quarta-feira, 3 de março de 2004

A filosofia moderna e o conceito de "alma"

Em tempos que já lá vão, filósofos como Platão e Aristóteles, apesar das suas divergências, tinham uma noção correcta acerca da "alma", que era um dos temas importantes da filosofia.

Hoje em dia, este conceito passou a ser visto como pertencendo ao domínio da religião.
Por esta razão, a partir dos primórdios do racionalismo, poucos foram os filósofos que mostraram a posse de uma noção adequada de "alma".

No entanto, a mais breve leitura ao texto "De Anima" de Aristóteles, que até nem é extenso, bastaria para compreender que a "alma" é aquilo que "anima" os seres vivos, como a própria etimologia latina da palavra o indica. O facto dos seres vivos estarem "animados" de forma diferente (por exemplo o homem é dotado de intelecto mas o eucalipto não) deriva da existência de diversas faculdades na alma, que nem sempre estão presentes em todos os seres, ou quando o estão, nem sempre estão do mesmo modo.

Porque "alma" é o que anima os seres vivos, é trivial concluir que qualquer ser vivo possui alma.
Assim se vê que não se trata de um termo exclusivamente religioso, podendo (e devendo) ser usado no âmbito da filosofia. Pouparia sem dúvida muitas confusões modernas.
A mentalidade moderna confunde sobretudo "alma" com "espírito", que é outra coisa completamente diferente.

Termino com um excerto de António Telmo, da sua "História Secreta de Portugal", onde se lê na pág. 134:

«O ódio à natureza ou, num grau menor, a indiferença pela natureza têm como contraponto a criação de condições que permitam anular os sentimentos que resultam da ideia de Deus presente na Natureza (Shekinah). Seja o medo e o espanto. O espanto que Platão e Aristóteles punham como origem da filosofia e o temor dos Deuses que o segundo considerava o princípio da tragédia, foram expurgados da alma do homem, exconjurados pela filosofia moderna, a qual, ao interpretá-los como produções da subjectividade enganada, cortou o contacto com os "mistérios" do destino e da ideia. A filosofia moderna da história, assente sobre o elogio do homem civilizado (como se os contemporâneos de Aristóteles fossem selvagens!), atribui aqueles sentimentos a um estado de alma rudimentar e primitivo. Órgãos do nosso conhecimento subtil, foram amputados. Equivale isto a defender a cegueira física e o ensurdecimento do homem numa filosofia que considerasse os dados da vista e do ouvido perturbadores de um conhecimento real do mundo. Como só a razão constrói um sistema de certezas, tudo quanto apreendemos e aprendemos pelos sentidos ou pelos sentimentos, por mais evidente que se afigure, deve ser banido do domínio da ciência e só admitido como dado suspeito que deve passar pela "crítica da razão pura".
Pensava, pelo contrário, Aristóteles que a razão não deve proceder sem a experiência da alma.» (negrito meu)

Bernardo

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