quarta-feira, 9 de março de 2011

Ateísmo - homeopatia para o intelecto

É possível ser-se naturalista sem se ser darwinista? É, claro que sim. Aliás, todos os naturalistas, antes de Darwin, forçosamente não eram darwinistas. Mas nos dias que correm é difícil encontrar um naturalista, ou seja, uma pessoa que negue a existência de uma parte sobrenatural (transcendente, imaterial, metafísica, etc.) da realidade, que não seja darwinista.

O sumo-sacerdote do naturalismo darwinista, Richard Dawkins, disse-o de forma contundente: "Although atheism migh have been logically tenable before Darwin, Darwin made it possible to be an intellectually fulfilled atheist" - The Blind Watchmaker (1986), p. 6.

Assim, Dawkins parece concordar que um naturalista contemporâneo é, para todos os efeitos, e salvo algumas excepções pontuais, um darwinista.

No entanto, o naturalismo darwinista é falso. Não por culpa do darwinismo, mas por culpa do naturalismo. O naturalismo é falso. Ponto final.

(Nota: algum leitor mais distraído poderia pensar que estou a atacar a teoria científica darwinista, ou neodarwinista. Não é, de todo, o caso. Considero que, apesar das fragilidades inerentes a uma teoria científica ainda em construção, a explicação neodarwinista é a melhor explicação científica que temos hoje em dia para a evolução das espécies. O que estou a criticar é o naturalismo darwinista, que é uma filosofia de vida que defende o naturalismo filosófico tentando suportar-se no darwinismo científico)

Porque razão se pode dizer, com confiança, que o naturalismo é falso? Noutros textos apresentei vários exemplos: o naturalismo é auto-refutatório por destruir qualquer conceito consistente de verdade, o naturalismo destrói o conceito de livre arbítrio (torna-o numa ilusão, o que destrói a responsabilização dos actos livres), o naturalismo não sustenta adequadamente a capacidade humana de raciocinar e de compreender a realidade, e assim por diante.

Visto do ponto de vista do naturalismo darwinista, pode-se fazer a seguinte refutação:

(1) Se o naturalismo darwinista é verdadeiro, então a moralidade humana é um produto do neodarwinismo (mutação, cruzamento, selecção natural)

(2) Se a moralidade humana é um produto do neodarwinismo, então não existem factos morais objectivos (verdades morais objectivas)

(3) Existem factos morais objectivos

(4) Logo, o naturalismo darwinista é falso

(Adaptado do capítulo "The Moral Argument", de Mark D. Linville, em "The Blackwell Companion to Natural Theology", p. 394)

Claro que isto é um argumento para refutar o naturalismo darwinista, e não um argumento para refutar o naturalismo como um todo; mas ateus como Dawkins seriam os primeiros a dizer-nos que isto refuta o naturalismo contemporâneo, uma vez que este é, maioritariamente, darwinista.

O naturalista pode contestar. Vai tentá-lo, certamente. Normalmente, procura atacar (3). Mas como o ateu contemporâneo, felizmente, acaba por ser moralista (é contra a homofobia, é contra o terrorismo, é contra o abuso de menores, etc.), ele repudia os relativismos morais "vividos" coerentemente, ou seja numa lógica do "vale tudo". O ateu contemporâneo indigna-se perante a certas injustiças e defende certos direitos humanos. Ele repudia a aplicação do darwinismo à moral humana, ou seja, rejeita a aplicação da lei do mais forte às sociedades humanas. O próprio Dawkins já rejeitou, várias vezes, a aplicação do darwinismo à moral.

Segue-se então o rol de tentativas de construção de uma moral naturalista, pois se é certo que temos que nos comportar de forma moral, a gigantesca tarefa é, para o naturalista que rejeita a vontade de Deus como normativa moral, explicar-nos porque é que nos devemos comportar moralmente. Porque razão, num universo material sujeito ao darwinismo, existiriam "deves" e "haveres"? Surgem então vias de escape para o naturalista: o utilitarismo ou pragmatismo, no qual o bem moral é o que resulta da maximização das vantagens do colectivo, ou o "overlapping consensus" de John Rawls, que pugna por uma ponderação alternada de certos bens morais em conflito, e assim por diante. Tudo formas de procurar defender um "comportamento moral", mesmo na completa ausência de fundamento filosófico para esse comportamento.

A atitude clássica teísta face à moral sempre foi algo do género:

(1) Se existirem verdades morais objectivas, o ser humano deve segui-las

(2) Existem verdades morais objectivas, fundamentadas nos mandamentos de Deus

(3) Logo, o ser humano deve segui-las

Assim, o naturalista tem que encontrar formas de justificar, para o ser humano, um comportamento moral sem correr o risco de entrar nas vielas escuras das verdades morais objectivas, que cheiram sempre a divino. É que, de facto, é complicado explicar que existam deveres morais num universo naturalista, sujeito exclusivamente às leis inexoráveis da matéria.

Uma das atitudes naturalistas mais bizarras consiste na defesa da ideia de "mentira nobre" ("noble lie"), proposta pelo filósofo norte-americano Loyal Rue. No texto de apresentação do seu livro "By the grace of guile" (Oxford University Press, 1994) encontramos isto:

«The nihilists are right, admits philosopher Loyal Rue. The universe is blind and aimless, indifferent to us and void of meaning. There are no absolute truths and no objective values. There is no right or wrong way to live, only alternative ways. There is no correct reading of a text or a picture or a dance. God is dead, nihilism reigns. But, Rue adds, nihilism is a truth inconsistent with personal happiness and social coherence. What we need instead is a new myth, a noble lie. Only a noble lie can save us from the psychological and social chaos now threatened by the spread of skepticism about the meaning of life and the universe.»

Com todo o respeito pela carreira filosófica do Prof. Rue, esta proposta é patética!
No fundo, Rue advoga que, perante a impossibilidade de sustentar verdades morais objectivas no naturalismo, e perante a necessidade premente de convencer os seres humanos a se comportarem moralmente em sociedade (para evitar a anarquia e o colapso), o melhor que há a fazer é promover a "nobre mentira": apesar de não existirem verdades morais objectivas, vivamos como se estas existissem!

De certa forma, como diz William Lane Craig (a quem devo esta dica acerca da proposta de Loyal Rue), a "nobre mentira" funcionaria como uma espécie de placebo do intelecto: a "nobre mentira" dá a motivação psicológica de que o naturalista precisa para justificar o seu comportamento moral. Ao escutar isto, pensei imediatamente na louvável iniciativa anti-homeopática de alguns ateus. Algumas das recentes críticas anti-homeopáticas, como o texto da química Palmira Silva que desmonta a burla do Oscillococcinum, são verdadeiro serviço público. No entanto, não pude deixar de pensar que atitudes desesperadas como as de Loyal Rue acabam por ser uma espécie de homeopatia intelectual.

E, vendo bem, apesar de o caso de Rue ser mais gritante, todas as tentativas ateias ou naturalistas de localizar o fundamento filosófico para o comportamento moral do ser humano são tentativas baseadas em "nobres mentiras", mesmo que os seus defensores nem sempre o admitam. A razão é simples: o conceito de "dever" não tem sustento na cosmovisão naturalista. Bem podem procurá-lo no naturalismo. É bizarro falar dos "deveres" de uma máquina biológica evoluída, que é como o naturalista vê o ser humano. A alternativa para o naturalista, face à impossibilidade de sustentar verdades morais objectivas na sua visão redutora da realidade, consiste em adoptar "nobres mentiras".

É viver na ilusão de que existiriam verdades morais objectivas. A necessidade premente de viver em sociedade força-nos a procurar viver moralmente. Mas, à falta de verdades morais objectivas, cai-se num utilitarismo moral. O certo já não existe em si mesmo, como verdade moral objectiva. O errado também não. Tudo depende do contexto, da maximização da felicidade, ou dos interesses, do colectivo. Isso leva a coisas bizarras como a defesa do direito a matar crianças não nascidas, que como sabemos, no nosso país, surgiu pela aplicação prática das teorias de John Rawls no acórdão do Tribunal Constitucional que legitimou o referendo de 7 de Fevereiro de 2007. Essa é uma das conclusões lógicas de quem já não acredita em verdades morais objectivas. O colectivo vota o direito ao aborto, numa tentativa de conciliar os interesses da mãe (prioritários até certa fase de gestação) com os interesses da criança (prioritários depois de certa fase da gestação) e isso cria a "nobre mentira" de que é moral abortar até certa fase da gestação. É o Rawls em acção.

Tal como a opção pelos produtos homeopáticos, em detrimento dos medicamentos reais, pode colocar a saúde das pessoas em risco, também a opção pelo naturalismo pode ser vista como homeopática: está fundamentada no vazio moral (na ausência de verdades morais objectivas) e coloca riscos reais para a saúde das pessoas. Que o digam as crianças abortadas!

PS: Antecipando as críticas que aí vêm, afirmo desde já:

Não afirmei, de modo algum, que o ateu ou o naturalista não se comportam moralmente: aliás, fiz questão de dizer que muitos ateus ou naturalistas promovem certos comportamentos morais, e defendem certos direitos e deveres morais; por isso, é verdade que um ateu ou um naturalista podem viver vidas morais; a questão que critico é: no quadro do naturalismo, qual é o fundamento filosófico para esse comportamento?

19 comentários:

L disse...

Engraçado o teu uso da palavra homeopatia associada ao ateísmo. Afinal a opção do uso destes produtos é apenas uma questão de fé e não de provas.

Mas adiante. Perguntas qual o fundamento filosófico. Eu respondo-te com uma pergunta: Se achas que existem ateus capazes de viver moralmente, sem a bengala de deus, não achas que já tens a resposta?

Em que medida acreditar que existem leis morais absolutas fizeram a humanidade comportar-se melhor?

Ricardo Silvestre disse...

"Existem verdades morais objectivas, fundamentadas nos mandamentos de Deus"

Bernardo, o teu deus tem como verdades morais objectivas:
- as mulheres são inferiores aos homens
- por sua decisão, nem todos os homens são iguais, uns são mestres, outros são escravos
- A sexualidade humana é algo o deus católico despreza
- uns merecem ser ajudados, outros não.

Ainda bem que existe uma verdadeira procura de morais objectivas, através do dialogo entre humanos

Espectadores disse...

Leonor,

Apesar de existir alguma "malícia" na minha comparação do ateísmo à homeopatia, ela tem um certo fundamento, no sentido que tu mesma referes: o ateísmo não é uma questão de provas, mas sim de fé. No entanto, ao contrário do cristianismo, é uma fé cuja racionalidade é muito discutível.

Em vez de provas, que soa sempre a prova científica (até parece que só isso é que gera conhecimento), prefiro falar em argumentos.

Como refere o filósofo ateu Quentin Smith (que referi em "posts" bastante recentes), a argumentação filosófica dos ateus contemporâneos deixa muito a desejar, e eles estão a pouco e pouco a ser vencidos pela argumentação filosófica dos cristãos que trabalham nos Departamentos de Filosofia, sobretudo nos países anglo-saxónicos.

Nesse sentido, o ateísmo até poderia ser verdadeiro, mas à falta de defensores qualificados, o ateísmo arrisca ser arredado para a irrelevância filosófica, nos meios académicos da especialidade. Estamos longe disso, ainda, pois a maioria dos filósofos ainda é ateia ou agnóstica. Mas os números mudaram de forma impressionante nas últimas décadas. É esse o aviso feito pelo Quentin Smith.

Neste meu texto, usei o exemplo da falta de consistência filosófica para a defesa que certos ateus montam para tentarem justificar o seu comportamento moral.

Não me interpretes mal: acho excelente que os ateus defendam um comportamento moral. O que quis sublinhar foi que esse comportamento moral, na cosmovisão ateísta, é bizarro porque não se sustenta em nenhum dos pressuspostos do ateísmo. É um "salto de fé" literal que muitos ateus fazem, porque claramente (e bem) não se querem libertar da moralidade e procuram, como muita gente honesta, o bem comum e a recta moral.

«Se achas que existem ateus capazes de viver moralmente, sem a bengala de deus, não achas que já tens a resposta?»

Eu tenho uma resposta, mas não será a que tu esperavas. Os ateus são capazes de viver uma vida moral porque são seres humanos. Diz o Catecismo, na versão do Compêndio, no ponto 372:
"A consciência moral, presente no íntimo da pessoa, é um juízo da razão, que, no momento oportuno, ordena ao Homem que pratique o bem e evite o mal. Graças a ela, a pessoa humana percebe a qualidade moral de um acto a realizar ou já realizado, permitindo-lhe assumir a responsabilidade. Quando escuta a consciência moral, o Homem prudente pode ouvir a voz de Deus que lhe fala".

Aí tens.

«Em que medida acreditar que existem leis morais absolutas fizeram a humanidade comportar-se melhor?»

Isso parece-me secundário. Porque:

1) Tu já concordas com verdades morais objectivas, e não discordamos desse aspecto; por exemplo, a escravatura é sempre imoral, a exploração de seres humanos idem, o terrorismo também, o homicídio também, etc.

2) A humanidade poderia comportar-se de forma incorrigível, sem a existência de um só bom exemplo de boa pessoa (felizmente não é esse o caso), e mesmo assim, isso não beliscava a existência de verdades morais objectivas

E sim, também há uma resposta cristã para esse enigma da tendência humana para a asneira (para o pecado): chama-se Pecado Original, e é uma das doutrinas menos conhecidas e mais mal compreendidas da cristandade (mesmo por cristãos).

No entanto, o cristão está obrigado a não ver o ser humano apenas do prisma do pecado. Somos filhos do Deus vivo, e isso eleva-nos, em dignidade, acima de todo o Cosmos. A pessoa mais miserável, mais humilhada, mais maltratada, vale mais que todo o Cosmos. Isso é cristianismo.

Abraço!

Espectadores disse...

Ricardo,

Sem querer ser repetitivo, onde estão os fundamentos para as coisas que escreves? Se nunca dás exemplos, se nunca citas, se nunca fundamentas, os teus comentários ficam no estatuto de opinião não fundamentada. Até podes ter razão, mas se não a fundamentas...

«Bernardo, o teu deus tem como verdades morais objectivas:
- as mulheres são inferiores aos homens»

Mentira. Vê Génesis, capítulo 1, versículo 27:
«Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher.»

«- por sua decisão, nem todos os homens são iguais, uns são mestres, outros são escravos»

Mentira.
São iguais em dignidade. São iguais aos olhos de Deus, mesmo que em sociedade, existam desigualdades.

«- A sexualidade humana é algo o deus católico despreza»

Mentira. Mandou Jesus: "Por isso o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa e serão os dois uma só carne". Porque razão mandaria Jesus fazer algo que Ele desprezasse?

«- uns merecem ser ajudados, outros não.»

Hã?
Esta nem entendi.

Um abraço,

Bernardo

Ricardo Silvestre disse...

Bernardo... Bernardo...

1) 1Pe 3,1-7

2) Lc, 12,45-48

3) 1Jo 2:16; Pv 23:26-27, Rm 6:12

4) Mt 10:5-6, 11.

Queres mais?

Anónimo disse...

"Em que medida acreditar que existem leis morais absolutas fizeram a humanidade comportar-se melhor?"

Melhor em relação a quê?

Espectadores disse...

Ricardo,

Se não for pedir demasiado, podes colocar a tua contestação (ou a tua tese) a seguir a cada citação bíblica?
É que um cristão não percebe patavina das tuas objecções. Talvez seja pela tua falta de contexto, mas sinceramente, não vejo nada de problemático. Estava a contar com uma ou outra citação mais problemática do AT, mas... nada de jeito.
A citação do Livro dos Provérbios fala de meretrizes. Achas que é um mau conselho que um pai dá a um filho, que ele se afaste de meretrizes?

Ó homem, ultrapassa os teus preconceitos e dá-te conta da ideia completamente distorcida que tu tens do judeo-cristianismo. Não é um papão! Só nos filmes do Dawkins, do Harris, ou do PZ Myers, é que a Bíblia aparece como a ementa do Hannibal. Mas isso é fantasia!

Agora a sério: vais ajudar-nos a compreender o que é que tu contestas nessas citações?

Um abraço

L disse...

Bernardo,

Eu até poderia concordar contigo se falasses meramente de um conceito filosófico de deus. Neste caso, a posição mais racional seria a de agnosticismo.

Mas como ainda não consegui ver argumentos de peso do teu lado - ou de qualquer outro crente - que comprovem a existência do deus que advogas, longe de ser um deus exclusivamente filosófico, não vejo porque razão consideras a posição de descrença numa entidade divina, capaz de interferir no mundo e na vida humana e perante todo o conhecimento que possuímos hoje em dia no mesmo patamar que a homeopatia. Aliás, parece mesmo ser o contrário, a julgar pelo tipo de argumentos que os seus proponentes afirmam - a ciência não explica tudo, há coisas que estão para lá das provas científicas, etc.

Dito isto, mostra-me por favor como a escravatura , por exemplo, foi sempre um mal moral. Eu posso dizer hoje que a escravatura é um mal, à luz do que sei hoje, à luz da sociedade onde estou inserida. Com esta perspectiva posso julgar aqueles que no passado não pensaram assim. Mas na antiguidade e até à nossa história recente, não conheço uma sociedade que considerasse a escravatura um mal moral e que lutasse pela sua abolição. Talvez esteja errada, fico à espera que me digas concretamente onde está essa evidência.


Quanto à questão do pecado original, já tivemos esta conversa uma vez. Isso não passa de wishful thinking. Uma maneira de justificar como é que pode existir uma entidade benevolente, que interfere no mundo perante a existência do mal. É uma consideração à posteriori e que vai contra aquilo que sabemos para lá do campo filsófico tradicional.

As tuas últimas afirmações parecem uma admissão que o ser humano pode ser perfeitamente justo e moral sem acreditar em deus, sem ter de ver Cristo como o seu salvador. Ou seja, o respeito pelo o outro é o fundamento para a nossa moral.

Espectadores disse...

Leonor,

«Eu até poderia concordar contigo se falasses meramente de um conceito filosófico de deus.»

Não sei se percebi o que queres dizer. Há uma tese: "Deus existe". Ou ela é verdadeira ou ela é falsa. Há argumentos filosóficos muito poderosos para dizer que ela é verdadeira, e há alguns argumentos, pouco fortes, para a tentar refutar. Esse debate filosófico é urgente e deve ser primordial, nos debates entre ateus e cristãos. O cristão deve apresentar razões filosóficas (ou seja, não escriturísticas) para a sua tese, e o ateu também.

Eu acho que só faz sentido argumentar em prol do Deus cristão quando se demonstrou a força da tese da existência de Deus.

«Neste caso, a posição mais racional seria a de agnosticismo.»

O agnosticismo, se me permites, é bastante cómodo e pouco interessante. Ou as razões dos teístas são boas, e então deve-se acreditar que Deus existe, ou as razões dos ateus são boas, e então deve-se rejeitar a existência de Deus.

«Mas como ainda não consegui ver argumentos de peso do teu lado»

Mas, em bom rigor, é algo que já está do teu lado! ;)
Aqui há dias enviei-te uma das melhores, e mais actuais, compilações de argumentos filosóficos para a existência de Deus: "The Blackwell Companion to Natural Theology". É um colosso de livro, e certamente ainda não o leste. Mas tens que concordar que:

a) uma coisa é existirem ou não bons argumentos para o teísmo

b) outra coisa é tu os conheceres e compreenderes

Não tenhas a mais pequena dúvida de que há excelentes argumentos para o teísmo. E acredita que eu estou desejoso de ver sempre surgirem novas críticas ateias a esses argumentos. Porque essas críticas servem para, ou demolir maus argumentos, ou reforçar bons argumentos. Mas é irrazoável, é falso, um ateu dizer que não há bons argumentos. E se o ateu disser que não os conhece... pois tem bom remédio!
É lê-los! ;)

«não vejo porque razão consideras a posição de descrença numa entidade divina, capaz de interferir no mundo e na vida humana e perante todo o conhecimento que possuímos hoje em dia no mesmo patamar que a homeopatia.»

A comparação não é inteiramente justa. Mas é justa num aspecto central: do mesmo modo que a homeopatia assenta na ignorância, uma grande parte do ateísmo que nos rodeia assenta na ignorância. É um facto que me parece evidente. Poderíamos estar perante dois cenários:

A) Os ateus conhecerem bem os argumentos filosóficos pró-teístas, e apresentarem boas refutações a esses argumentos; em simultâneo, os ateus apresentarem uma defesa própria filosófica do ateísmo, sustentada, que explica melhor a realidade que as explicações teístas

B) Os ateus limitarem-se a dizer que o teísmo é irracional, ou falso, sem apresentarem qualquer contestação aos argumentos filosóficos teístas, e sem apresentarem argumentos próprios que expliquem melhor a realidade do que os argumentos teístas

Infelizmente, se a actual intelectualidade teísta nos dá um Richard Swinburne e um Alvin Plantinga (dois filósofos teístas de primeira água, com obra filosófica revolucionária), do lado de lá o panorama é desolador. Os filósofos ateus estão a perder terreno. Claro que há sempre um Quentin Smith ou um Graham Oppy para dignificar a causa do ateísmo filosófico.

Mas eu lamento ter que dizer que, nos meus debates ao vivo ou na Internet com ateus, não encontro boa argumentação dos filósofos "top" na defesa do ateísmo. O que é que encontro? A arraia miúda, os palhaços: o Dawkins, o Harris e o Hitchens, que não percebem um boi (desculpa-me mas é verdade) de filosofia. Não topariam um argumento teísta, nem que este os atropelasse, quanto mais conseguirem sozinhos montar uma tentativa de refutação.

(continua)

Espectadores disse...

(continuação)

Já o Dennett, para mim, é um mistério. Filósofo de profissão, mas talvez psicologicamente bipolar, pois ele consegue manter os dois mundos separados: o seu mundo académico, onde o Dennett procura reger-se pelo rigor intelectual, e o seu mundo popularucho, no qual o Dennett escreve sobre temas filosóficos como se fosse um talhante (sem desprestígio para essa nobre profissão).

«há coisas que estão para lá das provas científicas, etc.»

Mas tens dúvidas sobre isso?
Achas que a Ciência explica, ou explicará, tudo?
Não achas que há verdades objectivas que não são científicas, mas sim filosóficas?

«Dito isto, mostra-me por favor como a escravatura , por exemplo, foi sempre um mal moral.»

É sempre um mal moral. Historicamente, pode não ter sido sempre visto como tal. E realmente nem sempre foi visto como tal.

«Eu posso dizer hoje que a escravatura é um mal, à luz do que sei hoje, à luz da sociedade onde estou inserida.»

Agradece ao cristianismo, que depois de séculos a batalhar pela igualdade dos seres humanos, conseguiu essa proeza. Se duvidas disto, como explicas o interesse de tantos escravos pelo cristianismo no seu primeiro século de existência? O mesmo para as mulheres, que desde logo se interessaram pelo cristianismo.

«Mas na antiguidade e até à nossa história recente, não conheço uma sociedade que considerasse a escravatura um mal moral e que lutasse pela sua abolição.»

Eu conheço: a sociedade cristã ocidental, que conseguiu abolir a escravatura ao longo de várias décadas, a partir do século XIX.

«As tuas últimas afirmações parecem uma admissão que o ser humano pode ser perfeitamente justo e moral sem acreditar em deus, sem ter de ver Cristo como o seu salvador.»

Sim, eu acho que sim. Aliás, o cristianismo diz que sim. Como se vê pela minha citação do Catecismo.

«Ou seja, o respeito pelo o outro é o fundamento para a nossa moral.»

Exacto. Cristo foi um pouco mais longe, sintetizando os dez mandamentos em dois:

1) "Amar a Deus acima de todas as coisas"

2) "Amar o próximo como a nós mesmos"

Penso que tu concordas que, se o Deus cristão existisse, um Deus justo e bom, seria uma tontice que vivêssemos toda a nossa vida sem o amarmos, e sem o amarmos acima de todas as coisas.

Um abraço!

Amilcar Fernandes disse...

"Deus existe". Ou ela é verdadeira ou ela é falsa. Há argumentos filosóficos muito poderosos para dizer que ela é verdadeira"

Desça a realidade. se é verdadeira provem-no testem cientificamente, é impossivel não é? Fiquem-se pelos argumentos. Por isso a homeopatia por não passar os testes cientificos depende da crença de cada qual, não é reconhecida pelas entidades como um ramo da medicina, é considerada mais como uma filosofia que satisfaz os crentes, so que a opinião dos crentes não tem valor cientifico nenhum, meras estatisticas.

Quem quiser ganhar um milhão de euros e provar que a homeopatia e eficaz e passa os testes cientificos, ou outro fenomeno paranormal sobrenatural, faça favor de se candidatar, desde os anos 60 sua criação ninguém ganhou

http://1023portugal.wordpress.com/2011/02/09/
quem-quer-ganhar-um-milhao-de-dolares/

Outro aspecto nos desenvolvemos a nossa moralidade do mesmo jeito que desenvolvemos a nossa linguagem, os bebés não nascem falando português francês inglês ou chinês, podem nascer com instintos de linguagem e aprendem a falar o idioma mas o idioma do lugar onde vivem, do mesmo modo, crianças que nascem com os instintos morais são influenciadas pelo sistema moral que as rodeia, esses instintos são importantes, mas ainda assim temos que debater com nossos amigos para concluir o que é certo ou errado.

Anónimo disse...

O Absurdo da Vida sem Deus, por William Lane Craig:

http://teismo.net/?p=1038

Cumprimentos

Lucas disse...

Bernardo,
Eu sei que o propósito do teu post não era esse, mas não concordas que o darwinismo (a teoria) é uma derivação de pressupostos naturalistas? Se o naturalismo falha, não falhara também a teoria?

Abraço.

Lucas disse...

Ricardo Silvestre:

Bernardo, o teu deus tem como verdades morais objectivas:
- as mulheres são inferiores aos homens - 1) 1Pe 3,1-7



Ser "sujeito" não é uma questão de "natureza" mas de função. Eu sou sujeito ao meu patrão mas ele é tão humano como eu. O teu argumento, portanto, é falso.


- por sua decisão, nem todos os homens são iguais, uns são mestres, outros são escravos - 2) Lc, 12,45-48


Não há nada nesses versos que suporte a tua interpretação.

- A sexualidade humana é algo o deus católico despreza - 3) 1Jo 2:16; Pv 23:26-27, Rm 6:12

Não, não é. A imoralidade sexual é o que Deus despreza.

- uns merecem ser ajudados, outros não. - 4) Mt 10:5-6, 11

A primeira parte da função do Senhor era despertar Israel. Ter uma missão faseada não é evidência de se desprezar alguém.
............
Claro que os teus argumentos tem algo assumido que tu não confirmaste:
1. Dentro do naturalismo, há algum problema em o homem ser superior à mulher?

2. Dentro do naturalismo, qual é o problema em os homens não serem iguais? Se calhar uns evoluíram mais do que outros.

3. Dentro do naturalismo, qual é o problema em alguém "desprezar" a sexualidade humana? Ou seja, ao criticares esse valor moral, estás a usar um ponto de referência. Quem disse que o teu ponto de referência é suficientemente válido para julgar comportamentos alheios?

4. Dentro do naturalismo não há problemas em ajudar uns e desprezar outros: é a selecção natural (ou qualquer outro processo natural) em acção. São coisas que acontecem.

Dentro da vossa visão do mundo, não há fundamento para se clasificar comportamentos morais alheios, uma vez que os vossos comportamentos são tão válidos como os que quem acredita exactamente no contrário.

Recomendo-te o debate "Greg Bahsen versus Gordon Stein" onde o primeiro propôs um argumento devastador para as sensibilidades não-Cristãos:

O Argumento Transcendental para a Existência de Deus.

L disse...

Bernardo,

Para quem gosta tanto de filosofia, é uma surpresa ver que desconheces o termo gnosticismo.

E continuo sem perceber como fazes o salto de um deus filosófico para o deus que intervém quando lhe apetece nas questões mundanas.

A sociedade cristã ocidental do século XIX é uma sociedade muito diferente da sociedade cristã ao longo de dois mil anos. Vais concordar comigo que houve muitos outros factores a terem peso para que finalmente a escravatura tivesse ganho o peso de mal moral. Se tivesse sido graças ao Cristianismo teríamos o fim da escravatura mal a religião foi instituída oficialmente. Se queres dizer que ela foi um consolo para os escravos para desejarem alcançar a liberdade após a morte e não durante a vida, então sim, o Cristianismo contribuiu imenso para a manutenção da escravatura.

E desculpa não concordar contigo o mandamento (a obrigação) de amar a deus sobre todas as coisas nunca fez qualquer sentido. É daquelas máximas que leva gente a enfiar aviões pelas torres adentro.

Bom fim de semana

Lucas disse...

É daquelas máximas que leva gente a enfiar aviões pelas torres adentro.

Mas quem voou aviões contra prédios não o fez por "amar a Deus", mas sim para a imposição de um sistema político anti-cristão baseado no sistema de organização civil existente na arábia no século 7.

Além disso, por que carga de água os cristãos tem que responder por aquilo que não ensinam?

Podemos fazer o mesmo com os sem-religião? Podemos colocá-los a todos no mesmo saco, e usar os erros de uns contra todos?

Por exemplo, Stalin era um sem-religião. O L aparente ser um sem-religião. USando a lógica aludida em cima, posso dizer que o item "sem-religião" leva a que pessoas matem e torturem.

Certo?

Espectadores disse...

Mats,

Olá!

«não concordas que o darwinismo (a teoria) é uma derivação de pressupostos naturalistas? Se o naturalismo falha, não falhara também a teoria?»

Não, não concordo.
Quando se fala de darwinismo, tem que se distinguir a teoria científica da visão filosófica. O darwinismo naturalista é uma visão filosófica, claramente errada e absurda. Já a teoria científica darwinista, ou em bom rigor, neodarwinista, é uma teoria científica. Ponto final. Não tem que vir atrelada a uma filosofia, apesar de isso suceder muitas vezes.

Eu ando inclinado para o caminho traçado por biólogos como o Simon Conway Morris:

http://www.amazon.com/Deep-Structure-Biology-Convergence-Sufficiently/dp/1599471388/ref=sr_1_2?ie=UTF8&qid=1299884648&sr=8-2

É bem possível que o processo de evolução neodarwinista esteja ancorado no "fine tuning" do Universo. Ou seja, que o mesmo "fine tuning" impressionante, presente no instante zero da história do Cosmos, seja a causa derradeira para a incrível afinação necessária para o surgimento da vida a partir de matéria inanimada, e para a sua evolução.

Não me choca nada que a evolução seja um processo "guiado" no sentido de ter uma finalidade desejada, e mantida, por Deus. E que, do ponto de vista científico, o que se veja seja o neodarwinismo.

Por isso, e à falta de melhor teoria científica, respeito a teoria neodarwinista.

Mas confesso que não estou totalmente convencido: restam dois graves problemas, e não os vejo resolvidos de forma satisfatória pelo neodarwinismo:

a) o próprio surgimento da vida, e aqui se calhar o trabalho do Simon Morris vai no bom sentido

b) o transformismo

Que a selecção natural funciona, isso é certo. Que a genética mendeliana funciona, isso é certo. Que partilhamos ADN com outros seres vivos, e que haverá uma árvore genealógica que liga todos os seres vivos, é quase certo.

Mas há, claramente, coisas que o neodarwinismo ainda não explica.

Mas em suma, eu acho que é relativamente pacífico compatibilizar a teoria científica do neodarwinismo com o cristianismo. Para tal, há que rejeitar, obviamente, a leitura naturalista que se costuma fazer ao neodarwinismo.

Abraço!

Amilcar Fernandes disse...

“Mas quem voou aviões contra prédios não o fez por "amar a Deus", mas sim para a imposição de um sistema político anti-cristão baseado no sistema de organização civil existente na arábia no século 7.”

Pois, será que não foi por amar a deus? Mais complicado do que parece.

Há quem fale em deus como amor, o mais próximo de fraternidade, Deus sera uma construção das sociedades? O amor sera uma construção social ou um sentimento. Existe o Bem assim como existe a sua antitese o Mal, a religião sempre procurou ter uma construção filosofica / teologica que procurasse dar respostas e explicações coerentes porque estes sistemas explicativos não podem ser apoiados em nada, mas este exercicio intelectual explicativo para mim não tem valor nenhum, a teologia só serve uma qualidade de pessoas que vivem disso mesmo, dessas explicaçoes mas nunca fizeram nada pelo progresso, felicidade, conhecimento, ou melhoria de vida das pessoas.
Em relação ao Bem pois também existe o seu oposto o Mal mas existe uma outra coisa que nos valoriza nas nossas acçoes que é o Amor, a força proveniente do amor é essencialmente boa, mas o seu uso ou emprego por parte das religioes ou algumas religioes e nas nossas sociedades em si, pode ser um caso não tão bom. Porque o sentimento do amor que nos devia levar a praticar o bem, pode não nos levar por esses caminhos que nos predisponham a fazer o bem, ou seja pode não levar automaticamnete a fazer o bem. Porque?
Porque os nossos comportamentos fazem parte de condicionalismos psicologicos, sociais, culturais, onde estamos integrados, fomos educados, crescemos, que em vez de nos dispor ao bem nos levam ao mal, atraves de lógicas de identificação, de inclusão, de exclusão, de nossos amigos, nossos inimigos, de maneiras radicais e perversas.
Senão vejamos, quem se sacrifica em nome da fé cometendo atentados e fazendo-se explodir como actualmente acontece cada vez mais, esta fazendo o mal, eu acho que essas pessoas sabem que estão fazendo o mal, mas fazem-no por amor à sua fé, por amar o “seu deus” as suas causas, e pela lógica de inclusão / exclusão, amigo / inimigo. Mas eu penso que a vontade de deus é nós fazermos o bem para com o nosso próximo, Sera que todos sabemos o que é o bem? A maneira mais fiavel de o saber sera aferida por nós próprios, ama o teu proximo como a ti mesmo.

Amilcar Fernandes disse...

“Não me choca nada que a evolução seja um processo "guiado" no sentido de ter uma finalidade desejada, e mantida, por Deus. E que, do ponto de vista científico, o que se veja seja o neodarwinismo.”

Um universo que é um todo, e nesse todo em maior profundidade esta a particula que deu origem a essa realidade toda porque nada vem do nada, portanto chamemos-lhe Deus, mas podia ter outro nome. Mas o desenvolvimento desta idéia na religião à medida que nos vamos afastando deste conceito cósmico tornamo-nos vítimas de fantasias, perversões e interesses humanos, isso é a religião. As ideias religiosas são construções culturais, e a idéia de que Deus interfire nas nossas vidas é arcaica, e no passado permitia explicar muitas coisas que não tinham explicação, assim que a cultura evoluiu, deixamos de precisar dessas explicações.

A experiência de Skinner mostraria-nos que os outros animais podem ter comportamentos supersticiosos, mas religiosos, somente e apenas nós. Pois é, porque é preciso ter muita criatividade para ter religião. Outros seres vivos não entenderiam se de repente pensassem evoluindo como nós, o que os nossos templos e rituais sagrados significam para nós e também não teriam um poder de adivinhação por ai além para descobrirem o que um deus, não apenas invisível mas também indetectável e improvável, quer de nós. A crença em deus é um fenómeno natural na espécie humana, e a tendência das crianças para acreditar na omnisciência dos outros, que é necessária para que os seres humanos socializem e cooperem, é atenuada pela experiência ao longo do crescimento, mas continua no que diz respeito à crença em deus, a fé é, tal como outras características do homem, um produto da nossa evolução, talvez uma vantagem que pode ter contribuido para a sobrevivência e evolução da espécie humana. A religião e a experiência religiosa tão fundamental para a vida humana, exerceu influência sobre a nossa evolução, porque se não fosse assim, teria sido eliminada, por isso não foi, porque as pessoas que acreditam assim a religião , vivem e são e para elas são assim mais felizes e eis o aspecto subjectivo da religião.