terça-feira, 6 de março de 2007

Aborto obrigatório para os médicos?

A cada dia que passa, as forças "pró-escolha" concentram-se na nova frente da guerra pelo aborto. Agora que o aborto está practicamente legalizado em todo o mundo ocidental, o esforço centra-se na eliminação da objecção de consciência por parte do pessoal médico.

Um recente editorial do New York Times, de 13 de Fevereiro, tragicamente intitulado Doctors Who Fail Their Patients, é um bom exemplo de como grande parte dos media estão milimetricamente sincronizados com os movimentos pró-aborto e com as grandes organizações de saúde como a OMS ou a WMA.

«It was bad enough when pharmacists who call themselves pro-life refused to fill prescriptions for morning-after pills and an emergency medical technician refused to help drive a woman to an abortion clinic.»

Não se percebe a frase. Um farmacêutico que se recusa a vender medicamentos com potencial efeito abortivo está, coerentemente, a defender a vida humana. Os técnicos de saúde que se recusam a colaborar num aborto, mesmo que seja sob a forma de transporte de uma mulher para o local onde ela vai abortar, estão a ser coerentes.

«Now a new survey has revealed that a disturbing number of doctors, at the presumed pinnacle of the health professions, feel no responsibility to inform patients of treatments that the doctors deem immoral or to refer them to other physicians for care.» (negrito meu)

Note-se como os editores usam a palavra "treatment" ("tratamento") para se referirem a medidas como o aborto. Mas veja-se que esta mesma má argumentação também poderia (e muitos o fazem) ser usada em abono da eutanásia. É evidente que nenhum médico tem o direito de se recusar a tratar um doente: faz parte do seu código de conduta e da sua obrigação profissional. Outra coisa completamente diferente diz respeito a estes novos "tratamentos" feitos para pessoas que não estão doentes, como o aborto, ou para pessoas cujo suposto "tratamento" vai, na prática, matá-los. É certo e claro que um médico pode ser objector de consciência em relação aos dois "tratamentos", visto que nenhum deles faz parte da sua obrigação deontológica profissional.

«Although the close-mouthed doctors claim a right to follow their consciences, they are grievously failing their patients and seem to have forgotten the age-old admonition to “do no harm.”»

"Do no harm"...
Custa a perceber, à primeira vista, se o editorial é satírico ou se eles estão mesmo a falar a sério. Será que um médico está mesmo a "falhar gravemente" aos seus doentes, ao se recusar a aplicar pseudo-"tratamentos" que não visam nenhuma doença em concreto, que visam apenas uma solução facilista que vai contra a ética do médico profissional?
Se a expressão "do no harm" parecia estranha perante um aborto, visto que o médico que aborta faz objectivamente mal à mãe e ao filho, então no caso da eutanásia, a expressão torna-se definitivamente patética.

É melhor esmiuçar um pouco esta questão da ética médica. É evidente que nenhum médico pode defender dois sistemas éticos contraditórios, ou defender uma ética viciada com contradições internas. Se um médico fez o Juramento, está comprometido com a obrigação de defender a vida e de dar assistência ao tratamento de doentes, pelo que não poderá invocar a objecção de consciência para, por exemplo, negar o tratamento a um criminoso.
Por outro lado, visto que nem o aborto nem a eutanásia fazem parte das obrigações dos médicos, não há mal algum em que tais médicos possam ser objectores de consciência. No caso do aborto, não há nenhum doente em questão, há apenas um utente do sistema de saúde que não está doente e que se quer ver livre de uma criança. No caso da eutanásia, a sua prática corresponde precisamente ao oposto da função do médico: matar em vez de salvar ou tratar um doente.

Há que explicar, e ninguém parece interessado em fazê-lo do ponto de vista ético, porque razão é que matar (no caso do aborto ou da eutanásia) deveria fazer parte da carteira de serviços obrigatórios para um médico.

«The survey, by researchers at the University of Chicago, was published last week in The New England Journal of Medicine. The researchers mailed questionnaires to some 2,000 doctors asking whether they had religious or moral objections to three controversial practices. Of the 1,144 who responded, only 17 percent objected to “terminal sedation” to render dying patients unconscious, but 42 percent objected to prescribing birth control for adolescents without parental approval, and 52 percent opposed abortion for failed contraception.
The encouraging news is that substantial majorities thought that doctors who objected to a practice nevertheless had an obligation to present all options and refer patients to someone who did not object. But that left 8 percent who felt no obligation to present all options and an alarming 18 percent who felt no obligation to refer patients to other doctors. Tens of millions of Americans probably have such doctors and are unaware of their attitudes.»
(negrito meu)

Este imbecil e autista editorial insiste em escrever frases absurdas como se fossem verdades incontestáveis. Porque razão seria um médico obrigado a apresentar "opções" de pseudo-tratamentos a pessoas que não estão doentes (no caso do aborto)? Porque razão deveria sugerir a morte a um doente (no caso da eutanásia)? Porque razão deveria, nestes casos, estar obrigado a encaminhar esta pessoa para um médico de "ética flexível"?
Sinceramente, considero que os médicos objectores que, recusando-se a cometer os actos que reprovam, insistem em apresentar opções deste tipo, estão a ser incoerentes. Se consideram que tais opções são más, é porque as vêem como más em absoluto, ou seja, não só não resolvem mal algum como também não trazem benefícios (e podem mesmo trazer malefícios, como no caso do aborto e da eutanásia).
Ou seja, o médico objector que se recusa a dar informação desse tipo é um médico profissional e intelectualmente coerente.

«The researchers put the burden on patients to question their doctors upfront to learn where they stand before a crisis develops. But that lets doctors off the hook.»

"Off the hook"?
Esta expressão dá a ideia de que o médico se quer "safar" das suas responsabilidades, quando estas são inexistentes e não fazem parte do seu código deontológico nem das suas obrigações profissionais.

«Physicians have a right to shun practices they judge immoral (...)»

Pelo resto do texto do editorial, é quase anedótico que tenham escrito esta frase...

«(...) but they have no right to withhold important information from their patients. Any doctors who cannot talk to patients about legally permitted care because it conflicts with their values should give up the practice of medicine (negrito meu)

Veja-se bem como este editorial termina. "Legally permitted care", é o termo usado para o aborto, mas também poderia ser usada, do mesmo modo, para a eutanásia. Acho que a palavra "care" está terrivelmente mal empregue, e sobretudo no contexto do aborto ou da eutanásia (morte provocada de um ser humano) a palavra ganha contornos sinistros e macabros. "Care"?

Mas veja-se a admoestação: "should give up the practice of medicine"!
É para isto que caminhamos, dia após dia.
É mesmo só uma questão de tempo. A classe médica está, neste momento, a ser posta à prova no teste ético mais importante da História da Medicina.
Esperemos que os nossos médicos não se comportem como muitos "médicos" dos negros tempos do Terceiro Reich... Mais vale perder o emprego que a dignidade e a honra profissional e humana.

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