Por comodidade, decidi responder desta forma a um comentário da Leonor no meu último "post", pois as caixas de comentário não são adequadas a respostas extensas.
«Tenho algumas dúvidas quanto aquilo que argumentas e até mesmo naquilo que acreditas. Até porque noutras ocasiões demonstras que não és um criacionista. Fico algo confusa...»
Em caso de dúvida, é bastante seguro ver-me como um cristão. Não como um cristão herege como os que tenho criticado, mas sim como um cristão que segue a tradição cristã da Igreja Católica. Importa recordar que "heresia" significa, literalmente, "escolha". Os primeiros hereges eram assim chamados porque eles "escolhiam" uma fé diferente da recebida. A oposição, então, é entre a heresia (a "escolha" de uma doutrina pessoal) e a tradição (a profissão de uma doutrina "recebida").
Hoje em dia, os "media" adoram os cristãos hereges, e dão-lhes ampla plataforma de expressão. Para além disso, quando se trata de clero herege, os superiores hierárquicos desses cristãos hereges acham que seria anti-moderno criticar os seus subordinados. E então, as consequências notórias da exposição mediática destes hereges são:
1) a confusão para os não cristãos, que ficam sem perceber, afinal de contas, o que é o cristianismo, pois assistem a relatos contraditórios: o cristão coerente diz que há Diabo, o cristão herege diz que não, o cristão coerente diz que Cristo está presente na Eucaristia, o cristão herege diz que não, o cristão coerente diz que temos que confessar os pecados e procurar a salvação, evitando a condenação, e o cristão herege diz que não há Inferno e que o conceito de pecado está ultrapassado, e assim por diante
2) a confusão para muitos cristãos menos informados ou com menos formação cristã, que perante a ausência de contraditório por parte dos superiores destes padres e teólogos hereges, julgam que eles falam com verdade e autoridade
É então perfeitamente natural que estejas confusa. É-te certamente muito difícil compreender o cristianismo, pois o que vês dele está distorcido pela comunicação social e por uma assimétrica concessão de tempo de antena a dissidentes do cristianismo. Hoje em dia, a única forma de se ter contacto real com o cristianismo é mesmo a do convívio pessoal com cristãos de fé coerente e prática religiosa consistente.
Agora a tua questão... A expressão "criacionista" tornou-se demasiado vaga, pois diferentes sistemas de ideias reivindicam-na. Para simplificar, diria que há dois tipos de criacionismo:
a) o que considera Deus como Criador do Universo, e de todas as coisas visíveis e invisíveis, mas não necessariamente como o criador imediato de todos os seres; quem pensa assim, considera que Deus pode muito bem ter criado um Cosmos com leis próprias e dinamismos próprios, que conduzem ao surgimento da vida pelas chamadas "causas segundas": a expressão "causa segunda" vem da escolástica, e designa as coisas que surgiram, não por causa imediata de Deus, mas sim por causas indirectas
b) o que, para além de considerar Deus como Criador do Universo, e de todas as coisas visíveis e invisíveis, diz ainda que Deus é o criador imediato e directo de todos os seres; necessariamente, este tipo de criacionismo rejeita a teoria científica do darwinismo; nota que eu escrevi "teoria científica do darwinismo", pois o darwinismo é uma categoria vasta que hoje em dia abrange muito mais do que a teoria científica original (entretanto, surgiu o darwinismo como filosofia materialista, o darwinismo social e cultural, etc.); este tipo de criacionismo é muito popular entre protestantes, mas nem todos os protestantes são criacionistas neste sentido, e haverá certamente alguns católicos que também se revêem neste tipo de criacionismo, sobretudo quando têm sérias dúvidas acerca do darwinismo científico
Qual é a minha posição? Sendo católico, tendo para um criacionismo de tipo a). Porque escrevi "tendo"? Porque ainda não existem dados científicos suficientes sobre a questão do surgimento da vida para que ela possa ser encerrada. Porque prefiro o tipo a)? Por uma razão simples: o conceito de liberdade criatural é intrínseco à teologia católica, e com a Escolástica, amadurecemos muito a compreensão intelectual do conceito de causa e efeito, necessária para a distinção entre causas primeiras e causas segundas: ora, estas causas segundas têm muito a ver com a liberdade intrínseca da Criação, com a noção muito católica de que Deus não é um "mestre de fantoches" a puxar os cordelinhos, manipulando a Criação como se esta fosse uma marioneta.
Para além disto, o católico é um entusiasta natural pela Ciência, o que levou a que muitos católicos se destacassem como cientistas brilhantes e tivessem inaugurado a ciência moderna. Do lado protestante, um literalismo bíblico desligado da Tradição levou, muitas vezes, a um desprezo pela Ciência. Hoje em dia, vejo que há mais do que razões para se dar crédito à teoria científica da evolução das espécies, e por isso, não sou anti-darwinista. Mas mantenho um espírito aberto acerca desta questão, pois o surgimento da primeira forma de vida está ainda por explicar, além de que o surgimento de uma espécie nova nunca foi reproduzido ou testado (uma boa razão pode ser porque tal fenómeno demora muito tempo, tempo demais para ser observado por seres humanos).
Em suma: com os dados da Ciência moderna, constato que o Universo está "afinado", e que esta afinação faz do nosso Universo uma realidade muito especial. Essa "afinação", para o cristão, resulta da vontade livre de Deus, que quis fazer o Universo deste modo. Por isso, se o nosso Cosmos está estruturado de tal forma que nele acaba por surgir vida, e vida inteligente, isso só abona em favor da inteligência do Criador. Se o Criador decidiu fazer um Universo dotado das leis e dinâmicas internas necessárias e suficientes para delas surgir vida, e vida inteligente, então posso ser um criacionista de tipo a) sem problemas nenhuns, pois o meu criacionismo, para além de consistente, é compatível com os dados da ciência e respeita a já colossal recolha de argumentos científicos a favor da teoria científica de Darwin.
No entanto, é igualmente lógica a tese (em tempos largamente aceite por todos os cristãos) de que Deus teria criado individualmente cada espécie. Aqui importa fazer outra distinção, separando a categoria b) em duas sub-categorias:
b1) Deus teria criado individualmente e instantaneamente cada espécie a partir do nada, ou seja, as espécies teriam surgido instantânea e imediatamente, sem que Deus recorresse a matéria já existente
b2) Deus teria criado individualmente e instantaneamente cada espécie a partir de material orgânico ou inorgânico pré-existente
Repito que ambas estas teses, a b1) e a b2), têm coerência interna, ou seja, são lógicas. No entanto, ambas são muito difíceis de compatibilizar com os dados científicos do darwinismo. Insisto que a minha posição é a do criacionista de tipo a), mas se eu tivesse que optar entre uma das formas b) que apresentei, preferiria a b2), pois não vejo porque razão não poderia Deus aproveitar partes do já criado para criar algo novo.
À laia de síntese, o criacionista de tipo a), categoria na qual me revejo, é sempre um criacionista, conquanto afirma que Deus é a fonte primeira e última da existência de tudo. No entanto, Deus pode ter criado um Cosmos que, por sua vez, teria as condições e os dinamismos necessários para fazer surgir vida por "causas segundas", sem intervenção directa e imediata de Deus no surgimento dessa vida.
E a Bíblia?
Necessariamente, como Cristão, vejo a Bíblia como livro de salvação, contendo sobretudo verdades doutrinais e morais. Contém ainda outras verdades menores, face ao desígnio do livro, mas que são todavia verdades presentes: verdades históricas e factuais.
O Génesis apresenta um relato da Criação. É um relato figurado, no sentido em que recorre a imagens simples, mas ao mesmo tempo muito belas, que descreve verdades objectivas e concretas.
Aceito o Génesis, e toda a Bíblia, como uma obra isenta de erro, no sentido em que nenhum leitor, entrosado na tradição cristã de leitura bíblica, vai ser induzido em erro ao lê-la. Como qualquer obra escrita, a Bíblia necessita de uma correcta leitura. Essa leitura é feita dentro da Igreja, por via da Tradição. A leitura correcta da Bíblia é a que é feita à luz do que Cristo nos revelou. Para os judeus, a leitura correcta da Bíblia é a que é feita à luz da revelação feita por Iavé aos profetas e ao povo de Israel. Nesse sentido, o Antigo Testamento é o testemunho de um povo à procura de Deus e de Deus à procura de um povo em concreto, para fazer dele "local" de surgimento do Salvador. Com o Novo Testamento, Cristo fecha e completa (não destrói nem anula) o Antigo Testamento. Cristo é a "chave dos Profetas", pois a Sua vida dá uma leitura final e definitiva a todos os anseios do Antigo Testamento. Através de Cristo, Deus dá-Se a conhecer, finalmente, ao seu Povo. E a mensagem é surpreendente: Cristo vem morrer para nos redimir dos nossos pecados, e vem para que levemos a Boa Nova da sua vitória sobre a morte a todos os cantos da Terra. Com o Novo Testamento, a mensagem de salvação sai do campo de Israel e torna-se universal.
A presença de imagens, figuras, parábolas e metáforas não implica falsidade, erro ou mentira.
Por exemplo, quando um índio Sioux ou Cherokee se referia a um comboio que tinha passado na planície como sendo um "cavalo de ferro", ele não estava a mentir. Com grande probablidade, o comboio teria mesmo passado à frente dos seus olhos. O índio estava a usar a linguagem e os símbolos ao seu dispor para relatar o que tinha presenciado.
É assim o Génesis: a verdade chega ao escriba vinda de Deus. É o Espírito Santo que inspira o escriba do Génesis a escrever. O escriba não recebe um texto inteiro, estilo ditado. Essa é a tese o Islão, que vê o Corão como texto ditado palavra a palavra a Maomé. O escriba do Antigo Testamento, o escriba do Novo Testamento, recebe ideias no seu intelecto, ideias essas que vêm de Deus. Mas escreve-as com os símbolos e as imagens do próprio escriba. Quando o autor do livro do Génesis escreve que Adão e Eva comeram da maçã da árvore do Bem e do Mal, nenhum leitor erudito da Bíblia pensou que se tratava necessariamente de um fruto físico. A leitura que sempre se fez era no sentido de que Adão e Eva tinham usado da sua liberdade para transgredir a Lei de Deus. E dessa forma, tinham pela primeira vez optado pelo Mal. A serpente simboliza o pai da mentira, o Diabo, ser que já existia antes do Homem, e que sugeriu ao primeiro casal que se autonomizassem de Deus.
Outra nota importante, relativa a uma confusão que os novos ateístas teimam em fazer. Quando o povo hebreu atribui certa vitória militar sobre os seus inimigos à acção de Deus, não temos Deus a concordar com essa leitura. A batalha militar será factual, e a vitória também, mas que sabemos nós acerca da "participação" de Deus nessa vitória? É o povo de Israel que faz essa leitura, mas não temos que aceitar essa leitura como sendo a de Deus. Dizer isto não é dizer que a Bíblia erra, pois todo o cristão (e todo o judeu) sabe que Deus não ditou a Bíblia, e que esta foi escrita por escribas humanos. Ao mesmo tempo, o testemunho de que Israel leu este ou aquele episódio histórico desta ou daquela maneira, é um testemunho vivo da procura de Deus por parte desse povo. Outra coisa óbvia: se determinada figura bíblica comete um crime (algo frequente!), é evidente que não se deve ler o texto no sentido de concordar com esse crime. Esses relatos são abundantes, contendo o ensinamento de que, após a Queda, o ser humano tem uma tendência não inata, mas adquirida com a Queda, para a asneira, e que esse caminho da asneira é o caminho oposto ao que nos leva a Deus.
Assim, o cristão fala do Génesis como o livro que relata, entre outras coisas, as verdades fundamentais de Deus Criador do Universo, da Tentação pelo Diabo, e da Queda do primeiro casal. Eu aceito necessariamente tudo isso como verdades, enquanto posso reconhecer que as palavras que são usadas constituem imagens que ajudam a aceder à verdade: a serpente, a maçã, a árvore, etc.; já Santo Agostinho, na sua obra "De Genesi ad litteram", dizia que a Criação não teria, necessariamente, que ter durado seis dias em sentido literal, ou seja, seis dias de 24 horas. No entanto, é correcta leitura do Génesis ler o texto da Criação como relatando uma sequência verdadeira e real: trevas iniciais, surgimento da luz, etc. Se notares bem, não é muito complicado (apesar de ser arriscado e ainda incerto, à luz do conhecimento actual) ver aqui vislumbres do "fiat lux" que representa o Big Bang. O relato do Génesis é gradual: primeiro, surgem as condições para a vida, e depois surge a vida. Tudo isto é lógico e faz sentido à luz do conhecimento actual.
Na visão cristã das coisas, entram sempre duas regras de ouro:
a) respeitar a tradição recebida de Cristo
b) respeitar a razão e as verdades seguras que fomos descobrindo por via racional
«Ao ler este teu post tenho a sensação que tomas o relato bíblico como real quando afirmas que Deus criou o universo, o mundo, os anjos, o Homem, etc. Ou seja, em parte alguma do teu discurso dizes que o relato da criação é uma interpretação do universo de uns quantos homens que viveram há uns bons milhares de anos atrás.»
Tens toda a razão. Eu tomo como real que Deus criou o Universo, os anjos, o Homem, etc., Mas espero ter deixado claro que há muitas nuances na palavra "criou"...
«E desculpa a minha ignorância... Como é que tu sabes? Se não for através da interpretação que homens fazem das palavras de outros homens, como é que tu podes saber?»
Toda a solidez da minha posição advém, como referi, de confiar no que a Igreja me ensina, e confiar na razão e nas certezas do meu intelecto racional. Aqui há uma hierarquia: eu creio primeiro para entender depois ("credo ut intelligam"), e não ao contrário. Também isso é a prática humana de sempre. Quando estamos na aula, acreditamos no professor antes de entendermos. Quando o nosso pai nos ensina a nadar, acreditamos primeiro nele antes de sabermos nadar. E assim por diante. Claro que podes perguntar-me: "mas como sabes tu que a Igreja ensina o que Cristo ensinou?". Aqui podemos avançar muito, e mesmo muito, com o estudo dos dados históricos, com a leitura do próprio Novo Testamento, e com a sua análise histórica e historiográfica. Com a leitura da Didaché e de outros textos em uso pelos primeiros cristãos. Com a leitura da patrologia, ou seja, dos textos dos Padres da Igreja, escritos durante os primeiros séculos de cristianismo. A doutrina cristã, quando estudada com rigor, apresenta-se completa e consistente, na sua essência, desde os primórdios do Cristianismo.
«O ser humano tem errado ao longo de toda a sua existência. Ou afirmas que os homens que escreveram, compilaram e editaram a Bíblia, não erram, ou afirmas que o texto foi escrito pela própria mão de Deus...»
O ser humano erra. Mas erra muito menos quando tenta seguir a Palavra de Deus. Logo no primeiro século de cristianismo, tens centenas e milhares de pessoas a preferirem serem mortas para não serem obrigadas a renegar a verdade da ressurreição de Cristo. Seriam loucos? Vítimas de alucinação? Conheces muitos casos de grupos organizados de pessoas que preferem serem mortos por teimarem numa ideia?
Em três séculos, essa religião de mulheres e de escravos tomou conta do Império Romano. Isso não te diz nada? Cristo disse que conheceríamos a qualidade da árvore pela qualidade dos frutos. O cristianismo inaugurou uma nova era de direitos humanos, de cultura, de ciência, de justiça. Trouxe o conceito totalmente inovador e revolucionário de caridade. Isso não vale nada? Isso não poderá indicar a origem sobrenatural da ideia cristã?
Hoje achamos banal, a ideia. Mas ela é espantosa: o próprio Deus faz-Se Homem, deixa-Se matar às nossas mãos, e tudo porque nos ama? E tudo para resgatar-nos do nosso pecado? E tudo para nos lançar numa vida nova?
Nenhuma outra religião coloca Deus no teatro humano como faz o cristianismo. Cristo não é um "avatar" como os hindus, que acham que a divindade, de vez em quando, assume uma forma humana. A teologia cristã não é uma teologia de divindades que, de tempos a tempos, visitam um corpo humano. A teologia cristã diz que Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. As regras da lógica levam-nos a ver aqui um vislumbre positivo em matéria de direitos humanos: afinal o homem até deve valer qualquer coisinha... Daqui até compreendermos a paixão cristã pela vida humana, vai um salto pequeno.
«Quando conferes autoridade absoluta aquilo que é descrito pelos autores do Novo Testamento, será que esqueces que não temos as palavras de Jesus, nem sequer dos seus discípulos directos?»
É claro que temos, Leonor. Não há consistência científica nenhuma na tese que defende que o Novo Testamento é fantasioso. O Novo Testamento tem, todo ele, uma estrutura factual e cronológica. Os Actos dos Apóstolos relatam, em primeira mão, acontecimentos presenciados pelo autor do livro. As cartas de São Paulo foram escritas pelo próprio, e enviadas a outros para serem lidas. Os autores dos Evangelhos não foram todos apóstolos directos de Cristo (João e Mateus sim, mas Marcos e Lucas não). Mas São Marcos viveu lado a lado com São Pedro durante tempo suficiente para absorver tudo dele. E São Lucas, médico companheiro de viagem de São Paulo, percorreu a viagem cristã por excelência: a missionação do Apóstolo dos Gentios, São Paulo.
«O que queres dizer, é que a Igreja, ou a tradição da Igreja diz que é assim e ponto final.»
Já terei referido que a crença em noções teológicas com base exclusiva em argumentos de autoridade é uma heresia, chamada "fideísmo". A tua frase, na sua essência, surge condenada pela própria Igreja como sendo herética. Obras imponentes como a Suma Teológica de São Tomás de Aquino são exemplos do fascínio cristão pela argumentação racional, contra posições fideístas, consideradas erradas, pelo desprezo pela razão como fonte de aferição intelectual.
Se fosse como dizes, eu teria que dizer coisas refutadas pela ciência ou pela história. Onde estão essas refutações?
Se fosse como dizes, não haveria consistência histórica no Novo Testamento. Mas há! Que pensar então disso?
Um abraço!
4 comentários:
Muito bom resumo de algum dos pontos fundamentais do Cristianismo Católico!
"No entanto, é correcta leitura do Génesis ler o texto da Criação como relatando uma sequência verdadeira e real: trevas iniciais, surgimento da luz, etc. Se notares bem, não é muito complicado (apesar de ser arriscado e ainda incerto, à luz do conhecimento actual) ver aqui vislumbres do «fiat lux» que representa o Big Bang."
Acho mesmo arriscado, não pelos relatos bíblicos, que não pretendem ser relatos científicos, mas pelos próprios conhecimentos da ciência que são muito voláteis.
Basta vermos como hoje os cientistas mainstream falam da suposta "matéria negra". Não nos faz esta matéria negra lembrar o éter ou as esferas celestiais?
Assentar a fé sobre o conhecimento científico (atenção que não estou dizer "sobre a razão") é construir uma casa sobre areia.
Obrigado, Cristóvão!
Concordo inteiramente consigo. Muitas vezes, não resisto a aproveitar algumas das espantosas "aproximações" que se podem fazer entre catolicismo e Ciência, mas nunca é prudente, como você refere, assentar a nossa fé católica em teses científicas.
Você apontou uma razão,que tem a ver com a própria mutabilidade dos conhecimentos científicos, e como estes se tornam obsoletos muito depressa.
Mas acho que há uma razão mais profunda: a Revelação vem de Deus, e portanto, é isenta de erro. Enquanto que a Ciência é obra de homens e de mulheres, e não é isenta de erro.
No entanto, como católico, reconheço a inegável acção do Espírito Santo, que está certamente a guiar o trabalho de todo o cientista activamente envolvido na pesquisa da verdade científica das coisas deste mundo. O trabalho do cientista é dos mais fascinantes e espantosos, pois significa, para o cristão, trabalhar activamente na compreensão intelectual da Criação.
Abraço!
Olá, Bernardo!
Espero que tenhas tido uma tarde descansada e que continues a ter umas boas férias.
O teu texto é realmente muito longo, mas vou tentar ser breve na minha resposta.
Não me interessam, pessoalmente, as ginásticas mentais que fizeste para adequar os factos científicos (de que temos conhecimento actualmente) ao relato figurado e metafórico que um povo há 3 mil anos atrás – com pouquíssimos recursos para além da imaginação, fé e sincretismo cultural e religioso - tentou formular.
Aceitas o relato da Criação como “…um relato figurado, no sentido em que recorre a imagens simples, mas ao mesmo tempo muito belas, que descreve verdades objectivas e concretas.” Calculo que estejas a diminuir como insignificantes ou irrisórias as contradições visíveis nos relatos bíblicos, muito bem. Mas ao mesmo tempo ignoras também toda a influência que o contexto cultural, geográfico e político que contribuiu para que o povo judeu tenha “desenhado” uma história para Deus, para a sua assembleia divina e para a sua “mitologia”.
No fundo, inspirados ou não por Deus, estes homens usaram os instrumentos que tinham à sua disposição e que se podem resumir no discurso lendário e heróico aliado a uma forte entidade "nacional" e numa fé comum.
Continuo sem perceber como podes aceitar a ideia do Diabo que interfere na vida humana, como uma entidade real, a existência de um primeiro homem e uma primeira mulher, a queda como um acontecimento quase histórico e ao mesmo tempo reduzes à metáfora as ideias também vinculadas pelos mesmos textos: do homem ser criado do pó ou a criação da mulher através da costela do homem. Qual é o critério? O nível de absurdo? De implausibilidade? O que leva estes homens a escreverem sobre a origem do universo de forma correctíssima e depois a cometerem erros absurdos?
Não são estas imagens apenas bonitas interpretações e explicações para as perguntas eternas do Ser Humano? Porque é que escolhes um relato como sendo literal em detrimento de outro que é segundo a opinião da Igreja apenas metafórico?
“A batalha militar será factual, e a vitória também, mas que sabemos nós acerca da "participação" de Deus nessa vitória? É o povo de Israel que faz essa leitura, mas não temos que aceitar essa leitura como sendo a de Deus.”
E porque não? Então também não devemos aceitar a leitura do Diabo como sendo uma personagem real e sim como uma mera interpretação que os homens fizeram.
“Quando o autor do livro do Génesis escreve que Adão e Eva comeram da maçã da árvore do Bem e do Mal, nenhum leitor erudito da Bíblia pensou que se tratava necessariamente de um fruto físico...”
Bernardo… o que te leva a dizer que era uma maçã? Ai ai…
As histórias, as fábulas, as tradições servem sempre um propósito. Não deixam de ter um fundo de verdade, ou se quiseres, representam uma verdade que não passa necessariamente pela existência concreta dos factos. Se quiseres, podemos tomar como exemplo, a Epopeia de Gilgamesh, onde surge o episódio de um dilúvio que comprovadamente influenciou a escrita do relato bíblico. A epopeia representa uma demanda sobre a imortalidade do Ser Humano e sobre a sua vulnerabilidade perante “os poderes superiores” (em última análise a própria natureza mortal do Homem e neste caso entendido como os parâmetros definidos pelos deuses para os homens). Esta demanda pode ser transportada para os nossos dias, tal como muitos dos relatos bíblicos. A verdade deles é evidente neste sentido. Mas não quer dizer que eu acredite que o deus Enlil condenou a humanidade só porque estes eram muito barulhentos e não paravam de crescer. Aliás, a título de curiosidade, este relato no Gilgamesh faz muito mais sentido que a sua cópia Bíblica. Já que a moral da história reflecte exactamente a relação de co-dependência entre as divindades e a humanidade e o malandro do deus Enlil foi condenado pela assembleia de deuses pela sua crueldade.
(continua)
“Conheces muitos casos de grupos organizados de pessoas que preferem serem mortos por teimarem numa ideia?”
Sim, muitos ao longo de toda história. Morreram por tanto por ideias religiosas, políticas, de nacionalidade, e até por mera insanidade.
“Em três séculos, essa religião de mulheres e de escravos tomou conta do Império Romano. Isso não te diz nada? ...O cristianismo inaugurou uma nova era de direitos humanos, de cultura, de ciência, de justiça. Trouxe o conceito totalmente inovador e revolucionário de caridade. Isso não vale nada? Isso não poderá indicar a origem sobrenatural da ideia cristã?”
Tanto quanto a rápida expansão poderá indicar a origem sobrenatural do Islão, da Cientologia e da IURD. Quanto à ciência, direitos humanos, cultura e justiça – podemos atribuir unicamente esses progressos ao Cristianismo? Desconheces a cultura da Antiguidade? E desconheces o desenvolvimento científico do Islão? E que progressos são esses? Com certeza não afirmas que todos esses campos floresceram automaticamente nos primeiros séculos da nossa Era.
“o próprio Deus faz-Se Homem, deixa-Se matar às nossas mãos, e tudo porque nos ama? E tudo para resgatar-nos do nosso pecado? E tudo para nos lançar numa vida nova?”
Vais desculpar-me pelo meu discurso tomar agora um certo tom irónico, mas vamos ver esse pressuposto como se fosse a primeira vez que o estivesse a ouvir.
Primeiro, Deus faz-se homem com o intuito de morrer (o suicídio então devia ser uma prática mais querida pelos cristãos). Deus lança-se ao mundo dos mortais sabendo de antemão o que vai acontecer. Não só sabe que vai morrer fisicamente como sabe que tem uma vantagem sobre os comuns mortais, já que é eterno. Onde está o sacrifício então?
É de supor então que estando programada a morte de Jesus, todos os seus passos conduziam aquele final. Tudo teria de acontecer segundo o plano divino, coitado de Judas!
Se Pôncio Pilatos exercesse o seu livre arbítrio e o libertasse, com certeza Jesus teria de encontrar outra maneira de morrer, ou sobreviveria para contar ele mesmo a história?
Eu sei que a História não se escreve no condicional, mas verdade seja dita, também as ilações feitas à posteriori são demasiado fáceis para não se cair em tentação.
Porque nos ama? Mas é preciso sangue para nos provar que nos ama? Se os meus pais se matassem ou se deixassem morrer só para me dizer que me amam e que seria para me salvar de uma tomada de decisão feita por eles próprios, seria ridículo, um sacrifício sem sentido. Consigo pensar em mil e uma maneiras em que eles podiam demonstrar o amor pelos seus filhos. Nenhuma delas inclui morte, mas também é verdade que sou uma mera mortal!
Depois a ideia que ele morreu pelos nossos pecados… Pelos pecados feitos pela humanidade antes da sua vinda ao mundo? Ou para todos aqueles que viveram nestes últimos dois mil anos? É pelos meus pecados e por aqueles que eu ainda não cometi ou posso nem vir a cometer? O que é que isso significa ao fim ao cabo? Que estou liberta do “pecado original” e agora estou prontinha para enfrentar a vida se acreditar nele e etc? E porque razão é que ele morreu pelos pecados de todos? Não somos todos responsáveis e donos de livre arbítrio para decidir por nós próprios?
É uma lógica circular.
Boas férias, que o "pestinha" te deixe dormir!
Leonor
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