A Conferência Episcopal Portuguesa publicou um texto a 5 de Março último relativo à eternamente polémica questão do aborto e da sua penalização.
É um documento claro, conciso, e pleno de lucidez.
Antes de escrever um pouco sobre o documento, queria deixar bem claro que há questões relativamente ao aborto que ainda me deixam indeciso, e sem saber que posição tomar. Por isso, que não me ataquem de fanatismo, visto que se trata de uma questão complexa e que merece amplo debate.
Deixo agora alguns excertos do texto, cuja pertinência é altíssima:
«Tal como outras manifestações de violência e de desrespeito pela vida do próximo, o drama do aborto coexiste com a dignidade da vida, sobretudo com a grandeza do dom de a poder comunicar. O que é relativamente novo, mas realmente um retrocesso, é a tentativa de o “normalizar”, tirando-lhe a gravidade ética de que se reveste, porventura considerá-lo um direito da mulher-mãe.»
É esta "normalização" que me parece particularmente aberrante. Na minha opinião, esta tendência nociva de "normalização", que vemos manifestar-se constantemente nos vários quadrantes da sociedade, resulta de uma compreensão errada do cerne da questão: a da definição de ser humano e de início da vida.
Todos fogem a esta questão. Veja-se este triste exemplo de cobardia e inacção política do Governo, patente nas declarações recentes de Guilherme Silva:
«A definição rigorosa do conceito vida não é fácil, ultrapassa a biologia e envolve a ética e até a filosofia. Há questões em aberto que estão a ser discutidas e não me parece que devamos dar um passo nesse sentido», disse ao DN o líder parlamentar do PSD, Guilherme Silva. - Diário de Notícias, Terça-feira, 9 de Março de 2004
Todos fogem à questão, menos a Conferência Episcopal Portuguesa, que marca aqui uma diferença capital:
«O ponto crucial de toda a polémica acerca da legalização do aborto consiste nisto: o embrião humano e o feto são ou não um ser humano desde o primeiro momento?»
O cerne do desafio da CEP está aqui:
«No estádio actual da ciência, começa a ser incompreensível que um “Estado de Direito”, cuja essência é a defesa e a promoção da vida, não tenha uma posição oficial em relação a esta questão. Para nós ela é clara: sempre que uma pessoa tem de tomar uma decisão, seja ela qual for, acerca do aborto, toma uma decisão, na responsabilidade da sua liberdade, acerca da vida ou da morte de um ser humano, que por estar no início da caminhada da vida, tem direito a que o deixem e ajudem a percorrer esse caminho.»
A reacção patética do Executivo e da Oposição vem descrita no referido artigo do DN:
Os sociais-democratas entendem que a actual legislação, que define «já um conceito de vida em termos jurídicos», é suficiente e os socialistas defendem que discutir agora esta questão seria «regressar a um período que está ultrapassado»
O que me faz confusão é que aquele hemiciclo tem como tarefa legislar e governar a nossa nação, e aliena-se das questões mais importantes. Ou seja, vai ficar tudo na mesma. A questão nunca vai ser analisada com rigor nem profundidade.
O que deveria ser feito?
Deveria primeiro definir-se onde começa a vida humana - pessoalmente, parece-me óbvio que principia na concepção, mas outras definições poderiam ser estudadas e debatidas. O Estado português deveria ter uma definição clara nesta matéria, de tal forma ela é basilar.
Sendo o aborto um atentado contra a vida humana, desde o momento em que ela é concebida como tal, seria simples classificar o aborto como "crime".
Como todos os crimes, deveria haver lugar a uma penalização que tomasse em consideração eventuais atenuantes, relevantes de condicionantes psíquicas e sociais da pessoa que o tivesse praticado.
A CEP é clara neste aspecto. À questão "Será possível despenalizar o aborto?", responde:
«Isso corresponde a perguntar se é possível, do ponto de vista legal, definir um crime sem lhe atribuir uma pena. Não nos compete pronunciar-nos sobre essa questão de natureza jurídica. Parece-nos, no entanto, que o caminho não é "despenalizar", mas considerar, em sede de julgamento, eventuais circunstâncias atenuantes, até porque o grau de responsabilidade não é o mesmo, quer entre as mulheres que abortam, quer entre aqueles que as condicionam e contribuem para o aborto.
Seja qual for a resposta dada a esta questão, ela não poderá fundamentar qualquer forma de legalização do aborto que constitua um direito da mulher.»
Há muito tempo que Portugal não vê uma tomada de posição tão clara, vital, útil e pertinente como esta tomada pela Conferência Episcopal Portuguesa.
Minimizá-la ou desprezá-la é bem mais do que burrice ou ignorância. É de uma extrema incoerência por parte de quem governa e dita as leis neste país, e reflecte uma moral ambígua e uma ética frouxa e manipulável.
Sobretudo, paremos de usar o ridículo pseudo-argumento de que os outros "países civilizados" já o fazem!
Bernardo
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