quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Será que aprendemos com a História?

(Segue-se um texto do meu amigo José Maria André, cuja divulgação o autor agradece)

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Será que aprendemos com a História?
Para quando a verdade sobre a conferência de Ratzinger em 1990?


As recentes atitudes desagradáveis na «La Sapienza» recordaram-me um velho episódio no «Diário de Notícias», que deformou completamente a Conferência do Cardeal Ratzinger em Parma em 1990. Agora, deparei-me com o mesmo erro, desta vez no «Público», em 2008.

No dia 21 de Janeiro de 2008, a última página do «Público» trouxe um artigo azedo contra a Igreja e o Papa Bento XVI. O título, «No Index», prometia evocar as falhas mais desagradáveis da História da Igreja e o corpo do artigo satisfazia a expectativa, em sucessivas estocadas rápidas, à primeira vista fulminantes.

Só que o autor não conhecia bem o tema e não teve tempo de confirmar as frases e os episódios que criticou, pelo que o resultado foi apenas uma sequência de afirmações falsas, escritas num tom muito agreste.

A situação é fácil de compreender, porque os clichés que serviram de mote a cada estocada contra a Igreja tinham aparecido na Imprensa e, como se sabe, é frequente os jornalistas reproduzirem o que leram algures, sem verificar os factos. Pode acontecer a qualquer um, basear-se em referências erradas e tirar delas conclusões inválidas, por debilidade das premissas. E pode acontecer com mais facilidade e aparato a quem publica abundantemente, cultivando um estilo mordaz. Por isso, não custa perceber o percalço, apesar de o autor não ter tido intenção de faltar à verdade. Neste caso, a boa recordação de outras crónicas dele no «Público», sobre outros assuntos, pode ajudar-nos a relativizar a infelicidade daquele texto.

Quase todos os pontos de partida do artigo estavam errados, mas não interessa escalpelizar agora tantos erros factuais. Quero apenas fixar-me na referência directa àquela conferência do Cardeal Ratzinger:

«(...) Já em 1990, para comentar o caso Galileu, Ratzinger tivera de se socorrer das palavras de Paul Feyerabend (...). E foram as palavras do relativista Feyerabend, que o anti-relativista Ratzinger citava aprovadoramente quando pareciam desculpar a Inquisição no processo de Galileu, que agora voltaram para assombrar o anti-relativista Ratzinger diante de físicos (...)».

Como se sabe, Ratzinger não usou as palavras de Feyerabend a seu favor, nem as citou aprovadoramente. Pelo contrário, declarou bem claramente na conferência: «Seria ingénuo construir uma apologética improvisada, com base nestas afirmações; a fé não cresce a partir do ressentimento e de se pôr em questão a racionalidade, mas só cresce com um profundo apreço pela razão e com uma mais ampla compreensão intelectual (...)». E acrescentou: «Mencionei tudo isto só como um exemplo sintomático, que manifesta como é profunda hoje a problematização que a modernidade, a ciência e a técnica fazem de si mesmas».

Obviamente, a fonte deste disparate de pretender que «Ratzinger cita aprovadoramente Feyerabend...» não é o texto original, mas algum comentário, em segunda ou terceira mão, que os jornais publicaram nestes dias. Resolvi, por isso, enviar ao autor o texto da conferência, que ele tinha criticado sem conhecer, e alertá-lo para as outras incorrecções.

Algumas semanas depois, pareceu-me oportuno recordar ao autor a importância de ler a conferência do Cardeal e de repor aqueles factos mais mal noticiados no seu artigo, mas desta vez não houve resposta. Podem ter-se metido outras tarefas pelo meio, mas o facto é que os erros não foram corrigidos.

Assim, mais uma vez, a imagem da Igreja junto da Opinião Pública acumulou elementos falsos, sem se conseguir repor a verdade.

Algo de comparável ocorreu no século XVII e seguintes, quando as autoridades eclesiásticas não tiveram coragem de dizer imediatamente que o julgamento de Galileu tinha sido uma farsa. Passaram anos, à espera de que o assunto deixasse de ser importante e se «resolvesse» por esquecimento. Alguns jornais dos nossos dias actuam da mesma maneira.

Como sempre, Deus é a vítima das vaidades humanas. Assiste sem nenhum espírito de vingança aos nossos erros e à teimosia com que fugimos de os corrigir. Sofre as impertinências dos padres e as pesporrências dos leigos, as imprudências dos que estão afastados e a vaidade de todos. É caso para Lhe agradecer de todo o coração que o ar que respiramos não desapareça e cada manhã nos volte a oferecer o calor aconchegado do sol e a beleza da vida.

Escrevo estas páginas para repor (na medida do possível) a realidade que foi distorcida no artigo mencionado acima e também para ponderar sobre esta dificuldade imensa da natureza humana, de emendar o erro. Convinha-nos aprender da História e, mais ainda, convir-nos-ia aprender com a paciência de Deus.

José Maria C. S. André
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2008

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