda mais fácil de estabelecer que a incompatibilidade entre a Maçonaria e o cristianismo "lato sensu". A constatação mais evidente é a de que o Magistério da Igreja tem longa tradição nesse sentido. É, talvez, uma das áreas onde a condenação da Igreja foi mais clara. Mesmo pegando apenas nos documentos papais mais importantes, ou seja, deixando de parte discursos papais menos solenes e documentos e discursos de outros Bispos da Igreja, o rol é impressionante. Condenaram a Maçonaria de forma clara Clemente XII (uma Bula), Bento XIV (uma Constituição Apostólica), Pio VII (uma Bula), Leão XII (uma Constituição Apostólica), Pio VIII (uma Encíclica e uma Carta), Gregório XIV (uma Encíclica), Pio IX (três Encíclicas e duas Alocuções), Leão XIII (sete Encíclicas e uma Carta Apostólica), Bento XV (na sua revisão do Código de Direito Canónico, cânone 2335 que instaura uma proibição explícita de pertença à Maçonaria), João Paulo II (na sua revisão do Código de Direito Canónico, cânone 1374 que mantém uma proibição, mas não explícita). A listagem e descrição das condenações papais à Maçonaria encontra-se aqui.
A quem, confrontado com estes factos, alegar que a Igreja abandonou a antiga condenação da Maçonaria e que agora, sobretudo após o Vaticano II, toleraria a pertença do cristão a uma filiação maçónica, nada como apresentar este trecho da Declaração sobre a Maçonaria, da Congregação para a Doutrina da Fé, publicado a 26 de Novembro de 1983 e assinado pelo actual Papa, o então Cardeal Ratzinger:
«Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçónicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.»
O comentador José nem uma só palavra diz acerca destes factos, que chocam de frente com as suas "certezas" de que não há incompatibilidade.
«Desde logo, não existe tal coisa como um ideário filosófico da Maçonaria. Existem princípios,regras e rituais. Mas não existe doutrina. A Maçonaria não é uma religião nem visa usurpar o papel das religiões.»
É, certamente, uma questão semântica a distinção algo subtil entre "doutrina" e "princípios, regras e rituais". Que "rituais" é algo que possa ficar de fora da "doutrina", ainda se entende. Mas se os princípios e regras de que fala o José não são "doutrinais", que serão? Não falamos, certamente, de doutrina religiosa, mas acho discutível a afirmação de que não há uma doutrina filosófica por detrás da Maçonaria.
Mas, concedendo-lhe este ponto, pergunto: o facto de a Maçonaria não se ver a ela mesma como uma religião deve levar-nos, "ipso facto", a afirmar que não há problemas de compatibilidade com o cristianismo? Basta um contra-exemplo: tanto o nazismo como o comunismo não são religiões, e no entanto, são incompatíveis com o cristianismo.
Prossegue o José:
«A Maçonaria é apenas (e isso já é muito) uma Via Iniciática.»
Esta afirmação é muito problemática. Pois toda a via iniciática pressupõe uma cadeia de transmissão. E a questão que o historiador coloca é esta: onde nos leva a cadeia de transmissão das correntes maçónicas modernas? Leva-nos às quatro tabernas londrinas, onde se reuniam os fundadores da maçonaria moderna, que a 24 de Junho de 1717 instituíram a Grande Loja de Londres, loja-mãe de todas as filiações modernas:
Loja 1: A cervejaria (“ale house”) “Goose and Gridiron”, no pátio de St. Paul’s; hoje em dia chamada “Antiquity Lodge n.º 2”; dataria de 1691, de acordo com a “List of Lodges” de 1729;
Loja 2: A cervejaria “Crown”, em Parker’s Lane, Lincoln’s Inn Field, perto de Drury Lane; em 1724, esta Loja muda o local das reuniões para o “Queen’s Head”, em Turnstile; desaparece em 1736; dataria de 1712, de acordo com a “List of Lodges” de 1729;
Loja 3: A taberna (“tavern”) “Apple Tree”, em Charles Street, Covent Garden; em 1724, esta Loja muda o local das reuniões para o “Queen’s Head”, em Knave’s Acre; hoje em dia chamada “Lodge of Fortitude and Old Cumberland n.º 12”; desconhece-se a data de fundação;
Loja 4: A taberna “Rummer and Grapes”, em Channel Row, Westminster; em 1724, esta Loja muda o local das reuniões para o “Horne” em Westminster; hoje em dia chamada “Royal Somerset House and Inverness Lodge n.º 4”; desconhece-se a data de fundação.
A questão da "via iniciática" parece encontrar um obstáculo neste acto fundador da maçonaria moderna. James Anderson e Téophile Desaguliers, figuras de proa da instituição da Grande Loja de Londres, e co-redactores dos seus estatutos, partiram do zero? Quase ninguém o afirma. Então partiram de quê? Entra em cena a questão central das "old charges", ou seja, dos estatutos maçónicos medievais, em uso pelas confrarias de pedreiros. É escusado afirmar que, antes de Henrique VIII, estamos perante confrarias católicas de profissionais do ofício de pedreiro. Porque razão, então, Anderson e Desaguliers vão "reformular" de tal forma as "old charges" que desaparecem referências como "to be true to God and the Holy Church"?
Diz o José:
«Por isso, a Maçonaria não tem doutrina e é adogmática.»
1) Primeiro, vê-se que a questão das raízes ideológicas da Maçonaria moderna é complexa, e tem o seu berço numa manobra de "reorganização" documental, na qual Anderson e Desaguliers distorcem as "old charges" e fundam uma nova maçonaria, que já nada tem a ver com a maçonaria operativa medieval; isto fragiliza a sua afirmação acerca da "via iniciática"
2) Segundo, com a sua afirmação de que a Maçonaria é "adogmática", perguntamos: antes ou depois da fundação da Grande Loja de Londres? É que a maçonaria medieval especificava a obrigatoriedade de ser verdadeiro para com Deus e para com a Santa Igreja
Continua o José...
«Enquanto tal, através de símbolos e rituais, propõe-se conferir aos seus membros ferramentas simbólicas que estes devem utilizar interiormente, de modo a aceder a um Conhecimento de natureza diferente, insusceptível de ser adquirido pela mera leitura de livros ou por via doutrinária, o Conhecimento esotérico.»
E ainda não vê contradição?
Com esta sua frase, que reflecte correctamente a visão que a maioria dos maçons têm da própria Maçonaria, você acabou de me dar razão. É que a sua frase postula que a Maçonaria é a fonte de conhecimentos e de metodologias e progresso espiritual que estão acima da doutrina da Igreja. Logo, o cristão que é maçon coloca a Maçonaria acima da Igreja. Logo, coloca a Maçonaria acima de Cristo, pois para todo o cristão, Cristo é o "esposo" e a Igreja é a "esposa". Um não vem sem o outro. Um dos grandes problemas da Maçonaria, ou de qualquer outra via "esotérica" desgarrada de uma ortodoxia religiosa, é o problema das hierarquias: a Maçonaria, como caminho e como via, coloca-se acima do caminho traçado pela Igreja.
Cristo disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida". E disse ainda a Pedro: "E sobre esta Pedra edificarei a Minha Igreja". Não vejo como conciliar isto, na cabeça do cristão sério e coerente, com a pertença a uma organização que pretende estar acima disto.
«E apesar de ter uma matriz histórica cristã, a Maçonaria utiliza o conceito de Grande Arquitecto do Universo, para se referir ao Princípio Criador Universal, de modo tão suficientemente genérico, que permite receber no seu seio, membros de todos os credos religiosos.»
E o José volta a dar-me razão. Este é outro dos problemas que provocam a incompatibilidade entre cristianismo e Maçonaria. Não se pode servir vários mestres. O cristão segue Cristo, pois acredita que Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida para TODOS os seres humanos. O relativismo que a Maçonaria institui como "credo" choca com a doutrina cristã acerca da salvação através de Cristo. Só nos salvamos por Cristo. Logo, é bizarro pretendermos que, acima de Cristo, Deus e Filho de Deus, há uma divindade "genérica" (usando a sua palavra) feita para acomodar várias religiões diferentes. A Maçonaria dinamita o preceito de Cristo: "Ide e anunciai a Boa Nova". Nas reuniões maçónicas, onde o cristão segura no Evangelho de São João, o judeu segura na Torah e o muçulmano segura no Corão, onde está o mandamento de Cristo? Para onde vai a evangelização? Para debaixo do avental?
«A Maçonaria regular pressupõe a crença em Deus, enquanto Princípio Criador (que cada um, interiormente, representa de acordo com a sua confissão ou crença religiosa).»
Isto é sempre a mesma coisa: trata-se de uma posição filosófica relativista, que não pretende afirmar o cristianismo como verdadeiro e como religião verdadeira. Nenhum cristão pode concordar com isto.
«Neste sentido, não sendo uma religião ou seita, a Maçonaria é conciliadora entre os homens de boa vontade e, talvez por isso, consiga ser, mais eficazmente diga-se, ecuménica.»
Duas notas:
1) O ecumenismo dá-se entre cristãos; a relação entre o cristianismo e as restantes religiões tem o nome de "diálogo interreligioso"
2) O ecumenismo não tem nada a ver com relativismo: tem a ver com diálogo com o outro, para o conhecermos melhor e para ele nos conhecer melhor: tem a ver com respeito da diferença; não implica, de forma nenhuma, abdicarmos da verdade da nossa posição e da superioridade da nossa posição
«Do ponto de vista institucional, enquanto organização que é, a Maçonaria é marcada por princípios e valores morais, como a Paz entre os homens, a Tolerância, o respeito pela dignidade humana, a Liberdade,a Igualdade e a Fraternidade.»
Nada a opor, neste aspecto. Mas a Maçonaria, como vimos, tem vários aspectos problemáticos.
«Nada disto é incompatível com a doutrina católica em particular nem com o Cristianismo em geral.»
Acabei de demonstrar porque razão o José está errado. E dei várias razões sólidas.
«Por isso insisto que só por ignorância ou confusão se pode estabelecer uma relação de incompatibilidade entre a Maçonaria (regular)e a doutrina católica.»
Não vale a pena insistir, já que se viu que não tem razão. Cabe a si tentar refutar as claras incompatibilidades que apresentei. Creio que não terá sucesso.
«Não se pode generalizar o passado (ou o presente) de algumas Potências maçónicas irregulares, de modo a qualificar o que é a Maçonaria (regular), como não é a Inquisição, o comportamento pedófilo de alguns sacerdotes ou a recente iniciativa de um Pastor de queimar o Corão, que nos permite afirmar que a Religião e as Igrejas em geral são incompatíveis com a Moral e os Bons Costumes.»
Como vê, as incompatibilidades que apresentei também se constatam na Maçonaria regular. É inegável que qualquer cristão pode ter maior simpatia pelo maçon regular, que vive num quadro mental mais aproximado do seu do que um maçon irregular. No entanto, essa maior proximidade de ideias não é suficiente para eliminar as graves incompatibilidades que indiquei atrás.
Termino com umas palavras finais para o José: em primeiro lugar, agradeço a sua visita a este blogue e o seu comentário. Em segundo lugar, como cristão, e em nome da mesma fé em Cristo que partilhamos, peço-lhe que reconsidere a sua pertença à Maçonaria. Nunca é tarde demais para desfazer um erro. Não há razão para que o cristão que abandona a Maçonaria tenha que, por isso, quebrar amizades pessoais. E é perfeitamente possível a um cristão desenvolver estudos sobre Maçonaria, um tema fascinante, sem que o cristão caia no erro de aderir às ideias maçónicas, ou de pertencer a uma organização cujos princípios colidem com o cristianismo.
P.S.: Este meu texto é extremamente sintético, e deixa de fora outras razões para a manifesta incompatibilidade entre cristianismo e Maçonaria. Recomendo a leitura do artigo do padre Robert Bradley, S.J., Catholicism vs. Freemasonry — irreconcilable forever.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
In memoriam - António Telmo (1927-2010)
Ainda me lembro do espanto, quando há uma catrefada de anos eu perguntei à minha amiga Joana Vitorino: "O António Telmo é teu tio?!". Na altura, ignorantão, eu não conhecia a valiosa obra do próprio pai da Joana, o Orlando Vitorino (1922-2003). Mal refeito do espanto, pois na altura eu devorava os livros de António Telmo, disse à Joana: "E achas que eu poderia um dia falar com o teu tio?". Ela confirmou, claro, dizendo-me que o tio estava a viver em Estremoz, e que poderíamos combinar ir lá um dia. Eu respondi, sempre optimista: "Sim, vamos combinar isso!". Nunca combinei essa ida a Estremoz. Sou irremediavelmente estúpido. A notícia da sua morte a 21 de Agosto último, noticiada ontem na televisão, caiu ontem sobre mim como um balde de água gelada.
Para quem não conhece a obra destes irmãos, é difícil entender este meu fascínio. A dada altura, mergulhado nas páginas de um dos livros de António Telmo, dei comigo a pensar: "esta é uma das melhores mentes portuguesas vivas!". Era mesmo... Eram filósofos grandes. Grandes pelos seus conhecimentos e pela sua largueza de vistas. Grandes pela humildade. Grandes pelo seu amor a Portugal.
Na quinta-feira, pelas 18 horas, na Biblioteca Nacional, haverá uma homenagem ao António Telmo. Será apresentado o livro "O Portugal de António Telmo". Falará outro grande: o Pinharanda Gomes. Um evento imperdível.
Eis os dados biográficos básicos sobre António Telmo...
«António Telmo Carvalho Vitorino, nascido a 2 de Maio de 1927, em Almeida (Guarda) integrou aos 23 anos o grupo Filosofia Portuguesa depois de ter tido contacto com José Marinho (1904-1975) e Álvaro Ribeiro (1905-1981). A convite de Agostinho da Silva (1906-1994) e de Eudoro de Sousa (1911-1987), foi professor de Literatura Portuguesa durante três anos, na Univers 2 de Maio de 1927, em Almeida (Guarda) integrou aos 23 anos o grupo Filosofia Portuguesa depois de ter tido contacto com José Marinho (1904-1975) e Álvaro Ribeiro (1905-1981). A convite de Agostinho da Silva (1906-1994) e de Eudoro de Sousa (1911-1987), foi professor de Literatura Portuguesa durante três anos, na Universidade de Brasília. Leccionou ainda em Granada e, de regresso a Portugal, foi director da Biblioteca de Sesimbra, onde residira, e posteriormente radicou-se em Estremoz, onde foi professor de Português.»
Eis a sua obra escrita...
- Arte Poética, Lisboa, Guimarães, 1963.
- História Secreta de Portugal, Lisboa, Vega, 1977.
- Gramática secreta da língua portuguesa, Lisboa, Guimarães, 1981.
- Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões, Lisboa, Guimarães, 1982.
- Filosofia e Kabbalah, Lisboa, Guimarães, 1989.
- O Bateleur, Lisboa, Átrio, 1992.
- Horóscopo de Portugal, Lisboa, Guimarães, 1997.
- Contos, Lisboa, Aríon, 1999.
- O Mistério de Portugal na História e n’ Os Lusíadas, Lisboa, Ésquilo, 2004.
- Viagem a Granada, Lisboa, Fundação Lusíada, 2005.
- Contos Secretos, Chaves, Tartaruga, 2007.
- A Verdade do Amor, seguido de Adoração: Cânticos de amor, de Leonardo Coimbra, Lisboa, Zéfiro, 2008.
- Congeminações de um neopitagórico, Vale de Lázaro, Al-Barzakh, 2006/ Lisboa, Zéfiro, 2009.
- A Aventura Maçónica, Lisboa, Zéfiro, 2010.
- Luís de Camões, Estremoz, Al-Barzakh, 2010.
- O Portugal de António Telmo, Lisboa, Guimarães, 2010.
PS: Ler este magnífico À conversa com António Telmo. É uma forma de tocarmos ao de leve no intelecto deste pensador de vulto.
Porque razão está Bento XVI a reintroduzir a comunhão de joelhos
Um interessantíssimo artigo de Sandro Magister explica as razões de Bento XVI para a recuperação do bom hábito da genuflexão. O artigo traz, no final, um valioso e surpreendente texto de Monsenhor Marco Agostini, que explica que a beleza dos pavimentos de muitas das igrejas mais antigas tinha como destinatários principais os fiéis ajoelhados.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Grande confusão
No seu "post" Q&A, o Ludwig, na tentativa de esclarecer a sua posição, gerou uma grande confusão.
Parece-me estranho que alguém racional e cerebral como o Ludwig adopte dois pesos e duas medidas sistematicamente. Penso que não se dá conta disso. Refiro-me ao facto de o Luwdig ser tão cumpridor das tradições estabelecidas quando fala acerca de Ciência, e tão rebelde e incumpridor quando se trata das tradições filosóficas e epistemológicas.
É como se, dentro da cabeça do Ludwig, existisse uma mente de cientista (com obra feita e competência que não discuto) e simultaneamente uma mente de anti-filósofo, de alguém que rejeita toda a tradição filosófica, e mais grave ainda, toda a tradição epistemológica.
Isto nada tem a ver com ateísmo. Um ateu pode e deve definir a sua posição filosófica com algum rigor filosófico. Um ateu pode e deve conhecer a tradição epistemológica para a saber usar quando fala de Ciência, pois enquanto que o trabalho científico é Ciência, a reflexão filosófica acerca do trabalho científico é meta-Ciência, é epistemologia.
O Ludwig não pode tratar como Ciência a reflexão acerca do conhecimento científico, pois isso seria raciocínio auto-referencial, e sofreria da falácia de petição de princípio e dos problemas da circularidade.
Ora é isso que eu depreendo de vários pontos do texto dele.
«Basta que se possa inferir algo observável das hipóteses acerca de Deus.»
Eu nem sei bem o que isto quer dizer. Mas poderá ter duas leituras, julgo eu. Por um lado, que o Ludwig pretenderia que a hipótese Deus pudesse ser testada empiricamente. O que é algo de bizarro, uma vez que toda a tradição filosófica trata a hipótese Deus como uma hipótese metafísica, logo não testável empiricamente. Talvez o Ludwig não pretendesse dizer isto mas sim algo mais sofisticado, a saber, que a hipótese Deus, sendo verdadeira, deveria deixar um "rasto empírico". Ora bolas, mas a tradição filosófica também tem algo a dizer acerca disso, nomeadamente quando fala acerca da finalidade, ou seja, da causa final. O raciocínio meta-científico (filosófico) acerca das coisas que encontramos no Cosmos leva-nos à necessidade de causas finais para essas várias coisas. O argumento cosmológico, como argumento "a posteriori" que é, parte da observação da realidade empírica para montar um argumento filosófico acerca da existência de Deus. O movimento é indutivo, partindo-se da observação do Cosmos e chegando-se a uma tese metafísica.
Sendo assim, é possível fazer o que o Ludwig pede, mas como filósofo e não como cientista. Um filósofo pode inferir algo observável das hipóteses acerca de Deus, se como filósofo, vir nas coisas naturais contingentes uma causa final que remete para a causa primeira, necessária. Não estamos ainda a pretender inferir a infinitude da causa primeira a partir da observação, pois isso é muito espinhoso e difícil, e nem sei se será possível. Estamos a inferir que há uma causa primeira, e essa causa é "exterior" ao Cosmos, por não ser condicionada, por não ser contingente, por ser necessária.
Parece que Ludwig manda às malvas tudo isto, ignorando o debate filosófico como se fosse irrelevante, e não tendo a mesma preocupação com as teses filosóficas que tem com as teses científicas.
A falta de noção de fronteira fica patente também nesta frase:
«e formarmos as nossas ideias de maneira a poder descobrir quando erramos, elas dão-nos um caminho para o conhecimento. E isso é ciência.»
Pode não ser ciência. Pode ser filosofia. Quando eu afirmo "não há juízos verdadeiros de sujeito singular e predicado universal" eu tenho um método intelectual para saber com toda a certeza que acabei de errar. Chama-se a isso o método de retorsão, e é uma ferramenta filosófica muito antiga e útil para estabelecer com solidez os primeiros princípios, e neste caso em concreto, para eu saber que errei: é um caminho para um certo tipo de conhecimento sólido e seguro, só que não se trata de conhecimento científico (em sentido moderno), pois não foi obtido por via empírica. Logo, pode-se chamar esse conhecimento de conhecimento filosófico. Só este exemplo demonstra a estreiteza de vistas que o Ludwig parece postular.
Ele escreve como um adepto do cientismo. Eu sei que ele detesta "ismos", mas é uma constatação incontornável. O adepto do cientismo, antes de mais, é um materialista, ou seja, pretende que toda a realidade é empírica. Para além disso, o adepto do cientismo pretende que só é conhecimento aquilo que se pode colocar sob o crivo do método científico. Tal postura não é científica: é filosófica. Tal tese não é científica, é filosófica. E é má filosofia: é uma treta de uma tese, como aliás se demonstra facilmente:
1. O adepto do cientismo diz que uma tese só representa um caminho para o conhecimento se houver um método empírico para a testar
2. O adepto do cientismo não apresenta um método empírico para testar a tese que acabou de formular
3. Com essa sua tese inútil e auto-refutatória, o adepto do cientismo não trouxe qualquer conhecimento verdadeiro para a discussão
A incapacidade que o Ludwig parece demonstrar no que toca a traçar fronteiras há muito estabelecidas é patente, mais uma vez, neste trecho:
«Há muito na ciência que não é “causa entre outras causas” nem “ser entre outros seres”, desde o princípio de incerteza de Heisenberg às leis da termodinâmica, e incluindo todas as abstracções lógicas e matemáticas que usamos para construir modelos, como a raiz quadrada de dois ou as funções trigonométricas.»
Eu já nem parto para o debate (perfeitamente razoável) acerca do estatuto das Matemáticas, pois parece-me extremamente abusivo pretender que as Matemáticas façam parte do que hoje em dia se convencionou chamar Ciência, visto que as Matemáticas têm uma autonomia filosófica, e não dependem de confirmações ou refutações empíricas (pela via do método científico) para se susterem como conhecimento válido.
Mas deixando de lado, por agora, as Matemáticas, será que o Ludwig pretende que, por exemplo, o princípio lógico do terceiro excluído é conhecimento científico, no sentido moderno do termo? A lógica não pertence ao domínio da ciência, mas sim ao da filosofia, mais especificamente, ao domínio da metafísica, ou seja, dos primeiros princípios do conhecimento intelectual. Como pretende o Ludwig provar pelo método científico os primeiros princípios? Como se prova em laboratório a lógica clássica? E, para tomar outro exemplo, as verdades de sempre acerca dos silogismos, tão bem estudadas e conhecidas já na Idade Média e mesmo em Aristóteles? Vieram ao conhecimento humano por via do método científico? Como é que eu sei que um silogismo em Barbara é sempre verdadeiro, se as suas teses maior e menor forem verdadeiras? Medi isso com que aparelho?
O sistemático desprezo pela Filosofia, a atitude persistente em ignorar a diferença entre trabalho científico (Ciência) e reflexão filosófica acerca desse mesmo trabalho (Epistemologia) é a marca do adepto da superstição do cientismo, essa simplificação grotesca que pretende que todo o conhecimento humano com pretensão de validade deve estar sob a alçada do método científico.
Se eu fui injusto para com o Ludwig, distorcendo as suas ideias, eu agradecia imenso se ele pudesse ajudar a esclarecer estas questões, mormente a explicar, de uma vez por todas, o que pensa ele da epistemologia e da filosofia, e de que forma vê ele o conhecimento humano no seu todo, incluindo o (mas não limitado ao) conhecimento científico.
Parece-me estranho que alguém racional e cerebral como o Ludwig adopte dois pesos e duas medidas sistematicamente. Penso que não se dá conta disso. Refiro-me ao facto de o Luwdig ser tão cumpridor das tradições estabelecidas quando fala acerca de Ciência, e tão rebelde e incumpridor quando se trata das tradições filosóficas e epistemológicas.
É como se, dentro da cabeça do Ludwig, existisse uma mente de cientista (com obra feita e competência que não discuto) e simultaneamente uma mente de anti-filósofo, de alguém que rejeita toda a tradição filosófica, e mais grave ainda, toda a tradição epistemológica.
Isto nada tem a ver com ateísmo. Um ateu pode e deve definir a sua posição filosófica com algum rigor filosófico. Um ateu pode e deve conhecer a tradição epistemológica para a saber usar quando fala de Ciência, pois enquanto que o trabalho científico é Ciência, a reflexão filosófica acerca do trabalho científico é meta-Ciência, é epistemologia.
O Ludwig não pode tratar como Ciência a reflexão acerca do conhecimento científico, pois isso seria raciocínio auto-referencial, e sofreria da falácia de petição de princípio e dos problemas da circularidade.
Ora é isso que eu depreendo de vários pontos do texto dele.
«Basta que se possa inferir algo observável das hipóteses acerca de Deus.»
Eu nem sei bem o que isto quer dizer. Mas poderá ter duas leituras, julgo eu. Por um lado, que o Ludwig pretenderia que a hipótese Deus pudesse ser testada empiricamente. O que é algo de bizarro, uma vez que toda a tradição filosófica trata a hipótese Deus como uma hipótese metafísica, logo não testável empiricamente. Talvez o Ludwig não pretendesse dizer isto mas sim algo mais sofisticado, a saber, que a hipótese Deus, sendo verdadeira, deveria deixar um "rasto empírico". Ora bolas, mas a tradição filosófica também tem algo a dizer acerca disso, nomeadamente quando fala acerca da finalidade, ou seja, da causa final. O raciocínio meta-científico (filosófico) acerca das coisas que encontramos no Cosmos leva-nos à necessidade de causas finais para essas várias coisas. O argumento cosmológico, como argumento "a posteriori" que é, parte da observação da realidade empírica para montar um argumento filosófico acerca da existência de Deus. O movimento é indutivo, partindo-se da observação do Cosmos e chegando-se a uma tese metafísica.
Sendo assim, é possível fazer o que o Ludwig pede, mas como filósofo e não como cientista. Um filósofo pode inferir algo observável das hipóteses acerca de Deus, se como filósofo, vir nas coisas naturais contingentes uma causa final que remete para a causa primeira, necessária. Não estamos ainda a pretender inferir a infinitude da causa primeira a partir da observação, pois isso é muito espinhoso e difícil, e nem sei se será possível. Estamos a inferir que há uma causa primeira, e essa causa é "exterior" ao Cosmos, por não ser condicionada, por não ser contingente, por ser necessária.
Parece que Ludwig manda às malvas tudo isto, ignorando o debate filosófico como se fosse irrelevante, e não tendo a mesma preocupação com as teses filosóficas que tem com as teses científicas.
A falta de noção de fronteira fica patente também nesta frase:
«e formarmos as nossas ideias de maneira a poder descobrir quando erramos, elas dão-nos um caminho para o conhecimento. E isso é ciência.»
Pode não ser ciência. Pode ser filosofia. Quando eu afirmo "não há juízos verdadeiros de sujeito singular e predicado universal" eu tenho um método intelectual para saber com toda a certeza que acabei de errar. Chama-se a isso o método de retorsão, e é uma ferramenta filosófica muito antiga e útil para estabelecer com solidez os primeiros princípios, e neste caso em concreto, para eu saber que errei: é um caminho para um certo tipo de conhecimento sólido e seguro, só que não se trata de conhecimento científico (em sentido moderno), pois não foi obtido por via empírica. Logo, pode-se chamar esse conhecimento de conhecimento filosófico. Só este exemplo demonstra a estreiteza de vistas que o Ludwig parece postular.
Ele escreve como um adepto do cientismo. Eu sei que ele detesta "ismos", mas é uma constatação incontornável. O adepto do cientismo, antes de mais, é um materialista, ou seja, pretende que toda a realidade é empírica. Para além disso, o adepto do cientismo pretende que só é conhecimento aquilo que se pode colocar sob o crivo do método científico. Tal postura não é científica: é filosófica. Tal tese não é científica, é filosófica. E é má filosofia: é uma treta de uma tese, como aliás se demonstra facilmente:
1. O adepto do cientismo diz que uma tese só representa um caminho para o conhecimento se houver um método empírico para a testar
2. O adepto do cientismo não apresenta um método empírico para testar a tese que acabou de formular
3. Com essa sua tese inútil e auto-refutatória, o adepto do cientismo não trouxe qualquer conhecimento verdadeiro para a discussão
A incapacidade que o Ludwig parece demonstrar no que toca a traçar fronteiras há muito estabelecidas é patente, mais uma vez, neste trecho:
«Há muito na ciência que não é “causa entre outras causas” nem “ser entre outros seres”, desde o princípio de incerteza de Heisenberg às leis da termodinâmica, e incluindo todas as abstracções lógicas e matemáticas que usamos para construir modelos, como a raiz quadrada de dois ou as funções trigonométricas.»
Eu já nem parto para o debate (perfeitamente razoável) acerca do estatuto das Matemáticas, pois parece-me extremamente abusivo pretender que as Matemáticas façam parte do que hoje em dia se convencionou chamar Ciência, visto que as Matemáticas têm uma autonomia filosófica, e não dependem de confirmações ou refutações empíricas (pela via do método científico) para se susterem como conhecimento válido.
Mas deixando de lado, por agora, as Matemáticas, será que o Ludwig pretende que, por exemplo, o princípio lógico do terceiro excluído é conhecimento científico, no sentido moderno do termo? A lógica não pertence ao domínio da ciência, mas sim ao da filosofia, mais especificamente, ao domínio da metafísica, ou seja, dos primeiros princípios do conhecimento intelectual. Como pretende o Ludwig provar pelo método científico os primeiros princípios? Como se prova em laboratório a lógica clássica? E, para tomar outro exemplo, as verdades de sempre acerca dos silogismos, tão bem estudadas e conhecidas já na Idade Média e mesmo em Aristóteles? Vieram ao conhecimento humano por via do método científico? Como é que eu sei que um silogismo em Barbara é sempre verdadeiro, se as suas teses maior e menor forem verdadeiras? Medi isso com que aparelho?
O sistemático desprezo pela Filosofia, a atitude persistente em ignorar a diferença entre trabalho científico (Ciência) e reflexão filosófica acerca desse mesmo trabalho (Epistemologia) é a marca do adepto da superstição do cientismo, essa simplificação grotesca que pretende que todo o conhecimento humano com pretensão de validade deve estar sob a alçada do método científico.
Se eu fui injusto para com o Ludwig, distorcendo as suas ideias, eu agradecia imenso se ele pudesse ajudar a esclarecer estas questões, mormente a explicar, de uma vez por todas, o que pensa ele da epistemologia e da filosofia, e de que forma vê ele o conhecimento humano no seu todo, incluindo o (mas não limitado ao) conhecimento científico.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Gaston Isaye e a fundamentação rigorosa da metafísica
Eis o livro que me deu a volta à cabeça durante o Verão:
L'affirmation de l'être et les sciences positives
Uma obra pequena, humilde, mas muito sintética e poderosa. Se compreendesse esta obra, e fosse intelectualmente honesto, Dawkins nunca teria escrito um só livro ateísta.
O sonho do padre Isaye era grande, mas belo: montar uma argumentação racional para defender os primeiros princípios da metafísica. Defender de quem? Daqueles que ele chama os “hipercríticos”, ou seja, aqueles loucos que preferem o suicídio intelectual a aceitar a força dos primeiros princípios. Contra esses cépticos irrazoáveis, Isaye lança toda a força do velho método de retorsão, por ele refrescado e actualizado.
Isaye demonstra que o problema do ateísmo, ou seja, da convicção de que não existe um Ser necessário e infinito, é um problema epistemológico, e não lógico. Contra aqueles crentes que procuram o fugitivo argumento ontológico, ou seja, uma forma de provar que o ateísmo é ilógico e o teísmo é logicamente necessário, Isaye segue outra via, muito mais eficaz. Segundo Isaye, a afirmação ateísta é lógica, ou seja, não apresenta contradição interna. Isaye demonstra que o erro do ateísmo está no exercício de fazer afirmações que se pretendem verdadeiras. Então, é “in actu” que o ateu se demonstra incoerente. A frase “Deus não existe” não apresenta contradição interna, assim como a frase “Deus existe” também não a apresenta (ao contrário do que afirmava o pateta do Sartre). O problema, ensina Isaye, não se resolve acusando a outra parte de contradição nos termos das respectivas afirmações. O problema resolve-se analisando filosoficamente o acto de afirmar. E aí, quem sai mal é o ateu. O ateu que pretende afirmar coisas verdadeiras dá um tiro filosófico no pé.
Mais para breve…
L'affirmation de l'être et les sciences positives
Uma obra pequena, humilde, mas muito sintética e poderosa. Se compreendesse esta obra, e fosse intelectualmente honesto, Dawkins nunca teria escrito um só livro ateísta.
O sonho do padre Isaye era grande, mas belo: montar uma argumentação racional para defender os primeiros princípios da metafísica. Defender de quem? Daqueles que ele chama os “hipercríticos”, ou seja, aqueles loucos que preferem o suicídio intelectual a aceitar a força dos primeiros princípios. Contra esses cépticos irrazoáveis, Isaye lança toda a força do velho método de retorsão, por ele refrescado e actualizado.
Isaye demonstra que o problema do ateísmo, ou seja, da convicção de que não existe um Ser necessário e infinito, é um problema epistemológico, e não lógico. Contra aqueles crentes que procuram o fugitivo argumento ontológico, ou seja, uma forma de provar que o ateísmo é ilógico e o teísmo é logicamente necessário, Isaye segue outra via, muito mais eficaz. Segundo Isaye, a afirmação ateísta é lógica, ou seja, não apresenta contradição interna. Isaye demonstra que o erro do ateísmo está no exercício de fazer afirmações que se pretendem verdadeiras. Então, é “in actu” que o ateu se demonstra incoerente. A frase “Deus não existe” não apresenta contradição interna, assim como a frase “Deus existe” também não a apresenta (ao contrário do que afirmava o pateta do Sartre). O problema, ensina Isaye, não se resolve acusando a outra parte de contradição nos termos das respectivas afirmações. O problema resolve-se analisando filosoficamente o acto de afirmar. E aí, quem sai mal é o ateu. O ateu que pretende afirmar coisas verdadeiras dá um tiro filosófico no pé.
Mais para breve…
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Factos e símbolos no Génesis
Inseri há pouco este comentário, em resposta a este texto da Leonor Abrantes: Literalismo e interpretação.
Leonor,
Muito agradeço este teu texto, que me deixou muito contente. Por uma principal razão: consegui, felizmente, passar o ponto de vista que queria passar: que uma leitura do Génesis 100% simbólica, que tratasse tudo aquilo como “não factual”, é um contrasenso para um católico.
Usando a lógica (excluindo a possibilidade absurda de que não há narrativas, nem simbólicas nem factuais, no Génesis), temos estas possibilidades:
a) o Génesis tem apenas uma leitura simbólica: nada daquilo aconteceu
b) o Génesis tem apenas uma leitura literal: tudo aquilo aconteceu COMO DESCRITO
c) o Génesis tem, pelo menos, duas camadas de leitura: uma narrativa de factos e uma narrativa de símbolos: os factos são coisas que aconteceram, os símbolos são meios de expressar de forma mais fácil e compreensível as ditas coisas que aconteceram
A posição a) é típica de alguns exegetas modernos que, assustados (sem razão) com a Ciência, julgam que salvam o cristianismo do escárnio dos seus adversários deitando fora o bebé com a água do banho, ou seja, deitando fora todo e qualquer conteúdo factual do Génesis. Isso é tolo, e é mandar às malvas 2.000 anos de tradição de exegese.
A posição b) é típica de várias (mas não todas) correntes protestantes. Tais correntes, quando defendem a factualidade do Génesis, colocam o relato bíblico acima da Ciência, e em caso de conflito, rejeitam a Ciência para ficarem com a descrição literal dos acontecimentos. Como se vê facilmente com algum estudo, raras autoridades católicas em matéria de doutrina e de exegese defenderam esta posição. Tão cedo como com Santo Agostinho temos a separação entre a narrativa factual e a narrativa simbólica (“De Genesi ad Litteram”). Por exemplo: Santo Agostinho não aceitava que os seis dias da Criação tivessem durado 24 horas cada.
A posição c) é a que reúne o consenso de todas as grandes figuras da tradição católica e é a que é defendida pelo Magistério. A narrativa dos factos é imperiosa, pois ela estabelece de forma firme o sustentáculo da teologia posterior, tanto da teologia judaica, como (e sobretudo) da teologia cristã. A narrativa dos símbolos não deixa de ter a sua importância e a sua utilidade. Eu costumo dar este exemplo: se um “pele vermelha” vê um comboio na planície e volta a correr para a sua aldeia, afirmando ter avistado um “cavalo de ferro” na planície, temos as duas narrativas: o símbolo do “cavalo de ferro” reflecte a linguagem que a testemunha usa e conhece, mas existe a factualidade: um comboio passou mesmo na planície, e ele avistou-o.
Como resolver o imbróglio da leitura correcta do Génesis?
Aprendendo com o passado: respeitando a Tradição e ao mesmo tempo respeitando da Ciência. Na Idade Média, o escolástico Sigério de Brabante propunha uma separação radical (era mesmo uma separação epistémica) de domínios do saber: havia as verdades da Fé, e havia as verdades de Filosofia (científicas). Segundo Sigério, quando dois postulados, um teológico e outro filosófico, se pronunciavam sobre determinado objecto, poderia haver contradição entre os dois postulados. Esta ideia, com razão, arrepiou o grande São Tomás, que disse que a verdade era una, e que a presença de contradição, mesmo entre teses de áreas distintas, era prova de erro.
A Igreja sempre procurou seguir esta via de conciliação: não distorcer a doutrina legada por Cristo, a mesma doutrina defendida pela tradição da Patrística, e pelo Magistério, e ao mesmo tempo, respeitar TODAS as verdades do conhecimento humano, ou seja, as verdades filosóficas e científicas. Mas a conciliação não se faz, nunca, à custa da verdade. Onde há contradição, há erro.
Contra quem diz que a leitura católica do Génesis esbarra com a ciência actual, eu pergunto: ONDE?? Quem o afirma, ou desconhece a leitura católica do Génesis, ou desconhece a ciência actual, ou desconhece ambas.
Não sou eu quem decide estas coisas, pelo que o que aqui está escrito não é a opinião do Bernardo Motta, mas sim a posição da Igreja.
Em relação ao Génesis, para se ter uma prova cabal daquilo que eu afirmo, de que o Magistério defende uma leitura factual (mas não necessariamente literal) do Génesis, nada como ler este trecho esclarecedor da encíclica Humani Generis, do Papa Pio XII:
«37. Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.(11)»
Vale a pena ler a encíclica toda, mas quis destacar este parágrafo, por ser ilustrativo daquilo que acabei de escrever. De forma clara, Pio XII, com toda a sua autoridade papal, declara que o católico não pode deixar de aceitar a verdade de um primeiro casal humano, para salvaguardar a doutrina católica da Queda. Se isto não é um exemplo claro de leitura factual do Génesis…
Mas em toda esta encíclica, escrita com imenso cuidado (Pio XII era um ávido leitor de literatura científica), o Papa evita pronunciar-se sobre teses científicas, e em parte alguma, ele afirma algo hoje provado cientificamente como errado.
Tenho todo o respeito pelo Padre Carreira das Neves, e pela sua vida inteira de estudo bíblico. Mas reconheço, como se entende, mais autoridade doutrinal a um Papa.
Qualquer estudioso das questões científicas em torno do surgimento da vida, e dos problemas relativos ao surgimento da vida humana, sabe ver que o texto de Pio XII, nesta encíclica, é um texto muito cuidadoso. A Igreja Católica, em momento algum, condenou doutrinalmente o evolucionismo científico. Certamente, também pairou, na Cúria, o “fantasma Galileu”, pois o caso Galileu (que hoje quase ninguém ainda compreende, mas todos julgam compreender) é o único exemplo real, e com consequências graves, de fricção epistemológica entre a doutrina católica e a Ciência.
Mas se, nem no caso Galileu, o Magistério condenou formalmente o copernicanismo como herético, e nesse Caso, a Igreja arriscou demasiado (nomeadamente, uma comissão teológica incompetente emitiu um fatal e precipitado juízo teológico em 1616, mas sem valor de condenação formal), na questão da Evolução, a Igreja foi muitíssimo mais cuidadosa. Em momento algum, a Igreja se pronunciou contra verdades científicas estabelecidas (nem nunca o fará, se Deus quiser).
Leonor,
Muito agradeço este teu texto, que me deixou muito contente. Por uma principal razão: consegui, felizmente, passar o ponto de vista que queria passar: que uma leitura do Génesis 100% simbólica, que tratasse tudo aquilo como “não factual”, é um contrasenso para um católico.
Usando a lógica (excluindo a possibilidade absurda de que não há narrativas, nem simbólicas nem factuais, no Génesis), temos estas possibilidades:
a) o Génesis tem apenas uma leitura simbólica: nada daquilo aconteceu
b) o Génesis tem apenas uma leitura literal: tudo aquilo aconteceu COMO DESCRITO
c) o Génesis tem, pelo menos, duas camadas de leitura: uma narrativa de factos e uma narrativa de símbolos: os factos são coisas que aconteceram, os símbolos são meios de expressar de forma mais fácil e compreensível as ditas coisas que aconteceram
A posição a) é típica de alguns exegetas modernos que, assustados (sem razão) com a Ciência, julgam que salvam o cristianismo do escárnio dos seus adversários deitando fora o bebé com a água do banho, ou seja, deitando fora todo e qualquer conteúdo factual do Génesis. Isso é tolo, e é mandar às malvas 2.000 anos de tradição de exegese.
A posição b) é típica de várias (mas não todas) correntes protestantes. Tais correntes, quando defendem a factualidade do Génesis, colocam o relato bíblico acima da Ciência, e em caso de conflito, rejeitam a Ciência para ficarem com a descrição literal dos acontecimentos. Como se vê facilmente com algum estudo, raras autoridades católicas em matéria de doutrina e de exegese defenderam esta posição. Tão cedo como com Santo Agostinho temos a separação entre a narrativa factual e a narrativa simbólica (“De Genesi ad Litteram”). Por exemplo: Santo Agostinho não aceitava que os seis dias da Criação tivessem durado 24 horas cada.
A posição c) é a que reúne o consenso de todas as grandes figuras da tradição católica e é a que é defendida pelo Magistério. A narrativa dos factos é imperiosa, pois ela estabelece de forma firme o sustentáculo da teologia posterior, tanto da teologia judaica, como (e sobretudo) da teologia cristã. A narrativa dos símbolos não deixa de ter a sua importância e a sua utilidade. Eu costumo dar este exemplo: se um “pele vermelha” vê um comboio na planície e volta a correr para a sua aldeia, afirmando ter avistado um “cavalo de ferro” na planície, temos as duas narrativas: o símbolo do “cavalo de ferro” reflecte a linguagem que a testemunha usa e conhece, mas existe a factualidade: um comboio passou mesmo na planície, e ele avistou-o.
Como resolver o imbróglio da leitura correcta do Génesis?
Aprendendo com o passado: respeitando a Tradição e ao mesmo tempo respeitando da Ciência. Na Idade Média, o escolástico Sigério de Brabante propunha uma separação radical (era mesmo uma separação epistémica) de domínios do saber: havia as verdades da Fé, e havia as verdades de Filosofia (científicas). Segundo Sigério, quando dois postulados, um teológico e outro filosófico, se pronunciavam sobre determinado objecto, poderia haver contradição entre os dois postulados. Esta ideia, com razão, arrepiou o grande São Tomás, que disse que a verdade era una, e que a presença de contradição, mesmo entre teses de áreas distintas, era prova de erro.
A Igreja sempre procurou seguir esta via de conciliação: não distorcer a doutrina legada por Cristo, a mesma doutrina defendida pela tradição da Patrística, e pelo Magistério, e ao mesmo tempo, respeitar TODAS as verdades do conhecimento humano, ou seja, as verdades filosóficas e científicas. Mas a conciliação não se faz, nunca, à custa da verdade. Onde há contradição, há erro.
Contra quem diz que a leitura católica do Génesis esbarra com a ciência actual, eu pergunto: ONDE?? Quem o afirma, ou desconhece a leitura católica do Génesis, ou desconhece a ciência actual, ou desconhece ambas.
Não sou eu quem decide estas coisas, pelo que o que aqui está escrito não é a opinião do Bernardo Motta, mas sim a posição da Igreja.
Em relação ao Génesis, para se ter uma prova cabal daquilo que eu afirmo, de que o Magistério defende uma leitura factual (mas não necessariamente literal) do Génesis, nada como ler este trecho esclarecedor da encíclica Humani Generis, do Papa Pio XII:
«37. Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.(11)»
Vale a pena ler a encíclica toda, mas quis destacar este parágrafo, por ser ilustrativo daquilo que acabei de escrever. De forma clara, Pio XII, com toda a sua autoridade papal, declara que o católico não pode deixar de aceitar a verdade de um primeiro casal humano, para salvaguardar a doutrina católica da Queda. Se isto não é um exemplo claro de leitura factual do Génesis…
Mas em toda esta encíclica, escrita com imenso cuidado (Pio XII era um ávido leitor de literatura científica), o Papa evita pronunciar-se sobre teses científicas, e em parte alguma, ele afirma algo hoje provado cientificamente como errado.
Tenho todo o respeito pelo Padre Carreira das Neves, e pela sua vida inteira de estudo bíblico. Mas reconheço, como se entende, mais autoridade doutrinal a um Papa.
Qualquer estudioso das questões científicas em torno do surgimento da vida, e dos problemas relativos ao surgimento da vida humana, sabe ver que o texto de Pio XII, nesta encíclica, é um texto muito cuidadoso. A Igreja Católica, em momento algum, condenou doutrinalmente o evolucionismo científico. Certamente, também pairou, na Cúria, o “fantasma Galileu”, pois o caso Galileu (que hoje quase ninguém ainda compreende, mas todos julgam compreender) é o único exemplo real, e com consequências graves, de fricção epistemológica entre a doutrina católica e a Ciência.
Mas se, nem no caso Galileu, o Magistério condenou formalmente o copernicanismo como herético, e nesse Caso, a Igreja arriscou demasiado (nomeadamente, uma comissão teológica incompetente emitiu um fatal e precipitado juízo teológico em 1616, mas sem valor de condenação formal), na questão da Evolução, a Igreja foi muitíssimo mais cuidadosa. Em momento algum, a Igreja se pronunciou contra verdades científicas estabelecidas (nem nunca o fará, se Deus quiser).
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
A agenda anti-vida de Tony Blair
Importantíssimo artigo acerca da agenda anti-vida de Tony Blair, revelada de forma clara no seu recente livro de memórias, "A Journey". Já há muito se sabia que este católico "soi disant" usava o seu recente catolicismo para veicular as suas convicções de sempre:
Tony Blair's Memoirs Reveal Dishonesty Was Dark Heart of His Anti-Life/Anti-Family Rule
A ideia é sempre a mesma: tendo-se tornado um católico de fachada, Tony Blair usa agora a sua força política para tentar distorcer a doutrina católica e forçar a doutrina da Igreja a mudar. É a estratégia do Cavalo de Tróia. Em analogia com a informática, poderíamos dizer que Blair é um vírus "trojan" que se tenta infiltrar nos meios católicos para os envenenar.
Tony Blair é uma farsa. E como muitas farsas com poder, é uma farsa perigosa.
(recebi esta notícia via Infovitae)
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