sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Cardeal Egan: 1 - Nancy Pelosi: 0

Nos EUA, Nancy Pelosi atreveu-se a dizer que o aborto era uma questão opcional da consciência do católico.

A lista de bispos e arcebispos norte-americanos que já contestou esta asneira já vai em 26 nomes, como se pode ver aqui...

Vale a pena destacar as palavras do Cardeal Egan, de Nova Iorque.
Estas palavras são uma lição de coragem, de integridade, de clareza a toda a prova:

STATEMENT OF HIS EMINENCE, EDWARD CARDINAL EGAN CONCERNING REMARKS MADE BY THE SPEAKER OF THE HOUSE OF REPRESENTATIVES

Like many other citizens of this nation, I was shocked to learn that the Speaker of the House of Representatives of the United States of America would make the kind of statements that were made to Mr. Tom Brokaw of NBC-TV on Sunday, August 24, 2008. What the Speaker had to say about theologians and their positions regarding abortion was not only misinformed; it was also, and especially, utterly incredible in this day and age.

We are blessed in the 21st century with crystal-clear photographs and action films of the living realities within their pregnant mothers. No one with the slightest measure of integrity or honor could fail to know what these marvelous beings manifestly, clearly, and obviously are, as they smile and wave into the world outside the womb. In simplest terms, they are human beings with an inalienable right to live, a right that the Speaker of the House of Representatives is bound to defend at all costs for the most basic of ethical reasons. They are not parts of their mothers, and what they are depends not at all upon the opinions of theologians of any faith. Anyone who dares to defend that they may be legitimately killed because another human being “chooses” to do so or for any other equally ridiculous reason should not be providing leadership in a civilized democracy worthy of the name.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

O aborto mata?

Então o Duarte Vilar, da Associação para o Planeamento Familiar (APF), não sabe que o aborto mata?
É curioso constatar que quem passou anos a fio a montar um mau raciocínio acaba por se ver "preso" pelas palavras.
A defesa do aborto é algo de tão errado, de tão ilógico, de tão bárbaro, que a lógica também cede. Também dá de si...
Para Duarte Vilar, o aborto não deveria ser considerado causa de mortalidade...
Será então causa de vitalidade?

Lisboa, 07 Mai (Lusa) - Nos 27 países da União Europeia é feito um aborto em cada 27 segundos o que representa um milhão e duzentos mil abortos anuais, segundo um estudo sobre a evolução da família na Europa em 2008.

O documento, apresentado hoje no Parlamento Europeu, foi elaborado pelo Instituto de Política Familiar (IPF), uma entidade civil que se define como independente, não vinculada às administrações públicas, partidos políticos ou organizações religiosas.

Segundo o relatório - realizado por uma equipa multidisciplinar composta por psicólogos, demografos, sexólogos e peritos em conciliação entre trabalho e família -, a Europa é um continente velho, "imerso num Inverno demográfico" com a natalidade em crise.

Os maiores de 65 anos já superaram em mais de seis milhões os jovens de 14 anos e cada vez nascem menos crianças (quase um milhão de nascimentos menos do que em 1980).

Dois em cada três lares europeus não têm nenhuma criança e apenas 17 por cento têm dois ou mais filhos.

De acordo com o relatório, Polónia, Roménia e Alemanha são os países da Europa dos 27 com um índice de natalidade mais crítico.

Por outro lado, adianta, são praticados por ano mais de um milhão e 200 mil abortos "o que equivale a um aborto em cada 27 segundos".

"O aborto, juntamente com o cancro, é a primeira causa de mortalidade na Europa", refere o documento acrescentando que cada dia deixam de nascer na Europa 3.199 crianças.

Esta análise é criticada pelo Director Executivo da Associação portuguesa de Planeamento Familiar que em declarações à Lusa considerou "uma aberração científica classificar o aborto como uma causa de morte".

"Isso é um discurso ideológico. Nunca vi nem nunca ouvi qualquer organismo a considerar o aborto como uma causa de mortalidade", disse Duarte Vilar, uma das caras do "Sim" no último referendo em Portugal sobre a despenalização do aborto.
(...)

quinta-feira, 24 de abril de 2008

O processo contra Galileu

A motivação para escrever um trabalho sobre o processo do Santo Ofício contra Galileu nasceu do artigo Mais hipocrisias do Ricardo Silvestre (Portal Ateu) a propósito da recente decisão da Santa Sé em homenagear Galileu erigindo um busto seu.

O Ricardo criticava essa decisão, e eu comecei por comentar que não via razão de ser para tais críticas, uma vez que o caso Galileu, sendo certamente uma página triste na história da Igreja, não devia ser interpretado como um exemplo de uma presumida incompatibilidade "institucional" entre Fé e Ciência, mas sim como um acontecimento historicamente complexo e carregado de motivações pessoais e erros humanos.

Após a troca de alguns comentários, o Ricardo convidou-me para redigir um texto de resposta. Aproveitei a simpatia do convite para fazer um estudo mais detalhado sobre este tema. Rapidamente me dei conta de que era um tema verdadeiramente complexo e difícil.

Como sincero crente católico, encarei este desafio do Ricardo como uma oportunidade para dedicar algum tempo ao estudo frontal do caso Galileu. Parti para esse estudo convencido de que, no pesar das responsabilidades, caberia a Galileu alguma culpa no desenrolar dos acontecimentos. Terminado este breve estudo, concluo que é complicado atribuir a Galileu qualquer culpa objectiva, mesmo considerando a sua legítima predisposição para debates apaixonados sobre temas polémicos, como era então o da interpretação das Sagradas Escrituras à luz das recentes descobertas científicas.

Seguindo o mote evangélico tão usado pelo Papa João Paulo II, "não tenhais medo", e na linha da afirmação fundamental que encontramos no evangelista São João, "a verdade vos libertará", encaro de frente todos os erros cometidos pelos responsáveis da Igreja da qual faço parte, seguro de que tais erros, manchando o currículo de alguns responsáveis católicos, deixam intacta a sacra doutrina que me orgulho de professar.

"No Evangelho que acabamos de escutar, Jesus diz a seus Apóstolos que acreditem nele, porque Ele é «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14,6). Cristo é o caminho que conduz ao Pai, a verdade que dá sentido à existência humana, e a fonte dessa vida que é alegria eterna com todos os Santos no Reino dos céus. Acolhamos estas palavras do Senhor. Renovemos a nossa fé nele e ponhamos nossa esperança em suas promessas."
- Papa Bento XVI, Homilia da Missa no Yankee Stadium, Nova Iorque, 20 de Abril de 2008.

A verdade trazida por Cristo liberta. Liberta a moral do ser humano, fazendo-o viver uma vida plena e com sentido, e liberta o intelecto do ser humano, fazendo-o aceder, dentro das suas capacidades, ao âmago das verdades científicas, filosóficas e teológicas. Um aprofundar do conhecimento nestas várias áreas do saber revelará, ao estudioso persistente e humilde, a existência de uma unidade explicativa fundamental que dá sentido a tudo. Os cristãos chamam a essa unidade explicativa o "logos", que serve à vez como termo grego para "Palavra" (ou "Verbo") e para "Razão".

Um católico não deve ter medo de reconhecer nem os seus erros pessoais nem os erros dos seus irmãos na fé, uma vez que não existe católico (nem ser humano) que não cometa erros. É base fundamental do cristianismo o exame de consciência, o reconhecimento dos erros, a esperança do misericordioso perdão divino, dessa palavra de salvação que simultaneamente nos liberta e nos abre o intelecto. Que nos abre o caminho para a plena realização humana.

Em suma, terminada esta introdução pessoal, eis as ideias-chave que queria apresentar sobre o tema...

1. A maioria dos ateus partilha de uma opinião errada sobre o caso Galileu: segundo essa opinião, o processo contra Galileu representaria um choque inevitável entre uma concepção atrasada do mundo porque religiosa, e uma concepção avançada do mundo porque científica; a religião vista como o domínio das "trevas", de um poder eclesiástico dominador e autoritário, que oprimia os cientistas.

2. Quase nenhuma das pessoas que partilha desta opinião alguma vez folheou os arquivos do processo; logo, tal opinião é, nada mais, nada menos do que, propaganda; alguma desta propaganda já tem mais de um século de idade.

3. Os arquivos do processo contra Galileu não estão completos: falta documentação; por exemplo, Napoleão mandou trazer os arquivos de Roma para Versalhes, e só várias décadas mais tarde é que eles foram recuperados; no entretanto, valiosos documentos, indispensáveis para reconstituir os acontecimentos, foram destruídos ou perdidos.

4. Os arquivos do processo contêm muito material em segunda mão: cópias de cartas, cópias de documentos oficiais, etc; logo, há que ter muito cuidado com a sua análise; nem sempre o que lá se lê deve ser tomado à letra.

5. Durante a vida de Copérnico, as suas ideias e obras não foram censuradas; a colocação da obra "De Revolutionibus" de Copérnico no Índex dos livros proibidos só ocorre no tempo do processo contra Galileu.

6. Galileu foi sempre um homem de fé; provavelmente, amou mais a Igreja e as verdades da Fé do que os seus adversários, mesmo os eclesiásticos.

7. O Cardeal Bellarmino, figura importante durante a primeira fase do processo (1615-1616), afirmou que estava disposto a rever a interpretação de certas passagens das Escrituras, caso surgissem provas definitivas do modelo heliocêntrico (provas que Galileu ainda não tinha), e que nessa situação, seria preciso agir com cautela, procurando corrigir os erros interpretativos do passado.

8. O caso Galileu não se compreende sem estudar primeiro dois importantes acontecimentos, o Concílio de Trento (1545-1563) e a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Só se entende o contexto das atitudes tomadas pelo Santo Ofício e pelo Papa tomando em consideração o surgimento da Reforma protestante e o movimento católico de reacção da Contra-Reforma, vincado no Concílio de Trento. A Guerra dos Trinta Anos ajuda a compreender o complexo tecido político de alianças e guerras menores que marcavam o pano de fundo da Europa do tempo de Galileu.

9. O processo contra Galileu está repleto de erros e fragilidades: as provas contra Galileu não são conclusivas e, no entanto, ele recebe em 1633 uma dura e injusta pena de prisão domiciliária até ao fim da sua vida.

10. O móbil do processo está fortemente ligado às variadas inimizades que Galileu foi coleccionando ao longo da vida; os seus inimigos não o conseguiram prejudicar em 1616 porque Galileu tinha amigos poderosos, e por isso, nessa primeira fase, ele não foi condenado; em 1632-33, os amigos importantes de Galileu tinham quase todos morrido, ou tinham sido arredados dos centros de poder e de decisão devido à sua incompatibilização com as posições defendidas pelo Papa relativamente à Guerra dos Trinta Anos e à guerra sucessória em Mântua (1627-1630).
Galileu, em 1632-33, ficou à mercê das denúncias e das difamações que se montaram contra ele ao longo dos anos, e não havia ninguém com influência eclesiástica para o proteger de um processo comandado pelo Santo Ofício.

11. Para além dos erros processuais, um dos grandes equívocos da Igreja foi o de não reconhecer logo após a morte de Galileu que tinham sido cometidos erros graves; um "arrastar" nos séculos que se seguiram de uma atitude proteccionista em não reconhecer estes erros explica a enorme duração histórica desta polémica.

12. Para mais, o caso Galileu foi tomado e aproveitado ao longo dos séculos seguintes, e ainda o é hoje em dia, por pessoas vincadamente anticlericais e anticatólicas, como poderosa arma de propaganda. Foi assim que se propagou a ideia de que o caso Galileu mostraria que a Fé cristã seria incompatível com a Ciência. Este tipo de propaganda ainda é, nos nossos dias, eficazmente veiculada aos alunos do Ensino Secundário, que não recebem a necessária preparação histórica, científica e filosófica para se poder lidar com as complexidades deste caso.

CONCLUSÃO:

a) a tradição cristã (p. ex., em São Tomás de Aquino ou Santo Agostinho) consolidou a necessidade de ajustar as interpretações das Escrituras às verdades científicas; para o cristão, não há incompatibilidade entre verdades de Fé e verdades da Ciência, porque o verdadeiro não pode contradizer o verdadeiro;

b) o processo contra Galileu foi um grave erro disciplinar; como o Papa Urbano VIII não se pronunciou "ex cathedra", porque o julgamento foi sobre matéria disciplinar e não doutrinária, não se aplica a infalibilidade papal; de modo análogo, a colocação de obras em defesa do heliocentrismo no Índex de livros proibidos não possui o carácter positivo de uma afirmação sobre doutrina de fé e moral cristãs, pelo que também não se enquadra no contexto da infalibilidade papal, e tratam-se assim de decisões que podem ser reformadas ou revogadas.

A Santa Sé reconheceu os erros e a injustiça do processo contra Galileu (Papa João Paulo II - 1992).
Este reconhecimento, há muito necessário, não invalida a infalibilidade do Papa em matéria de doutrina e moral.

O Papa Bento XVI segue a mesma leitura de João Paulo II: rejeitou, por exemplo, a opinião do ateu Feyerabend, que considerava que o julgamento de Galileu fora justo. Esta rejeição das ideias de Feyerabend foi entendida em sentido oposto pelos equivocados signatários da recente petição na Universidade de Roma, La Sapienza, contra a vinda do Papa àquela instituição.

O processo contra Galileu, bem como alguns acontecimentos contemporâneos ligados ao tema, estão expostos cronologicamente num texto que fica permanentemente disponível na lista de artigos que consta da margem direita deste blogue.

Bernardo Motta

segunda-feira, 24 de março de 2008

O problema do Opus Dei

Precisamente porque João César das Neves consegue de forma magnífica colocar por escrito aquilo que eu penso acerca desta matéria, transcrevo uma parte do seu artigo de hoje, no Diário de Notícias:

«O Opus Dei anda nas bocas do mundo. Não bastava a fama antiga de manipulação, agora perdeu um banco, que é negligência de monta. Qual será o problema do Opus Dei?

Como todos os mitos urbanos, a teoria da relação entre a Prelatura e o BCP levanta mais questões do que resolve. Como se pode deixar escapar um banco daquele tamanho assim tão facilmente? Quais eram afinal os poderes ocultos que, de forma tão dramática mas silenciosa, foram derrotados? Não devemos temer mais a Maçonaria, que alegadamente ganhou o negócio, que o Opus Dei, que nem sequer teve força para o conservar? Afinal, não será toda esta confusão de poderes escondidos um enorme disparate, tendo tido o BCP apenas uma zanga habitual entre administração e accionistas?

Mas o problema da Prelatura do Opus Dei vai mais fundo. Toma-se consciência disso ao vermos "acusados" de serem da Obra muitos leigos só por se afirmarem publicamente como cristãos, mesmo sem nada a ver com ela, como eu. Em particular, são-lhe atribuídos todos os católicos "conservadores", entendendo-se por esta palavra aqueles que querem seguir a doutrina cristã como ela é. Ser fiel ao Papa e à Cúria, acreditar nos Evangelhos, Credo e obras dos Padres, recusar as patranhas que os críticos do momento inventam, isso hoje é ser conservador e automaticamente do Opus Dei.

Um cristão é tolerado desde que não se note que o é.

No fundo, esse problema é o mesmo que vários outros grupos católicos foram tendo ao longo dos séculos. Em todas as épocas a Igreja sempre defrontou inimigos poderosos. Esses gostavam de isolar uma pequena secção de crentes para a mimosear com o pior das suas fúrias. Há cem anos eram os jesuítas; há 500 os dominicanos; hoje é o Opus Dei. Estes têm a honra da escolha do inimigo. (...)»
(negrito meu)

domingo, 23 de março de 2008

A noite das noites

Se a missa é o centro gravítico do cristão, a da Vigília Pascal é o centro gravítico de todas as missas. Esta é a noite das noites, porque em torno dela gira todo o ano litúrgico.

A cerimónia principia com toda a igreja às escuras e em silêncio.

A ausência de luz e de som traz aos presentes a experiência do sepúlcro.

Há mais de 2.000 anos, numa sepultura escavada na rocha, na Cidade Santa de Jerusalém, num Sábado de Páscoa, jazia um corpo morto, na mais profunda escuridão e pesado silêncio.

Foi nessa noite de Sábado, desde então dito de Aleluia, que, do meio da escuridão sepulcral, saiu uma luz. O corpo morto de Jesus Cristo regressou à vida.

É esse o acontecimento central do cristianismo, e atrevo-me a dizer, da Humanidade. Porque a vitória de Cristo sobre a morte prefigura a nossa própria vitória, enquanto seres humanos, sobre a morte natural e sobre a morte espiritual.

Não é fácil ficar-se indiferente a este acontecimento: por ele, muitos dedicaram e dedicam a sua vida a Cristo. Contra ele, muitos outros dedicaram e dedicam a sua vida a tentar negá-lo ou ignorá-lo.

Essa luz é inesgotável. Do mesmo modo que o círio pascal, no início da cerimónia, espalha a sua luz a todas as velas sem ele mesmo perder o seu brilho, e iluminando deste modo toda a igreja, também a luz da Ressurreição de Cristo se espalha por todo o Universo sem perder o seu brilho, e iluminando toda a Criação.

Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé, e os cristãos são as mais miseráveis das criaturas.

Por outro lado, se Cristo ressuscitou, é então em vão que se nega este acontecimento central. Porque a luz de Cristo dissipa todas as trevas do erro e do pecado, e a verdade aparece tal qual ela é. Por essa mesma razão, Deus fez-Se Homem, morreu por nós, lavou os nossos pecados, e ressuscitou, para Se nos mostrar como Ele é.

Cristo ressuscitou!
Aleluia!

terça-feira, 18 de março de 2008

Ainda o anti-clericalismo maçónico?

Quando se poderia pensar que nas hostes maçónicas a febre anti-católica estava a serenar, considerando que a animosidade anti-maçónica está relativamente calma na nossa sociedade, aparecem situações caricatas como esta.

O jornalista e fotógrafo Inácio Ludgero (um excelente fotógrafo, diga-se sem ironia), que também é maçon, apresentou ontem a obra "Dicionário de termos maçónicos", do autor Pedro Manuel Pereira.

A notícia da RTP que dá conta deste acontecimento é de se pasmar, por aquilo que Ludgero disse aos "media". Vejamos alguns excertos da notícia:

«"Somos e seremos uma República. Conquistámos esse direito gloriosamente a 5 de Outubro de 1910, e agora dar voz a uma minoria, que nem sabe quem é o seu verdadeiro Rei, é uma pura perda de tempo, um disparate sem sentido", afirmou Inácio Ludgero, que hoje apresenta em Lisboa o "Dicionário de Termos Maçónicos", de Pedro Manuel Pereira.»


Até aqui, tudo mais ou menos bem. Ludgero assume-se republicano convicto. Isso é razoável. No entanto, é sempre desagradável que perca o sentido democrático ao considerar o debate público sobre a forma de regime "uma perda de tempo" ou "um disparate". Se a sociedade portuguesa, concedo que num futuro remoto, quisesse debater a questão, ecoariam as pesadas e anti-democráticas palavras de Ludgero: "uma pura perda de tempo, um disparate sem sentido". Aliás, pertence ao clássico espírito de muitos maçons a ideia de que a elite iluminada dos "iniciados" é competente para esclarecer o povo "profano" acerca do que, segundo eles, é ou não disparate.

O "iniciado" diz: "Monarquia é disparate", o "profano" ouve e cala... "Democracia" maçónica no seu melhor...

«Aproveitando a apresentação do livro, Inácio Ludgero fez questão de prestar homenagem a Manuel dos Reis Buíça e Alfredo Luís Costa, os autores dos disparos que mataram o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe, no dia 01 de Fevereiro de 1908.
"Quero prestar homenagem a estes dois cidadãos impolutos, que sendo assassinados, matando (...) foram capazes de mudar o rumo da história pela Pátria e pela República", afirmou, defendendo que "nas revoluções pela Liberdade tem de haver mortes".»


Aqui é que o caldo se entorna. Este texto deplorável é bem claro: Ludgero faz a apologia do assassinato político. Enquanto que as solenidades do Grande Oriente Lusitano se esforçaram e esforçam tanto para passar a imagem de que não se associam ao regicídio e que repudiam o assassinato político como ferramenta de "trabalho" revolucionário, eis que Ludgero não tem papas na língua: "tem que haver mortes".
Bonito...
«Igualdade, Liberdade, Fraternindade!», mas com sangue.

Mas a "pièce de résistance" está mais adiante, numa não assumida profissão de anti-catolicismo, como sempre, usando a clássica separação maniqueísta entre os bons "católicos" e os maus da "hierarquia da Igreja":

«Vincando a sua condição de maçon assumido, Inácio Ludgero sublinha que os inimigos da Maçonaria "não são nem os monárquicos, nem os católicos, ou de qualquer outro credo, ateus, ou Homens que sejam de qualquer raça ou partido".
"Os verdadeiros inimigos da Maçonaria são os membros de uma seita que dá pelo nome de Opus Dei e quem os apoia, a Igreja Católica, Vaticano com seu papa, no seu profundo reaccionarismo intolerante e racista (onde a mulher nada vale) e todos os ditadores que ainda governam neste nosso mundo", disse.»


Aqui está patente a demonização do Opus Dei (é que já nos tínhamos esquecido do Dan Brown e há que ressuscitar os fantasmas que fizeram sucesso há poucos anos), a identificação do Opus Dei com um Papado maligno, com uma hierarquia "intolerante e (sic) racista"! Será que Ludgero quereria dizer "machista"? Nem assim acertaria no seu juizo preconceituoso, mas ao menos usava um termo lógico.

Tudo isto é da mais pura fantasia, porque quando o Opus Dei foi criado já a Maçonaria contava com mais de um século de actividade anti-católica notória, e já havia nas fileiras católicas muitos e bravos anti-maçons a reagir a essas ofensivas.

O catolicismo é incompatível com a Maçonaria. Ponto.
É bem certo que a sobrevivência da Igreja às investidas anti-católicas dos séculos XIX e XX é uma das maiores frustrações destes "engenheiros sociais" que quereriam ter trocado o catolicismo pelo jacobinismo. Mas a Igreja está para ficar. E isso nada tem a ver com pretensas teorias conspiratórias que apontem o Opus Dei (ou antigamente, os Jesuítas) como arqui-inimigos da Maçonaria.

A questão não tem a ver com inimizade, pelo menos do lado católico. Não se trata de questões de amor ou ódio. Trata-se de defender a verdade. A Igreja e a Maçonaria têm noções diametralmente opostas acerca do que é verdadeiro. E isso é irreconciliável.

Alguns maçons mais intempestivos e desbocados bem podem procurar demonizar a hierarquia da Igreja ou o Opus Dei. Mas ainda há muitos católicos atentos, categoria na qual me incluo, que não pertencem ao Opus Dei (apesar de lhe reconhecerem virtudes inegáveis), pelo que não podem ser acusados de defender causa própria, e ao mesmo tempo nem aderem a teorias conspiratórias acerca desta organização ou da hierarquia da Igreja, nem têm qualquer apetência pelos ideais maçónicos. A visão simplista, redutora e maniqueísta de Ludgero, simplesmente, não cola.

Parece claro que Ludgero quer fazer uma aproximação "amiga" aos "monárquicos" e aos "católicos", ao afirmar que não são eles os verdadeiros inimigos da Maçonaria. Face a esta aproximação atrevida, há que dizer-lhe em voz alta que não é previsível que qualquer bom monárquico (eles sabem bem quem lhes matou o Rei) ou que qualquer bom católico (eles sabem bem de que é feita a cartilha maçónica) alinhe com alegria neste neste "convite" do maçon Ludgero...

quarta-feira, 5 de março de 2008

"Catholics for a free choice" - comunicado da Conferência Episcopal Norte-americana

Este texto foi referido na notícia aqui reproduzida anteriormente.
Já é antigo: data do ano 2000. Mas as palavras claras da Conferência Episcopal dos Estados Unidos são tão importantes que merecem destaque.

NCCB/USCC President Issues Statement on Catholics for a Free Choice

WASHINGTON (May 10, 2000) -- Galveston-Houston Bishop Joseph A. Fiorenza, president of the National Conference of Catholic Bishops/U. S. Catholic Conference, issued the following statement on the status of the organization "Catholics for a Free Choice":

"For a number of years, a group calling itself Catholics for a Free Choice (CFFC) has been publicly supporting abortion while claiming it speaks as an authentic Catholic voice. That claim is false. In fact, the group's activity is directed to rejection and distortion of Catholic teaching about the respect and protection due to defenseless unborn human life.

"On a number of occasions the National Conference of Catholic Bishops (NCCB) has stated publicly that CFFC is not a Catholic organization, does not speak for the Catholic Church, and in fact promotes positions contrary to the teaching of the Church as articulated by the Holy See and the NCCB.

"CFFC is, practically speaking, an arm of the abortion lobby in the United States and throughout the world. It is an advocacy group dedicated to supporting abortion. It is funded by a number of powerful and wealthy private foundations, mostly American, to promote abortion as a method of population control. This position is contrary to existing United Nations policy and the laws and policies of most nations of the world.

"In its latest campaign, CFFC has undertaken a concentrated public relations effort to end the official presence and silence the moral voice of the Holy See at the United Nations as a Permanent Observer. The public relations effort has ridiculed the Holy See in language reminiscent of other episodes of anti-Catholic bigotry that the Catholic Church has endured in the past.

"As the Catholic Bishops of the United States have stated for many years, the use of the name Catholic as a platform for promoting the taking of innocent human life and ridiculing the Church is offensive not only to Catholics, but to all who expect honesty and forthrightness in public discourse. We state once again with the strongest emphasis: `Because of its opposition to the human rights of some of the most defenseless members of the human race, and because its purposes and activities deliberately contradict essential teachings of the Catholic faith,....Catholics for a Free Choice merits no recognition or support as a Catholic organization" (Administrative Committee, National Conference of Catholic Bishops, 1993)."

__________________________________

Office of Communications
United States Conference of Catholic Bishops
3211 4th Street, N.E., Washington, DC 20017-1194 (202) 541-3000June 03, 2003 United States Conference of Catholic Bishops

"Católicas pelo direito a decidir" - comunicado da CNBB

Fonte: Zenit (www.zenit.org)

«Católicas pelo Direito de Decidir» não é organização católica, lembra CNBB - E não fala pela Igreja Católica, enfatiza Conferência episcopal brasileira

Por Alexandre Ribeiro

BRASÍLIA, terça-feira, 4 de março de 2008 (ZENIT.org).- «Católicas pelo Direito de Decidir» não é uma organização católica e não fala pela Igreja Católica, recorda a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

O organismo episcopal brasileiro manifestou-se sobre o assunto por meio de nota, esta segunda-feira, já que «têm chegado à sede da CNBB inúmeras consultas sobre a ONG», «uma vez que em seus pronunciamentos há vários pontos contrários à doutrina e à moral católicas».

A nota esclarece que «se trata de uma entidade feminista, constituída no Brasil em 1993, e que atua em articulação e rede com vários parceiros no Brasil e no mundo, em particular com uma organização norte-americana intitulada “Catholics for a Free Choice”».

«Sobre esta última, a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos já fez várias declarações, destacando que o grupo tem defendido publicamente o aborto e distorcido o ensinamento católico sobre o respeito e a proteção devidos à vida do nascituro indefeso», explica a CNBB.

O grupo também «é contrário a muitos ensinamentos do Magistério da Igreja; não é uma organização católica e não fala pela Igreja Católica (Cf. http://www.usccb.org/comm/archives/2000/00-123.htm)».

De acordo com a nota da CNBB, «essas observações se aplicam, também, ao grupo que atua em nosso país».

A Conferência episcopal brasileira lembra que a Campanha da Fraternidade 2008 «reafirma nosso compromisso com a vida, especialmente, com a vida do ser humano mais indefeso, que é a criança no ventre materno, e com a vida da própria gestante».

«Políticas públicas realmente voltadas à pessoa humana são as que procuram atender às necessidades da mulher grávida, dando-lhe condições para ter e a criar bem os seus filhos, e não para abortá-los», afirma a nota.

«“Escolhe, pois, a vida” (Dt 30,19). Ainda que em determinadas circunstâncias se trate de uma escolha difícil e exigente, reafirmamos ser a única escolha aceitável e digna para nós que somos filhos e filhas do Deus da Vida.»

A CNBB encerra a nota conclamando «os católicos e todas as pessoas de boa vontade a se unirem a nós na defesa e divulgação do Evangelho da Vida, atentos a todas as forças e expressões de uma cultura da morte que se expande sempre mais».

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Modern Physics and Ancient Faith



Já não é propriamente recente, mas sucede que só descobri este livro (Modern Physics and Ancient Faith, University of Notre Dame Press, E.U.A., 2006) há pouco tempo, quando me foi emprestado por um amigo. A obra de Stephen M. Barr, físico de formação, investigador, professor universitário na Universidade de Delaware, e católico desde sempre, é fundamental. Contém uma argumentação estruturada e racional que defende a compatibilidade entre a religião cristã e a física moderna. Stephen M. Barr alude à teoria do "Big Bang", às inovadoras teorias cosmológicas que desafiam o modelo clássico do "Big Bang", à física quântica e aos seus desenvolvimentos mais recentes, e a muitas outras teorias para demonstrar como estas, longe de refutar a religião cristã, podem elucidar alguns dos seus aspectos.

A vantagem de Barr, para além de uma clareza invejável na escrita, e de uma capacidade incrível para explicar coisas complicadas de forma simples (veja-se o apêndice sobre os teoremas da incompletude de Kurt Gödel), está em que é duplamente competente, tanto em física como em religião cristã. Isso faz toda a diferença nesta obra indispensável.

Uma entrevista a Barr, feita por Mark Brumley a 25 de Setembro de 2006, pode ser lida aqui:

The Mythological Conflict Between Christianity and Science

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Será que aprendemos com a História?

(Segue-se um texto do meu amigo José Maria André, cuja divulgação o autor agradece)

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Será que aprendemos com a História?
Para quando a verdade sobre a conferência de Ratzinger em 1990?


As recentes atitudes desagradáveis na «La Sapienza» recordaram-me um velho episódio no «Diário de Notícias», que deformou completamente a Conferência do Cardeal Ratzinger em Parma em 1990. Agora, deparei-me com o mesmo erro, desta vez no «Público», em 2008.

No dia 21 de Janeiro de 2008, a última página do «Público» trouxe um artigo azedo contra a Igreja e o Papa Bento XVI. O título, «No Index», prometia evocar as falhas mais desagradáveis da História da Igreja e o corpo do artigo satisfazia a expectativa, em sucessivas estocadas rápidas, à primeira vista fulminantes.

Só que o autor não conhecia bem o tema e não teve tempo de confirmar as frases e os episódios que criticou, pelo que o resultado foi apenas uma sequência de afirmações falsas, escritas num tom muito agreste.

A situação é fácil de compreender, porque os clichés que serviram de mote a cada estocada contra a Igreja tinham aparecido na Imprensa e, como se sabe, é frequente os jornalistas reproduzirem o que leram algures, sem verificar os factos. Pode acontecer a qualquer um, basear-se em referências erradas e tirar delas conclusões inválidas, por debilidade das premissas. E pode acontecer com mais facilidade e aparato a quem publica abundantemente, cultivando um estilo mordaz. Por isso, não custa perceber o percalço, apesar de o autor não ter tido intenção de faltar à verdade. Neste caso, a boa recordação de outras crónicas dele no «Público», sobre outros assuntos, pode ajudar-nos a relativizar a infelicidade daquele texto.

Quase todos os pontos de partida do artigo estavam errados, mas não interessa escalpelizar agora tantos erros factuais. Quero apenas fixar-me na referência directa àquela conferência do Cardeal Ratzinger:

«(...) Já em 1990, para comentar o caso Galileu, Ratzinger tivera de se socorrer das palavras de Paul Feyerabend (...). E foram as palavras do relativista Feyerabend, que o anti-relativista Ratzinger citava aprovadoramente quando pareciam desculpar a Inquisição no processo de Galileu, que agora voltaram para assombrar o anti-relativista Ratzinger diante de físicos (...)».

Como se sabe, Ratzinger não usou as palavras de Feyerabend a seu favor, nem as citou aprovadoramente. Pelo contrário, declarou bem claramente na conferência: «Seria ingénuo construir uma apologética improvisada, com base nestas afirmações; a fé não cresce a partir do ressentimento e de se pôr em questão a racionalidade, mas só cresce com um profundo apreço pela razão e com uma mais ampla compreensão intelectual (...)». E acrescentou: «Mencionei tudo isto só como um exemplo sintomático, que manifesta como é profunda hoje a problematização que a modernidade, a ciência e a técnica fazem de si mesmas».

Obviamente, a fonte deste disparate de pretender que «Ratzinger cita aprovadoramente Feyerabend...» não é o texto original, mas algum comentário, em segunda ou terceira mão, que os jornais publicaram nestes dias. Resolvi, por isso, enviar ao autor o texto da conferência, que ele tinha criticado sem conhecer, e alertá-lo para as outras incorrecções.

Algumas semanas depois, pareceu-me oportuno recordar ao autor a importância de ler a conferência do Cardeal e de repor aqueles factos mais mal noticiados no seu artigo, mas desta vez não houve resposta. Podem ter-se metido outras tarefas pelo meio, mas o facto é que os erros não foram corrigidos.

Assim, mais uma vez, a imagem da Igreja junto da Opinião Pública acumulou elementos falsos, sem se conseguir repor a verdade.

Algo de comparável ocorreu no século XVII e seguintes, quando as autoridades eclesiásticas não tiveram coragem de dizer imediatamente que o julgamento de Galileu tinha sido uma farsa. Passaram anos, à espera de que o assunto deixasse de ser importante e se «resolvesse» por esquecimento. Alguns jornais dos nossos dias actuam da mesma maneira.

Como sempre, Deus é a vítima das vaidades humanas. Assiste sem nenhum espírito de vingança aos nossos erros e à teimosia com que fugimos de os corrigir. Sofre as impertinências dos padres e as pesporrências dos leigos, as imprudências dos que estão afastados e a vaidade de todos. É caso para Lhe agradecer de todo o coração que o ar que respiramos não desapareça e cada manhã nos volte a oferecer o calor aconchegado do sol e a beleza da vida.

Escrevo estas páginas para repor (na medida do possível) a realidade que foi distorcida no artigo mencionado acima e também para ponderar sobre esta dificuldade imensa da natureza humana, de emendar o erro. Convinha-nos aprender da História e, mais ainda, convir-nos-ia aprender com a paciência de Deus.

José Maria C. S. André
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2008

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

"Católicas pelo direito de decidir"

Desde a aurora dos modernos "direitos abortivos", com o caso Roe vs. Wade nos E.U.A. em 1973, que todos os grupos e lobbies pró-aborto se têm deparado com um enorme problema e entrave: a Igreja Católica. Se, nalguma das sedes destes movimentos pró-aborto existir uma foto afixada numa parede que seja usada para atirar dardos para relaxar, essa foto será a de um Papa. Paulo VI era papa aquando do caso Roe vs. Wade e opôs-se firmemente ao aborto e aos métodos contraceptivos (são ambos imorais, mas há um fosso ético enorme entre a gravidade do primeiro e a gravidade dos segundos). João Paulo II fez o mesmo. Bento XVI segue na mesma linha. E porquê? Simples como a água: o quinto mandamento estabelece a imoralidade do homicídio. Desde que a Ciência compreendeu e explicou os processos da embriologia humana que se sabe que a vida de todo o ser humano principia na fertilização do óvulo pelo espermatozóide. A conjugação da lei moral anti-homicídio do quinto mandamento com os conhecimentos científicos acerca da embriologia humana leva à conclusão óbvia: o aborto, praticado em qualquer fase da vida humana intra-uterina, é um acto moral grave.

Em suma, a Igreja Católica, pela solidez dos seus ensinamentos, e pela tenacidade dos seus representantes e membros espalhados por todo o mundo, é um forte obstáculo à prossecução dos objectivos abortófilos.

Vive-se, hoje em dia, uma situação espantosa ao nível internacional: por um lado, o pedido para uma moratória das Nações Unidas pela protecção do direito à vida está a ganhar força e adeptos, mesmo oriundos de sectores laicos, agnósticos ou ateus. Este pedido da moratória anti-aborto é uma consequência lógica da moratória contra a pena de morte, que foi subscrita pelas Nações Unidas.

Contra o direito à vida, move-se o CEDAW, o Committee for the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women, cujo nome ilusório dá a impressão de que estamos a falar de um Comité preocupado com as mulheres. Fundado em 1979, torna-se cada vez mais num bastião dos lobbies pró-aborto. Estes grupos movem-se com base em financiamentos milionários, tanto públicos como privados, e trabalham em duas vertentes: nos países sub-desenvolvidos, aplicam um malthusianismo disfarçado de luta pelos direitos da mulheres, invocando o aborto como solução para os problemas de sobrepopulação. Nos países desenvolvidos, procuram usar o aborto como arma de guerra contra os valores tradicionais da família, mais uma vez invocando hipocritamente a defesa dos direitos da mulher.

Mas parece-me especialmente interessante notar como é montada a estratégia destes grupos contra a Igreja Católica, o seu mais poderoso adversário. Um dos vectores da estratégia assenta neste argumento:

a) Existe uma diferença entre o catolicismo e a hierarquia da Igreja Católica
b) É possível ser-se católico e ser-se a favor do direito ao aborto
c) É possível ser-se católico e ter uma opinião pessoal sobre o aborto, se é certo ou errado; como se o catolicismo não tivesse nada a definir nesta matéria
d) A luta pelos direitos da mulher implica uma luta contra a hierarquia da Igreja, e não contra o catolicismo

Esta estratégia é brilhante, há que reconhecer. Para a implementar, foi criada uma panóplia de movimentos ditos "católicos" que pretendem representar movimentos de leigos católicos que exigem que a "antiquada" hierarquia não bloqueie o verdadeiro espírito do catolicismo, que defenderia, segundo eles, o direito a abortar, direito esse que a hierarquia não quereria reconhecer por ser machista e antiquada.

O argumento é péssimo em termos lógicos porque, como se viu atrás, basta invocar o quinto mandamento para se compreender que o católico não pode concordar com o aborto (assim como não pode concordar com o aborto qualquer pessoa que considere que matar seres humanos inocentes é moralmente errado), mas é um argumento que funciona muito bem com um grande número de pessoas pouco ou mal informadas. Hoje em dia, abunda a noção de que o católico pode construir a sua opinião nesta matéria segundo a sua consciência, sem contradizer o seu catolicismo. Não poucos teólogos, curiosamente os mais requisitados para exposição mediática, têm contribuido para a confusão, defendendo o direito a abortar. Quando um leigo católico mal informado vê um teólogo católico a afirmar, à Comunicação Social, que o direito ao aborto não choca com o catolicismo, ou que este até levaria necessariamente à defesa do direito ao aborto, está o caldo entornado.

O Catholics for a Free Choice (CFFC, ou em português, Católicas pelo direito de decidir) nada tem de católico para além do nome. Hoje em dia é dirigido por Jon O'Brien, mas foi fundado e ainda se apoia imenso na obra da activista Frances Kissling. Kissling fundou há mais de 30 anos a CFFC, e numa entrevista à revista Mother Jones em 1989, declarou o seu objectivo:

"I spent twenty years looking for a government that I could overthrow without being thrown in jail. I finally found one in the Catholic Church."

Kissling tornou-se profissional no uso do pseudo-argumento atrás apresentado. Eis um exemplo da sua retórica:

"I know with every ounce of my being that you don’t have to agree with the positions of the church on issues of abortion and contraception to be Catholic."

A Crisis Magazine publicou em 2002 um artigo de Kathryn Jean Lopez, intitulado Aborting the Church - Frances Kissling & Catholics For A Free Choice, de onde extraímos este trecho:

The media love Frances Kissling. It's hard to blame them, really, given their general political agenda: Kissling wants abortion to remain legal, with no restrictions. She wants to boot the Vatican from the United Nations (UN). She wants bishops to tell Catholics it's okay to use condoms-even to distribute them. She wants RU-486, the abortion pill, to be cheaper. She wants Catholic hospitals to perform the whole gamut of "reproductive services," including abortion and sterilization. She wants "gender equity," even in the Roman Catholic priesthood.

And she's Catholic. Perfect.

Frances Kissling is president of the 29-year-old Catholics for a Free Choice (CFFC), an independent "Catholic" group with a solid funding base and perhaps all you really need to make an impact-a major media presence. CFFC's purpose is to promote abortion, "reproductive health," and gender equality, in line with what the CFFC calls a "social justice tradition."


Claro que se vê que esta organização nada tem de católico. Pretende ser uma espécie de Cavalo de Tróia, mas só com uma diferença: o cavalo está do lado de fora da "cidade católica". Só que, como é sabido, a "cidade católica" já não tem muralhas tão fortes como antigamente, e a confusão reinante em muitos movimentos e institutos católicos tem permitido a aproximação e infiltração de membros de organizações pseudo-católicas como estas.

Os objectivos anti-católicos de Kissling tornam-se evidentes em quase todas as suas actividades. Ela promove a iniciativa See Change da CFFC, cujo objectivo é retirar a Santa Sé da ONU, alegando que não se trata de um país mas sim de uma organização. É uma asneira diplomática óbvia negar que a Santa Sé é uma nação: basta, para cometer tal asneira, ignorar ou minimizar a problemática da Questão de Roma no final do século XIX e o facto histórico do Tratado de Latrão de 1929, que reconhece legamente a Santa Sé como estado, reconhecido neste momento por todos os estados.

Kissling quer a Santa Sé fora da ONU porque quer levar os objectivos abortófilos do CEDAW adiante, ao mesmo tempo que trabalha fora da ONU com a sua CFFC, travestida de suposta organização "católica".

Em Dezembro de 2006, Kissling deu uma entrevista ao jornalista Nuno Sá Lourenço, do Público, que vale a pena ler.

É também interessante ler o artigo do The New York Times, datado de Fevereiro de 2007, acerca da saída de Kissling do cargo de presidente da CFFC:

Backing Abortion Rights While Keeping the Faith

Regressando ao CEDAW, na ONU, a actual vice-presidente é uma brasileira, a jurista Sylvia Pimentel. Uma entrevista desta senhora à Globo diz-nos muito sobre ela e os seus objectivos:

Uma brasileira na ONU

Eis outra entrevista, desta vez para a Women's Human Rights:

An Interview with Silvia Pimentel

E, no entanto, pasme-se, ela é professora há 33 anos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo! É de bradar aos céus... Há uns tempos, o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho já tinha alertado para a infiltração de abortófilos em movimentos e institutos católicos no Brasil:

Meras coincidências
Escolha o adjectivo
Católicas, uma ova!

É, também, notório que a CFFC trabalha, em todo o mundo católico, lado a lado com outra organização, já bem conhecida, chamada We Are Church (Nós somos Igreja, em Portugal - note-se como o manifesto das "Católicas pelo Direito de Decidir" aparece logo no início da página), cujos objectivos são muito parecidos, e passam também pela demolição (por implosão) da Igreja católica e pela promoção do aborto como suposto "direito" da mulher. A consulta da página de "organizações relacionadas" no site da We Are Church é também muito interessante.

A pergunta óbvia é: o que é que será preciso fazer para resolver de vez o problema destes pseudo-católicos abortistas, que usam as instituições e o nome da própria Igreja Católica para promover o aborto, e pelo caminho, destruí-la por dentro? O problema não é só no Brasil, mas sim em todo o país onde o catolicismo é forte. Incluindo Portugal. Há que abrir os olhos e estar atentos. Aos leigos cabe o importante trabalho de desmascarar estes impostores e expor as suas "agendas".

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O Deus de Dawkins

(este texto foi aumentado após publicação)

Alister McGrath, ex-ateu, cientista, filósofo, e teólogo anglicano, defronta o cientista ateu Richard Dawkins:

http://video.google.com/videoplay?docid=6474278760369344626

Dawkins, cuja carreira começou brilhantemente como divulgador científico de grande argúcia e sentido pedagógico, tem insistido, nas últimas duas décadas, na vertente de ateísta prosélito, advogando que a explicação científica neo-darwinista impõe forçosamente o ateísmo como conclusão para todas as mentes racionais.

O vídeo é longo, o debate é muito interessante, e é certo que nenhuma das partes convence a outra. Mas não deixa de ser um debate apaixonante e informativo.

Vemos ao vivo, por exemplo, como Dawkins tem dificuldade em pensar no registo filosófico, apesar de ser um brilhante pensador no registo científico. A sugestão, feita por Dawkins, de que o próprio lidaria melhor com um Deus localizado no espaço e no tempo, estando até disposto a discutir essa tese, é um bom exemplo dessa incapacidade para pensar de forma filosófica abstracta.

Deus não tem existência num espaço ou num lugar próprio. Deus é a fonte de toda a existência, e por isso, não pode ser "achado" em parte alguma ou num qualquer instante temporal.

Dawkins não parece ter grande facilidade em compreender este conceito: logo, reduz esse conceito de Deus a uma espécie de "Deus à Dawkins", contra o qual ele pretende lutar com todas as suas forças, tal qual D. Quixote contra moinhos ilusórios.

O "Deus à Dawkins" é uma ilusão. Alister McGrath demonstra-o de forma cabal na sua obra "Dawkins' God", editada em português pela primeira vez em Janeiro deste ano pela Alêtheia, sob o título de "O Deus de Dawkins".

No entanto, o notável homem de Ciência que é Dawkins decide empregar os seus melhores anos intelectuais numa estranha guerra intelectual contra um estranho conceito fixista de "Deus relojoeiro" que só existiu nas mentes de certos pensadores pertencentes à cultura britânica vitoriana, e que hoje foi recuperado e é aceite de forma acrítica como constituindo uma visão rigorosa do que é Deus pela imensa família de admiradores de Dawkins. Como explica Alister McGrath na sua obra, o "relojoeiro cego" de Dawkins baseia-se nas críticas que Darwin fez ao conceito do "Deus relojoeiro", mas este fenómeno acaba por ser especificamente britânico. Darwin reagia às ideias de William Paley (1743-1805), que via na complexidade da Natureza a obra de um "Deus relojoeiro". Muito antes de Darwin contestar Paley, já o Cardeal John Henry Newman (1801-1890), talvez o maior teólogo britânico do século XIX, contestava as ideias de Paley, que lhe pareciam implicar uma má teologia. E assim é de facto. Por isso, a ideia que Dawkins faz de Deus provém de uma concepção de Paley, concepção essa que foi rejeitada logo no século XIX pelo Cardeal Newman.

O "Deus à Dawkins" não é o Deus cristão, muito menos o Deus católico. Curiosamente, também não é fácil encaixar o "Deus à Dawkins" no Iavé judaico, no Alá do Islão, ou no Brahma hindu. Que raio de conceito pretende Dawkins combater, com a ajuda do seu séquito de seguidores?
Como D. Quixote, Richard Dawkins combate uma ideia imaginária de Deus, que vive presentemente na sua cabeça.

No vídeo acima referido, Dawkins consegue, a certa altura, encurralar McGrath na questão do Mal, que no entanto é uma questão demasiado complexa para ser abordada de forma segura num contexto destes. Dawkins pergunta a McGrath como é que ele explica, ao mesmo tempo, que Deus não é responsável pelas grandes catástrofes, como a do último grande tsunami asiático, e ao mesmo tempo, a teologia tende a ver a acção de Deus no milagre de salvar uma criança desta catástrofe, sem no entanto salvar todas. McGrath, conseguindo esgrimir alguns argumentos, debate-se de facto com um momento menos inspirado.

E, no entanto, era possível tecer uma argumentação neste sentido: o Mundo criado, Homem incluído, tem duas características interessantes para esta questão: imperfeição e liberdade. Se a imperfeição é indiscutível, mesmo para um ateu, a questão da liberdade merece ser vista com mais detalhe. Há, de certo modo, "liberdade" na natureza no sentido em que esta possui leis próprias que regem o seu funcionamento. A deriva das placas tectónicas explica os terramotos, que por sua vez explicam o tsunami. A construção humana junto à orla marítima, conjugada com a desgraça do tsunami, ajudam a entender o número elevado de mortos. Neste sentido, as leis da natureza constituem um conjunto de regras, dentro das quais o mundo natural segue livremente o seu curso, sem intervenção divina (apesar de Deus ser, obviamente, necessário para a existência do mundo e das leis que o regem). Assim, pode-se falar em "liberdade" na natureza, se bem que uma liberdade sem vontade. A liberdade humana, essa sim, possui vontade. Se as consequências "maléficas" das catástrofes naturais advêm de leis naturais num mundo onde o homem constrói habitações que nunca estão imunes ao risco, tais catástrofes não derivam de nenhuma vontade, nem da natureza nem de Deus. Deus criou um mundo como ele é, sujeito a leis próprias, e Deus não está permanentemente na regência de todos os fenómenos.

Já o Homem, quando procura e quer o Mal, é um agente livre dotado de vontade, seja para exercer esse mal usando ilicitamente a religião como método (o terrorista fanático-religioso) ou a ciência como método (sofisticadas armas nucleares, químicas e biológicas). Nesse sentido, McGrath poderia ter dito a Dawkins que Deus não impediu nem sabotou a viagem dos aviões contra as Torres Gémeas porque porventura tem um destino reservado para os terroristas bem diferente do que guarda para as suas vítimas. McGrath poderia ter dito só isto: Deus é justo mas a forma como ele exerce ou exercerá a Sua justiça é-nos desconhecida em grande medida.

No fundo, a desgraça do tsunami tem a ver com a liberdade e imperfeição inerentes à própria natureza criada por Deus, bem como com as opções livres do Homem que tem que optar por um local onde morar, sabendo à partida que nenhum local físico é perpetuamente seguro e à prova de catástrofes.

McGrath também poderia ter dito a Dawkins que as opções divinas de intervir ou não, para salvar este ou aquele, não nos mostram tudo o que Deus quer para nós. A justiça divina exerce-se neste e no outro mundo. Para quem apenas vê metade do "filme" como nós, é possível supor que a morte de inocentes numa catástrofe será compensada de outro modo qualquer por Deus. Por outro lado, a sobrevivência de uma ou outra pessoa de uma catástrofe natural pode obedecer a uma intenção específica de Deus para aquela pessoa: uma decisão divina de ainda não a chamar para junto de si, intervindo na natureza para evitar a sua morte.

O Deus cristão é um meio termo entre um ilusório "Deus relojoeiro" (que teria criado tudo e assistiria impávido a tudo sem intervir) e um ilusório "Deus tirano" (que roubaria à Criação a liberdade de acção). O Deus cristão intervém na natureza, sempre que assim o entende. É neste conceito que reside o sentido do "milagre", como acontecimento natural extraordinário cuja causa é sobrenatural.

Tudo isto é complicado, e nenhuma explicação racional que façamos é fechada. O que podemos é evitar as incoerências, como aquela de Dawkins dizer, mesmo no final do vídeo, que quer cortar a religião pela raiz porque ela é a "fonte de todo o mal", e porque ela pode ser usada para o mal. Que estranha incoerência: se a religião é a fonte de todo o mal, então não só ela pode ser usada para o mal como deverá sempre gerar o mal. Ao dizer que algo é a raiz absoluta do mal, torna-se necessário que tudo o que brote desse algo seja maléfico. É uma questão de lógica. E o mesmo Dawkins, que foi poupado tantas e tantas vezes neste debate por um manso e humilde McGrath, poderia ter sido fulminado com esta óbvia incongruência: a ciência também pode ser usada para o mal, e não é por isso que a vamos "cortar pela raiz"...

É que Dawkins pega no problema pelo lado oposto. A ambivalência da religião também serve para a ciência. Ambas podem ser bem empregues ou mal empregues, porque a opção moral está, afinal de contas, no Homem de ciência ou no Homem de fé. Se essa pessoa optar bem, usará bem a Ciência. Se optar bem, usará bem a Fé. Mas pode optar por usar qualquer uma delas para servir maus propósitos. Mais uma vez: a explicação para o mal encontra-se na imperfeição e na liberdade da Criação, Homem incluído. Deus não é a causa do mal. Note-se que o mal, no relato genesíaco, é introduzido pela opção livre do Príncipe dos Anjos, Satanás, que em supremo exercício da sua liberdade criatural, se revolta contra Deus. De novo, esta ideia: o mal nasce da liberdade da criatura finita e imperfeita, mas não é necessário nem desejado por Deus infinito e perfeito.

Dawkins constitui um triste exemplo de como o preconceito anti-religioso, aliado a uma espécie estranha de solipsismo, pode assombrar uma brilhante carreira intelectual e académica...

No entanto, o efeito propagandístico é potente: o cientista divulgador dá voz nova e forte a uma mentira já bem velha: a de que a Ciência destruiu o conceito de Deus. O comum dos mortais pode cair facilmente nesta esparrela, porque ele próprio confia no "Dawkins cientista" e não tem tempo para estudar estas questões com profundidade. Logo, não se dá conta de que o "Dawkins filósofo" é um logro...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Esclarecimento ao Helder Sanches

Relativamente a um texto do Helder Sanches que já havia referido há uns dias atrás, Jesus e a frequência do diálogo, quero aproveitar para responder neste espaço ao Helder, porque poderá ser útil a outras pessoas.

O Helder abordava duas questões diferentes, a do Jesus histórico e a da Santíssima Trindade, e manifestou-se intrigado pelo facto de eu me indignar com as dúvidas acerca do Jesus histórico, e depois aceitar a Santíssima Trindade sem qualquer hesitação.

É uma questão muito importante, e diz respeito à dualidade essencial entre Razão e Fé. Crer para entender. Entender para crer. O Helder Sanches esperava de mim o uso de critérios históricos quando eu me referisse à Santíssima Trindade. Diz o Helder:

«Você não respondeu às minhas dúvidas com os mesmos argumentos que utilizou inicialmente para justificar a verdade histórica de Jesus.»

Mas claro que não.
A questão da Santíssima Trindade não é uma questão histórica, mas sim pística, ou seja, uma questão de fé na doutrina da Igreja Católica. Como poderia eu usar os mesmos argumentos? Não quer isto dizer que não se possa argumentar racionalmente sobre a Trindade (os primeiros concílios ecuménicos praticamente só se dedicaram a esta questão). Há uns tempos atrás, falei do texto do filósofo Boécio acerca da Trindade, texto esse que expõe o conceito do Deus uno em essência mas trino em pessoas (ver De Trinitate), usando apenas raciocínio filosófico e sem fazer referências à revelação das Sagradas Escrituras.
Só que as argumentações, filosóficas ou teológicas, feitas sobre matéria de Revelação, como é o caso da Trindade, só se fazem "a posteriori" de uma adesão pística. Não vale de nada trabalhar racionalmente o conceito de Trindade se não recebemos tal conceito como verdadeiro através da graça da Fé, dom gratuito de Deus.

Nunca é demais insistir nestas questões, porque um conhecimento imperfeito acerca destes importantes detalhes teológicos e doutrinais é infinita fonte de problemas e de confusões.

A Teologia é o estudo racional da Revelação. Apoia-se, sobretudo, nas Sagradas Escrituras e na Tradição oral da Igreja. Usa, como ferramenta, uma filosofia cristã especialmente adequada para o tratamento destes temas.
Mas de nada serve a Teologia se não há Fé, se não há uma adesão intelectual inquestionável à veracidade da Revelação. Como posso caminhar no sentido de compreender melhor a luz divina se não a reconheço, se não a sigo, se não aponto o meu intelecto para ela?

«Afinal, você considera as dúvidas sobre a existência de Jesus um logro uma vez que, no seu entender, existem provas suficientes e comprovadas da verdade histórica do mesmo; agora, em relação a Deus e ao Espírito Santo você diz-me que qualquer cristão acredita na trindade porque Jesus fala dela. Bem, em que ficamos, então? Já não são precisas confirmações históricas fidedignas?

É que são domínios radicalmente diferentes, apesar de compatíveis. Nenhuma verdade histórica ou científica contradiz a doutrina revelada. E nenhuma parte da doutrina revelada contradiz algum facto ou evidência científico-histórica. Mas são coisas diferentes. Para falar de História, não preciso da Fé. Bastam-me os documentos, as provas, as "pistas" presentes em obras de autores do tempo que estudo, basta-me o rigor do método de trabalho, o rigor das ferramentas de trabalho, etc.
Um historiador digno desse título não procura defender a tese de que Cristo não existiu. Mesmo sem ter provas do ADN de Jesus, o historiador pode olhar para a colossal recolha de testemunhos indirectos de Jesus, da sua vida e obra, e reconhecer que a tese da sua inexistência não se adapta aos dados.

Não se trata de fazer o historiador jurar que Jesus existiu. Em Ciência não se trabalha assim. O historiador, como cientista, procura adaptar a melhor tese aos dados disponíveis. Face a esses dados, é insensato defender a tese de que Cristo não existiu. Mas a tese oposta não está demonstrada de forma irrefutável. E atrevo-me a dizer que são poucas as teses históricas demonstradas de forma irrefutável. Porque os eventos passados não são reprodutíveis em laboratório.

No entanto, isso não faz com a que a História perca o seu racional poder explicativo dos factos passados. Perante as evidências colossais, para quê, se não para patrocinar certas agendas ideológicas, propor uma tese histórica que não se adapta aos dados?

O Helder escreve ainda:

«Basta-lhe a palavra de alguém em quem você acredita, sabendo que esse alguém é deveras contestado historicamente?»

Sim, basta-me a palavra de Jesus Cristo em quem acredito totalmente e plenamente. Porque o vejo (graças à Fé) como Filho de Deus, Deus de Deus, e Deus não falha nem engana.

As contestações históricas que alguns fazem à existência de Jesus são feitas à revelia do rigor histórico. É sintomático da prática de má ciência história que muitos desses historiadores se recusem a usar referências documentais cristãs. Essa recusa é motivada por razões ideológicas e não científicas. Trata-se de, num claro abuso do que é ser historiador, dizer assim: "estes textos foram escritos por crentes cristãos - logo, são inúteis e falsos, porque são propaganda". Isto não é rigoroso nem científico. E já para não falar da "turma" dos que distorcem os dados históricos. Aqueles pseudo-historiadores que procuram propagar a chamada "alternative history", com pseudo-teorias incoerentes, ou desprovidas de provas, acerca de linhagens sagradas, túmulos de Jesus, casamentos com Maria Madalena, descendência, etc... Pergunte a um historiador ateu o que acha destas teses... Perante a falta de evidências, nada como fabricá-las, como fizeram os promotores e criadores do documentário "Bloodline".

«Lamentavelmente, voltamos à estaca zero e eu volto ao meu argumento inicial: uma vez mais, não importa, também no caso da Santíssima Trindade, qualquer validação histórica. Desde que o conceito venda, o mercado está garantido.»

Mas que validação histórica quer o Helder fazer à Santíssima Trindade, um conceito do mais transcendente que existe, e que podendo ser de certa maneira entendido pelo intelecto humano, é incompreensível porque o nosso finito intelecto não abarca (não "compreende") a totalidade da sua realidade, porque esta é infinita?

O que eu me limitei a escrever foi o óbvio: acreditamos na Santíssima Trindade porque Cristo nos falou do Pai e do Espírito como sendo Deus, e no entanto, pessoas distintas do Filho. A ideia da Santíssima Trindade não tem nada a ver com propaganda: basta ver a eficácia do Islão, que não usa nenhum conceito parecido. Porque razão a Santíssima Trindade ajudaria a um qualquer tipo de propaganda religiosa? A ideia em si é tão profunda, transcedente e sofisticada que não pode ter origem humana.

Faço-lhe um desafio: que livro imagina o Helder que venderá mais numa livraria? Uma obra filosófica explicativa da Trindade, como o De Trinitate de Boécio, ou um livro a apresentar mais uma sepultura com ossadas de Cristo, ou mais uma suposta prova de uma filha de Jesus com Maria Madalena? O que é que, realmente, funciona em termos de propaganda?
Estamos todos fartos de saber que a mentira vende sempre mais que a verdade...

«Só um à parte para o corrigir, se me permite, numa afirmação que faz: “A distinção das três pessoas é feita por Cristo. E por isso mesmo, é aceite pelos cristãos”. Isto não é verdade. A Santíssima Trindade é aceite, mas não por todos. Existem diversas facções cristãs - algumas bastante populares - que não subscrevem a doutrina trinitariana. Mas isso, claro, deve dever-se a questões de tradução e nunca a questões de veracidade.»

Caro Helder, gostaria de pegar no debate por este ponto. De que facções cristãs fala? É relativamente complicado a qualquer cristão que preza as Sagradas Escrituras como palavra de Deus negar a Santíssima Trindade. Há certos grupos que o fazem, mas não apresentam boa argumentação. Pode explicitar que grupos cristão "bastante populares" são esses?

A tradução dos textos sacros é matéria complexa e que exige muito rigor. Invocar "problemas de tradução" é apelar ao absurdo para tentar explicar o que não se compreende. Como é que o Helder Sanches argumenta no sentido de dizer que a noção de Santíssima Trindade dá azo a dúvidas interpretativas que se prendem com problemas de tradução?

Eu tenho um palpite: sucede com o Helder o que sucede com todos nós. Quando rejeitamos uma doutrina em bloco (como é o caso: o Helder rejeita o Cristianismo em bloco), tendemos a relativizar tudo. Para quem rejeita uma doutrina em bloco, todas as facções dentro dessa doutrina parecem igualmente erradas e irrelevantes para a veracidade das questões. Nesse contexto, o Helder, ou a maioria das pessoas que se encontram fora do contexto cristão, não sentem qualquer interesse em discernir quais dos grupos têm a verdade, porque eles acham que nenhum deles diz coisas verdadeiras.

É o relativismo do "outsider"!

E alguns, não digo que necessariamente o Helder, usam esse relativismo subjectivista para tentar argumentar assim: "Se diferentes grupos cristãos dizem coisas antagónicas a respeito de X, então X é falso ou não existe". Esta é uma dedução que eu não compreendo nem consigo seguir logicamente. Apoia-se em que regras da lógica? Se A diz que X existe e B diz que X não existe, devo admitir que X não existe? Porquê?

E isto pode ser extrapolado para um dos maiores erros clássicos do ateísmo relativista: "se várias religiões dizem coisas diferentes de Deus, então Deus não existe". Espantosa dedução lógica...

Um abraço ao Helder, cuja resposta fico a aguardar, sem pressas!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A caça ao Rei e ao Príncipe

Naquela manhã fria de 1 de Fevereiro de 1908, dois selvagens levantaram-se da enxerga onde dormiam para viver o seu grande dia: o dia da caçada à Família Real. Alfredo Costa e Manuel Buíça, ardentes republicanos treinados nas artes da oratória e da argumentação, decidiram acabar com a Monarquia da forma mais eloquente de todas: o fuzil.

Pelas 17 horas desse dia, morriam às mãos destes dois selvagens Sua Alteza o Rei D. Carlos I e o Principe Real, D. Luís Filipe. Foram caçados. Ao virar do Terreiro do Paço para a Rua do Arsenal, e aos olhos de toda a gente que assistia chocada, foram disparados os tiros certeiros que resolveram o "problema" monárquico de forma definitiva: erradicando os representantes máximos da Nação.

A República não começa a 5 de Outubro de 1910. Essa é só a data oficial. Começa a 1 de Fevereiro de 1908, em cima do sangue real derramado pelos dois selvagens Costa e Buíça. Por muito que os republicanos de 1910 tenham querido repudiar publicamente o crime de 1908, sempre souberam bem que sem este crime não teria havido margem de manobra para uma troca de regime.

As altas esferas do moralismo republicano repudiaram o regicídio. O maçon Sebastião Magalhães Lima, que chegou à categoria de Grão-Mestre, nunca se quis associar ao crime, e assim tem acontecido com os maçons do Grande Oriente Lusitano desde então: olhar para o regicídio como um acto isolado, uma acção desesperada de um pequeno grupelho de carbonários, uma medida tomada sem a autorização dos grandes aventais.

Veja-se este elegante exemplo de retórica maçónica:

A Maçonaria condenou o regicídio de 1908

Podemos dizer que foi tudo um acto isolado de uma insignificante carbonária. Podemos fingir que não houve conspiração a alto nível. Podemos considerar como "boatos infundados" os testemunhos de que o próprio Aquilino Ribeiro (há pouco tempo trasladado em honras para o Panteão) estaria com um grupo de assassinos à espera, no Corpo Santo, caso o grupo do Terreiro do Paço não desse conta do recado.

Tem sido sempre assim: olhar para o regicídio como acto isolado da Carbonária tem sido a forma escolhida para tentar limpar a boa moral republicana neste Portugal que se sente tão satisfeito com a República e que sente tanto desdém pelos nossos sete séculos de Monarquia.

A República é um sistema de governo bastante razoável. Não é isso que está em causa. Mas a história da República em Portugal tem sangue. E a ferida está aberta. O republicano dos dias de hoje não pode fingir que esta ferida não existe: reconhecer que a República começou com o pé esquerdo é reconhecer o óbvio. Em 1908, não houve espaço para um debate sereno acerca de modelos alternativos para a governação. Eu sou monárquico, e tenho as minhas razões, mas estou sempre disposto a ouvir a argumentação de um republicano. Em 1908, o que se ouviu no Terreiro do Paço foi o som implacável dos tiros, que matou não só a argumentação como os adversários naturais do republicanismo. Literalmente.

Recordemos, hoje, os caídos às mãos dos assassinos.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Quixotices modernas

O caríssimo Helder Sanches, cuja escrita acompanho há um bom tempo, no novo espaço Portal Ateu (aproveito para elogiar o grafismo do espaço), escreveu sobre o eterno tema do "Jesus histórico", num texto de opinião intitulado Jesus e a frequência do diálogo.

Sei que vou ser injusto na medida em que não vou responder ao texto do Helder como um todo. Admito honestamente que vou implicar com uma certa frase, que me fez grande confusão (não pela frase em si mesma, mas ao constatar o facto de que uma pessoa inteligente como o Helder a escreveu, o que me faz não pouca confusão).

A certa altura, o Helder sugere, acerca de Jesus:

«Terá sido um mero produto de Paulo de Tarso?»

Se calhar, falta gente nesta frase. Sugeri, então, num comentário, ao Helder, que a frase ficaria melhor assim:

«Terá sido um mero produto de Paulo de Tarso? E do publicano Mateus? E do médico Lucas, que acompanhava Paulo? E de Marcos, discípulo de Pedro? E dos pescadores Pedro, João, André e Tiago, que pescavam no mar da Galileia? E do historiador Flávio Josefo? E do historiador Suetónio? E de Tácito? (…)»

Não sou especialista, mas tenho a sensação de que esta listazinha que compilei aqui poderia preencher largas páginas. A posição do Helder não deixa de ser curiosa. Tapar o sol com a peneira. Deve ser mais fácil provar que Cleópatra, ou Marco Aurélio, não existiram. A única diferença que estes dois já não chateiam ninguém, mas Jesus continua a ser um pouco incómodo…

Também é curiosa a forma que o Helder usa para expor o seu raciocínio. É mais ou menos assim:

a) Jesus não existiu (o Helder dissimula alguma moderação dizendo que o assunto “é polémico”)

b) mas se existiu (ou seja, se a bujarda anterior falhar o alvo), então não é o mesmo Jesus de que falam os crentes

O problema é que existe toda uma avalanche de documentação acerca do único Jesus, o histórico e o da fé, pois são o mesmo. Só que essa documentação é considerada inválida, por ter sido gerada e produzida por homens de fé. E, como todo o bom ateu sabe, é inaceitável qualquer documento escrito por um homem de fé.

A “moda” (que já data das obras de um Renan, e do melhor estilo revisionista medíocre do final do século XIX) da simultânea negação da existência de Jesus e da separação Jesus histórico - Jesus da fé, apesar de ser uma moda incoerente (porque não se decidem se Jesus existiu ou não), é uma moda que, espantosamente, ainda encontra adeptos nos dias de hoje.
Helder: por favor, não caia também nesta esparrela!

Se repararmos, por detrás destas "teorias" acerca de Jesus está um “não-raciocínio”: afirmar que Jesus não existiu, mas que se existiu era diferente deste que a Igreja fala: trata-se de um mero exercício da vontade contra a objectividade.

É por capricho pessoal que se acredita nestas coisas, indo contra todas as evidências históricas de que o Cristianismo, como fenómeno social, era impossível sem Cristo.

Recordo-me sempre, nestas ocasiões, do aviso que fazia o grande Bossuet (1627-1704) acerca dos perigos de dar primazia à vontade em detrimento da objectividade:

«Le plus grand dérèglement de l’esprit c’est de croire les choses parce qu’on veut qu’elles soient»

Ou seja, a maior avaria do espírito consiste em acreditar em certas coisas porque queremos que elas assim sejam.

É só porque o Helder QUER que Jesus não tenha existido, e curiosamente ao mesmo tempo QUER que o Jesus histórico seja diferente do Jesus da fé, que ele se recusa a receber a informação histórica objectiva de que tal homem, acredite-se ou não na sua divindade, de facto, andou sobre esta Terra.

Louvo o esforço do Helder, mas não é diferente do de um D. Quixote a combater com os moinhos, e com uma qualidade a menos. É que este notável cavaleiro era um sonhador de sonhos valiosos, enquanto que o meu caro Helder propõe um pesadelo: o do sacrifício da objectividade e da verdade às mãos tiranas da vontade.

À parte desta minha mísera contestação, quero desejar os maiores sucessos (em termos de público e de grafismo Web - porque o conceito de ateísmo não pode ter, por definição, grande sucesso) ao novo espaço ateísta na Internet lusófona.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O paradoxo do ateu

Um simples comentário meu a um texto do Ludwig fez com que ele escrevesse outro texto para contestar esse meu comentário. Por sua vez, esse segundo texto do Ludwig provocou trinta comentários, número que ainda poderá crescer.
No entanto, é caso para dizer que toda esta agitação está baseada, como quase todas as agitações deste mundo, num mal-entendido.
Uma pequena palavra: “trouxe”. Foi esta a palavra que eu usei, ao afirmar que o cristianismo nos “trouxe” uma boa noção de verdade. Eu pergunto se, quando temos amigos a jantar em sua casa, e algum traz uma garrafa de vinho, devemos deduzir entusiasticamente que esse excelente amigo seja produtor de vinho…
Quando eu escrevo que o cristianismo nos “trouxe” coisas boas, não estou a implicar que as tenha criado de raiz. Mesmo se eu tivesse escrito que o cristianismo “inventou” coisas boas, em sentido etimológico, seria o mesmo que escrever “trouxe”, pois o termo “inventar” vem do verbo latino que significa “descobrir”. O inventor descobre uma coisa até então nunca antes descoberta. Às vezes perdemos o sentido das palavras, e a confusão até poderia ter nascido se eu tivesse usado o termo “inventou”. Mas eu não gosto de complicar, e usei o simples e claro termo “trouxe”, que todos compreendem bem.

Se o Ludwig não me conhecesse, ele até poderia supor que eu não sabia que o conceito de verdade no tomismo é (à parte das suas especificidades únicas) decalcado do conceito aristotélico. Mas sucede que o Ludwig já teve algum tempo para me conhecer, pelo que eu não sei bem a que pode dever-se a sua suposição de que haveria confusão na minha cabeça a este respeito…

É certo que São Tomás, esse figura incontornável da intelectualidade medieval, recuperou todas as coisas boas que o aristotelismo tinha, e também descartou as más (como, por exemplo, a ideia errada de que o Universo seria eterno). É caso para supor que, se Aristóteles fosse vivo, não seria inverosímil vê-lo a correr para ser baptizado e para conhecer os ensinamentos de São Tomás, pois ambos são “almas-gémeas” no que diz respeito à procura da Verdade. São Tomás aperfeiçoa (precisamente porque cristianiza) o já por si valioso pensamento aristotélico. Aristóteles nunca conheceu Cristo, mas amou a Verdade. E quem ama a Verdade acima de todas as coisas (rigorosamente acima de todas), ama a Cristo. Aristóteles não sabia nada de Cristo, mas amava-O sem o saber.

Dito por outras palavras, o cristianismo dos homens de fé não criou nada: Cristo é que criou tudo. O conceito católico de “criação” significa fazer algo de novo sem usar nada preexistente, e tal conceito só se pode aplicar na forma verbal à acção criadora do Verbo, ou seja, Cristo. O cristianismo dos homens de fé procura defender e propagar a Fé cristã que é herança de Cristo, e quando a filosofia ou a teologia cristãs descobrem coisas até então desconhecidas, ou coisas importantes que muitos quase tinham esquecido (como a “verdade como adequação à realidade” do aristotelismo), não as estão a criar, mas sim a redescobrir. Redescobrem-nas com o tal intelecto humano que é feito à imagem e semelhança do intelecto divino, e que por isso mesmo, é um intelecto perfeitamente capaz de as descobrir. São Tomás escreve, no De veritate (I,2): «res naturalis inter duos intellectus constituta est», ou seja, a realidade natural está constituída entre dois intelectos, o divino, que cria todas as coisas através do Verbo, e o humano, capaz de as apreender intelectualmente.

É devido a uma estranha visão filosófica que o Ludwig supõe que o cristianismo pretende ter criado coisas novas, ao invés de as descobrir. Quem cria é o Criador. Aqui também se aprende muito com as crianças: os miúdos vivem fascinados com a descoberta do Mundo; por outro lado, é a alguns adultos que fascina o registo das patentes e das invenções, na euforia de quem pensa que criou algo de radicalmente novo. Quem ainda não compreende o que é o cristianismo, julga que o dito tem a pretensão de ter “criado” a verdade. Por outras palavras, com base nesta visão peculiar do cristianismo, a afirmação de que o cristianismo tinha criado a verdade (ou o conceito “verdadeiro” de Verdade, e que me seja perdoado o pleonasmo), o que é espantoso e incrível (ou seja, quase impossível de se acreditar). Mas a Verdade não é propriedade nem criação de nenhum intelecto humano.

Sobre o que acabei de escrever, seria possível objectar assim: “eu não contesto isso, contesto é que tenha sido o cristianismo a redescobrir o conceito de verdade, porque os gregos já o tinham sugerido”. Resposta simples: Aristóteles estava totalmente esquecido na Europa, durante quase todo o primeiro milénio da nossa era. O neoplatonismo dominava a intelectualidade europeia. O cristianismo, pela via (também notável e importante, mas muito diferente) de Santo Agostinho e da Patrística, era quase todo ele neoplatónico. A vasta obra de Aristóteles seduziu algumas mentes medievais persas, judaicas e islâmicas, que o traduziram e estudaram. Por via dos cordoveses do Al-Andaluz, sobretudo o judeu Maimónides e o muçulmano Averróis, mas sem esquecer o grande antecessor persa Avicena, a obra de Aristóteles entra “a matar” na Europa, primeiramente sob a forma de traduções em árabe, divulgadas a partir do Califado de Córdova. E o mérito da verdadeira redescoberta do aristotelismo, não sendo de retirar a estes três nomes não cristãos que referi, e a muitos outros nomes menores, deve-se sobretudo (pela sua defesa ardente e propagação pela cristandade) ao monge dominicano que foi São Tomás, que neles se inspirou para abrir as portas da Europa medieval à torrente de conhecimentos do Estagirita.

Queria mudar agora um pouco de tónica, e passar para algo mais genérico, que me parece que se aplica perfeitamente à posição do Ludwig…

Há uma altura na vida de cada pessoa atenta em que ela tem atrás de si metade da vida e à sua frente a outra metade. Não interpretando isto necessariamente de forma cronológica: não me refiro à metade temporal da nossa vida, ao dia que representa o meio entre o nosso nascimento e a nossa morte. Falo, isso sim, do meio da nossa vida em termos de maturação. E, como se sabe, há quem atinja a maturação bem antes do meio cronológico e quem a atinja bem depois. E há quem nunca a atinja.
Por isso, o “meio da vida” deverá ser algo como Dante o concebia (“nel mezzo del camin di nostra vita”, no início da Divina Comédia), ou ainda como aquela frase “É o meio da vida”, naquele paradigma da arte de escrever contos que é “A viagem”, de Sophia de Mello Breyner…
Eu imagino que quando se chega a esse momento (eu ainda não o vislumbro), se possa ter um perfeito equilíbrio entre o final da pulsão contestatária da juventude e o início da contenção tradicionalista da maturidade.

Gilbert Keith Chesterton estava, certamente, já para lá do meio da sua vida, no sentido atrás apresentado, quando escreveu este belo naco de maduras verdades:

«Perhaps there is really no such thing as a Revolution recorded in history. What happened was always a Counter-Revolution. Men were always rebelling against the last rebels; or even repenting of the last rebellion. This could be seen in the most casual contemporary fashions, if the fashionable mind had not fallen into the habit of seeing the very latest rebel as rebelling against all ages at once. The Modern Girl with the lipstick and the cocktail is as much a rebel against the Woman's Rights Woman of the '80's, with her stiff stick-up collars and strict teetotalism, as the latter was a rebel against the Early Victorian lady of the languid waltz tunes and the album full of quotations from Byron: or as the last, again, was a rebel against a Puritan mother to whom the waltz was a wild orgy and Byron the Bolshevist of his age. Trace even the Puritan mother back through history and she represents a rebellion against the Cavalier laxity of the English Church, which was at first a rebel against the Catholic civilisation, which had been a rebel against the Pagan civilisation. Nobody but a lunatic could pretend that these things were a progress; for they obviously go first one way and then the other. But whichever is right, one thing is certainly wrong; and that is the modern habit of looking at them only from the modern end. For that is only to see the end of the tale; they rebel against they know not what, because it arose they know not when; intent only on its ending, they are ignorant of its beginning; and therefore of its very being. The difference between the smaller cases and the larger, is that in the latter there is really so huge a human upheaval that men start from it like men in a new world; and that very novelty enables them to go on very long; and generally to go on too long. It is because these things start with a vigorous revolt that the intellectual impetus lasts long enough to make them seem like a survival. An excellent example of this is the real story of the revival and the neglect of Aristotle. By the end of the medieval time, Aristotelianism did eventually grow stale. Only a very fresh and successful novelty ever gets quite so stale as that.
When the moderns, drawing the blackest curtain of obscurantism that ever obscured history, decided that nothing mattered much before the Renaissance and the Reformation, they instantly began their modern career by falling into a big blunder. It was the blunder about Platonism. They found, hanging about the courts of the swaggering princes of the sixteenth century (which was as far back in history as they were allowed to go) certain anti-clerical artists and scholars who said they were bored with Aristotle and were supposed to be secretly indulging in Plato. The moderns, utterly ignorant of the whole story of the medievals, instantly fell into the trap. They assumed that Aristotle was some crabbed antiquity and tyranny from the black back of the Dark Ages, and that Plato was an entirely new Pagan pleasure never yet tasted by Christian men. Father Knox has shown in what a startling state of innocence is the mind of Mr. H. L. Mencken, for instance, upon this point. In fact, of course, the story is exactly the other way round. If anything, it was Platonism that was the old orthodoxy. It was Aristotelianism that was the very modern revolution. And the leader of that modern revolution was the man who is the subject of this book.»
- G. K. Chesterton, Saint Thomas Aquinas.

Em certas maneiras peculiares de ver a História, parece que é desenhada algures uma fronteira (mesmo que não seja fixando uma data em concreto) a partir da qual o Homem se abre para a modernidade, e que essa fronteira se abriria magicamente sem qualquer influência da Igreja Católica e do catolicismo, ou porventura apenas graças ao colapso da sua influência. E até se fala na superioridade científica do “norte da Europa”, sem referir que a Reforma de Lutero, ocorrida no tal “norte da Europa” foi um passo atrás para a Razão ocidental, na medida em que o dito preconizava, de forma não pouco radical, a rejeição completa da Filosofia. Atrevo-me a citar Chesterton de novo:

«It came out of its cell again, in the day of storm and ruin, and cried out with a new and mighty voice for an elemental and emotional religion, and for the destruction of all philosophies. It had a peculiar horror and loathing of the great Greek philosophies, and of the scholasticism that had been founded on those philosophies. It had one theory that was the destruction of all theories; in fact it had its own theology which was itself the death of theology. Man could say nothing to God, nothing from God, nothing about God, except an almost inarticulate cry for mercy and for the supernatural help of Christ, in a world where all natural things were useless. Reason was useless. Will was useless. Man could not move himself an inch any more than a stone. Man could not trust what was in his head any more than a turnip. Nothing remained in earth or heaven, but the name of Christ lifted in that lonely imprecation; awful as the cry of a beast in pain.»
- G. K. Chesterton, Saint Thomas Aquinas.

De modo também estranho, o Ludwig não cita a católica Contra-Reforma como uma vigorosa manifestação da força intelectual de um catolicismo que conjuga Revelação com Razão, de um catolicismo que não se quer certamente apartar da Fé, mas também não se quer apartar da Filosofia Clássica nem da síntese escolástica.
Mas, à parte destas estranhas lacunas que desfocam implacavelmente uma visão realista da história da intelectualidade europeia, o que mais me impressiona, nas ideias do Ludwig, é que ele parece não reconhecer que, sem o cristianismo (e sem o judaísmo, que foi integrado no cristianismo), não haveria qualquer razão intelectual para supor que o Mundo seria ordenado, inteligível, que permaneceria o mesmo independentemente do observador, que não seria um Mundo enganador, ou que os nossos sentidos não seriam enganadores ou subjectivos. Sem o cristianismo, o que nos faria supor que o João vê o mesmo que a Maria ou que o Manuel? Ou que o ferro do século XIV exibiria uma resposta mecânica semelhante à do ferro do século XIX?

O Ludwig, e tantos outros, citam os grandes filósofos gregos como a prova de que a Razão que hoje usamos não se deve ao catolicismo. É como se a Igreja Católica fosse uma espécie de carcinoma histórico que teria impedido que os bons velhos filósofos gregos falassem com os bons novos cientistas ateus.
Só que o Ludwig, e tantos outros, esquecem-se que os “grandes filósofos gregos“ eram também os “poucos filósofos gregos”, visto que a esmagadora maioria da sociedade grega vivia num intelectualmente instável ambiente de superstição e paganismo. Quase toda a sociedade tinha grandes dúvidas acerca da estabilidade ou da fidelidade do Mundo e dos cinco sentidos. Como poderia surgir, dessa sociedade supersticiosa, uma nova elite científica, só com base numa mão-cheia de bons filósofos, confundidos no meio da multidão? Quase todos os gregos acreditavam que tudo poderia ser virado do avesso pelos caprichos dos Deuses. Já o Deus cristão é um Deus bom e justo, cujas acções são relativamente previsíveis (castigar os maus, recompensar os bons, e outras coisas expectáveis e razoáveis num Deus bom e justo). Não contesto que, de certo modo, todas as sociedades ao longo da História tenham possuído as suas elites, e que estas até teriam imensos pontos em comum. O que afirmo é isto: sem uma apetência social dominante, não há ambiente propício ao desenvolvimento da Ciência. O cristianismo criou essa apetência social dominante para a confiança nos sentidos, no Mundo, e para um novo entusiasmo pela Natureza.

Ora, se aceitarmos olhar de frente para o problema concreto de que o cristianismo é a própria razão de ser da modernidade, percebemos como um ateu não terá maneira de fugir a um tremendo paradoxo intelectual: ser ateu contra o cristianismo, mas ao mesmo tempo, por causa dele. É, de certo modo, o resultado expectável de uma forma reducionista de olhar para a História: o ateu olha para o ateísmo como uma revolução necessária, e olha para a Igreja Católica como o tradicionalismo caduco e desnecessário, sem se dar conta de que, por exemplo, a Contra Reforma do século XVI é, ela sim, uma revolução intelectual necessária contra um errado e falso “tradicionalismo” luterano, que pretendia distorcer a fé cristã e fazer dela uma superstição irracional ou anti-racional. Lutero estava profundamente errado, porque a própria Patrística, nos primórdios do cristianismo, era muito mais racional que Lutero e muito diferente da ideia que Lutero fazia dela.

Aqueles cristãos excessivamente neoplatónicos do primeiro milénio olhavam para a Escolástica como uma revolução perigosa, e para São Tomás de Aquino como um perigoso inovador. Passam-se as gerações, e São Tomás passa também a ser olhado pelos homens da modernidade como um conservador excessivo. Mas tudo isto é ilusão, como mostra Chesterton, pois esta tensão entre “revolução” e “tradição” é fundamental. Esta tensão deve existir em cada mente inteligente e aberta à realidade, que não fica refém de preconceitos históricos, e que procura ver através dos séculos onde se encontra a verdade última das coisas. Essa perfeita tensão, esse perfeito equilíbrio, manifesta-se em cada pessoa de boa vontade algures naquele “meio da vida” que eu referia atrás, e que se apresenta, algures na nossa vida, como uma paradoxal “selva” escura e obscura.

O que o texto do Ludwig nos mostra é uma certa rendição por não ser possível desfazer o paradoxo, esse grande paradoxo que se revela como a dificuldade mestra da nossa vida: o que fazer com a “selva”, quando ela se nos depara?
A questão mais sensível, para qualquer ateu, é a mais paradoxal de todas: o ateísmo e toda a sua apologia moderna, assentam na defesa de um mísero anão filosófico aos ombros de um gigante filosófico: defender o ateísmo como a vitória contra o obscurantismo cristão é como defender o anão que se convence de que não precisa do gigante que o sustenta.
O que fazer, perante a densa evidência de que o cristianismo foi o motor e a dinâmica de toda a cultura europeia moderna, que a razão tão enaltecida pelos ateus de hoje é consequência da Razão cristã, do Logos, que entretanto se espalhou não só por toda a Europa mas também por grande parte do globo?

Das duas uma: ou a negação, a recusa, a teimosia…
Ou então a conversão!

É que não há meio-termo: a recusa é a perpétua rebeldia adolescente, do teimoso revolucionário que quer ser revolucionário até morrer, lutando até à morte, a certa altura já de forma conservadora, contra as novas gerações que, por sua vez, já surgem com vontade de deitar fora a revolução do velho (que vêem como conservadora) para implantar a sua nova revolução…

A conversão é a aceitação da maturidade: é a realização total do ser humano. É olhar para toda a humanidade, do passado, do presente e do futuro, e ver o Homem. E não se vê o Homem como ele é sem se ver a Deus, pois Deus e o Homem são os dois “pólos intelectuais” da realidade, como ensina São Tomás. Toda a realidade, física ou metafísica, assenta entre estes dois tipos de intelecto. Por isso mesmo, toda a realidade é inteligível e compreensível. Esta seria uma forma de argumentar por uma evidente teleologia que tantos insistem em negar.
Este é o grande paradoxo, e é assim que o ateu honesto (porque o desonesto está-se nas tintas) vive tristemente a sua “selva”: ele olha para o gigante debaixo dele e diz para si mesmo algo que é totalmente absurdo: “eu não tenho nada a ver com este tipo, que representa tudo o que eu detesto e rejeito, mas no entanto ele apoia-me e não existo sem ele”.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

«Ratzinger, eu e o discurso do Papa»

(publicamos de seguida, na íntegra, um depoimento pessoal de José Maria André, com imenso interesse para a polémica actual em torno do Papa Bento XVI e da universidade "La Sapienza", em Roma, baseada numa interpretação falseada da sua conferência de 1990 - o autor agradece e promove a sua divulgação)

Ratzinger, eu e o discurso do Papa

Todos podem emitir uma opinião sobre o que aconteceu recentemente na universidade «La Sapienza», mas nem todos têm, como eu, uma história pessoal para contar, relacionada com o assunto.

Um dia, um articulista do «Diário de Notícias», que publicava regularmente longos textos sobre a clarividência intelectual da doutrina marxista, resolveu comentar uma conferência do Cardeal Ratzinger. Essa conferência, sobre o caso Galileu, merecia-lhe a condenação mais veemente, pois o cardeal defendia o desprezo pela verdade e louvava a mentira propositada. O longo texto do «Diário de Notícias» (2 de Junho de 1990, página 7) não deixava pedra sobre pedra. E, ainda mais arrasadoras que as críticas severas que se faziam ao conferencista, eram as citações da própria conferência. Por exemplo, segundo relatava o artigo do «Diário de Notícias», o cardeal teria defendido que «é legítima a recusa de resultados científicos válidos (da verdade científica) quando eles contradisserem a centralidade histórico-social de normas, crenças ou valores legados pela tradição».

A julgar pelo artigo do «Diário de Notícias», o Cardeal Ratzinger pensava como um fanático sem escrúpulos. Eu tinha lido textos dele, extraordinários, de uma abertura intelectual notável, de uma rectidão tão grande, tão respeitosos para com todos e tão empenhados na verdade... Como é que aquela erupção de desfaçatez primária se podia explicar? Fiquei com vontade de ler a conferência.

Infelizmente, os extractos da conferência eram citados de uma revista italiana, «Il Sabato» (de 31 de Março de 1990), que eu não conhecia de parte nenhuma. Na época não existia ainda o «Google», nem algumas facilidades de comunicação a que já nos habituámos, pelo que foi muito difícil localizar a revista. Finalmente, encontrei uma referência indirecta num jornal espanhol e, através do jornalista espanhol, consegui chegar à fonte e obter o texto da conferência.

O choque não podia ter sido maior, quando a revista me chegou às mãos. Nenhuma das citações, colocadas entre aspas no artigo do «Diário de Notícias», pertencia ao texto. Nalgum caso, a frase estava quase lá, mas antecedida da palavra «não», que fora omitida na transcrição. Em geral, não se conseguia encontrar relação entre a posição atribuída a Ratzinger e o texto da conferência: a invenção chegava a 100%.

Além disso, nem sequer o tema da conferência era o caso Galileu, mas a relação entre a Razão e a Fé. A primeira parte da conferência era sobre a queda do marxismo soviético e a segunda parte (que foi a publicada pela «Il Sabato», com o título geral de «o sincretismo religioso») era uma defesa da razão e da religião fundada na verdade. Ratzinger alertava para o perigo de aproximações à religião que fossem fruto do desencanto relativamente a outras doutrinas, ou do sentimentalismo. A propósito, comentava a ambivalência de autores distanciados da Igreja, como Feyerabend e outros, que, em vez de aproveitarem o processo Galileu para atacar a Igreja, se mostravam compreensivos com o que aconteceu e, nalguns casos, chegavam a considerar positiva a condenação. O fim da crispação de certos intelectuais contra a Igreja era positivo, mas aquilo não era uma base saudável para fundar a relação com Deus, a qual só podia estar ancorada na verdade. E é sobre a importância da verdade que Ratzinger falou, ao longo de toda a segunda parte da conferência.

Entrei em contacto com o Director do «Diário de Notícias», para lhe dar conta destes factos, mas o secretariado da Direcção frustrava as sucessivas tentativas (talvez o Director tivesse dado indicações nesse sentido...). Por fim, contactei um jornalista por quem tenho admiração, Pacheco de Andrade, e pedi-lhe que promovesse o encontro. Graças à sua intervenção, pude apresentar ao Director (a 7 de Setembro de 1990) a revista onde fora publicada a conferência e a respectiva tradução para português. A meu ver, o jornal tinha a obrigação moral de esclarecer os leitores e, já agora, devia publicar o texto verdadeiro da conferência, que era bem interessante.

O Director explicou-me que os jornais vivem da espuma do momento, que factos passados já não lhes interessam. Portanto, não iam desmentir a notícia e, muito menos, publicar a conferência, que era ainda mais antiga que a notícia (três meses e meio mais antiga). Não me ocorreu perguntar-lhe até onde ia o interesse de um jornal pelo passado: dias? semanas? Ao fim de quantos meses, um assunto destes se considera história remota?

O Director do «Diário de Notícias» não aceitou publicar o desmentido, nem a conferência, mas propôs que eu escrevesse um artigo sobre o assunto. Enviei-lho prontamente. Insisti para que o publicassem. Finalmente, explicaram-me que o artigo era demasiado extenso e não poderia exceder um pequeno número de linhas. Reformulei-o e enviei um novo texto. Enviei segunda via. Fui ao jornal entregar pessoalmente o artigo resumido, para ter a certeza de que não se perdia nos correios. Nunca mais consegui acesso àquele Director, nem o artigo foi publicado.

Lembrei-me desta história quando li que a mesma conferência do Cardeal Ratzinger, e a mesma frase de Feyerabend, retocada e tirada do contexto, era invocada em Itália, quase 20 anos depois.

Talvez tenha havido uma fonte comum, uma notícia falsa nunca desmentida, na origem do artigo do «Diário de Notícias» e na declaração do pequeno grupo da «La Sapienza». As pessoas que citam em segunda mão, sem comprovar na fonte, arriscam-se a fazer figuras tristes. Talvez tenha sido esse o caso.


José Maria C. S. André

Lisboa, 21 de Janeiro de 2007

(pode-se descarregar aqui o texto do então Cardeal Ratzinger, de 15 de Março de 1990, numa tradução de José Maria André)