São muitos os que têm contribuído de forma empenhada na discussão do tema que está de novo na ordem do dia, o aborto... ou a IVG para os mais metafóricos... Uns mais famosos que outros, uns mais objectivos que outros, a verdade é que este tema interpela a esmagadora maioria dos Portugueses e parece contamina-los com uma energia democrática refrescante.
O mais recém-chegado ao já vasto leque de participantes nesta pré-campanha, foi o justamente famoso Ricardo Araujo Pereira, afirmando-se um apoiante incondicional da liberalização do aborto.
Sou um espectador assíduo do tipo de humor que ele pratica, mas confesso que fiquei desiludido pela forma, ou melhor pelos argumentos que o RAP utilizou para fundamentar a sua posição. Dizia ele que “as mulheres que praticam o aborto não são criminosas, por isso não devem ir parar à prisão e têm o direito de praticar o aborto nos locais próprios para as intervenções médicas”.
Não é mesmo um argumento original, aliás com uma ou outra nuance é o mais batido de todos. Não que um argumento seja mais ou menos válido pela sua originalidade ou, como neste caso, pela falta dela. O fundamental é que seja pertinente, fundamentado e que ajude a esclarecer diferentes pontos de vista. Manifestamente o nosso ilustre companheiro esqueceu-se de tudo isso e preferiu qualquer coisa mais light...
Senão vejamos! A lei actual prevê que mulheres que pratiquem o aborto, possam ser condenadas até 3 anos de prisão. A mesma lei não diz; mulheres que pratiquem aborto são automaticamente condenadas à prisão. Talvez seja por isso que não exista nenhuma mulher presa por ter cometido aborto. Isto, em si, não significa que tenhamos um país hipócrita que tem leis que não são para cumprir. Significa antes que temos um quadro de juízes responsáveis que compreendem a lei e perante ela consideram as diversas atenuantes, ou falta delas, durante o processo de julgamento.
Acredito profundamente que a justiça Portuguesa tem por objectivo uma pedagogia, no sentido de responsabilizar quem interferiu gravemente na liberdade de outros e, ao mesmo tempo, de o dotar de competências que lhe permitam não repetir o mesmo erro. Posição manifestamente contraria à de alguns trogloditas com assento parlamentar, que proclamam o fim da humilhação das mulheres em tribunal. Fica a questão... Será que as mulheres até agora julgadas foram efectivamente humilhadas pelo tribunal ou pelas feiras montadas à porta deles? E quem são os responsáveis pela montagem dessas feiras?
Contudo, parece-me que o essencial não se centra em nenhuma destas questões medíocres que gravitam em torno deste tema dramático e tão dolorosamente real. O que é realmente importante discutir são as alternativas que possibilitem outros caminhos que não o aborto.
É do senso comum, embora também esteja documentado em diversos estudos, que a esmagadora maioria das mulheres optam pelo o aborto só em situações de extremo limite e que dessas mulheres, mais de 80%, após praticarem o aborto, ficam com problemas psíquicos graves.
Ou seja, a esmagadora maioria dos cidadãos Portugueses, mulheres e homens, consideram que o aborto é sempre um mal mas, por vezes, por diversos factores incontornáveis torna-se um mal dolorosamente necessário que estariam dispostos a evitar se encontrassem alguma solução.
Portanto, considero inaceitável que a única resposta que a sociedade Portuguesa encontre para esta questão seja exactamente aquela que empurra os casais, mulheres e homens para aquilo que manifestamente não querem, o aborto, através da sua liberalização. Essa posição revela uma sociedade fraca, cobarde e egoísta, que a única coisa que pretende é lavar as mãos, de forma grosseira, de um flagelo que é o aborto clandestino. Por outras palavras emendar um grande erro com um erro ainda maior.
Eu quero acreditar que temos um Estado corajoso, que tenha competências para apoiar os principais grupos de risco... mães solteiras ou famílias sem recursos financeiros. Mães que por alguma razão se sintam pressionadas, por condenações sociais ou qualquer outro tipo de pressão.
É aqui que reside o fundamental deste debate. Encontrar soluções que possam dotar o Estado Português de ferramentas que lhe permitam apoiar de forma activa e relevante as mulheres e famílias em situações criticas.
Ao contrário do que tem sido veiculado, a liberalização do aborto não vai acabar com o aborto clandestino, não vai baixar o índice de aborto, pelo contrário, não vai proteger as mulheres... nem as mais ricas nem as mais pobres... nem as mais velhas nem sequer as mais novas. A liberalização não é resposta para nada porque não combate a base, as causas que levam ao aborto.
Acredito firmemente que é a lei que serve a sociedade e não a sociedade que serve a lei, isto de uma forma geral e abstracta. Penso que neste caso, como em tantos outros, a lei pode ser melhorada, actualizada, como aliás a Maria Rosário Carneiro pretendeu fazer. Mas isto não significa a ausência de lei. Isso sim, nunca é solução.
Em suma, o aborto é um caminho de sofrimento que em si carrega um enorme sentimento de culpa. O seu carácter irreversível torna-o ainda mais repressor, como uma espécie de condenação de muitos casais, de muitas mulheres e homens à mais profunda e desesperada infelicidade. O importante é combatê-lo com todas as nossas capacidades e não escondê-lo sob a forma de uma qualquer cirurgia inofensiva sem consequências sociais, éticas ou psíquicas.
Um abraço,
Duarte Fragoso.
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