terça-feira, 14 de setembro de 2004

Eugène Vintras, senhor Simon Cox?

(publicado em paralelo no Afixe)

Regresso de novo ao meu tema fetiche: o sub-mundo onde Dan Brown decidiu chafurdar no seu último romance, "O Código Da Vinci".

O que eu tenho para dizer ainda não merece ser lido como um "artigo", porque o que eu quero contar agora não é ainda uma posição sólida. É apenas um desabafo de preocupação. Estou ainda a pesquisar, e ainda não tenho provas contundentes em relação ao que vou escrever agora.

É bem conhecida a simpatia que Dan Brown nutre por Margaret Starbird, a teórica americana do "sagrado feminino":

http://www.telisphere.com/~starbird/

Eu costumo dizer que esta senhora é a inventora do "sagrado feminino", e de uma muito peculiar interpretação do conceito alquímico do "hieros gamos", ou "casamento sagrado". Mas se calhar, ela não é a "inventora" coisa nenhuma, porque hoje em dia já são poucas as coisas verdadeiramente novas...

Para resumir, Starbird afirma que o modelo máximo de divindade está na união sexual de Jesus com Madalena, ou seja, do "deus" com a "deusa".

Tudo isto parecerá pateta, mas se se reparar no site de Margaret Starbird, ela está a falar muito a sério: o número de palestras que ela dá por toda a América é surpreendente. Assim como o número de obras que ela já escreveu sobre o assunto.

Por isso, nada de mais natural do que Dan Brown ter usado esta "estrela em ascensão", para inserir mais um detalhe pitoresco e vigoroso no seu romance: o "hieros gamos".

Até aqui, toda a gente poderia sorrir, ou até dizer: "e qual é o mal, Bernardo, porque é que ficas sempre tão lixado com estas coisas?"

É que, com o passar dos anos a farejar estas porcarias, adquire-se um faro... E este meu faro sensível a este tipo de porcaria andava a chatear-me desde que tomei contacto com estas teorias do "hieros gamos". De onde tinha vindo tudo isto? Onde é que eu já tinha visto isto anteriormente?

Foi com a leitura do "Código Da Vinci Descodificado", de Simon Cox, que se fez luz na minha mente. Ora então diz este senhor a páginas tantas (no capítulo sobre o "Hieros Gamos"):

"Tentativas genuínas para obter um ramo mais «gnóstico» do Catolicismo, incorporando rituais sexuais sagrados e a restauração da monarquia francesa duma forma muito semelhante à dos dogmas do Priorado de Sião, podem ser encontradas num movimento chamado a Igreja do Carmelo..."

Foi como se se tivesse feito luz!
"Igreja do Carmelo"? Isto soava-me a "déjà vu". Logo depois de ter ficado chocado pelo aval de Simon Cox à seita satânica e orgiástica de Eugène Vintras, comecei a pesquisar sobre o assunto. E o que encontro? O mistico Vintras fundou o Carmelo porque acreditava que a santificação vinha da prática da "sexualidade sagrada". Cá está o elo até às teorias de Starbird que eu procurava!

Estou neste momento a fazer uma viagem bem suja ao sub-mundo do satanismo do século XIX e do início do século XX. Nomes como Clément de Saint Marcq, o padre Boullan, Eugène Vintras, e outros mais modernos como Jean (Joanny) Bricaud, podem ser estranhos a muita gente, mas quando eles começam a surgir, não se trata de coisa boa, acreditem...

E, para mais, não há semelhança alguma entre a mistificação do Priorado de Sião (invenção de Pierre Plantard) e as seitas orgiásticas de Vintras e Boullan! Porque raio assimila Simon Cox as duas coisas? Plantard não era tão perverso!

O Carmelo de Vintras (que foi continuado após a morte deste pelo infame padre Boullan) constituiu uma das situações mais exóticas e funestas de propagação do satanismo através de missas negras, com profanações como a prática de sexo em grupo e de masturbação em altares consagrados e em conventos. A febre orgiástica de Vintras espalhou-se como pólvora e foi complicado para a Igreja Católica conseguir contê-la e extinguir o movimento. Até os suspeitos ocultistas franceses do "fin de siècle" atacaram violentamente o movimento de Vintras e Boullan (como foi o caso de Stanislas de Guaita), que consideravam escandaloso e perverso.

Eis senão quando o século XXI assiste ao reaparecimento, devidamente sanitizado por Margaret Starbird (que se calhar, inocentemente, não imagina de onde lhe vem a sua "inspiração"), dos ideais do Carmelo de Vintras, através desta publicidade inaudita ao "casamento sagrado", ou "hieros gamos".

Ainda não estou em condições de escrever algo de sério. Faltam-me provas, e tenho que obter documentos originais. Mas tudo aponta para uma semelhança assustadora entre a recuperação do "hieros gamos" por Dan Brown e Margaret Starbird, e as heresias de perversão sexual de Eugène Vintras.

Mas a procissão ainda vai no adro, se se souber que Vintras era um seguidor do falso Louis XVII (Naundorff), que ele dizia que deveria subir ao trono de França, porque era o "Grande Monarca". Isto diz alguma coisa aos nossos leitores? Nostradamus? É que o mito do "grande monarca", falado pela primeira vez pelo vidente Michel de Notredame (Nostradamus), foi recuperado em pleno século XX, aquando do livro "Holy Blood, Holy Grail" do trio britânico, uma década antes de Dan Brown. O trio britânico via em Pierre Plantard o tão aguardado "grande monarca", futuro rei dos Estados Unidos da Europa.

E Dan Brown chafurda nisto tudo como gente grande!
Parece uma criança a brincar numa central nuclear abandonada!

Conclusão: Dan Brown está, à custa da psique hodierna e da ignorância dos leitores, a fazer dinheiro com um romance que é um autêntico barril de pólvora das maiores imundícies que o género humano alguma vez produziu, disfarçadas de "suspense" artístico-literário.

Estará Dan Brown consciente? Estará Margaret Starbird consciente? Saberão eles da sua "afinidade ideológica" com o Carmelo de Vintras? Eu não sei! O que sei é que Simon Cox chegou lá, e disse-o no "Código Da Vinci Descodificado", dando a Igreja do Carmelo de Vintras como um exemplo de "tentativa genuína para estabelecer um ramo mais «gnóstico» do catolicismo".

A ver vamos... Era só para levantar um pouco o véu às coisas que ando agora a pesquisar... Quando tiver algo de mais sólido não hesitarei em publicá-lo.

Bernardo

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