quinta-feira, 8 de março de 2007

Os surreais reais no país do aborto livre

Hoje, Dia da Mulher, a coisa propiciava uma série de disparates avulsos a propósito de aborto livre.

A professora Manuela Tavares, conhecida e antiga defensora daquela categoria lata de "direitos" das mulheres, falou hoje na rádio para afirmar que este Dia da Mulher, de 2007, era importante por coincidir com a aprovação parlamentar da nova lei do aborto.

Esta senhora, cujo esforço incansável pelos seus ideais (quase todos errados, por sinal) merece sempre respeito, defende, contudo, ideias erradas que não merecem respeito algum. Elogiando este novo "direito" a matar por parte das mulheres grávidas portuguesas, ela aproveitava para o colocar na linha de uma série de direitos conquistados a pulso. Já não me recordo das palavras exactas, mas no final da peça radiofónica afirmava que, hoje, ainda há pessoas que não aceitam que uma mulher possa ser competente para ocupar um alto cargo de chefia...

Eu ouvia isto, boquiaberto, consciente de que existiriam, infelizmente, poucos portugueses chocados como eu. O que é que tem a ver uma coisa com a outra? O direito a ocupar um cargo de chefia com o direito a matar um feto? Não contesto que uma mulher, demonstrando competência (como um homem), pode ocupar um lugar de chefia. Como contestar? Se um lugar de chefia, normalmente, deve pertencer a quem é competente, que interessa se tal competência vem no feminino ou no masculino?

Porque raio é que o aborto é ainda visto por tanta gente como um direito da mulher? Será apenas analfabetismo em matéria de Ética? Sim, esse analfabetismo existe, e é fácil de detectar. Muitos filósofos pró-escolha de referência aceitam que há, no aborto, um conflito de direitos: o direito da mulher ao seu corpo colide com o direito à vida do feto. Na generalidade, os filósofos pró-escolha, perante esse conflito, optam pela mulher, legitimando eticamente o aborto. Mas há filósofos que, perante esse conflito, não permitem à mulher matar.

Seja qual for a nossa posição no terreno da Ética, a verdade é que não se pode encarar o aborto como um puro direito da mulher, sob pena de reduzir o valor do direito à vida do feto a um redondo zero.

Porque é que a professora Manuela Tavares, com anos de experiência nestas lides, não parece ter pensado nisto nestes termos? Um recente artigo seu, tristemente intitulado Vencer o défice democrático para além dos "valores", pode apontar para uma explicação...

«Os partidos devem pronunciar-se sobre o défice democrático que representa o julgamento de mulheres por interromperem uma gravidez que não desejam. Ao tomarem esta decisão as mulheres estão a exercer um direito de cidadania que não pode ser negado- o da escolha de uma maternidade livre e consciente.»

Está comprovado. Não só a professora Manuela Tavares ignora completamente a existência ética do embrião/feto, como podemos ainda detectar um problema lógico nesta frase.

«escolha de uma maternidade»

Só que a maternidade apenas se escolhe antes de se ser mãe. Uma mulher que já é mãe não pode "escolher" não ser, sob pena de matar, o que é um erro ético. A escolha é feita ao nível da prevenção da gravidez, do tentar evitá-la. Se ela já ocorreu, então a maternidade, nessa mulher, já é um facto, e contra factos não há argumentos.

Depois, poderíamos ainda questionar o próprio título do seu artigo. Será que a democracia deve ir "para além dos valores"? Mas a democracia não pretende estar fundada sobre valores? Que raio de confusão de conceitos é esta?

De onde vem esta corrupção da intelectualidade, que faz com que pessoas adultas aparentemente racionais não sejam capazes de tecer considerações racionais?

Infelizmente, o dia de hoje está cheio de disparates para comentar. Nessa mesma emissão radiofónica, tive o desprazer de escutar também a voz do Dr. Albino Aroso, que questionado acerca do problema logístico das unidades hospitalares serem capazes de fazer face aos pedidos de aborto legal, ele afirmava categoricamente, menosprezando esse real problema, que o aborto era "um fenómeno raro" nos dias de hoje. Esta frase inexplicável, dita sem pensar aos microfones da rádio, faz sentido no seu contexto de tentar capitalizar uma vida inteira dedicada à contracepção artificial, ao ponto de ser considerado por muitos (e pela jornalista) como o "pai" português do planeamento familiar (será isto um elogio? deve ser!). Curiosa frase sua, quando em plena campanha, as forças políticas pelo "sim" afirmavam, em plenos pulmões, querer acabar com o "flagelo", o "drama", a "calamidade" do aborto clandestino. Será que um "fenómeno raro" pode ser apelidado de "flagelo", "drama" ou "calamidade"? Mas do Dr. Aroso, tratarei mais tarde...

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