Vinha no carro, a ouvir a Antena 2 na rádio, quando comecei a ouvir uma conversa fiada. Falava-se sobre "ética" e sobre "morais". Segundo o falante, havia uma ética universal (a do "não matarás"), mas ao mesmo tempo, existiam várias "morais", e que era importante "criticar" as morais.
Cheirou-me a relativismo. E era. O entrevistador atalhou: "mas a sociedade não precisa de uma moral?". De forma contraditória, o relativista dizia que sim. Mas depois falava em "morais", e não "numa moral". Se percebi bem, defendia que numa mesma sociedade deveria existir uma moral (que ele distinguia de uma ética universal), e ao mesmo tempo, várias morais, que supostamente se deveriam tolerar na sua diversidade. Bizarro raciocínio. Se moral A diz que a homossexualidade é imoral, e moral B diz que é moral, só se pode aceitar uma delas. Aceitar as duas é dar um tiro na razão.
Por falar em homossexualidade, o relativista fez uma bela apologia da homossexualidade, e da prostituição, coisas que considerou muito boas. Chocou-me, especialmente, a apologia do sexo entre adultos e adolescentes. Ao mesmo tempo que repudiava, aparentemente, a pedofilia (afirmou ser errado o sexo com crianças de 5, 6, ou 8 anos, parando de forma suspeita nesta idade), o relativista, numa das suas tiradas mais viscosas, dizia que havia um "tabu" na sociedade acerca dos adolescentes que gostam de adultos. Defendia, inclusive, a legitimidade de um rapaz de 16 anos se prostituir no Parque Eduardo VII com adultos. Parece-me, a mim, mero espectador, que se trata da apologia desavergonhada do sonho do pedófilo: o de que os menores querem ter sexo com os adultos.
Só no fim da conversa é que ouvi o nome do relativista: Raul Mesquita. Ao que parece, acaba de lançar um livro "contra a hipocrisia". Uma obra assente sobre uma falácia?
Sempre me pasmou a espantosa eficácia da falácia da hipocrisia. Se determinada moral M afirma que acto A é imoral, há gente que julga que pode refutar essa moral usando a "hipocrisia". Segundo esta gente que goza com a inteligência dos outros, se existirem pessoas P que defendam a moral M, ao mesmo tempo que praticam acto A que consideram imoral, então a moral M foi refutada. A (i)lógica é mais ou menos assim: dado que a hipocrisia da pessoa P (que não se contesta) demonstra uma incoerência, na pessoa P, entre a moral M que defende e os seus actos, automaticamente essa incoerência refutou a moral M.
Demonstremos que isto é uma burrada com um contra-exemplo. Suponhamos que a moral M afirma que é errado matar um ser humano inocente, e seja esse o acto A. Então, um pacifista que apregoe a moral M enquanto mata pessoas às escondidas é um hipócrita. Claro. Que concluímos, então? Vamos concluir que a moral M está errada por causa dessa hipocrisia? Claro que não.
Raul Mesquita, posso estar enganado, deixou nas ondas hertzianas da Antena 2 um forte odor a loja maçónica. A sua defesa da "ética universal" e ao mesmo tempo das "morais" fez-me lembrar o relativismo moral da maçonaria. Não é que seja um crime ser-se maçon: é que me irrita esta prepotência de certos maçons, que consiste em usar os "media" para propagar a sua catequese maçónica, ao mesmo tempo que não deixam cair a máscara. Não é uma atitude frontal.
No fim de contas, o que me incomodou mais foi o forte contraste, numa mesma rádio, e com escassos minutos de diferença, entre música barroca de elevada qualidade e a apologia da homossexualidade, da prostituição e do sexo com menores.
4 comentários:
"Se determinada moral M afirma que acto A é imoral, há gente que julga que pode refutar essa moral usando a "hipocrisia".
Mas qual hipocrisia, se eu não adoptar a moral M que afirma que o acto A é imoral,não estou abrangido pelo preceituado nessa moral, mas se adoptar a moral N, que afirma que determinado acto A não é imoral. Só será hipocrisia se eu adoptar a moral M e não cumprir o precietuado pela moral M, fazendo precisamente a violação desse preceituado. Esta discussão consigo é recorrente, voce fala de morais absolutas e universais e não existem, nunca existiram.
Caro anónimo,
«Só será hipocrisia se eu adoptar a moral M e não cumprir o precietuado pela moral M, fazendo precisamente a violação desse preceituado.»
Quem disse o contrário?
Especificamente, que suposto erro meu é que contesta?
«Esta discussão consigo é recorrente, voce fala de morais absolutas e universais e não existem, nunca existiram.»
É evidente que existem, e sempre existiram.
Por exemplo, é sempre errado matar. É sempre errado roubar. É sempre errado mentir. É sempre errado cobiçar. É sempre errado trair.
É evidente que há verdades morais absolutas e universais.
A si, e a outros, é que daria jeito que não existisse uma moral universal. Nada mais prático, de um ponto de vista microscópico, do que podermos fazer o que nos dá na gana sem nos ralarmos com chatices como "certo" e "errado". A vida perfeita: faz o que te apetecer: o certo e o errado não existem!
Um mundo sem certos nem errados, um mundo no qual os nossos actos não são, nem certos, nem errados, mas têm o valor que lhes dermos, esse mundo é o mundo da fantasia. Esse mundo não existe.
Podemos fingir que não há moral absoluta. Isso é excelente, sobretudo quando não queremos ouvir a voz da nossa consciência, e quando queremos fazer o mal sem termos remorsos.
É ilusão.
Cumprimentos
Bernardo, nem sempre é errado matar, nem sempre é errado roubar, há sempre excepcões, não existe uma moral absoluta nem universal, faça um exame retrospectivo ou uma viagem regressiva pela historia e evolução e chega a essa conclusão, não ha morais absolutas, variam de civilização para civilização, religião pra religião etc etc. O que se tende a criar são valores considerados basicos para a humanidade, caso do direitos humanos, que também não são absolutos, mas ha muitos pricipios dos direitos humanos que foram oriundos da religião, inspirados por exemplo no decalogo, não matar, tem a ver com a preservação da especie e viver em paz e segurança. Mas não há morais universais nem absolutas, assim como as verdades, tirando as fisicas e matematicas universais. As verdades absolutas são só as matematicas e fisicas, tudo o resto é relativo, se o quiser impor é a sua convicção ou a sua moral que impoe.
Caro Bernardo
Penso que a argumentação pela hipocrisia ética, na sua validade, consiste em entender-se o ético como a realização da natureza humana; e que qualquer não tomada em consideração da natureza humana na sua totalidade, incluindo a instintual, por exemplo corrente num mau entendimento do catolicismo, enferma tanto de um erro ético (a “animalidade” é má, para manter-me na correnteza caricatural) como de um erro antropológico (a sexualidade não é essencialmente humana, por exemplo etc) A hipocrisia consiste em eu ser e viver na contramão do que a própria humanidade em mim proclama, ou como tão bem aforiza Pascal: Qui veut faire l’ ange, fait la bête.
Como é evidente- e como é meu costume aliás por aqui – não me refiro à entrevista do senhor, que não ouvi nem conheço de outros lugares. Mas dado o “tema”, a questão põe-se tradicionalmente nestes moldes (daí Bento XVI falar de “ecologia humana”, isto é, “adequação à sua natureza”).
E o que se passa, como toda a gente pode confirmar, tanto nas Histórias gerais como nas suas histórias pessoais – é que isso da “natureza humana”, não é evidente como o motor do carro. Aliás, daí o debate ético (as “morais” em mútua interrogação e interpelação).
Um abraço
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