segunda-feira, 6 de dezembro de 2004

Reflexão guénoniana


Não escondo a minha grande admiração pela obra de René Guénon (1886-1951). Obra essa que, como alguns saberão, é infelizmente usada de forma totalmente inadequada por alguns carequinhas germanófilos acéfalos das nossas (e de outras) bandas.

Precisamente porque se trata de uma obra incompreendida e muito mal empregue, convém desmistificá-la e trazê-la à luz. Na minha opinião, são poucos os autores ocidentais tão lúcidos quanto Guénon no século XX.

Irei começar, de tempos a tempos, a publicar pequenos excertos das suas obras. Trata-se de um autor pouco traduzido. Em português, dispomos apenas de três obras, hoje raras e difíceis de encontrar: "A Crise do Mundo Moderno", "O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos", "O Rei do Mundo". Vou, por isso, retirar os trechos de uma série de traduções para espanhol, acessíveis em formato electrónico (não preciso de teclar!) no site "Textos Tradicionales".

A reflexão guénoniana de hoje é sobre a vulgarização:

"Nos es menester todavía insistir sobre un punto que no hemos abordado más que incidentalmente en lo que precede: es lo que podría llamarse la tendencia a la «vulgarización» (y esta palabra es también una de aquellas que son particularmente significativas para describir la mentalidad moderna), es decir, esa pretensión de ponerlo todo «al alcance de todo el mundo» que ya hemos señalado como una consecuencia de las concepciones «democráticas», y que equivale en suma a querer rebajar el conocimiento hasta el nivel de las inteligencias más inferiores. Sería muy fácil mostrar los inconvenientes múltiples que presenta, de una manera general, la difusión desconsiderada de una instrucción que se pretende distribuir igualmente a todos, bajo formas y por métodos idénticos, lo que, como ya lo hemos dicho, no puede desembocar más que en una suerte de nivelación por abajo: ahí, como por todas partes, la cualidad es sacrificada a la cantidad. Por lo demás, es verdad que la instrucción profana de que se trata no representa en suma ningún conocimiento en el verdadero sentido de esta palabra, y que no contiene absolutamente nada de un orden que sea un poco profundo; pero, aparte de su insignificancia y de su ineficacia, lo que la hace realmente nefasta, es sobre todo que se hace tomar por lo que no es, que tiende a negar todo lo que la rebasa, y que así asfixia todas las posibilidades que se refieren a un dominio más elevado; puede parecer incluso que esté hecha expresamente para eso, ya que la «uniformización» moderna implica necesariamente el odio de toda superioridad." - René Guénon, "El reino de la cantidad y los signos de los tiempos" (1945).

sábado, 20 de novembro de 2004

Os falsos mistérios da Última Ceia

Andava à procura de um site, há muito tempo, que explicasse mais alguma coisa sobre a questão dos detalhes da Última Ceia.

Encontrei um site interessante:
http://www.lamelagrana.net/%C2%A5_letture/letture05/A001/A00011.html



Neste site italiano, encontramos a explicação para a tal "mão cortada", que toda a gente agora diz que é de ninguém, e que supostamente "flutua no ar". O site italiano mostra claramente que existe um estudo preliminar de Leonardo, onde se vê bastante bem que a mão não é flutuante, e que pertence ao apóstolo S. Pedro.

A questão da faca é uma falsa questão:

a) ela tem dono (S. Pedro): o sketch de Leonardo prova-o;
b) ela tem uma razão de ser simples: S. Pedro estava a comer, e a faca dá jeito para comer;
c) ela tem uma razão mais complexa: a faca nas mãos de S. Pedro é uma prefiguração da espada que S. Pedro vai usar para cortar a orelha ao servo do Sumo Sacerdote, nos jardins de Getsemani, aquando da prisão de Jesus.

Q. E. D.
(será que é desta??)

P.S. (este PS é post scriptum, e não prioratus sionis!): Para os mais teimosos, dêem uma leitura rápida ao texto do arquitecto italiano Diego Cuoghi, disponível neste site:
http://www.renneslechateau.it/index.php?id=2&url=studi_cuoghi.php

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

Andam a gozar connosco...

(publicado em simultâneo no Afixe)

Pois andam... E nós nem damos por isso.
Há dias, todos nos revoltámos por duas notícias que vieram a lume em vários órgãos de comunicação social, a saber:

1. O desacordo da Santa Sé pela recepção, no Santuário de Fátima, de representantes de outras religiões, de entre os quais o próprio Dalai Lama; as "fontes seguras" dos órgãos informativos garantiriam que o Vaticano estaria a tentar controlar o Santuário, e que desejaria ver remodeladas algumas figuras de proa da Direcção do mesmo;

2. A proibição da execução de concertos, e de música não liturgica, em Igrejas e outros edifícios religiosos.

Estas duas notícias tinham funções claras:

A) Provocar a revolta de todos os sectores da sociedade, dos crentes aos não crentes

B) Espalhar a ideia de que uma tendência conservadora dentro do Vaticano estaria a assumir contornos de fanatismo e de exagero autoritário

As funções foram alcançadas. Eu próprio acreditei nas notícias. Só que sucede que eram ambas falsas. É verdade.

Não vou, para já, divagar à procura de explicações para o surgimento simultâneo de uma mesma notícia falsa em vários órgãos informativos. De teorias da conspiração já andamos todos fartos. Isto é apenas uma chamada de atenção. Eu caí na esparrela. Não me enganam tão facilmente da próxima vez...

Aqui ficam algumas pistas:

Esclarecimento do Santuário de Fátima
D. José Policarpo desmente desentendimentos entre o Vaticano e a Conferência Episcopal por causa do Santuário de Fátima
Bispo de Leiria-Fátima quer acabar com mal-entendidos
Vaticano aprova iniciativas inter-religiosas em Fátima

Termino com um excerto das palavras lúcidas e sérias do Cardeal Patriarca, relativa à falsa questão da proibição dos concertos nas Igrejas:

O Cardeal considerou ainda descabida a informação vinda a público de que a CEP iria proibir os concertos nas Igrejas
“Não há nenhum novo regulamento em vista, essa é mais uma ‘falsa questão’ inventada não sei por quem”, atirou.
Para D. José Policarpo, “a linha que temos seguido é correcta, baseada nas normas feitas pela própria Santa Sé, e que procura conciliar desejos legítimos: o da Igreja de salvaguardar o carácter sagrado dos templos, não deixando deslizar a opinião pública para uma consideração apenas cultural do seu sentido e da sua utilização; mas também reconhecer o valor espiritual e pastoral da expressão artística, também ela linguagem do sagrado; o respeito pela comunidade que celebra a fé naquele templo”.

quinta-feira, 4 de novembro de 2004

Voluntários para África e Timor

Do site do Fórum Desenvolvimento e Cooperação:



Os Leigos para o Desenvolvimento vão dar início a mais um ano de formação de voluntários que desejem partir em Missão para S. Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola e Timor-Leste.

Os interessados poderão obter mais informações nas sessões de apresentação que vão ter lugar nos seguintes dias e locais:

3 de Novembro, Porto, CREU-IL (R. Oliveira Monteiro, 562)
4 de Novembro, Braga, CAB (Praça da Faculdade, 16)
11 de Novembro, Lisboa, CUPAV (Estrada da Torre, 26, Lumiar, junto ao Colégio S. João de Brito)

Todos aqueles que não poderem estar presentes nas referidas sessões mas desejem conhecer o projecto dos Leigos para o Desenvolvimento podem fazê-lo através dos seguintes contactos telefónicos: 217574278, 217574357.


Por favor, passem a palavra e ajudem a divulgar!

Bernardo

terça-feira, 2 de novembro de 2004

Homenagem a Agustín Barrios

(publicado, como vem sendo hábito, em simultâneo no Afixe)



Interrompo a euforia pré-resultados eleitorais nos EUA para um interlúdio musical. Cá fica uma homenagem ao meu compositor preferido na música instrumental para guitarra solo.

De seu verdadeiro nome Agustín Pio Barrios, este genial compositor e guitarrista paraguaio foi conhecido pelo nome de Agustín Barrios Mangoré. Este apelido, de inspiração índia, estava intimamente ligado à profundidade do sentir indígena na pessoa de Barrios. Um verdadeiro furacão musical, Barrios é, na minha opinião, o mais perfeito compositor do infelizmente pouco conhecido repertório de guitarra clássica, e é ainda hoje um ícone na cultura musical sul-americana.

Eis uma curta biografia:

Guitarrista y compositor paraguayo. Recibió su primera educación musical en un colegio jesuita donde se utilizaba la guitarra para el estudio de la armonía. Este influenza religiosa se siente en algunas de sus obras(la Catedral, Una Limosna por el Amor de Dios). En 1898, a la edad de 13 años, el guitarista Gustavo Sosa (un alumno de Juan Alais) inicia al pequeño Agustin en los métodos de Sor y Aguado, en las piezas de Tárrega, Vinas, Arcas y Pargá.

Además de la música, recibe formación en historia, matemáticas y literatura en el Colegio Nacional de Asunción. Agustin habla español y guarani, lee y comprende el francés, el inglés y el alemán, se interesa por la filosofía, la poesía y la teología.

Musicalmente Agustin Barrios es un gran improvisador, hay testimonios que nos hablan de que improvisaba de manera espontánea en concierto. Compuso alrededor de 300 piezas, aunque desgraciadamente una parte de ellas se ha perdido. Barrios dio conciertos desde 1906 hasta su muerte. Muchas de sus obras sacan sus ritmos y sus colores en el rico folklore SudAméricano que Barrios conoce muy bien.

Desde 1919 Barrios trata de enriquesar su languaje musical estudio obras de compositires classicos y transcribe para la guitarra obras de Bach, Beethoven, Chopin, y Schumann. Este descubrimiento del répertorio europeo influenza fuertamente sus compositiones como : Romanza en Imitació al Violoncello, Estudio de Concierto, Mazurka Apasionata et Allegro Sinfónico.

En los años 1934-1936 vino a Europa, tocando en Bélgica, Alemania, España e Inglaterra. Barrios fue el primer guitarrista que grabó discos comerciales de 78 revoluciones. Muchas de sus obras sobrevivieron gracias al disco. Barrios murió muy pobre el 7 de agosto de 1944 en El Salvador.

Podemos datar algunas sus obras como: Un Sueño en la Floresta (1918), Romanza en imitación al violoncello (1919), Mazurca Apassionata (1919), La Catedral (1921), Preludio en Sol (1921), Valses Op. 8 (1923), Danza Paraguaya (1924), Choro de Saudade (1929), Julia Florida (1938), Una Limosna por el Amor de Dios (1944). Para ese ultima pieza que utilisa un do agudo sobre la primera cuerda, Barrios a añadido à sus guitarras un vigésimo traste.
, de http://www.delcamp.net/auteurs/es/5_moderne/barrios_es.html.

Richard Stover, um importante estudioso da vida e obra de Barrios, recolheu este texto do guitarrista (tradução do espanhol feita por Stover), que ilustra bem a profunda espiritualidade e originalidade deste grande homem, que durante a maioria da sua vida artística subiu aos palcos vestido de índio, e gostava de ser chamado Nitsuga Mangoré (Nitsuga é a inversão de Agustín):

«Tupa, the supreme spirit and protector of my people,
Found me one day in the middle of a greening forest,
Enraptured in the contemplation of Nature,
And he told me: "Take this mysterious box and reveal its secrets."
And enclosing within it all the songs of the birds of the jungle
And the mournful signs of the plants,
He abandoned it in my hands.
I took it and obeying Tupa's command I held it close to my heart.
Embracing it I passed many moons on the edge of a spring fountain
And one night, Yacy (the moon, our mother),
Reflected in the crystal liquid,
Feeling the sadness of my Indian soul,
Gave me six silver moonbeams
With which to discover its secrets.
And the miracle took Place:
From the bottom of the mysterious box,
There come forth a marvelous symphony
Of all the virgin voices of America.»


Para quem ainda não conhece Barrios, só há uma coisa a fazer: correr à loja de CDs mais próxima e comprar, na secção de guitarra clássica, todas as gravações de obras de Barrios que lá encontrar. Vale a pena!

Bernardo

sábado, 30 de outubro de 2004

Alquimia

(publicado em simultâneo no Afixe)



Tenho andado nos últimos tempos a redescobrir o site de Adam McLean, "The Alchemy Website". Mas que coisa espectacular! Recomendo vivamente. A Alquimia é um tema muito complexo, com uma iconografia profundíssima e muito rica, e que vale a pena conhecer melhor.

Para isso, nada como este impressionante trabalho de Adam McLean. O site está repleto de gravuras, documentação original, e estudos. O próprio autor do site é um dotado encadernador, e edita reproduções fac-simile de obras alquímicas há muito fora de circulação, ou apenas disponíveis em leilões da especialidade a preços proibitivos.

Se calhar, todos nós levámos, nos nossos tempos do (des-)ensino secundário, com aquela explicação redutora, ou melhor dizendo, profundamente errada, de que a Alquimia era uma "Química primitiva". Infelizmente, assistimos outra vez a mais um efeito do estereótipo "progressista", com o qual nos lambuzam desde a Primeira Classe até que saímos da Universidade, e que neste caso insiste em transformar os antigos alquimistas em energúmenos, bruxos, charlatães, ou na melhor das hipóteses, em "analfabetos científicos".

Para os leitores mais interessados por estes temas, há que dedicar umas boas horas a descobrir este surpreendente trabalho, e a conhecer, a pouco e pouco, o complexo mas fascinante mundo da Alquimia!

Bernardo

sábado, 23 de outubro de 2004

"a última pessoa interessada em prejudicar o PS"

(publicado em simultâneo no Afixe)



«Quanto ao alegado envolvimento de figuras do Partido Socialista no processo, entre as quais o ex-líder Ferro Rodrigues, Souto de Moura salienta ter sido escolhido para PGR por este partido, pelo que seria "a última pessoa interessada em prejudicar o PS", embora "acima de simpatias pessoais estejam as obrigações inerentes ao cargo".» - in Público.

Não. Não gostei nada desta frase do Procurador-Geral. Entende-se a intenção, perfeitamente inocente, mas é uma frase esquisita. Infelizmente, apesar de ser uma pessoa extremamente honesta e determinada, o actual Procurador, na minha opinião, nem sempre se sai bem com a imprensa. E a imprensa aproveita.

Mas a questão na base deste artigo que retirei do Público era outra. E era estúpida: deveria o Procurador-Geral abandonar o cargo se o Ministério Público fosse derrotado no processo "Casa Pia"? Faz algum sentido colocar esta questão? Para os media, neste caso o Expresso, fez.

Claro que os media querem polémica, e procuram grandes tiragens e elevadas vendas. Mas o que está por detrás desta pergunta? No fundo, qual é a ideia? Porque haveria Souto de Moura de sair do cargo? Afinal, o processo "Casa Pia" é um de muitos processos nos quais o Ministério Público está a trabalhar. Tudo isto faz parte do trabalho do dia-a-dia de um Procurador-Geral. Perder casos e ganhar casos.

Haverá uma intenção mais grave por detrás das interrogações dos media? Nestes tempos em que informar já não é a intenção do "circo" mediático (sem desprestígio para a nobre profissão circense), poderíamos apenas pensar que estamos perante mais uma polémica que os media querem lançar. Afinal, já se tornou banal, entre os media (e consequentemente na maleável opinião pública) a ideia imbecil de que as pessoas envolvidas em cargos políticos devem ser sempre despedidas quando surgem revezes nas suas actividades diárias.

Mas será só isto? A intenção do Expresso com aquela pergunta provocatória seria apenas a polémica?

Isto faz-me pensar que deve haver gente com saudades dos tempos de Cunha Rodrigues. Fala-se muito na fraqueza do Procurador-Geral Souto de Moura. Nas suas declarações, que por vezes são pouco cautelosas. Mas, decididamente vivem-se melhores dias na Procuradoria, no que toca a despachar processos! Quem quer regressar aos tempos de Cunha Rodrigues? Infelizmente, muita gente que gosta de gavetas com chaves...

Bernardo

quarta-feira, 6 de outubro de 2004

Editora de Dan Brown processada!

(publicado em simultâneo no Afixe)



É verdade, meus amigos! Demorou, mas aconteceu! Finalmente, alguns dos autores plagiados por Dan Brown decidiram-se a processar a obra do romancista americano.

Recordam-se do "Holy Blood, Holy Grail", aquele livro pseudo-histórico da autoria de Henry Lincoln, Michael Baigent e Richard Leigh?
E que em Portugal já está a vender forte e feio com o título de "O Sangue de Cristo e o Santo Graal"?


Pois estes dois últimos amigos acabaram de lançar um processo contra o livro de Dan Brown, por plágio. Será processada a Random House, proprietária da editora Doubleday. Diz Michael Baigent, comentando o plágio, que "se a nossa hipótese está ou não correcta é irrelevante, o facto é que se trata de trabalho que nós montámos e no qual gastámos anos e anos a montar".

Leia-se o restante da notícia no London Sunday Telegraph (3 de Outubro de 2004).

O trio britânico até não tinha razões financeiras para se queixar de Dan Brown, porque este último, com o seu romance, relançou de novo as vendas das obras pseudo-históricas do trio. Qual é o problema deles? O problema é que eles querem receber mais algum. Querem tomar parte do filão de Dan Brown. Eles devem estar roidinhos de inveja: "Caramba, este gajo farta-se de vender às nossas custas, e a gente quase não vê cheta"?

Pois sim. Cá está a reacção que não surpreende. É bem vinda, para quem detesta e critica o "Código Da Vinci"? Claro que é.
Vejamos:

1. O processo de plágio, se for para a frente e os seus promotores vencerem, demonstrará que Dan Brown é, de facto, um plagiador descarado;

2. A reacção de cupidez de Baigent e Leigh (Lincoln fica de fora do processo alegando razões de saúde) demonstra que esta gente toda, de Lincoln a Brown, passando por Leigh, Baigent, Clive Prince, Lynn Picknett, e tantos tantos outros, quando chega a hora da verdade, não querem abdicar da maçaroca. Do pilim.

E os leitores?
São jogados para trás e para a frente.
Pagam, com a sua credulidade, as casas e as viagens de Lincoln, Baigent e Leigh, e as actividades maçónicas destes dois últimos.

Bernardo

terça-feira, 28 de setembro de 2004

"O Código Da Vinci" desmascarado



Os media têm coisas engraçadas.

Durante os últimos meses, tenho tentado desmascarar o embuste Dan Brown, com relativo insucesso. A grande percentagem das pessoas que leram as minhas críticas reagiram de forma muito negativa. Muitos rotularam-me de "padre Motta", ou "supranumerário Motta". Porque eu era uma voz isolada, poucos ligaram. Muitos insultaram. A certa altura, referi o artigo do Nouvel Observateur. Isso gerou algum gelo nos contestatários, mas, enfim, era um artigo em francês. Uma língua difícil para o tuga. Poucos leram. A treta continuou.

Esta semana, a Visão, em colaboração com o Nouvel Observateur, trouxe-nos um artigo bem apresentado, bem trabalhado, bem traduzido. Finalmente, num periódico de grande leitura, uma apresentação correcta e relativamente completa sobre este grande embuste.

Pela primeira vez, vem lá tudo: Pierre Plantard, o seu passado anti-semita, as suas associações pseudo-cavaleirescas, as suas falsificações dos "dossiers secretos", as suas amizades. A desmontagem é potente. E atinge um público considerável aqui em Portugal.

Certamente que agora as vozes contestatárias (pelo menos aquelas de Portugal, que leram a Visão), irão começar a desaparecer. Para nos dar alguma paz e descanso.
O que me entristece é que é preciso que isto venha numa revista como a Visão para que se acredite. Hoje em dia, mais que o discernimento crítico, mais que a pesquisa pessoal, mais que o bom senso, mais que a cultura geral, o que vence sempre é a letra mediática. É o que vem nas revistas, nos jornais.

Desta vez, dou total apoio à Visão, pela sua iniciativa em prol da verdade. Mas porque é que é preciso uma revista semanal dizê-lo para que, finalmente, as pessoas se dêem conta de que tudo isto é um embuste, e uma história sinistra?

Que poder impressionante, o dos media...

Bernardo

terça-feira, 21 de setembro de 2004

O Santo Graal


Aqui há tempos, um leitor do Afixe pediu-me para escrever um artigo sobre o Santo Graal. Na altura, recordo-me de lhe dizer que daria um trabalho monstro resumir tão complexo assunto num artigo para o Afixe, mas que iria tentar...

Escrevi um artigo sobre o Santo Graal, porque corresponde a um dos capítulos do livro de Simon Cox.

Visto que se trata de um texto muito extenso, não quis publicá-lo no Afixe, porque iria tornar a página muito pesada e demorada a carregar. Contudo, deixo aqui o link, para quem estiver interessado passar por lá, e dar uma espreitadela.

O texto foi acabado agora mesmo, e escrito um bocado à pressa. Parti de um trecho de Guénon, que traduzi um bocado a correr, e adicionei alguns comentários no fim. Como tudo aquilo está ainda muito crú, e irá ser melhorado e corrigido com o passar dos dias, pareceu-me melhor apontar o link para o texto, em vez de o "postar" directamente. Porque certamente ficaria desactualizado depressa...

Bernardo

segunda-feira, 20 de setembro de 2004

À segunda-feira sai sempre um especial "Terra da Alegria"...

... que convém ler com atenção:

Terra da Alegria

E, a cada segunda-feira, eu me pergunto ao espelho: "E tu, preguiçoso? Para quando outro artigo para a Terra da Alegria?"

Aqui fica um compromisso de honra em relação a um artigo de substância, para breve.

Até lá, não deixem de consultar a TdA, às segundas e às quartas-feiras!

Bernardo

quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Mais material sobre o Carmelo de Vintras...

(publicado em paralelo no Afixe)

Eugène Vintras

Encontrei, num site italiano, este trecho da obra "Satan - Études Carmelitaines" (1948) do carmelita Bruno de Jésus-Marie:

Non abbiamo voluto render pubblico il testo completo della Confessione di Boullan. Il lettore ce lo perdonerà, ma non ne avrebbe sopportato la lettura. Tranne i passi interessanti che abbiamo segnalato, essa provoca disgusto e noia. In questo campo conviene limitarsi, ed anche così si rischia di danneggiare i più sensibili. Boullan — scrive Drack Dusquesne — non è un isolato. Appar­tiene ad una razza che la storia delle aberrazioni religiose non ignora. Il suo caso getta anzi uno spiraglio di luce su alcune manifestazioni non bene note, inserendosi nella grande corrente dei misteri orgiastici che si ritrovano in tutte le religioni come una deviazione, una stortura del culto reso a la Sophia o Sapienza divina. Le sette gnostiche vedevano nello Spirito Santo il «principio fem­minile » della Divinità. Tutta la dottrina di Boullan si riallaccia in modo del tutto naturale e continua la corrente « paracletica » pseudo-mariale, pseudo-carisma­tica degli illuminati medievali (Fratelli e Sorelle del Libero Spirito, Beghards e Beguines, ecc.). Se a Boullan non mancano antenati “spirituali”, tanto meno mancano discendenti. Quando egli muore nel 1893, alcuni dei suoi fedeli se ne tornano ai loro paesi, sia in Moravia sia nella Polonia, allora austriaca; ed è appunto là che, verso il 1894, cominciano i vati­cini di Maria Francesca Kozlowska, suora francescana, chiamata più tardi la Matuchka (la mammina), il cui illuminismo, dopo aver sedotto ecclesiastici quali Kowalski, Prochniewksi, ed altri, infatuati di ascesi e di misticismo anarchico, terminò nel 1903 con la condanna formale del movimento «mariavita » (de Mariae vita) da parte di Pio X. I settari si staccano allora da Roma e fondano la chiesa maria-vita, il cui Patriarca, Kowalski, e i vescovi sono (validamente) consa­crati dall’episcopato vecchio cattolico (giansenista) d’Olanda nel 1909. Il sogno di Boullan è realizzato! Ma la dottrina e la pratica dei “matrimoni mistici” tolti come quasi tutto il resto dalla dottrina di Boullan e destinati a diffondere la procreazione senza condupiscenza (sic) di bambini nati, per conse­guenza, mondi da peccato originale (sic), provocano uno scandalo inaudito. La “poligamia spirituale” (sic) dei Mariaviti è divenuta così pubblica che il Congresso Vecchio-Cattolico internazionale di Berna del 1924 lancia la scomunica a tutta la Chiesa mariavita, che contava allora circa 600.000 fedeli! Dopo di che il Patriarca ed alcuni Vescovi hanno subito in Corte d’assise gravi condanne per offesa al buon costume. Si potranno trovare particolari sul mariavitismo, ridotto oggi-giorno a 100.000 fedeli, nella collezione Die Religion in Geschichte und Gegenwart. I lineamenti caratteristici della setta sono del più puro Boullan, aggiuntavi la parte speciale che si attribuì la Matuchka di “reincarnazione della Santa Vergine” e di preposta, in questo mulier amicta sole, alla salvezza del genere umano, non appena inco­minceranno gli Ultimi Tempi, ormai imminenti”

A página de onde tirei isto é estranha, tem uma coloração horrorosa, e não sei se é fidedigna. Nem conheço o autor deste site, Vittorio Fincati.
Ainda não consegui verificar se este trecho está correctamente transcrito (o original é evidentemente em francês). Mas a obra "Satan - Études Carmelitaines" existe mesmo, assim como foi escrita pelo carmelita Bruno de Jésus-Marie, cuja autoridade e competência historiográfica é incontestável.

Se o texto for fidedigno à obra do carmelita, então temos um relato rigoroso e valioso da forma como este historiador encaixa esta cadeia de movimentos orgiásticos resultantes do legado de Vintras na história do satanismo. Segundo Bruno de Jésus-Marie, o Carmelo de Vintras é uma extensão da heresia do gnosticismo.

Mais sobre isto em breve...

Bernardo

terça-feira, 14 de setembro de 2004

Eugène Vintras, senhor Simon Cox?

(publicado em paralelo no Afixe)

Regresso de novo ao meu tema fetiche: o sub-mundo onde Dan Brown decidiu chafurdar no seu último romance, "O Código Da Vinci".

O que eu tenho para dizer ainda não merece ser lido como um "artigo", porque o que eu quero contar agora não é ainda uma posição sólida. É apenas um desabafo de preocupação. Estou ainda a pesquisar, e ainda não tenho provas contundentes em relação ao que vou escrever agora.

É bem conhecida a simpatia que Dan Brown nutre por Margaret Starbird, a teórica americana do "sagrado feminino":

http://www.telisphere.com/~starbird/

Eu costumo dizer que esta senhora é a inventora do "sagrado feminino", e de uma muito peculiar interpretação do conceito alquímico do "hieros gamos", ou "casamento sagrado". Mas se calhar, ela não é a "inventora" coisa nenhuma, porque hoje em dia já são poucas as coisas verdadeiramente novas...

Para resumir, Starbird afirma que o modelo máximo de divindade está na união sexual de Jesus com Madalena, ou seja, do "deus" com a "deusa".

Tudo isto parecerá pateta, mas se se reparar no site de Margaret Starbird, ela está a falar muito a sério: o número de palestras que ela dá por toda a América é surpreendente. Assim como o número de obras que ela já escreveu sobre o assunto.

Por isso, nada de mais natural do que Dan Brown ter usado esta "estrela em ascensão", para inserir mais um detalhe pitoresco e vigoroso no seu romance: o "hieros gamos".

Até aqui, toda a gente poderia sorrir, ou até dizer: "e qual é o mal, Bernardo, porque é que ficas sempre tão lixado com estas coisas?"

É que, com o passar dos anos a farejar estas porcarias, adquire-se um faro... E este meu faro sensível a este tipo de porcaria andava a chatear-me desde que tomei contacto com estas teorias do "hieros gamos". De onde tinha vindo tudo isto? Onde é que eu já tinha visto isto anteriormente?

Foi com a leitura do "Código Da Vinci Descodificado", de Simon Cox, que se fez luz na minha mente. Ora então diz este senhor a páginas tantas (no capítulo sobre o "Hieros Gamos"):

"Tentativas genuínas para obter um ramo mais «gnóstico» do Catolicismo, incorporando rituais sexuais sagrados e a restauração da monarquia francesa duma forma muito semelhante à dos dogmas do Priorado de Sião, podem ser encontradas num movimento chamado a Igreja do Carmelo..."

Foi como se se tivesse feito luz!
"Igreja do Carmelo"? Isto soava-me a "déjà vu". Logo depois de ter ficado chocado pelo aval de Simon Cox à seita satânica e orgiástica de Eugène Vintras, comecei a pesquisar sobre o assunto. E o que encontro? O mistico Vintras fundou o Carmelo porque acreditava que a santificação vinha da prática da "sexualidade sagrada". Cá está o elo até às teorias de Starbird que eu procurava!

Estou neste momento a fazer uma viagem bem suja ao sub-mundo do satanismo do século XIX e do início do século XX. Nomes como Clément de Saint Marcq, o padre Boullan, Eugène Vintras, e outros mais modernos como Jean (Joanny) Bricaud, podem ser estranhos a muita gente, mas quando eles começam a surgir, não se trata de coisa boa, acreditem...

E, para mais, não há semelhança alguma entre a mistificação do Priorado de Sião (invenção de Pierre Plantard) e as seitas orgiásticas de Vintras e Boullan! Porque raio assimila Simon Cox as duas coisas? Plantard não era tão perverso!

O Carmelo de Vintras (que foi continuado após a morte deste pelo infame padre Boullan) constituiu uma das situações mais exóticas e funestas de propagação do satanismo através de missas negras, com profanações como a prática de sexo em grupo e de masturbação em altares consagrados e em conventos. A febre orgiástica de Vintras espalhou-se como pólvora e foi complicado para a Igreja Católica conseguir contê-la e extinguir o movimento. Até os suspeitos ocultistas franceses do "fin de siècle" atacaram violentamente o movimento de Vintras e Boullan (como foi o caso de Stanislas de Guaita), que consideravam escandaloso e perverso.

Eis senão quando o século XXI assiste ao reaparecimento, devidamente sanitizado por Margaret Starbird (que se calhar, inocentemente, não imagina de onde lhe vem a sua "inspiração"), dos ideais do Carmelo de Vintras, através desta publicidade inaudita ao "casamento sagrado", ou "hieros gamos".

Ainda não estou em condições de escrever algo de sério. Faltam-me provas, e tenho que obter documentos originais. Mas tudo aponta para uma semelhança assustadora entre a recuperação do "hieros gamos" por Dan Brown e Margaret Starbird, e as heresias de perversão sexual de Eugène Vintras.

Mas a procissão ainda vai no adro, se se souber que Vintras era um seguidor do falso Louis XVII (Naundorff), que ele dizia que deveria subir ao trono de França, porque era o "Grande Monarca". Isto diz alguma coisa aos nossos leitores? Nostradamus? É que o mito do "grande monarca", falado pela primeira vez pelo vidente Michel de Notredame (Nostradamus), foi recuperado em pleno século XX, aquando do livro "Holy Blood, Holy Grail" do trio britânico, uma década antes de Dan Brown. O trio britânico via em Pierre Plantard o tão aguardado "grande monarca", futuro rei dos Estados Unidos da Europa.

E Dan Brown chafurda nisto tudo como gente grande!
Parece uma criança a brincar numa central nuclear abandonada!

Conclusão: Dan Brown está, à custa da psique hodierna e da ignorância dos leitores, a fazer dinheiro com um romance que é um autêntico barril de pólvora das maiores imundícies que o género humano alguma vez produziu, disfarçadas de "suspense" artístico-literário.

Estará Dan Brown consciente? Estará Margaret Starbird consciente? Saberão eles da sua "afinidade ideológica" com o Carmelo de Vintras? Eu não sei! O que sei é que Simon Cox chegou lá, e disse-o no "Código Da Vinci Descodificado", dando a Igreja do Carmelo de Vintras como um exemplo de "tentativa genuína para estabelecer um ramo mais «gnóstico» do catolicismo".

A ver vamos... Era só para levantar um pouco o véu às coisas que ando agora a pesquisar... Quando tiver algo de mais sólido não hesitarei em publicá-lo.

Bernardo

segunda-feira, 6 de setembro de 2004

É com um artigo verdadeiro que...

... se inicia mais uma brilhante temporada no Guia dos Perplexos.

O nosso amigo José traz-nos um texto tão lúcido e pertinente, que tem que incomodar muita gente. Hoje em dia, infelizmente, a verdade incomoda sempre.

O José trouxe-nos a descrição de um debate televisivo interessante (o que por si só seria uma esplêndida e fresca novidade), na RTP, no qual participaram várias pessoas, mas das quais o José quis, e bem, realçar o Dr. Carlos Santos Gomes, pela sua participação modesta mas decisiva (pelo que diz o José, não o deixavam falar, o que faz todo o sentido, porque ele pareceu ser o mais competente e o que tinha, de facto, alguma coisa para dizer).

O escândalo máximo do debate terá ocorrido, segundo o José, quando o dito médico estimou que, neste momento, morressem em Portugal devido ao aborto clandestino, entre uma e duas mulheres por ano!

Escândalo nas hostes abortadeiras!

Por favor, leiam o artigo do José. A lucidez, na blogosfera, é um bem escasso. Saibamos aproveitá-la...

Termino com as "20 boas e verdadeiras razões para se votar sim no referendo do aborto", conforme apresentadas pelo José:

"Porque é de esquerda
Porque é um direito a mais que conquistamos
Porque é um dever a menos que suportamos
Porque os países civilizados tem
Porque é sinal de modernidade
Porque a Igreja é contra
Porque é mais uma causa
Porque é o principal problema deste país
Porque assim está-se mais à vontade
Porque assim controlo melhor o meu destino
Porque a barriga é minha e só lá está quem eu deixo
Porque já andamos nisto há uma data de tempo
Porque eu choro e os fetos não choram
Porque até fica bem no currículo
Porque me convém
Porque é mainstream
Porque é mais um passo
Porque eu quero
Porque eles não querem
Porque sim"


Bernardo

quinta-feira, 2 de setembro de 2004

O suposto "papa de Hitler"

(publicado em simultâneo no Afixe)



Pio XII - Eugenio Pacelli - 1876-1958

Já lá vão dois anos que li o "Hitler's Pope", de John Cornwell. Foi um livro que vendeu bem, e teve até honras de tradução portuguesa - "O Papa de Hitler" (precisamente porque venderia bem, traduziu-se). Por cá, sei que muitas pessoas o leram, e quem o leu entenderá o que eu vou dizer de seguida.

Lido a uma velocidade estonteante, o livro de John Cornwell foi escrito para não deixar margem para dúvidas ao novato. Eu era um novato. Ao final do livro não tinha dúvidas. Eu tinha-me transformado num anti-Pio XII. Mas um novato nunca dá por nada. Não sabe ler nas entrelinhas. Lê tudo. Papa tudo. E eu dizia a toda a gente que Pio XII era um dos piores papas do século XX, e toca a andar...

Naturalmente, e graças a Deus, as pessoas amadurecem e eu não fui excepção. Navegando na Internet, já se tornava cada vez mais frequente encontrar páginas refutatórias destes ataques a Pio XII, pelo que, a pouco e pouco, comecei a suspeitar de que o nosso amigo John Cornwell tinha deturpado um bocadito as coisas.

Pode-se datar o início da campanha anti-Pacelli à peça de teatro "O Vigário" do escritor alemão Rolf Hochhuth (1963). Sim, porque fique-se a saber que, desde o final da guerra em 1945 até 1963, os ataques a Pacelli eram praticamente inexistentes. Antes pelo contrário, os louvores sucederam-se a uma velocidade estonteante, e começaram mesmo a meio da Guerra, como se poderá ver mais abaixo.

De 1963 até aos dias de hoje, a avalanche anti-Pio XII tem crescido. Os media, como sempre, gostam de dar uns retoques surrealistas para apimentar a discussão. O filme "Amen" de Constantin Costa-Gravas, é um belo exemplo desses processos mediáticos de profunda deturpação histórica, quando o que conta é o que vende, e o que vende é o "papa de Hitler".

Da esplêndida obra de Matteo L. Napolitano e Andrea Tornielli, "Il Papa che salvò gli ebrei" (2004), podem-se agora tirar ilacções totalmente diferentes daquelas que os media têm tentado impor à mente do "consumidor". Estes dois autores, aproveitando-se da abertura recente do Arquivo Secreto do Vaticano relativo aos anos "quentes" do pré e do pós Segunda Guerra Mundial, por autorização e ordem expressa do Papa João Paulo II, puderam elaborar várias obras em torno do tema, das quais destaco aquela atrás citada.

Assim, o livro que cito, bem mais pequeno que o de Cornwell, está, contudo, repleto de excertos fulcrais de cartas e documentos originais do Vaticano. Está repleto de trechos vitais de correspondência entre embaixadores, núncios apostólicos, papas (o período abrange os papados de Pio XI - Achille Ratti - e Pio XII - Eugenio Pacelli), dirigentes políticos, representantes de associações judaicas, entre outros.

Napolitano e Tornielli não se perdem em grandes especulações. Limitam-se a intercalar uma citação de um documento com um ou outro comentário. O que interessou, para eles, foi colocar num volume de fácil leitura, o máximo possível de factos concretos provenientes da documentação oficial, agora que ela foi tornada pública.

Que podemos ler nesses documentos?
O filonazista Pacelli?
O germanófilo Pacelli?
O antisemita Pacelli?

Não me parece...

Ao folhear as páginas deste livro, que estão tão repletas de refutações às teses do "papa de Hitler" que dá vontade de bater nos difamadores, dei-me conta de uma curiosidade: na sua obra supracitada também John Cornwell tinha cedido à tentação de dizer algo como: "no início eu queria verificar que a tese do papa de Hitler estava errada, mas no desenrolar da minha investigação, eu tive que mudar de opinião", etc, etc... (não foram estas as palavras, não tenho o livro agora aqui à mão, mas foi algo de parecido o que ele disse). Onde é que eu já tinha visto isto? Esta conversa fiada?

Aqueles que leram o livro do trio britânico Henry Lincoln, Michael Baigent, e Richard Leigh, sobre o mistério de Rennes e o Priorado de Sião, sabem a que conversa fiada me refiro: também este maravilhoso trio de investigadores tinha decidido "partir à procura da refutação", mas inevitavelmente teriam sempre que concluir que, afinal, "era tudo verdade".

Ou seja, uma táctica bem conhecida de bluff intelectual. Mas que funciona. É eficaz.

Isto já vai longo. Queria deixar-vos com algumas citações deste livro. Em primeiro lugar, esta, do prefácio de Sérgio Romano:

"Ma in bocca a certi studiosi come quelli citati da Napolitano e Tornielli nel loro libro, certi giudizi su Pacelli mi sembrano configurare il più grave dei peccati che gli storici commettono talvolta nel loro lavoro. Si chiama anacronismo."

Algumas citações de posições a favor de Pio XII e da Igreja Católica durante este periodo conturbado (tentei traduzi-las a olho, quem não gostar da tradução pode pedir-me os excertos originais em italiano):

"Tenho na minha mesa [de trabalho], em Israel, uma pasta intitulada «Calúnias contra Pio XII». Sem ele, muitos dos nossos não estariam vivos" - Rabi-chefe de Roma, Israel Zolli.

"Se o papa tivesse falado [abertamente contra o regime de Hitler], Hitler teria provavelmente massacrado mais de seis milhões de hebreus e talvez dez vezes dez milhões de Católicos, se tivesse tido o poder para o fazer" - Rabi-chefe da Dinamarca, Marcus Melchior.

"Qualquer ofensa propagandística da Igreja Católica contra o Reich hitleriano teria sido não só um provocatório suicídio, mas também teria acelerado a execução de muitos outros hebreus e padres" - Robert M. W. Kempner, juíz de instrução do processo de Nuremberga.

"Só a Igreja contrariou de forma decisiva a campanha de Hitler para suprimir a verdade. Eu nunca nutri interesse especial de qualquer tipo em relação à Igreja anteriormente, mas agora tenho um afecto e uma admiração profunda porque só a Igreja teve a coragem e a persistência de se erguer em favor da verdade intelectual e da liberdade moral. Sou levado a confessar que aquilo que eu via há já tempo com desprezo, agora louvo-o sem reservas." - Albert Einstein, em entrevista à Time (1940).

"A Santa Sé está a prestar a sua potente ajuda onde pode para mitigar o facto dos meus correlegionários perseguidos" - Chaim Weizmann, durante a Guerra, antes de se vir a tornar no futuro primeiro presidente do Estado de Israel.

"Disse-lhe que o meu primeiro dever era agradecer-lhe, e através dele agradecer da parte do povo hebreu à Igreja Católica, por tudo o que tinha feito nos vários países para salvar os hebreus" - Moshe Sharrett, o segundo presidente do Conselho israelita, em visita a Pio XII, em Abril de 1945.

"O povo de Israel nunca mais esquecerá o quanto Sua Santidade e os seus ilustres delegados, inspirados no eterno princípio da religião, que forma o verdadeiro fundamento da verdadeira civilização, estão a fazer pelos nossos desafortunados irmãos e irmãs na hora mais trágica da nossa história, e que é a prova viva da Divina Providência neste mundo" - Isaak Herzog, Rabi-chefe da Terra Santa, em carta dirigida ao Delegado apostólico de Istambul, Angelo Roncalli, em Fevereiro de 1944.

Mas Napolitano e Tornielli não se ficam por aqui. Por simples citações. Numa análise surpreendentemente tão lúcida quanto sucinta, eles passam revista a todas as teses anti-Pacelli, apoiando-se em argumentos e documentos refutatórios credíveis e verificáveis, porque, ao contrário do livro de Cornwell escrito numa altura em que a verificação no Arquivo Secreto era ainda privilégio de poucos, agora os arquivos estão abertos. Sobretudo o dossier "Germania", que contém um acervo impressionante de correspondência fulcral.

Espero regressar a este tema polémico em breve. A minha intenção foi apenas a de partilhar convosco alguns fortes pontos de vista de quem contesta em voz alta e com indignação esta onda infame do "papa de Hitler".

Na minha opinião estritamente pessoal, não consigo isolar esta onda anti-Pacelli da onda das pseudo-teses de Dan Brown. Para mim, fazem parte de uma longa e profunda ofensiva anti-católica, que está activa há muitos anos, e a crescer em força e em alcance mediático.

Bernardo

quarta-feira, 1 de setembro de 2004

Cá vem a tradução...

... do excerto de Jean Borella que apresentei no último artigo.

Caro Francisco, sempre às ordens! Desculpa só a fraca qualidade da tradução, mas não tenho um dicionário à mão e isto vai ser feito a olho!

"Não há, então, inconveniência radical entre a essência feminina e o sacerdócio. Não podem senão existir inconveniências relativas à natureza particular, e mesmo única, do sacerdócio cristão. E, antes de mais, dever-se-ia afirmar que estas inconveniências relativas não são senão a contrapartida de uma conveniência maior para uma outra função [da mulher] na economia geral do cristianismo. É então a natureza do sacerdócio cristão, desejada por Cristo, que determina conveniência e inconveniência, sendo entendido, mais uma vez, que estas nada têm de arbitrário, e contribuem pelo contrário a fazer do homem e da mulher o que eles devem ser para Deus. Assim, a abolição desta distinção quanto à aptidão dos dois sexos ao sacerdócio teria por efeito, não somente alterar (ou mesmo enfraquecer) a essência verdadeira do sacerdócio cristão, mas ainda perverter a relação que a mulher cirstã possui com a economia da salvação, e por via das consequências, arruinar definitivamente a ordem da sociedade cristã. Porque não é indiferente, para esta sociedade, que a distinção dos sexos, que está na base de toda a organização social, esteja sancionada e conservada por uma instituição divina, que, sózinha, lhe dá o seu sentido verdadeiro. Repousando apenas em critérios biológicos, ou seja, em última análise, animais, é toda a organização social que passa a estar "animalizada". E cada qual sabe que um homem reduzido à sua animalidade não é mais que uma besta. Querendo apagar todos os sinais distintivos dos dois sexos, os feministas não se dão conta que se condenam necessariamente a sofrer a ditadura da inapagável distinção psicológica, a qual, reinando, não conhece outros limites que os da sua própria satisfação e não pode senão ir ao ponto de transformar as mulheres em puras fêmeas para machos reduzidos à função genesíaca. Esta é a verdade rigorosamente inscrita na revolução do «segundo sexo»." - Jean Borella, "De la Femme et du Sacerdoce".

A tradução é má, mas que fique bem claro que Jean Borella repudia a expressão "segundo sexo"! Para ele, e eu partilho desta opinião, o feminismo é um dos maiores atentados à verdadeira essência da mulher que a História humana alguma vez assistiu. Obviamente que o machismo, nem é preciso dizer, é uma postura de, e para, imbecis. A "luta dos sexos" só tem lugar no mundo complexo, variável e inconstante da psique e da emotividade humanas. No plano de Deus, apesar de terem "papéis" diferentes, homem e mulher são seres em "igualdade hierárquica".

Se algo ficou pouco claro deste pequeno excerto, porque eu tive que escolher uma parte pequena (o resto pode ser lido no site que indiquei), foi como expõe Jean Borella o papel da mulher no plano salvífico de Deus, de acordo com a doutrina católica. Remeto os leitores para o artigo de Jean Borella, porque isso exigiria um artigo grande só por si. Se eu puder, regressarei a este tema, traduzindo mais alguns excertos do referido artigo, sobretudo nesta última parte do papel da mulher, que é deveras interessante.

Um abraço,

Bernardo

ADENDA: Quando usei a palavra "feminismo", fi-lo, aliás como Jean Borella, no sentido de "extremismo feminista". Evidentemente que não podemos estar contra a protecção da mulher e dos seus genuínos direitos, bem como a protecção dos genuínos direitos de quem quer que seja. Contudo, e fica bem claro pela posição aqui apresentada, não considero o sacerdócio na sua forma especificamente cristã um direito genuíno da mulher.

segunda-feira, 30 de agosto de 2004

Acerca da aptidão da mulher para o sacerdócio cristão

Este tema polémico faz sempre estalar muito verniz. Para responder a algumas contestações que me dirigiram, relativas a existir um suposto "machismo" na minha discordância com o sacerdócio feminino na sua forma cristã, queria deixar-vos com as palavras lúcidas do comentador católico Jean Borella (uma série de artigos dele pode ser encontrada em http://membres.lycos.fr/borellajean/):

"Il n’y a donc pas de disconvenance radicale entre l’essence féminine et le sacerdoce. Il ne peut y a avoir que des disconvenances relatives à la nature particulière, et même unique, du sacerdoce chrétien. Et, bientôt plutôt, faudrait-il affirmer que ces disconvenances relatives ne sont que la contre-partie d’une convenance majeure pour une autre fonction dans l’économie générale du christianisme. C’est donc la nature du sacerdoce chrétien, voulue par le Christ, qui détermine convenance et disconvenance, étant entendu, encore une fois, qu’elles n’ont rien d’arbitraire, et contribuent au contraire à faire de l’homme et de la femme ce qu’ils doivent être pour Dieu. Ainsi, l’abolition de cette distinction quant à l’aptitude des deux sexes au sacerdoce aurait pour effet, non seulement d’altérer (et peut-être même d’anéantir) l’essence véritable du sacerdoce chrétien, mais encore de bouleverser la relation que la femme chrétienne entretient avec l’économie du salut, et par voie de conséquences, à ruiner définitivement l’ordre de la société chrétienne. Car il n’est pas indifférent, pour cette société même, que la distinction des sexes, qui est à la base de toute organisation sociale, se trouve sanctionnée et consacrée par une institution divine, qui, seule, lui donne son véritable sens. A ne reposer que sur des critères biologiques, c’est-à-dire, en dernière analyse, animaux, c’est l’organisation sociale tout entière qui s’en trouve animalisée. Et chacun sait qu’un homme réduit à son animalité est moins qu’une bête. En voulant effacer tous les signes distinctifs entre les deux sexes, les féministes ne se rendent pas compte qu’ils se condamnent nécessairement à subir la dictature de l’ineffaçable distinction physiologique, laquelle, régnant, ne connaît d’autres limites que celles de sa propre satisfaction et ne peut aller qu’à transformer les femmes en pures femelles pour des mâles réduits à la fonction génésique. Telle est la vérité rigoureusement inscrite dans la révolution du « deuxième sexe »." - Jean Borella, "De la Femme et du Sacerdoce".

Ressalvo um pormenor da extrema importância: a minha discordância face ao sacerdócio feminino aplica-se especificamente à sua forma cristã. A leitura cuidada do artigo de Jean Borella permitirá uma compreensão mais profunda deste ponto de vista, que partilho na íntegra com o autor citado (o que não implica, obviamente, a minha concordância com outras suas posições).

Bernardo

quinta-feira, 5 de agosto de 2004

O Evangelho de Tomé e o "sagrado feminino"

Todos temos tido contacto recente com leitores do best-seller "O Código Da Vinci", de Dan Brown. Uma das "teorias" avançadas neste romance pouco inocente é o de que os evangelhos apócrifos são mais genuínos que os evangelhos canónicos de Mateus, Marcos, Lucas e João que foram incorporados no cânone do Novo Testamento. Além disto, os adeptos destas "teorias" (que frequentemente não as vêem como "teorias" mas sim como factos) costumam dizer que um importante conjunto destes evangelhos apócrifos, conhecido como "textos de Nag Hammadi" (local no Egipto onde foram descobertos em 1945), ou "evangelhos gnósticos", traz importante informação em relação ao que eles chamam de "sagrado feminino", ou "culto da Deusa", ou seja, que Jesus teria casado com Maria Madalena, e que esta teria sido escolhida para liderar a Igreja após a morte de Jesus. No seguimento desta "teoria", a Igreja Católica (evidentemente "malévola" ao ponto de querer "esconder a verdade") teria feito tudo para a substituir por Pedro, que se asseguraria de que o "culto da Deusa" ficaria sepultado para a posterioridade.

Mas um dos trechos dos evangelhos gnósticos que é menos citado pelos nossos entusiastas do "sagrado feminino" é este trecho do Evangelho de Tomé, que contradiz imediatamente a "teoria" de que o "culto da Deusa" está presente nestes evangelhos:

"Disse-lhes Simão Pedro: que Maria se aparte de nós porque as mulheres não são dignas da Vida. Disse-lhes Jesus: Vede, eu mesmo a guiarei, para fazer dela macho, para que também ela seja um espírito vivo, semelhante a vós machos, pois cada mulher que se tornar macho irá para o reino dos céus." - Evangelho de Tomé, 51:18 (660) a 51:26 (668).

Fonte:
http://www.geocities.com/Athens/9068/log114.htm

(obter primeiro o ficheiro de fonte copta "coptic2.ttf", e colocar este ficheiro em c:\windows\fonts)

Antes de se pronunciarem sobre os evangelhos apócrifos em geral, e sobre os evangelhos gnósticos em particular, e antes de começarem a disparatar sobre os "segredos que a Igreja escondeu", algumas pessoas deveriam começar por se interrogar porque é que a Igreja recusou considerar estes textos como parte integrante do cânone bíblico.

As razões para esta recusa são:

a) razões teológicas, e
b) razões históricas.

Por um lado, o lado teológico, estes textos estão prenhes de heresia gnóstica (não me é possível desenvolver aqui e agora o que é esta heresia e porque é que é uma heresia), por outro lado, pelo lado histórico, estes textos estão temporalmente distantes da vida de Jesus (foram todos compostos a partir do século II d.C, ao contrário dos evangelhos canónicos que pertencem ao século I d.C., sendo S. João o mais tardio e que por vezes é datado até no máximo aos primeiros anos do século II d.C.), e por isso, os factos da vida de Jesus que lá vêm relatados são duvidosos e menos credíveis que os que foram (por essa razão e por outras) incluídos no cânone do Novo Testamento.

O Evangelho de Tomé pertence ao grupo de textos achados no Egipto, em Nag Hammadi, em 1945. Apesar de escritos em cóptico, não se faça confusão! Estes textos não pertencem à Igreja Copta, uma Igreja desde há séculos em cisma com a Igreja Católica, mas que nada tem a ver com a heresia do gnosticismo. Mais ainda, importantes membros e dirigentes da Igreja Copta tiveram um papel fundamental na luta contra as heresias gnósticas. Os evangelhos gnósticos foram muito provavelmente elaborados por seguidores de líderes gnósticos como Valentiniano, nascido em Alexandria por volta do ano 100 d.C. Deverão ter sido escritos em Alexandria ou em comunidades vizinhas. Alexandria foi um importante centro na difusão do gnosticismo.

A minha sugestão para todos os interessados seria:

1. Tentar aceder às fontes directas dos evangelhos apócrifos: há imensos sites na internet com o texto original em cóptico (caso dos textos de Nag Hammadi) e aramaico (caso dos textos de Qumran), e com as devidas transliterações e traduções para inglês;

2. Tentar aceder à documentação da Igreja Católica (textos conciliares, obras patrísticas, compêndios anti-heresia, etc.) para compreender quais foram as razões desta condenação da Igreja aos textos gnósticos, e a homens como Valentiniano.

Bernardo

sexta-feira, 23 de julho de 2004

In memoriam



Inesquecível. Enquanto Portugal existir, que nunca nenhum português se esqueça da enorme dívida de gratidão para com este grande homem.

Bernardo

terça-feira, 20 de julho de 2004

Foi por culpa do Timóteo Shel que eu...

... cedi à nostalgia (ver "Us and Them" em http://timoteoshel.blogspot.com/).
 
"The sweet smell of a great sorrow lies over the land
Plumes of smoke rise and merge into the leaden sky:
A man lies and dreams of green fields and rivers,
But awakes to a morning with no reason for waking
He's haunted by the memory of a lost paradise
In his youth or a dream, he can't be precise
He's chained forever to a world that's departed
It's not enough, it's not enough
His blood has frozen and curdled with fright
His knees have trembled and given way in the night
His hand has weakened at the moment of truth
His step has faltered
One world, one soul
Time pass, the river roll
And he talks to the river of lost love and dedication
And silent replies that swirl invitation
Flow dark and troubled to an oily sea
A grim intimation of what is to be
There's an unceasing wind that blows through this night
And there's dust in my eyes, that blinds my sight
And silence that speaks so much louder than words,
Of promises broken" - D. J. Gilmour (Pink Floyd) - A Momentary Lapse of Reason (1987)
 
Bernardo

P.S. Sempre que ouço esta música, faz-me lembrar o Kali Yuga em que se encontra o mundo em que vivemos...

segunda-feira, 19 de julho de 2004

"A Língua dos Pássaros", na Terra da Alegria

Hoje é dia de Terra da Alegria, e no número de hoje abundam bons textos, sendo que a temática dos artigos incide sobretudo no diálogo inter-religioso.
 
O meu artigo fala sobre a "Língua dos Pássaros", ou como também é por vezes referida, a "Língua dos Anjos". Este artigo faz parte de uma intenção minha de escrever sobre a temática da angeologia, que é um tema fortemente incompreendido, mesmo pelos crentes.
 
Há muito boa gente, crente, que se envergonharia se tivesse que admitir publicamente que acredita em anjos ou em demónios. Dessa postura tão frequente quanto inaceitável, que só pode derivar de uma crença pouco informada ou insegura, é fácil cair-se na tentação de ver os textos sagrados das diversas tradições espirituais como simples "textos poéticos". A "metamorfose" da exegese do texto revelado numa profana "análise poética" é algo de profundamente deplorável. Aqueles que vêem os textos sagrados como simples "poemas" estão gravemente equivocados, e estão mais influenciados pela atitude materialista moderna do que supõem.
 
O texto de Guénon que traduzi para o artigo de hoje na Terra da Alegria é um texto muito útil, porque demonstra de forma clara e abrangente que as tradições espirituais verdadeiras só podem concordar entre si, e que sob as aparentes diferenças de forma, encontra-se uma unidade doutrinal que inviabiliza a tese da sua origem ser puramente humana.
 
O texto serve também de lição para alguns ateus que vêem o fenómeno da espiritualidade e da crença como um amontoado de superstições tolas e vazias de realidade. Que este texto sirva para dar força aos crentes que vacilem perante alguns aspectos da sua fé, para que estes não duvidem da necessidade da intelectualidade na atitude do crente, e para que estes não se deixem intimidar por certos discursos anti-religiosos ofensivos, que para a pessoa informada não passam de patéticas demonstrações de ignorância.
 
O diálogo inter-religioso só pode ser favorecido pelo conhecimento do trabalho de intérpretes competentes como Guénon, que conhecendo a fundo as várias doutrinas ao serviço do Homem, souberam lançar luz e mostrar paralelos onde por vezes eles pareciam não existir. "Entente et non fusion", dizia Guénon. O verdadeiro Ecumenismo deverá ser um entendimento ao nível dos princípios metafísicos, e nunca a fusão das várias formas tradicionais numa suspeita "nova religião".
 
Os perigosos discursos "neo-religiosos", que falam de uma nova forma de encarar a espiritualidade, que advogam o laxismo doutrinal para permitir uma melhor "fusão" das diversas tradições, são discursos fortemente anti-tradicionais. De forma insuspeita, romances como o "Código Da Vinci" de Dan Brown vão permitindo preparar a massa ingénua da opinião pública no sentido desta aceitar mais facilmente este tipo de ideias "neo-religiosas". Estas ideias são traições às diversas formas da Verdade revelada. A diversidade das formas do revelatum é consequência da diversidade das culturas humanas por esse Mundo fora. Pessoas diferentes necessitam de mensagens com forma diferente, que melhor se adapte à sua maneira de ser.
 
Por isso, apelo aos católicos para que, ajudados por uma profunda compreensão da doutrina católica, saibam também estudar, compreender e aceitar a profundidade das restantes doutrinas válidas, que servem o útil propósito de lançar, por vezes, nova luz sobre aspectos mais obscuros da nossa própria doutrina.
 
Evitemos, sobretudo, estes dois grandes perigos:
 
1. A tentação de nos mudarmos para outra tradição na expectativa de encontrar aquilo que julgamos faltar à nossa tradição;
 
2. A tentação de aceitar como algo de bom e desejável a instituição de uma nova religião, feita da fusão das religiões ainda existentes: esta fusão seria o golpe final na verdadeira espiritualidade, seria uma dissolução da verdadeira espiritualidade numa mescla caótica, indistinta e sincrética.
 
Bernardo

quarta-feira, 14 de julho de 2004

Sobre o politeísmo...

Tenho-me confrontado com alguns ateus que, na sua "imparcialidade" anti-religiosa, não compreendem porque é que Deus havia de ser Uno. Eles recusam Deus liminarmente, sem apelo nem agravo. E como não aceitam qualquer tipo de argumento abonatório da existência de Deus, optam por negar em pé de igualdade tanto o monoteísmo como o politeísmo.

Há dias, tentei explicar a um deles que o politeísmo era um erro. Ao que o dito ateu me retorquiu que, na impossibilidade de provar que Deus existia, era impossível saber se existia apenas um Deus, ou vários deuses!
É surpreendente! Não é possível ser-se mais "imparcial" na recusa de Deus!

Assim, nada como deixar aqui estas palavras de René Guénon, retiradas de um texto sobre o Demiurgo, que foram escritas em 1909, quando Guénon tinha apenas 22 anos:

"Alguns julgaram que deveriam admitir dois princípios distintos, opostos um ao outro, mas esta hipótese está descartada pelo que referi anteriormente. Com efeito, estes dois princípios não podem ser ambos infinitos, porque então se excluiriam ou se confundiriam; se só um fosse infinito, este seria o princípio do outro; e, se ambos fossem finitos, não seriam verdadeiros princípios, já que dizer que aquilo que é finito pode existir por si mesmo, é admitir que algo pode sair do nada, posto que todo o finito tem um princípio lógico senão cronológico. Neste último caso, em consequência, um e outro, sendo finitos, devem proceder de um princípio comum, que é infinito, o que nos leva à consideração de um Princípio único. Adicionalmente, muitas doctrinas que observamos como dualistas, não o são senão em aparência; no Maniqueísmo, como na religião de Zoroastro, o dualismo não é mais do que uma doutrina puramente exotérica, encobrindo uma verdadeira doutrina esotérica da Unidade: Ormuz e Ahrimán são os dois engendrados por Zervané-Akérêné, e devem fundir-se com ele no final dos tempos. A Dualidade é então necessariamente produzida pela Unidade, pois não pode existir por si mesma" - René Guénon, "O Demiurgo", publicado na resenha póstuma "Mélanges", Capítulo I, Parte I - Edições Gallimard, Paris, 1976.

Bernardo

Saiu mais um "Terra da Alegria"...

E, devo confessar que esta edição parece-me ser a melhor de sempre!
Os textos estão magníficos. Os meus parabéns.


Bernardo

segunda-feira, 12 de julho de 2004

À segunda-feira...

... é dia de Terra da Alegria!

Ementa do dia:
- o Gabriel Silva discute o uso da terminologia "direita" versus "esquerda", concordo com practicamente tudo o que ele diz, se bem que eu o diria de outra forma. Mas é um tema denso... Fica para um futuro artigo sobre como eu vejo isto de "esquerda" e "direita".

- eu trago um artigo sobre a "Espada do Islão" ("Sayful-Islam"), que pretende ser um artigo de resposta àqueles senhores que me acusam de distorcer o Islão a meu bel-prazer, tentando ocultar que se trata de uma religião guerreira, e portanto, cúmplice do terror; espero ter sido claro, e ter demonstrado que o terrorismo moderno dos membros da Al-Qaeda é pseudo-islâmico, porque com os seus actos ofende gravemente os ensinamentos do Profeta.

- a Marvi apresenta-nos um texto lucidíssimo em torno da protecção da privacidade do ser humano, sobretudo no que toca à privacidade no sofrimento; gostei particularmente da citação de Miguel Torga que ela nos trouxe...

- O Lutz traz-nos o teólogo Eugen Drewermann, que eu desconhecia; antes de comentar, vou tentar saber mais sobre a obra e as opiniões deste teólogo, que o Lutz avisa desde já que não é muito bem visto pela ortodoxia católica. O tema é fascinante: o Lutz principia com uma frase bombástica: "Não acredito numa vida após a morte, mas acredito que somos eternos." - definitivamente a não perder.

- para terminar, o Marco Oliveira traz-nos uma poderosa analogia entre nascimento e morte; não posso deixar de afirmar que estou plenamente de acordo com o o Marco: o simbolismo que ele apresenta é profundíssimo e abre os horizontes para a compreensão da morte.

Enfim, como sempre, a não perder, esta TdA!
(perdoem-me a auto-promoção...)

Bernardo

domingo, 11 de julho de 2004

O simbolismo de Janus - Parte I

A noite já vai alta, e não dará para escrever muito.
Este é um tema que eu aprecio bastante, o do simbolismo de Janus, a divindade indo-europeia, que entre outras coisas, dá o nome ao mês de Janeiro.

Este simbolismo será analisado através da obra de Guénon, como tem sido hábito meu.
Foi Louis Charbonneau-Lassay (1871-1946) quem, pela primeira vez, deu a conhecer a Guénon este símbolo cristão, encontrado em Luchon (França) num medalhão gravado num manuscrito monacal do século XV:



(retirado de http://www.plotinus.com/janus.htm)



Este símbolo é, como veremos nos próximos artigos, bastante próximo do simbolismo de Janus/Jana, do "deus da dupla face", uma masculina ("Janus") e outra feminina ("Jana" ou "Diana"). Como poderemos ver, este símbolo também é o símbolo de Cristo, como fica patente no monograma I.H.S. no topo do medalhão.

Este tema vem também a propósito de algo que aconteceu neste blogue há umas semanas atrás. Eu tinha escrito sobre a falsa polémica de saber se era ou não S. João que estava à direita de Cristo no mural de Leonardo da Vinci, e, na altura, tinha referido a coincidência de o fazer no dia de S. João. Foi o José quem me alertou para a "burrada"! O S. João em questão no mural é S. João Evangelista (e Apóstolo), quando o S. João celebrado a 24 de Junho é o S. João Baptista.

Prontamente, apaguei a minha asneira do texto, porque não vinha nada a propósito. Mas estas coincidências têm sempre um propósito didáctico! E para mim, foi o de ir investigar a natureza da dualidade simbólica entre S. João Evangelista e S. João Baptista (o "S. João" dos Santos Populares, do 24 de Junho). Esta "investigação" acabou por me levar ao simbolismo do Janus romano, e da sua surpreendente ligação com o simbolismo do próprio Cristo, e dos dois S. João que a doutrina católica venera em extremos diametralmente opostos do calendário, S. João Baptista a 24 de Junho e S. João Apóstolo e Evangelista a 27 de Dezembro.

Mas deixemos a continuação para depois...

Bernardo

quarta-feira, 7 de julho de 2004

Desabafos sobre a "religião do Diabo"...

Há coisas surpreendentes!
Então não é que um artigo do Timóteo Shel gerou, há pouco tempo, mais de uma centena de comentários, numa acesa discussão de crentes versus ateus?

Desta vez, os papéis inverteram-se... Era o Pedro Fontela quem defendia (sozinho) a equipa do "Diário de uns Ateus". E, sozinho, era zurzido por aquela boa gente toda!

Gostei do debate, e gostei de ter tanta gente tão clarividente e sensata a defender a causa dos crentes, dando assim umas salutares "palmadas" ao Pedro Fontela. Aposto que o Pedro descobriu muita coisa nova que nem suspeitava que existia...

Uma dessas coisas que o Pedro Fontela descobriu pela primeira vez foi a obra do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho. O Marcus Pimenta citou uns quantos textos do filósofo, textos esses bem a propósito, que são tão claros quanto conclusivos face a uma série de falsas questões nas quais os nossos amigos do "Diário" tanto insistem.

O Olavo de Carvalho tornou-se, assim, numa pedra no sapato do Pedro Fontela. Não sei como vai ele tirá-la de lá... Porque as palavras de Olavo revestem-se de uma sobriedade, de um rigor linguístico, de uma cultura filosófica, e de uma precisão demonstrativa que torna as coisas complicadas para estes nossos amigos anti-católicos.

Um dos meus arqui-inimigos dessas bandas é o André Esteves, feroz ateu, que há pouco tempo me confessou que gostava dos satanistas. E como essa tirada veio tão a propósito do artigo do Timóteo! Essa "religião do Diabo", que é a dos ateus ressaibiados, é (apesar de eles negarem) uma forma de crença bastante cega pelo preconceito, e sobretudo pela ignorância generalizada e desconcertante face a tudo o que cheire a religião.

Neste momento, estarão o Pedro Fontela e os seus amigos a pensar: "de onde veio este Olavo de Carvalho"? Pois, meus caros, isso é o problema de quem se mete a falar sobre assuntos que não domina!

O rigor e o cuidado que apresentam muitos dos textos de Olavo de Carvalho, tem, julgo eu, uma forte e benéfica inspiração do trabalho de René Guénon, e de outros elementos importantes da corrente tradicionalista que rejuvenesceu o panorama intelectual do século XX (Schuon, Burckhardt, Nasr, Coomaraswamy, entre outros).

Repare-se que não estou com isto a assinar por baixo tudo o que Olavo escreveu ou disse. Estou apenas a dizer que, tendo ido beber à obra de René Guénon, Olavo encontra-se numa posição solidíssima, e é portanto natural que ele tenha escrito textos de uma clareza e de uma clarividência que surpreenda o comum ateu.

Meus caros ateus do "Diário", a realidade, infelizmente para o ateísmo, é BEM mais complexa do que vocês a vêem... Mas isso já se topava a milhas, bastando ver apenas a forma literalista e infantil como vocês lidavam com os textos sagrados do Islão ou do cristianismo...

Quando pela primeira vez mencionei aqui a existência deste reduto de ateus bloguísticos, afirmei que eles pareciam sofrer de uma profunda atrofia intelectual. A expressão era, sem dúvida, forte. E na altura, retraí-me dela. Mas não posso deixar de afirmar que, decorridos já vários confrontos em que se fez ver a estes senhores que o Mundo não era a caixa de areia em que eles brincavam (caixa de areia essa desenhada por "gurus" deles como Sagan ou Hawkins, ou Jay Gould), eles continuaram e teimaram em não reconhecer a estreiteza assustadora das suas ideias.

Em vão, eu tentei dizer que o ateísmo até podia ser muito mais do que aquilo que eles estavam a fazer passar! Imagine-se! Eu, a defender que o ateísmo poderia ser melhor do que o deles! Mas cheguei a esse ponto!

Não estou a tentar convertê-los! Acho isso impossível, em virtude da longa devastação intelectual a que estiveram e estão sujeitos (o facto de fazerem um grupo coeso, que se defende dos ataques da Verdade também não ajuda). Estou a tentar torná-los em melhores ateus! Sou atrevido? Imodesto? Caramba, estamos a falar das mesmas pessoas que disseram que ensinavam aos crentes coisas sobre religião que os próprios crentes desconheciam! Então, haverá melhor retribuição ao esforço de melhoria que eles fazem nos crentes, do que contribuirmos nós também para torná-los em melhores ateus? Melhores, intelectualmente dizendo, obviamente...

Agora, convertê-los? Para quê? Vanitas, vanitas...

Se "atrofia intelectual" é termo forte, deixem-me ao menos usar o de "miopia intelectual"! Ao menos, a miopia pode ser corrigida por prescrições oftalmológicas adequadas. Se ainda for a tempo!

Bernardo

P.S.: Caros ateus do "Diário"... Quando é que vocês vão sair da toca, arregaçar as mangas, e enfrentar o touro de frente? Já se sabe que a vossa reacção vai ser a de sempre: ignorar Olavo de Carvalho, ignorar René Guénon, como ignoraram S. Tomás de Aquino, ou Aristóteles. Face ao peso esmagador da erudição e da intelectualidade, o macaco esconde-se... Ou estarei enganado? Teremos ateus à altura?

segunda-feira, 5 de julho de 2004

Simon Cox junta-se a Dan Brown

Este fim-de-semana deparei-me, numa livraria em Lisboa, com um livro mesmo ao lado do "Código Da Vinci". Trata-se do livro de Simon Cox, "Cracking The Da Vinci Code: The Facts Behind The Fiction".



Dizem os críticos:
"The first non-fiction companion to Dan Brown's mega-selling novel The Da Vinci Code."

"Non-fiction"?
"Facts"?
Que lata... Estive a folhear o livro, e aquilo está cheio de tretas. Claramente, este livro foi escrito para emparelhar e dar mais força ao romance de Dan Brown. Quando as pessoas me julgavam paranóico por atacar aquilo que diziam ser "só um romance", não estavam a avaliar bem a natureza e os objectivos desta onda "brownesca", que não é coisa nem recente nem inocente.

A infâmia de Simon Cox está em apresentar um livro pretensamente "factual", para que os leitores mal preparados (que serão quase todos) possam catalogar o "Código Da Vinci" como romance, e olhar para o livro de Simon Cox como os "factos" por detrás do romance. Boa estratégia!

Simon Cox, editor-chefe da revista pseudo-científica Phenomena, será uma das últimas pessoas a escolher para obter esclarecimentos. O negócio de Cox é a venda de revistas de fraco calibre científico sobre arqueologia e mistérios da antiguidade. Com muito menos qualidade, a revista segue a tónica da Atlantis de Paul le Cour dos anos sessenta. A Phenomena é uma espécie de "Super Interessante" da Arqueologia.

Bernardo

De novo Dan Brown e o Código Da Vinci

Decidi fazer uma busca rápida pela Internet, em sites de língua portuguesa, pelas palavras "Dan Brown"... Fiquei chocado!

Toda a gente está a ler o livro e a adorar... Era o que eu temia...
Ninguém, nem por um momento, duvida de Dan Brown, que é um autor e uma pessoa que eles nem conhecem! Não estamos a falar de Umberto Eco, cujos romances de conteúdo histórico deixam-nos sempre perplexos, a pensar no que é verdade e no que é mentira. Umberto Eco escreve e está connosco há décadas. E é uma pessoa séria...

E contudo, tantas vezes que vejo pessoas a compararem o "Código Da Vinci" ao "Nome da Rosa". Porquê? Porque é um romance sobre religião? É que não têm mais nada a ver!

Na firme esperança de que este comentário surgirá nos motores de busca, cá fica mais uma vez uma chamada de atenção para os leitores portugueses e brasileiros que estão fascinados com este livro:

1. Dan Brown é mal intencionado a partir do momento em que ele inicia o romance com a nota, nada inocente, de que os detalhes do romance são verídicos; nada é mais falso;

2. Dan Brown retirou material das obras de autores como Henry Lincoln, Michael Baigent, Richard Leigh, Clive Prince, Lynn Picknet, Margaret Starbird, entre tantos outros; estes autores não se queixam, porque escrevem todos o que escrevem com um mesmo objectivo comum;

3. Dan Brown não percebe nada de História: estamos a falar de um homem que acha que "Da Vinci" é o nome de Leonardo; de um homem que acha que os Templários foram queimados, e as suas cinzas lançadas ao Tibre, em Roma, quando o Papa Clemente V (que extinguiu os Templários), vivia no exílio em Avignon (França); de um homem que, ignorando que a Igreja Católica nem sempre esteve no Vaticano, insiste em chamar a Igreja Católica de "The Vatican"; de um homem que acha que Leonardo da Vinci pintou Maria Madalena ao lado de Cristo no mural da Última Ceia; de um homem que acredita que foi Constantino quem elevou Cristo a divindade (ignorando portanto profundamente o que foi e o que tratou o concílio de Niceia em 325); de um homem que acha que foram os Templários os construtores de igrejas na Idade Média; de um homem que acha que os Evangelhos Apócrifos foram escritos ao mesmo tempo (ou até antes!) dos Evangelhos Sinópticos; enfim, este texto poderia ocupar tantas páginas como as páginas do seu romance;

4. E por fim, e o que é mais grave, Dan Brown recuperou a mitologia de Rennes-le-Château! Como é possível que NENHUM dos seus adoradores aqui em Portugal conheça, sequer, o nome de Rennes-le-Château?? Quando foi precisamente a esta farsa de triste memória que Dan Brown foi buscar toda a sua inspiração?

Para quem não sabe, Rennes-le-Château é um lugarejo perdido no sul de França, onde teve lugar a criação de uma das mais longas, complexas, e terríveis farsas pseudo-históricas da modernidade. A lista de "grão-mestres" do pretensamente secular "Prieuré de Sion" que Dan Brown refere no romance foi retirada de um panfleto forjado, intitulado "Dossiers Secrets", que foi depositado na Biblioteca Nacional em Paris, nos anos sessenta, por Pierre Plantard, sob o pseudónimo de Henri Lobineau.

O "Prieuré de Sion" foi criado nos anos cinquenta, e que agruparia uma juventude "católica, monárquica e cavaleiresca" em torno de Pierre Plantard (que se auto-intitulava "Pierre de France"), o arrogante e pretenso "descendente" da Dinastia Merovíngia. Contudo, as origens bem mais modestas de Pierre Plantard, bem como a sua simpatia pelo regime de Vichy, a sua tendência anti-judaica, e o seu cadastro na polícia, são tudo coisas ocultadas da opinião pública.

Para quê ir mais longe? As pessoas que lêem Dan Brown nem sabem o que é Rennes-le-Château! Palavras para quê?! Por favor, informem-se. Até a Internet, que nestas coisas costuma não ser de fiar, está cheia de material refutatório...

A pior coisa é cair na esparrela do "génio criativo" de Dan Brown.

Para saber mais sobre Rennes-le-Château:
http://bmotta.planetaclix.pt

Para saber mais sobre o Prieuré de Sion:
http://www.priory-of-sion.com

Bernardo

quarta-feira, 30 de junho de 2004

Vergonhosa decisão...

... do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Leia-se a notícia no Público.

Esta notícia é verdadeiramente surpreendente:

"O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos entende que não existe qualquer violação da liberdade religiosa na interdição do uso do véu islâmico nas escolas e universidades."

Diz o tribunal que:

"a liberdade de manifestar a religião pode ser restringida a fim de preservar os valores democráticos e os princípios invioláveis da liberdade de religião e da igualdade dos cidadãos perante a lei"

Será que ninguém se dá conta do anacronismo? "a liberdade pode ser restringida", diz o tribunal... Ou seja, já não é bem uma liberdade. Como todas as novas "liberdades" que se aplicam aos crentes, trata-se de uma pseudo-liberdade. Querem eles "preservar valores" e "princípios"!

Que "valores"? Até dá vontade de rir. Nunca houve tanta falta de valores e princípios como nos tempos que correm, onde a pulsão niilista acomete com todas as suas forças para destruir a verdadeira espiritualidade onde quer que esta se manifeste. Qual é o mal com o uso dos véus? Ofende quem não usa?

Repare-se no outro lado da questão, o da aluna islâmica que quer usar o véu...
Então se uma estudante islâmica quer usar, por pudor, o seu véu, ela tem que aturar a falta de pudor dos outros. Até aqui tudo bem, porque foi ela quem escolheu estudar numa escola ocidental. Mas porque raio ficariam ofendidas ou "pressionadas" as restantes alunas?

"o tribunal não perdeu de vista que existem movimentos políticos extremistas, na Turquia, que procuram impor a toda a sociedade os seus símbolos religiosos e a sua concepção de sociedade baseada em princípios religiosos"

De que "movimentos políticos extremistas" falam eles? Do Islão? Desde quando é que ser islâmico, e querer viver a sua vida de acordo com as crenças islâmicas, é fazer parte de "movimentos políticos extremistas"? Estes senhores, com esta decisão infame e injusta, não estão a combater o que eles chamam eufemisticamente de "movimentos políticos extremistas". Estão sim a combater a religião, mais concretamente e neste caso o Islão. Pulsão niilista anti-religiosa, é o que isto é.

"As escolas podem tomar medidas para prevenir que certos movimentos religiosos fundamentalistas pressionem os estudantes que não praticam a fé da mesma forma e os que não têm a mesma fé"

Mas de que pressão falam eles, meu Deus?
Se uma criança levar um crucifixo ao peito para a escola, estará a "pressionar" os restantes alunos?

Que o Governo francês é pateta, isso não admira e é do conhecimento geral. A forma como conduziram toda esta questão do véu, a troco de um forçado e abusivo "laicismo" foi desastrosa e ficará na memória como um momento negro da pseudo-democracia francesa.

Agora, que seja o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a ditar semelhante sentença, parece-me particularmente grave.
A patetice e o gosto pelo saloio tomaram de assalto as instituições a nível europeu. Como pode qualquer pessoa confiar o que quer que seja a este tribunal quando ele falha tão cabalmente, e numa questão tão elementar de justiça como esta?

De acordo com a mais elementar liberdade, toda e qualquer mulher islâmica deve poder usar o véu que quiser, como quiser, e onde quiser. Tudo o resto é conversa.

Afinal, para quê tudo isto? Para travar o Islão. Não para travar o terrorismo ou o fanatismo (usar o véu nada tem de fanático, é um preceito normal e natural do Islão), mas sim para travar a religião. Dizem eles que é tudo em nome de uma "separação entre religião e estado", mas ninguém está a discutir poderes, mas sim a discutir a liberdade das mulheres islâmicas poderem trajar o véu, que é parte do seu vestuário tradicional, quando frequentam uma escola ocidental.

Tudo isto é muito triste e medíocre.

Bernardo

Pseudo-intelectualidade serôdia...

... é o que se pode encontrar neste artigo do "Diário de uns Ateus", da autoria do nosso arqui-inimigo André Esteves.

Bem sei que estes senhores não podem representar o pensamento ateu, mas nem tão-pouco o pensamento ateu português! Porquê? Porque estes senhores não sabem (nem sentem) bem o que é isso de nacionalismo.

Para eles, rima com "fascismo" e com "patriotismo".
É este um dos grandes perigos de alienação intelectual do ateísmo. É que, na sua voragem "uniformizadora", cujo objectivo máximo é ateizar todo o Universo (Deus incluído), estes senhores não vêem interesse algum em posturas nacionalistas.

Por isso, vêm para a blogosfera criticar aqueles pobres medíocres coitados que andam pelas ruas a festejar as vitórias futebolísticas do Euro 2004. Que triste exemplo nos dão estes senhores armados em intelectuais e (bem pior) defensores da intelectualidade.

Por isso, nas noites de vitória de Portugal, ficam em casa a ler autores ateus, a escrever para blogues ateus, a trocar mails com OUTROS ateus, enfim, numa doentia e medíocre embriaguez ateia.

Pois sim: eu estive na rua a festejar TODAS as vitórias de Portugal. E berrei, e saltei, e corri, e festejei, e tudo o que convém e é salutar a qualquer português que se preze. Porque, caros senhores do "Diário", esses jogadores de futebol (oh, tão intelectualmente incapazes que eles são) defendem bem melhor o País do que vossas excelências. Mas enfim, para quem não vê o interesse neste tipo de coisas "patrióticas" (palavra que para eles ainda cheira a Salazar), todo este discurso é escusado.

Meus caros ateus "uniformizadores", para já, nem todos os ateus pensam como vocês (graças a Deus!). Há por aí ateus patriotas, que eu sei. Conheço alguns, bons.
Mas já se sabe que o perigo da postura ateia está na ausência total de princípios metafísicos. Esta ausência total cria um vácuo intelectual, e é preciso uma mente mais exercitada para conseguir ocupar eficientemente este vácuo. Estes senhores, que no seu preconceito aglutinam conceitos como Deus e Pátria, julgam que ao negar o primeiro, têm que recusar o segundo. E por isso ficam em casa.

Obviamente que me preocupo com as desgraças políticas que se abateram sobre o nosso país. Obviamente que condeno fortemente os últimos tristes acontecimentos provocados pelo nosso (des)Governo. Sinto uma profunda vergonha pelos políticos que servem o nosso país.

Mas sinto um profundo orgulho na nossa selecção.
O erro seria dizer que Portugal está bem graças ao futebol!
Portugal não está bem, está MAL. Muito MAL.
Mas, no futebol, está muito bem, e de parabéns!
Este país investiu muito esforço pessoal e institucional no Euro 2004. Eu sempre fui contra esta opção de investimento, porque sempre achei e acho que era um erro de prioridades. Mas agora que já se investiu, não querer tirar o máximo do Euro 2004 a todos os níveis é não ter consciência patriótica.

Triste seria ter que dizer:
"Só eu sei porque não fico em casa"

Mas, graças a Deus, não tenho que dizer tal frase, porque 10 milhões de portugueses, quando saem à rua a festejar, sabem bem porque é que não ficam em casa.

Desculpem-me o tom ligeiramente demagógico deste texto, mas achei importante partilhar a minha viva e decidida repulsa por este tipo de posturas tristes, serôdias, e pseudo-intelectuais.
Para terminar, um recado para alguns dos comentadores do artigo que referi: para ser "intelectual" à vossa maneira, não basta recusar Deus! Já agora, para ser intelectual, ajuda ter alguma cultura e (porque não?) escrever bem em português e sem erros ortográficos e gramaticais!

Bernardo

segunda-feira, 28 de junho de 2004

Constituição do novo governo

Apesar do assunto ser sério, não resisto a partilhar o mail que me acabaram de enviar, cujo autor desconheço... Está genial...

Segundo o hebdomadário de S. Bento da Porta Aberta, o governo poderá ter a seguinte composição:
Primeiro-ministro: Santana Lopes
Ministra dos Negócios Estrangeiros: Cinha Jardim
Ministra da Economia e Finanças: Lili Caneças
Ministro da Educação, da Cultura, da Ciência e das Universidades: Alberto João Jardim
Ministro da Administração Interna: Valentim Loureiro
Ministro da Justiça: Ferreira Torres
Ministro das Oposições com direito a uma coluna diária na 3ª série do Diário da República: Pacheco Pereira
Ministro das Pescas e do Ambiente: Vasco Graça Moura
Ministro da Defesa e Propaganda Nacional: Luís Filipe Scolari
Ministro das comunidades urbanas e das aldeias: Luís Filipe Meneses
Ministro das privatizações e das empresas públicas: Zézé Beleza


Com uma equipa destas, de certeza que nunca mais haveria tédio na Assembleia da República...

Bernardo

Mas também foi péssima...

... com o triste episódio da "fuga" de Durão Barroso para a "Europa" (como dizem tristemente alguns jornalistas, como se Portugal não pertencesse à Europa)...

Mais triste do que o caos político em que este país já se encontrava antes de tudo isto, é a probabilidade cada vez maior de termos, como futuro primeiro ministro, Pedro Santana Lopes. Bem sei que, depois dos E.U.A., já está a ficar na moda apostar numa liderança baseada na incapacidade e na inaptidão, mas com os males dos outros podemos nós bem!

Pensem lá bem... Pedro Santana Lopes? Alguém tem a noção do que isso é?

Só me resta mesmo é rezar... Pelo futebol, pelos vistos, já não tanto... Mas pelo país...

Bernardo

A semana passada foi óptima...

... com os golos de Postiga, Rui Costa, e sobretudo do grande Ricardo!!

VIVA PORTUGAL!!

quinta-feira, 24 de junho de 2004

Pobre apóstolo João...

Pois é... Nos dias que correm, nem mesmo os apóstolos que morreram há 2.000 anos estão a salvo do disparate...

Tenho estado envolvido nalguns comentários no blogue Afixe em torno da questão da pretensa "Maria Madalena" que agora, vários séculos depois, toda a gente consegue ver com tanta clareza no quadro da última ceia de Leonardo da Vinci.


Fresco pintado na parede do refeitório do Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão



É um notável caso de milagre ocular! Durante séculos NINGUÉM viu à direita de Cristo outro senão o apóstolo S. João. Pois agora, em pleno século XXI, a deterioração que está a carcomer o mural de Leonardo, pelos vistos, parece estar a ajudar à nitidez! Nunca como agora tantas pessoas conseguem, de facto, ver no lugar de João, a figura feminina de Maria Madalena! É impressionante!

Claro que, nas ondas da paranóia "brownesca" e no rescaldo da pseudo-novidade do romance-lixo de Dan Brown "O Código Da Vinci", tudo agora parece "encaixar" como um puzzle.

Contudo, a estes novos "teóricos da tela" deve parecer "conspiratória" a opinião unânime dos peritos de arte dos últimos séculos, que insistem que S. João sempre foi pintado com traços efeminados, e que isso sempre foi prática comum entre os pintores. A eles, adeptos vorazes das teses "brownescas", pouco interessa saber as razões para esta característica de S. João. Razões essas que, escapando-lhes completamente, permitiriam compreender a verdade dos factos.

Ora sucede que S. João, como apóstolo, é o pólo oposto de S. Pedro.
S. Pedro é a "pedra":

"tu es Petrus et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam " - Mateus 16, 18.

S. Pedro é força impetuosa, impulsiva, e extrovertida. É sobretudo uma força firme (veja-se o simbolismo da "pedra"), mas "exterior".
Por outro lado, S. João é o apostolo discreto, que na sua quietude melhor guarda os "segredos" de Cristo. É o fiel depositário da doutrina. É também firme, mas "interior". Recordemos que, conforme os textos evangélicos, era ele o apóstolo que Jesus mais amava. Isto explica a supremacia do lado interior face ao lado exterior.

S. João está "acima" de S. Pedro, porque está mais próximo do Mestre. Na escolha dos seus apóstolos, Jesus começou pela "pedra firme" que é Pedro, sobre a qual começou a construir a sua Igreja. E terminou na escolha do apóstolo João, que era quem Ele mais amava, e quem Lhe era mais próximo.

Tradicionalmente falando, é a dicotomia entre o "exoterismo" de Pedro e o "esoterismo" de João. Entre o carácter impulsivo e expansivo da "força exterior" e a quietude e discrição da "força interior". Por isso, é S. Pedro representado como um homem forte e destemido, e S. João como um homem físicamente mais débil, porque a sua força não está no "exterior" mas sim no "interior".

S. Pedro tem que ser exteriormente "forte" em virtude do seu papel.
S. João tem que ser interiormente "forte" em virtude do seu papel.

O uso, no meio artístico renascentista, de traços menos viris para S. João apenas demonstra claramente um conhecimento por parte dos pintores da dicotomia entre estes dois apóstolos.

Colocar uma Maria Madalena à mesa da Última Ceia nem seria errado, porque é razoável supor que Maria Madalena acompanhava o Mestre para todo o lado. Mas há dois erros graves e crassos:

1. Colocá-la ao lado de Cristo, e no Seu lado direito, quando é certo e sabido que à direita se senta a pessoa mais importante a seguir a quem preside, e essa pessoa só podia ser o apóstolo João, que era aquele que Jesus mais amava;

2. E pior, fazer desaparecer S. João da mesa! Onde foi ele parar, caros adeptos de Dan Brown?

Para os novo-"teóricos" do "sagrado feminino", colocar Maria Madalena ao lado de Jesus seria uma forma evidente de realçar a importância dela como mulher-chave no plano salvífico de Cristo. Mas esquecem-se que é irrazoável, com tal substituição, fazer desaparecer o apóstolo mais amado!

Além de tudo isto, colocar Maria Madalena (que é todavia Santa e de direito), num papel chave na Redenção é menosprezar quem tem, de facto e plenamente, o direito a esse papel: Maria, Mãe de Deus e Co-Redentora.

Bernardo

sábado, 19 de junho de 2004

A angeologia em S. Tomás de Aquino

Há poucos temas mais incompreendidos em teologia do que os temas angeológicos.
Quantas pessoas ainda hoje sabem o que é um anjo?

A pergunta fará rir muita gente, sobretudo os não crentes, mas o que é mesmo grave é que a pergunta faça rir um crente.

Nos tempos que correm, as entidades angélicas são vistas como alegorias ou como fantasia e folclore religioso por muitas pessoas que se dizem católicas. Alguns não crentes, sempre que ouvem falar em anjos, apressam-se a emitir umas sonoras gargalhadas, aproveitando para discorrer sobre a eterna questão da "superstição", num esforço desesperado para transmutar a religião num emaranhado de patranhas feitas por e para ignorantes.

Ora bastava, como sempre, recorrer a quem sabe destas coisas. Sim, voltamos de novo a S. Tomás de Aquino, e à sua sempre útil Summa Theologica. A secção da obra que lida com a angeologia é muito extensa, pelo que me restringirei a uma pequena parte desta secção, mais concretamente à quaestio disputata sobre a substância dos anjos.

A questio disputata, já agora, consiste no método dialético usado por S. Tomás para expor as suas teses. Existe primeiro uma questão que é lançada à discussão, neste caso a questão é a "Utrum angelus sit omnino incorporeus", ou seja, "se um anjo é incorpóreo como um todo". Aquino conclui que o é.

Seguindo a clássica estrutura da quaestio disputata, S. Tomás apresenta, após a quaestio, algumas objecções, ou seja, argumentos contra a incorporeidade dos anjos como um todo. Posteriormente, vem a "sed contra", ou seja, um argumento a favor da verdade da quaestio, e por isso contra as objecções levantadas. S. Tomás conclui com a sua posição acerca do assunto, tendo considerado tanto as objecções como os argumentos abonatórios, e finaliza com respostas directas às objecções.

Em latim:
Utrum angelus sit omnino incorporeus

Tradução em inglês:
Whether an angel is altogether incorporeal

Vejamos de perto a conclusão desta quaestio, visto que é uma boa ocasião para ver como a teologia católica concebe a substância dos anjos.

"Respondeo dicendum quod necesse est ponere aliquas creaturas incorporeas. Id enim quod praecipue in rebus creatis Deus intendit, est bonum quod consistit in assimilatione ad Deum. Perfecta autem assimilatio effectus ad causam attenditur, quando effectus imitatur causam secundum illud per quod causa producit effectum; sicut calidum facit calidum. Deus autem creaturam producit per intellectum et voluntatem, ut supra ostensum est. Unde ad perfectionem universi requiritur quod sint aliquae creaturae intellectuales. Intelligere autem non potest esse actus corporis, nec alicuius virtutis corporeae: quia omne corpus determinatur ad hic et nunc. Unde necesse est ponere, ad hoc quod universum sit perfectum, quod sit aliqua incorporea creatura.
Antiqui autem, ignorantes vim intelligendi, et non distinguentes inter sensum et intellectum, nihil esse existimaverunt in mundo, nisi quod sensu et imaginatione apprehendi potest. Et quia sub imaginatione non cadit nisi corpus, existimaverunt quod nullum ens esset nisi corpus, ut Philosophus dicit in IV Physic. Et ex his processit sadducaeorum error, dicentium non esse spiritum. Sed hoc ipsum quod intellectus est altior sensu, rationabiliter ostendit esse aliquas res incorporeas, a solo intellectu comprehensibiles."
- Summae Theologiae, Angelici Doctoris Sancti Thomae Aquinatis, Prima Pars, Quaestio L, Articulus 1, «Utrum angelus sit omnino incorporeus»

Sintetizando, S. Tomás diz que têm que existir algumas criaturas que sejam incorpóreas ("quod necesse est ponere aliquas creaturas incorporeas"), pelo facto de que o desejo principal de Deus para as suas criaturas é o bem, e que esse bem consiste na assimilação das criaturas ao Criador ("est bonum quod consistit in assimilatione ad Deum"). Ora a perfeita assimilação ocorre quando o efeito mimetiza a causa que o produziu, pelo que se Deus criou as criaturas pelo seu Intelecto e Vontade, as criaturas mais perfeitas são aquelas que possuirem de forma mais pura uma essência intelectual. A perfeição do Universo requer a existência de criaturas intelectuais ("Unde ad perfectionem universi requiritur quod sint aliquae creaturae intellectuales"). Usando o argumento de que a inteligência não pode vir da acção de um corpo ou de uma faculdade corpórea, porque cada corpo está limitado ao tempo e ao espaço, a perfeição do Universo também requer a existência de criaturas incorpóreas ("Unde necesse est ponere, ad hoc quod universum sit perfectum, quod sit aliqua incorporea creatura").

S. Tomás termina dizendo que alguns pensadores antigos se enganaram ao afirmar que nada existia senão aquilo que podia ser conhecido pelos sentidos e pela imaginação. Ou seja, S. Tomás diz que os empiristas estavam enganados. Termina o seu raciocínio com esta brilhante conclusão:

"Sed hoc ipsum quod intellectus est altior sensu, rationabiliter ostendit esse aliquas res incorporeas, a solo intellectu comprehensibiles."

Ou seja, pelo facto de que o intelecto está acima dos sentidos, é razoável afirmar que há coisas incorpóreas, portanto não apreensíveis empiricamente, e que apenas são apreensíveis pelo intelecto.

Por isso, o domínio angélico é o domínio das "coisas" do intelecto, que são, no fundo, criaturas também, mas incorpóreas. Por outras palavras, o domínio angélico é o domínio "subtil" que separa as criaturas corpóreas do Criador. Acima do estado de corporeidade terá que existir necessariamente um ou mais estados intermédios, onde existam criaturas hierarquica e progressivamente mais "intelectuais" e incorpóreas, que, de certa forma, façam a ponte entre o Homem, que reina sobre as criaturas corpóreas, e o Deus Criador transcendente.

O Homem faz, então, a fronteira entre o corpóreo e o intelectual. O Homem é a única criatura que, sendo ainda corpórea, já possui um intelecto.

Aposto que se muitos soubessem que o domínio angélico era, de certa forma, equiparável ao "mundo das ideias", não seriam tão precipitados nas críticas e na chacota fácil ao fascinante domínio da angeologia.

Bernardo