domingo, 14 de março de 2004

Simbolismo tradicional I - «La réforme de la mentalité moderne»

Este artigo de René Guénon foi publicado inicialmente na revista Regnabit em Junho de 1926. Foi incorporado mais tarde na resenha póstuma "Symboles de la Science Sacrée".

Visto que a obra de Guénon está protegida por copyright até ao ano 2021 pelo menos (facto que Guénon certamente detestaria!), vimo-nos obrigados a apresentar apenas traduções de pequenos excertos do artigo. Convidamos o leitor interessado a adquirir a obra referida, que consideramos ser de grande utilidade.

A tradução do francês para português é feita por mim, e é, por essa razão, de carácter amador. As minhas desculpas prévias pelas eventuais incorrecções.

«A civilização moderna aparece na história como uma verdadeira anomalia: de todas as que conhecemos, ela é a única que se desenvolveu num sentido puramente material, a única também que não se apoia em nenhum princípio de ordem superior. Este desenvolvimento material que se desenrola há vários séculos, e que se acelera cada vez mais, foi acompanhado de uma regressão intelectual que ele é incapaz de compensar. Trata-se, bem entendido, da verdadeira e pura intelectualidade, que também poderiamos chamar de espiritualidade, sendo que nos recusamos a dar este nome àquilo que os modernos se têm sobretudo aplicado: a cultura das ciências experimentais, com vista a aplicações práticas às quais elas são susceptíveis de dar lugar. Um só exemplo poderia permitir medir a extensão desta regressão: a Summa Theologica de S. Tomás de Aquino era, no seu tempo, um manual para o uso de estudantes; onde estão hoje os estudantes que seriam capazes de a aprofundar e de a assimilar?».

«Um Oriental não pode admitir uma organização social que não repouse em princípios tradicionais; para um muçulmano, por exemplo, a legislação inteira não é senão uma dependência da religião. Em tempos, também assim foi no Ocidente: basta lembramo-nos do que foi a Cristandade na Idade Média; mas, hoje, as relações estão invertidas. Com efeito, vemos agora a religião como um simples facto social; em vez da ordem social inteira ser associada à religião, esta contrariamente, quando ainda consentimos dar-lhe um lugar, não é mais vista senão como um qualquer dos elementos que constituem a ordem social; e quantos católicos aceitam esta forma de ver sem a menor dificuldade!»

«Praticamente, crentes e não crentes comportam-se quase da mesma maneira; para muitos católicos, a afirmação do sobrenatural não tem senão um valor teórico, e ficariam embaraçados se tivessem que constatar um facto miraculoso. É o que podemos chamar de um materialismo prático, um materialismo de facto; não é este mais perigoso do que o materialismo admitido, precisamente porque aqueles que por ele são atingidos não têm sequer consciência?»

«Seria contudo bem fácil demonstrar que a religião e a ciência não podem entrar realmente em conflito, pela simples razão de que elas não pertencem ao mesmo domínio. Como não ver o perigo que há em parecer procurar, para a doutrina que diz respeito às verdades imutáveis e eternas, um ponto de apoio no que há de mais variante e incerto?
E que pensar de certos teólogos cristãos que estão afectados do espírito "cientista" ao ponto de se crerem obrigados a ter em conta, em maior ou menor medida, os resultados da exegese moderna e da "crítica dos textos", quando seria fácil, na condição de ter uma base doutrinal um pouco segura, fazer aparecer a sua inanidade? Como não nos apercebermos que a pretensa "ciência das religiões", tal qual ela é ensinada nos meios universitários, jamais foi na realidade outra coisa do que uma máquina de guerra dirigida contra a religião, ou de forma mais geral, contra tudo o que ainda possa subsistir do espírito tradicional, que querem naturalmente destruir aqueles que dirigem o mundo moderno num sentido que só pode terminar numa catástrofe?»


Não posso senão recomendar a leitura do artigo na íntegra e na língua original, visto que apenas apresentei alguns excertos do mesmo.

Bernardo

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