terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Carta aberta a Fernanda Câncio

Cara Fernanda Câncio,

É sempre uma tristeza ver alguém deturpar deliberadamente uma fonte.
Contudo, foi o que você fez, ao escrever o seu artigo de opinião no DN, "O Cardeal do dia seguinte". Vou assumir duas coisas em relação a si:

a) leu o texto do Cardeal-Patriarca de 7 de Janeiro, pois faz referência a ele

b) sabe ler em português corrente

O seu artigo no DN é uma bárbara demonstração do que é fazer uma citação descontextualizada.
Infelizmente, isto está longe de ser uma prática rara relativamente à hierarquia da Igreja Católica nos tempos que correm.
Como terá reparado, se leu o texto original, o Cardeal-Patriarca não está a invocar razões para votar "NÃO". Está, tão somente, a pegar numa das razões do "SIM", a tal razão de tentar "acabar com o aborto clandestino", para ver se essa razão vinga. O Cardeal-Patriarca está a emitir a sua opinião acerca de tal argumento, tentando chegar a uma noção mais equilibrada do que será o aborto clandestino, e da sua verdadeira dimensão (bem diferente da dimensão dos propagandistas). Vamos ler, para variar, o bloco em questão, conforme o Cardeal-Patriarca o escreveu, e não conforme a Fernanda o leu:

«2. Os motivos que parecem justificar esta proposta legislativa, vamo-nos apercebendo deles nas diversas declarações de governantes, de partidários da lei, de movimentos a favor do “sim”.
* Parece ser a busca de uma solução para o drama do aborto clandestino. Que ele existe e é um drama, é uma realidade. Mas qual a sua dimensão? O várias vezes anunciado estudo sobre esta realidade nunca foi realizado. O cruzamento dos métodos anticonceptivos com os métodos abortivos e as soluções químicas para a interrupção da gravidez fizeram diminuir a realidade do aborto de “vão de escada”. Esta nova realidade traz a decisão de abortar para o campo da liberdade pessoal e da consciência e não é razão para esta alteração na Lei. Não quero, com o que acabo de dizer, negar a realidade do “aborto clandestino”. Penso só que era preciso tipificar melhor a realidade, nas suas dimensões evolutivas, antes de propor à decisão dos portugueses uma tão grave alteração legal.»


A Fernanda sabe ler, não sabe? Então veja lá se não é claro que o texto à frente do "*" está a comentar uma das razões do "SIM".

Entende que comentar uma razão do "SIM" é diferente de argumentar pelo "NÃO"?

Entende que o Cardeal Patriarca não está a concordar com nenhum método anticonceptivo, com nenhuma solução química, com nenhum método abortivo?

Não vislumbro nenhumas "dúvidas" no texto do Cardeal Patriarca, nem sequer a antecipação do seu tão desejado "dia seguinte".

Só vislumbro as suas próprias dúvidas, Fernanda Câncio, e isto se eu quiser ser bem intencionado. Escreve que vale a pena dissecar as afirmações do Cardeal-Patriarca? No seu caso, dissecar rima com deturpar!

Se eu quiser ser mais maldoso (realista?), direi que a Fernanda não tem quaisquer dúvidas acerca do texto que leu. Apenas escreveu um péssimo e distorcido artigo de opinião. O objectivo?
Bem nítido: fazer mais pessoas confusas votarem "SIM", por vislumbrarem, no seu texto de opinião, umas inexistentes "dúvidas" do Cardeal-Patriarca, e uma inexistente expectativa pelo "dia seguinte", no qual a Igreja Católica irá pactuar com o aborto. Bem pode esperar sentada! O desespero aumenta à medida que caminhamos para 11 de Fevereiro, e com ele vem o "tudo por tudo", não é?
Mas também, as opiniões valem o que valem, certo? Contudo, o que deveria ter valor para si (e para qualquer pessoa) é o acto ético de citar correctamente uma fonte... Independentemente de uma referência distorcida e deturpada ao texto do Cardeal-Patriarca favorecer claramente o resultado que deseja.
Afinal, quantos dos leitores do DN é que irão diligenciar no sentido de ler o texto completo?

Para sua informação, aqui fica o dito:

http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia.asp?noticiaid=41221

Cumprimentos,

Bernardo Sanchez da Motta

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