(Este texto sofreu alterações profundas e adições posteriores, em virtude de a sua redacção original conter partes menos claras, que permitiam interpretações erradas)
Os Estados Unidos da América, como é sabido, são, em muitas matérias, como que uma "bola de cristal" para outros países. Ou seja, nos EUA sucede quase tudo aquilo que vai suceder noutros lugares do mundo que partilhem da mesma cultura ocidental.
Em 1973, o caso Roe vs. Wade marcou o início do aborto livre nos EUA.
Quase vinte e quatro anos depois, preparamo-nos, com a próxima vitória do "sim" a 11 de Fevereiro, para cometer o erro que os EUA cometeram em 1973.
E, curiosamente, no preciso momento em que se notam, nos mesmos EUA, mudanças profundas na forma de encarar o aborto.
Convém ler o trabalho publicado neste blogue, da autoria de Francisco Menezes:
http://1aborto.blogspot.com
No fim do trabalho, há uma transcrição muito interessante de uma moção apresentada na Câmara dos Representantes a 19 de Setembro de 2006, ou seja, há pouco mais de três meses. Vejamos o objectivo da moção apresentada (ver o texto completo no blogue de Francisco Menezes):
HR 6099 IH
109th CONGRESS
2d Session
H. R. 6099
To ensure that women seeking an abortion are fully informed regarding the pain experienced by their unborn child.
IN THE HOUSE OF REPRESENTATIVES
September 19, 2006
Mr. SMITH of New Jersey (for himself, Mr. ADERHOLT, Mr. AKIN, Mr. BACHUS, Mr. BARTLETT of Maryland, Mr. BLUNT, Mr. BOEHNER, Mr. BOOZMAN, Mr. BOUSTANY, Mr. BURGESS, Mr. BURTON of Indiana, Mr. CANNON, Mr. CANTOR, Mr. CARTER, Mr. CHABOT, Mr. DAVIS of Kentucky, Mrs. JO ANN DAVIS of Virginia, Mr. DAVIS of Tennessee, Mr. LINCOLN DIAZ-BALART of Florida, Mr. MARIO DIAZ-BALART of Florida, Mr. DOOLITTLE, Mrs. DRAKE, Mr. EHLERS, Mrs. EMERSON, Mr. FERGUSON, Mr. FORTENBERRY, Ms. FOXX, Mr. FRANKS of Arizona, Mr. GARRETT of New Jersey, Mr. GOODE, Mr. HENSARLING, Mr. HERGER, Mr. HOEKSTRA, Mr. HUNTER, Mr. ISTOOK, Mr. SAM JOHNSON of Texas, Mr. KENNEDY of Minnesota, Mr. KING of Iowa, Mr. LAHOOD, Mr. LATHAM, Mr. TERRY, Mr. LEWIS of Kentucky, Mr. MANZULLO, Mr. MCCAUL of Texas, Mr. MCCOTTER, Mr. MCHENRY, Mr. MELANCON, Mr. MILLER of Florida, Mrs. MUSGRAVE, Mrs. MYRICK, Mr. NEUGEBAUER, Mr. PENCE, Mr. PICKERING, Mr. PITTS, Mr. RADANOVICH, Mr. RAHALL, Mr. RENZI, Mr. ROGERS of Michigan, Ms. ROS-LEHTINEN, Mr. RYAN of Wisconsin, Mr. RYUN of Kansas, Mr. SHADEGG, Mr. SOUDER, Mr. TIAHRT, Mr. WESTMORELAND, Mr. WILSON of South Carolina, and Mr. GARY G. MILLER of California) introduced the following bill; which was referred to the Committee on Energy and Commerce
A BILL
To ensure that women seeking an abortion are fully informed regarding the pain experienced by their unborn child. (negrito meu)
Afinal, se os estados mais avançados do mundo em termos de ética defendem a anestesia dos animais antes de estes serem mortos nos matadouros, porque razão não se anestesiam os fetos antes de serem abortados? Esta moção tem como objectivo louvável o de informar a mãe, que tenciona abortar num estágio avançado da sua gravidez, do facto de o seu feto sentir dor durante o processo abortivo.
Do que pude ver, nesta campanha portuguesa, onde muitos falam e poucos têm razão, ainda ninguém tinha levantado esta pertinente questão!
A luta por este elementar direito, o direito do feto a não sentir dor enquanto é eliminado, não deveria gerar objecções nos defensores do direito ao aborto, sobretudo porque tal direito já é reconhecido, por muitos, aos animais que são abatidos para consumo.
Para evitar mal-entendidos, visto que o presente referendo em Portugal tem como prazo temporal as dez semanas, torna-se difícil recorrer a este argumento para defender a votação no "não".
Por um lado, este argumento não visa directamente o mal ético de abortar.
Por outro lado, pode não ser possível provar que neste estágio (a organogénese termina às oito semanas, e os primeiros órgãos do sistema nervoso surgem por volta das sete semanas) o embrião sente dor como nós a sentimos (1). O tálamo está presente às sete semanas, e há provas de respostas motoras do embrião a estímulos sensoriais. Contudo, o conceito de dor é, obviamente, mais abrangente do que apenas a reacção a estímulos sensoriais. Há que avaliar se o estímulo sensorial é classficado pelo embrião ou pelo feto como negativo (doloroso ou incómodo) ou positivo (agradável). A questão é controversa e complexa. Contudo, é uma questão que não deve ser deixada de fora quando se analisa a situação do acesso livre ao aborto em termos gerais.
Sobretudo se considerarmos que pode fazer sentido recorrer a anestesia, mesmo que se venha a provar que existe uma diminuta possibilidade de o embrião ou feto sentirem a dor como nós a sentimos. Em caso de dúvida, mais vale fazer algo para evitar o risco, mesmo que eventualmente seja diminuto, de a vítima do aborto sentir dor. O que não se pode negar é que o embrião começa a reagir a estímulos sensoriais às sete semanas, para tal apenas bastando a presença do tálamo, visto que o cortex (ainda inexistente às dez semanas usadas no referendo) não é essencial para a reacção a estímulos.
(1) Sobre esta questão, ver este estudo científico acerca da dor fetal: Fetal “Pain” — A Look at the Evidence. No entanto, existem estudos contraditórios: Fetal Pain, e Can fetuses feel pain?. Esta lista, evidentemente, não é exaustiva.
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