quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Na Vanguarda

Transformámo-nos num país tão intrinsecamente corrupto que sob a capa do seu combate assistimos à mais descarada corrupção!

Que ninguém nos diga que pecamos por falta de originalidade…

O KGB e o "Papa de Hitler"

The KGB Campaign Against Pius XII

Vale a pena ler este artigo de George Weigel, que não há muito tempo esteve em Portugal, tendo proferido uma série de interessantes palestras. Weigel, como muitos, manifesta-se desanimado perante a indiferença da opinião pública face às recentes evoluções no "caso Pio XII".

A 25 de Janeiro de 2007, surgiu um artigo no National Review Online, da autoria do ex-agente secreto comunista romeno, o General Ion Mihai Pacepa, que dava conta de uma série de informação nova (mas já suspeitada há muito pela maioria dos eruditos que estudam este tema) acerca da responsabilidade do KGB na criação da "lenda negra" acerca do Papa Pio XII, caluniado como sendo o "Papa de Hitler".

O artigo do General Ion Mihai Pacepa é fundamental, é histórico e deveria ter levantado, no mínimo, a mesma polémica que as falsas e caluniosas polémicas contra Pio XII.
É claro que isso nunca vai suceder. A mentira, aos olhos da ignorante opinião pública, é quase impossível de apagar. Mentir e caluniar é fácil e tem efeitos perpétuos e duradouros na imagem pública das suas vítimas. Apesar de a verdade vir sempre ao de cima, há muitos que estão interessados em que essa verdade agora revelada de forma mais nítida e clara seja rapidamente varrida para debaixo do tapete.

O mito do "Papa de Hitler" tem que continuar vivo. Há muitos académicos ideologicamente comprometidos que investiram as suas carreiras nesta "lenda negra" e prostituiram a ciência histórica ao serviço de uma guerra cultural anti-católica.

Sobre a fraude titânica

Jesus' Family Tomb Discovery is a Titanic Fraud

"Titanic" director James Cameron and Canadian TV-director Simcha Jacobovici are claiming they have evidence of a Jerusalem tomb that allegedly houses the remains of Jesus and his family. However the foremost archaeologists in Israel have slammed the claims as totally without foundation.

Israeli archeologist Amos Kloner, who was in charge of the 1980 investigation of the tomb which is the subject of the new claims by Cameron-Jacobovici, said "The claim that the burial site has been found is not based on any proof, and is only an attempt to sell." Kloner added, "I refute all claims and efforts to waken a renewed interest in the findings. With all due respect, they are not archeologists." Kloner said that while "it makes a great story for a TV film," there is "no likelihood" that Jesus and his relatives had a family tomb, and dismissed the claims as "impossible" and "nonsense."

(...)

Archeologist Joe Zias, who spent a quarter-century at the Rockefeller University in Jerusalem, said "Simcha has no credibility whatsoever."
(negrito meu)

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Mini-glossário para o site "Jesus Family Tomb"

Está tudo muito agitado com este site, acerca do recente documentário de James Cameron:

Jesus Family Tomb

Deixemos Tim McGirk, do blogue "Middle East" da revista Time, explicar-nos o que é que se passa:

«Brace yourself. James Cameron, the man who brought you 'The Titanic' is back with another blockbuster. This time, the ship he's sinking is Christianity.

In a new documentary, Producer Cameron and his director, Simcha Jacobovici, make the starting claim that Jesus wasn't resurrected --the cornerstone of Christian faith-- and that his burial cave was discovered near Jerusalem. And, get this, Jesus sired a son with Mary Magdelene.

No, it's not a re-make of "The Da Vinci Codes'. It's supposed to be true.»
, Tales from the Crypt, 23 de Fevereiro de 2007.

Neste momento, e como é costume, o post de Tim McGirk acerca desta matéria já tem 3159 comentários. Como também é costume, quase todos estes comentários são perfeitos exemplos do enorme poder da Internet para dar voz aos ignorantes.

Para quem está curioso acerca deste novo documentário, nada como ir ao site original dos produtores, clicando no endereço dado acima. Segue-se um mini-glossário para orientação, visto que o jargão técnico usado no mesmo necessita de uma tradução mínima para evitar equívocos.

New Discoveries
Expressão usada para designar descobertas novas para James Cameron e para a sua equipa, velhas (feitas há 27 anos) para uma série de arqueólogos israelitas e de outras partes do globo

Alternative Theories
Leia-se: "Pseudo-história"

The Experts
Leia-se: "Os do costume"

Professor... Scholar... Expert...
Termos usados para designar os colaboradores desta obra de ficção realizada por James Cameron

Essential Facts
Secção criada para introduzir ideias erradas em mentes incultas, sob o disfarce dos métodos tradicionais de "divulgação popular"

Dan Brown
Nome de um dos historiadores de referência neste documentário

Back to Basics
Secção típica de uma triste atitude comum a alguns norte-americanos com espírito prosélito: a hipersimplificação mutiladora de uma realidade complexa

Early Christianity
A cristandade dos primeiros tempos magistralmente sintetizada em três parágrafos

Roman Empire
O Império Romano magistralmente sintetizado em quatro parágrafos

Jewish History
A História Judaica magistralmente sintetizada em três parágrafos

Evidence
Termo usado para designar manipulação de informação

Secret Symbols
Capítulo que não se percebe para que serve

Origins of Freemasonry
Tendo a Maçonaria surgido oficialmente em 1717, não se percebe o que terá a ver com isto, a não ser que o objectivo seja o de promover a antiguidade da Maçonaria

The Holy Bloodline
Sendo uma criação literária de Henry Lincoln, Michael Baigent e Richard Leigh, e datando do final dos anos setenta, não se percebe o que terá a ver com isto

The Knights Templar
Sendo uma ordem militar criada no século XII e extinta no século XIV, não se percebe o que terá a ver com isto

Secret Societies
Outro capítulo sobre temas que não têm nada a ver com isto: Illuminati, Skull & Bones, Maçonaria, Rosa-Cruzes - é indesculpável que se tenham esquecido da teoria de que Jesus era um extra-terrestre

Glossary
Tabela de asneiras

Theological Considerations
Considerações humorísticas sobre Teologia feitas pela equipa que produziu o documentário

Sossegue-se o crente mais assustado. Isto não passa de boa ficção!
Esta ficção vem na esteira de um caminho bem preparado e bem urdido.

1982 - Holy Blood, Holy Grail (Lincoln, Baigent e Leigh): teoria da "linhagem sagrada"
1994 - Turin Shroud (Lynn Picknett e Clive Prince): fantasias acerca do Sudário de Turim
1996 - The Tomb of God (Richard Andrews, Paul Schellenberger): Jesus estaria enterrado em Rennes-le-Château (França)
2003 - The Da Vinci Code (Dan Brown): romance lido por muitos como obra histórica, relançou a fantasia da "linhagem sagrada"
2006 - Evangelho de Judas: mais uma peça no puzzle anti-cristão moderno, desta vez patrocinada pela National Geographic Society
2007 - The Lost Tomb of Jesus (James Cameron, Simcha Jacobovici): o filme/documentário anti-cristão do ano

Estes são apenas alguns dos muitos (imensos) marcos nesta caminhada pelo surreal anti-cristianismo pós-moderno, o último dos preconceitos tolerados e promovidos nos nossos dias. O que tem isto a ver com Ciência? Com História?
Rigorosamente nada.

Mentir é feio (sobre a Taxa Camarae)



Pepe Rodríguez, o famoso mitómano anti-católico espanhol, é um dos ídolos no blogue Diário Ateísta. Possivelmente por falta de melhor tema, Carlos Esperança vai trazendo de novo à baila autores e livros que, de meses a meses, ele repesca para tentar criar uma aura de "actualidade" neste moribundo blogue.

Nada tenho contra a bajulação que ali é feita à pessoa desse mentiroso compulsivo que é Pepe Rodríguez, não fosse pelo facto de que, aparentemente, Carlos Esperança o leva a sério, pensando que a obra de Rodríguez, com o título académico de "Mentiras Fundamentais da Igreja Católica", tem alguma coisa a ver com História.

A obra de Rodríguez nem sequer é uma obra "de polémica".
É, pura e simplesmente, uma obra de mentira.
Carlos Esperança reproduz, para nosso gáudio, uma das páginas (infelizmente pouco absorventes, senão teriam outro uso) dessa magnum opus historiográfica do nosso caro Pepe:



A burla em questão é uma das mais famosas burlas anti-católicas, daquelas burlas que, de tempos a tempos, e ao longo dos séculos, são desenterradas. É que a memória popular é fraca, a cultura escasseia, e pelo sim pelo não, há que desenterrar estas criações fantasiosas para manter o ódio vivo.

A Taxa Camarae é um belo texto falsificado, atribuido ao Papa Leão X, que conteria os preços a pagar pela expiação dos mais variados e perversos (para ter mais piada) pecados. A lista em questão é particularmente exuberante e divertida pelos pormenores lúbricos e "picantes" que o seu autor escolheu para embelezar este suposto "documento papal".

Excepto quando se está contaminado intelectualmente pelo mais primário e redutor preconceito anti-católico, qualquer leitor normal, pelo simples contacto ocular com o texto de Pepe, fica com a impressão de que está a ser burlado. Fará aquilo algum sentido? Parece um texto que um Papa subscreveria?

O que é curioso, nessa magistral obra que é o "Mentiras Fundamentais", é que o pobre Pepe não consegue reproduzir ou identificar a dita Bula Papal, ou qualquer texto com a assinatura de Leão X, que possa, de alguma forma minúscula que seja, apoiar a pretensão de autenticidade desta famosa falsificação.

Então, no fim de contas, Pepe nunca pôs os olhos em tal documento?
Pepe não tem uma cópia? Uma copiazinha que seja? Uma mesmo jeitosa, com a assinatura e o selo papal de Leão X?
Ou pelo menos, uma daquelas cópias gastas, com a assinatura já ilegível? Nem isso?
Então, mas sem isso, esta treta da Taxa Camarae vale de pouco, não é?

Mais ou menos...
Para o público leitor frequente do Diário Ateísta, pouco dado a outras leituras que não Pepe Rodríguez, aquilo vale ouro.
Quem quiser ficar a saber mais sobre a farsa da Taxa Camarae tem muito por onde procurar.
Uma sugestão óbvia seria este site.

Para quem quiser seguir esta saga mais de perto, o nosso Pepe tem um site, no qual, curiosamente, dá mais informações do que as que surgem no livro:

«Advertencia al lector: la autenticidad de este documento ha sido cuestionada y debe ser reputado como dudoso hasta que no se documente fehacientemente su posible veracidad o falsedad. De ser una falsificación, quizá sería contemporánea de León X o algo posterior.»

Pena que esta frase não estivesse no início da "reprodução" da dita Taxa Camarae no seu livrito... Mas nada como ler as explicações (desculpas) dadas por Pepe no seu site. É a conversa do costume: sacerdotes anónimos, que lhe entregam fotocópias anónimas de documentos anónimos... Histórias de espiões, de princesas e dragões, "teólogos" e "historiadores" que dariam o aval ao documento, mas cujos nomes Pepe acha melhor não citar... Enfim, pura História!

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Destruir o mito do Progresso...

... seria tão fácil se todos tivessemos a concisão de um Chesterton!

"Progress is a comparative of which we have not settled the superlative." - Chapter 2, Heretics, 1905

"Progress should mean that we are always changing the world to fit the vision, instead we are always changing the vision." - Orthodoxy, 1908

"My attitude toward progress has passed from antagonism to boredom. I have long ceased to argue with people who prefer Thursday to Wednesday because it is Thursday." - New York Times Magazine, 2/11/23

"Men invent new ideals because they dare not attempt old ideals. They look forward with enthusiasm, because they are afraid to look back." - What's Wrong With The World, 1910

"Tradition means giving votes to the most obscure of all classes, our ancestors. It is the democracy of the dead. Tradition refuses to submit to that arrogant oligarchy who merely happen to be walking around." - Orthodoxy, 1908

"The modern world is a crowd of very rapid racing cars all brought to a standstill and stuck in a block of traffic." - ILN, 5/29/26


A ler: um poço de citações valiosas. Algumas são mesmo das melhores definições do verdadeiro tradicionalismo. Definir o tradicionalismo como a "democracia dos mortos", contra a arrogante oligarquia dos que "andam por aí" é fenomenal! Mas a citação que destaquei com negrito é aquela com a qual, verdadeiramente, me identifico. O verdadeiro progresso deve ser conseguido com o esforço de tentar mudar o que está mal no Mundo, tendo sempre em vista uma visão correcta (ortodoxa) não só do real, mas sobretudo do que seria o mundo ideal.
Mudar a visão, só por mudar, só para "parecer moderno", apenas agrava o problema. O mundo moderno, não só é o resultado caótico de milhares de mudanças de visão, com tudo o que isso tem de caos e de desorientação, como todas as visões alternativas que se criaram nos últimos séculos têm demonstrado estar erradas, umas a seguir às outras...

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Ortodoxia

«Nothing more strangely indicates an enormous and silent evil of modern society than the extraordinary use which is made nowadays of the word "orthodox." In former days the heretic was proud of not being a heretic. It was the kingdoms of the world and the police and the judges who were heretics. He was orthodox. He had no pride in having rebelled against them; they had rebelled against him. The armies with their cruel security, the kings with their cold faces, the decorous processes of State, the reasonable processes of law--all these like sheep had gone astray. The man was proud of being orthodox, was proud of being right. If he stood alone in a howling wilderness he was more than a man; he was a church. He was the centre of the universe; it was round him that the stars swung. All the tortures torn out of forgotten hells could not make him admit that he was heretical. But a few modern phrases have made him boast of it. He says, with a conscious laugh, "I suppose I am very heretical," and looks round for applause. The word "heresy" not only means no longer being wrong; it practically means being clear-headed and courageous. The word "orthodoxy" not only no longer means being right; it practically means being wrong. All this can mean one thing, and one thing only. It means that people care less for whether they are philosophically right. For obviously a man ought to confess himself crazy before he confesses himself heretical. The Bohemian, with a red tie, ought to pique himself on his orthodoxy. The dynamiter, laying a bomb, ought to feel that, whatever else he is, at least he is orthodox.» - Gilbert K. Chesterton (1908), Heretics, cap. I.

O mundo seria melhor se todos tivessemos uma obra de Chesterton à cabeceira.
É, de facto, muito estranho que termos como "ortodoxia" e "heresia", nos dias que correm, tenham passado para o outro lado do juízo moral.
Continuamos hoje, e continuaremos sempre, a fazer juízos morais acerca destes termos, como acerca de outros, é certo.
No passado, ser "ortodoxo" era bom, era estar certo. Ser "herético" era mau: era estar errado. Nem o herético se via ao espelho como herético! Ele via-se como ortodoxo, considerando que todos os outros eram hereges!
Hoje em dia, sucede precisamente o oposto.
Como diz Chesterton, o herege afirma alto e em bom som a sua heresia, com orgulho, e olha à volta à espera de aplausos da audiência.
O que explica esta inversão total no significado das palavras?
O que explica esta inversão total na aprovação e reprovação popular destes termos?
Só mesmo uma inversão total da intelectualidade.

Fico sempre perplexo quando vejo tantos discordarem do facto de que o mundo moderno está intelectualmente moribundo.
Isso, para mim, é clarividente: estamos a usar as palavras ao contrário, não só estas mas muitas outras, e estamos a dar-lhes juízos morais opostos aos que deveríamos dar.
Sem a vitória do relativismo intelectual, não haveria espaço para este tremendo erro que consiste em negarmos a crise intelectual dos nossos tempos. É, precisamente, porque hoje em dia as opiniões se equivalem (as do ignorante pesam tanto como as do sábio), porque já não há absolutos, porque a verdade morreu aos olhos do Mundo, porque cada um tem "a sua Verdade", que já ninguém se dá conta de que a intelectualidade está às portas da morte.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

William Coulson tem uma história para contar...

Vale a pena ler com toda a atenção...
O tema nunca foi tão actual e abrangente.

Meet Dr. Bill Coulson

«Thoughts from the man who, together with Carl Rogers, pioneered the practice of "encounter groups."»

A guerra pró-aborto ainda mal começou...

É sempre interessante despender alguns segundos com o Google à procura na Internet de novidades em relação a acções da International Planned Parenthood Federation, e das suas associadas em cada país.

Na Eslováquia, a sucursal local desta multi-nacional pró-aborto está muito enervada com as objecções de consciência. Estar atento à estratégia internacional da IPPF é, de algum modo, assistir através de uma janela temporal àquilo que será o nosso futuro.

Sucede que a Eslováquia tem uma Concordata com a Santa Sé. Como Portugal também tem.
E que, recentemente, a Santa Sé e a Eslováquia têm caminhado no sentido de assinar conjuntamente um tratado que proteja a liberdade de consciência dos médicos católicos e dos estabelecimentos de saúde católicos. Leia-se aqui o esboço do texto.

O tratado não pode ser mais sensato: visto que, para a Igreja Católica (e para qualquer pessoa que queira pensar) o aborto mata, é normal que os católicos possam usar da objecção de consciência para não serem forçados a fazer algo que consideram eticamente inaceitável.

Pelos vistos, para a eslovaca Associação de Planeamento Familiar, as coisas não são bem assim. Num documento disponível on-line, encontramos este belo discurso destes promotores das liberdades reprodutivas:

«Since Slovakia joined the European Union in 2004, the expectation toward a positive influence on the strengthening of the human rights and gender equality has been very high. Those expectation were not fulfilled, visa versa, the efforts of the conservative political forces to limit reproductive rights in Slovakia continued in 2005 with full strange. The main political and ideological issue was the draft on the Treaty on the Right to Exercise the Objection of Conscience with the Holy See. If approved, the treaty would gain the status of an “international human rights treaty” and will take precedence over current Slovak law. The Treaty on conscience objection, the first in the history of concordats, has the purpose to protect the “free and unlimited” exercise of the conscientious objection based on Catholic teachings of faith in the area of reproductive healthcare, education, employment, legal and military services. Such action would be in breach of Slovakia’s own Constitution, in breach of the Charter of Fundamental Rights of the European Union, and in breach of international human rights treaties, including the Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women (CEDAW). The proposed regulation of the conscientious objection is also in a strong opposition with recommendation on reproductive healthcare policy endorsed by the European Union. A legal panel of human rights experts appointed by the European Commission has analysed the draft treaty and agreed, that it could restrict access to sensitive medical treatment such as abortions and in-vitro fertilization. The lawyers warned that the treaty could place Slovakia in breach of its obligations as a member of the EU and UN.» (negrito meu)

É que muitos ainda não se deram conta de que está em marcha, e há décadas, uma guerra à escala global para impor o aborto como um direito reprodutivo. Aqui em Portugal, na ressaca da recente vitória do aborto legal a 11 de Fevereiro, ainda estamos todos na fase do discurso "soft" do respeito pelas liberdades de consciência dos médicos e da generalidade do pessoal médico. Várias clínicas privadas no nosso país já se manifestaram objectoras de consciência, afirmando que não matarão nas suas instalações. E quando a nossa APF acordar? Aliás, ela não estará, certamente, a dormir nesta matéria.

O caso da Eslováquia mostra bem até onde estas organizações pretendem "esticar a corda" no que toca ao enforcamento das liberdades e direitos do indivíduo. O primeiro passo foi o de promover o fim do direito à vida ao embrião, até certa idade. Vitória ganha. Agora, enfrentam a dificuldade de ter que forçar à prática do aborto os médicos e enfermeiros objectores de consciência, e as clínicas e hospitais que não queiram, legitimamente, ser obrigados a matar.

O direito à objecção de consciência deveria estar acima de tudo, certo? A APF eslovaca discorda: diz que tal direito está a violar tratados internacionais e a comprometer o papel da Eslováquia na União Europeia!

Bela distorção das realidades...
Quem lê o texto acima, fica com a impressão de que há algo de ilegal com o uso "livre e ilimitado" (notem-se as aspas usadas no texto original) da objecção de consciência. Parece que a invasão da consciência alheia, e a compulsão à prática de um acto repulsivo para a consciência de qualquer médico bem formado, constituem a última fronteira a violar, por parte destes defensores dos "direitos reprodutivos" das mulheres.

Isto vai também chegar cá. É só uma questão de tempo até que surjam "quotas máximas" de objecção de consciência, e outros abusos do género. Quando isso acontecer, porque vai acontecer, espero que os profissionais de saúde se mostrem à altura do desafio. Quem achar que isto não vai acontecer em Portugal, ainda desconhece a forma eficaz, organizada e incansável como a IPPF se articula com as várias APFs de cada país para implementar uma estratégia promotora do aborto à escala mundial...

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Um mundo sem alicerces

O artigo de João César das Neves, A enorme derrota da Igreja, publicado no Diário de Notícias no passado dia 19 de Fevereiro, vai de encontro àquela que julgo ser a posição essencial na defesa de questões fundamentais como a do aborto.

Quando se está certo, e a Igreja Católica, juntamente com todos os crentes e não crentes que votaram "não", estavam e estão certos, não se pode abdicar dessa posição de vantagem intelectual, em nome de uma falsa "conciliação" com quem errou (e ganhou), ou em nome de um falso populismo político.

Errar e ganhar são coisas perfeitamente compatíveis.
O "Sim" ganhou no dia 11, mas errou.
Por outro lado, e por simples lógica, o "não" perdeu mas acertou (já estava certo à partida).

Regressamos sempre ao relativismo: quem não sabe em que é que acredita, e que ideias defende, voga sempre ao sabor das marés, das modas, das estratégias políticas, das pequenas e medíocres guerrinhas ideológicas, e perde a sua identidade.

Há que recordar a razão de ser deste referendo: sucedeu que sete magistrados do Tribunal Constitucional votaram a favor da pergunta, contra seis, do dia 15 de Novembro de 2006, dia de triste memória. A vantagem de apenas um voto deveria ter sido claro sinal de que algo estava mal com este referendo. É, no mínimo, legítimo perguntar se a pergunta era ou não constitucional, uma vez que a resposta dada pelo Tribunal Constitucional saiu com apenas um voto de vantagem. Faz-nos supor que outra composição do colectivo poderia ter produzido uma resposta de sinal oposto, e zás! Não havia referendo para ninguém, por violação do Artigo 24º da Constituição (o tal da "inviolabilidade da vida humana")!

Os senhores magistrados que, eticamente confusos, aprovaram esta pergunta são um perfeito exemplo da realidade de uma anomalia intelectual na nossa "moderna" civilização.
Quem leu bem o texto do Acórdão n.º 617/2006, notou que se fala em John Rawls (1921-2002) como quem apela para um nome sonante para defender uma posição indefensável. Esse campeão norte-americano do relativismo ético moderno, John Rawls, defendia que, numa sociedade na qual convivem duas éticas diferentes (a deontológica clássica e a "moderna" utilitarista, por exemplo), a política deveria estar baseada numa estrutura liberal que permitisse a sua coexistência, numa óptica ao estilo de "máximo divisor comum".
Os senhores magistrados não podiam estar mais de acordo com o senhor Rawls:

«8. A reflexão sobre valores numa sociedade democrática, pluralista e de matriz liberal quanto aos direitos fundamentais tem sido objecto privilegiado do pensamento filosófico contemporâneo. Tal reflexão exprime-se na ideia de um “consenso de sobreposição” (overlapping consensus) desenvolvida por JOHN RAWLS, em Political Liberalism, 1993, p. 133 e ss.. O autor concebe a possibilidade de um consenso sobre valores políticos, como o respeito mútuo ou a liberdade, sem o sacrifício de valores mais abrangentes e de visões particulares, mas a partir da diversidade dos valores. Por exemplo, diferentes concepções religiosas podem confluir, sem abandonar a respectiva matriz, num núcleo de valores estritamente políticos.» (negrito meu)

É curioso que a defesa do direito à vida era algo de inegociável há poucos séculos atrás, em pleno Iluminismo. Na altura, tanto ateus como crentes teriam este ponto em comum. Um ateu clássico, não niilista nem anarquista, em pleno século XIX, não abdicaria de defender o direito à vida, e ficaria chocado se esse direito surgisse associado em regime de exclusividade à Religião. Alguns poucos ateus, ainda esclarecidos em plenas trevas modernas, sairam nesta campanha em defesa corajosa do "não" ateu ao aborto livre.
Estes poucos, mas lúcidos, ateus demonstraram uma maior cultura iluminista e racionalista que os distintos senhores magistrados que votaram a favor da pergunta do referendo, mostrando-se como fiéis "discípulos" de Rawls.

É em tempos destes que as palavras sábias de René Guénon (1886-1951) ganham sempre nova luz:

«A civilização moderna aparece na História como uma verdadeira anomalia: de todas as que conhecemos, é a única que se desenvolveu num sentido puramente material, a única também que não se apoia em nenhum princípio de ordem superior. Este desenvolvimento material, que continua há vários séculos e que se acelera cada vez mais, foi acompanhado por uma regressão intelectual, que esse desenvolvimento foi incapaz de compensar. Trata-se, entenda-se bem, da verdadeira e pura intelectualidade, que poderíamos igualmente chamar de espiritualidade, e recusamo-nos a dar tal nome àquilo a que os modernos se têm sobretudo aplicado: o cultivo das ciências experimentais com vista às aplicações práticas a que elas podem dar lugar.» - Regnabit, Junho de 1926, título original do artigo, La Réforme de la mentalité moderne, incorporado na obra Symboles de la Science Sacrée, cap. I.

Este desenvolvimento "puramente material" de que fala Guénon constata-se facilmente na popularidade que alcançaram obras filosóficas como as de John Rawls, e na forma como são usadas, um pouco por todo o confuso mundo ocidental, para "desconstruir" a Ética clássica, para dar umas belas machadadas aos alicerces civilizacionais reconhecidos pelo mundo saído do Iluminismo, que ao seu tempo, ainda concebia uma Ética universal como base indispensável de uma sociedade justa.

É certo que, filosoficamente, o materialismo moderno nasce com Descartes (1596-1650). Mas, nos séculos que se sucederam à transformação cartesiana da Filosofia, a maioria dos adeptos destas ideias novas não abdicava de clamar por uma Ética universal, fraterna e igualitária. Ainda não eram puros materialistas!
Nos nossos tristes tempos, entusiasmados como estamos pela concepção animalesca que fazemos de nós mesmos (meros "homens-máquinas", "homens-animais"), bela herança de Darwin e de Freud, de que servirá ainda a Ética iluminista? De que servirá apelar a "princípios éticos universais" como o do direito a viver?
Hoje em dia, quantos filósofos ateus ainda acreditam na existência destes princípios?
E, em bom rigor, o que é mais chocante, quantos filósofos cristãos contemporâneos ainda acreditam neles?
A afirmação final do materialismo está, finalmente, a chegar. O caminho foi preparado pelos filósofos utilitaristas de matriz cultural anglo-saxónica (pouco dada à Metafísica), que defendem uma pseudo-Ética, melhor dizendo, uma anti-Ética, baseada nos "desejos" e na "maximização da felicidade" como regras de construção de uma "ética moderna". Peter Singer, defensor do infanticídio, é um desses filósofos que alcançaram, ainda em vida, enorme popularidade nos meios académicos do ensino da Filosofia.

Hoje em dia, em pleno Portugal do século XXI, magistrados ideologicamente motivados gostam de recorrer a esta "moderna" anti-Ética para fazer prevalecer, a pouco e pouco, os seus desejos sociais mais profundos, para muitos ainda radicados numa visão marxista da História, para eles "sempre em Progresso". Eles não têm, porventura, a noção de que fazem colapsar a Ética ao aprovar perguntas destas para referendo. Se eles não a têm, como há de a ter o povo ignorante que, sucumbido à argumentação demagógica e populista do PS, do BE e do PCP, votou mal no dia 11 de Fevereiro?

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

A rampa inclinada do colapso ético

Em 1948, foi definido o Juramento do Médico (World Medical Association), e rezava assim, tendo vigorado até 1968:

«Physician's Oath
At the time of being admitted as a member of the medical profession:

I solemnly pledge myself to consecrate my life to the service of humanity;
I will give to my teachers the respect and gratitude which is their due;
I will practice my profession with conscience and dignity; the health of my patient will be my first consideration;
I will respect the secrets which are confided in me; even after the patient has died ;
I will maintain by all the means in my power, the honor and the noble traditions of the medical profession; my colleagues will be my brothers;
I will not permit considerations of religion, nationality, race, party politics or social standing to intervene between my duty and my patient;
I will maintain the utmost respect for human life from the time of conception, even under threat, I will not use my medical knowledge contrary to the laws of humanity;
I make these promises solemnly, freely and upon my honor.»
(negrito meu)

Este juramento colocava forte ênfase na protecção da vida humana intra-uterina desde a concepção. A razão era simples: os horrores do nazismo e do estalinismo, que incluiam a prática livre do aborto em grande escala, tinham chocado a Humanidade de então, fragilizada pelas misérias da Segunda Guerra Mundial. Hoje, a prática do aborto livre já não choca. O que choca é criticá-lo. Mas, em 1948, considerou-se essa frase do juramento relativa à vida humana intra-uterina como sendo essencial matéria de direitos humanos. Note-se que o texto do Juramento do Médico foi estabelecido pela World Medical Association, e não pela Santa Sé!

Alteração de 1983, onde se lia:
"…respect for human life from the time of conception"

passou a ler-se:
"…respect for human life from its beginning"

Já era forte, nestes tempos, a pressão do mediático caso norte-americano Roe vs. Wade (1973), que inaugurou a era do aborto livre e legal no "moderno" mundo ocidental ...
Neste ano de 1983, com esta discreta alteração, começava a derrapagem ética da WMA em matéria de direito à vida intra-uterina...

Alteração de Maio de 2005, onde se lia:
"…respect for human life from its beginning"

passou a ler-se:
"…respect for human life"

E pronto!
A alteração de 1983 apenas significava uma cobardia terminológica (usar o termo mais vago, "beginning", era mais seguro e gerava menos "ondas" do que falar em "conception"). Mas a alteração de Maio de 2005 é bastante mais reveladora. Porque razão se suprimiu a expressão "from its beginning"? É que, cientificamente falando, qualquer manual de Medicina estabelece, hoje em dia, que o início da vida humana está na fertilização, no rápido processo biológico que culmina no zigoto. Ora, mantendo a palavra "beginning", mesmo sendo algo mais vago que o termo original, continuava a obrigar os médicos, deontologicamente, a não praticar abortos a pedido. E isso era mal visto pelos crescentes e poderosos movimentos pró-escolha.
Daí que a expressão "from its beginning" tivesse um tempo de vida limitado, acabando por cair de vez. Há que manter as consciências dos médicos abortófilos bem limpinhas! Quando a "chatice" fosse removida do Juramento, como foi finalmente em Maio de 2005, os médicos que matam já poderiam ficar mais descansados, evitando ser vistos como perjuros pelos seus pares.
Em breve, é previsível que a Ordem dos Médicos em Portugal venha a decidir a alteração ao código deontológico. É que, dizem alguns, "não faz sentido" manter proibições deontológicas como as do aborto a pedido, quando tal comportamento está em vias de se tornar legal. Pois sim...
O Código Deontológico dos médicos é um documento ético e disciplinar, não é?
Por isso, fará todo o sentido, nas curtas cabecitas desta gente, que a Ética "evolua" ao sabor das ideologias políticas e das guerras culturais do Governo actualmente em maioria... O que era errado antes de 11 de Fevereiro, ou seja, matar fetos, passa agora a ser certo. Bela ética!
Afinal, se os "estrangeiros" da WMA já o fizeram, se a OMS gosta do aborto livre, se o Parlamento Europeu já o promove (1), do que é que a Ordem dos Médicos está à espera?


(1) Jornal Oficial nº C 271 E de 12/11/2003 p. 0369 – 0374, em http://eur-lex.europa.eu

No Rescaldo

À distância de uma semana do referendo sobre a liberalização do aborto, persiste a amálgama de sentimentos e convicções que dividiu a sociedade portuguesa. Apesar da expressiva vitória do “Sim”, mesmo tendo em conta a elevadíssima abstenção, ninguém pode ficar indiferente à extraordinária mobilização da sociedade civil em torno dos movimentos cívicos que lideraram a campanha do “Não”.

A forte convicção que a defesa da vida e da dignidade das mulheres são centrais numa sociedade equilibrada e fraterna, mobilizou a sociedade civil de uma forma tão intensa que só encontro precedentes na revolução de Abril. É um sinal claro que a democracia Portuguesa caminha para uma nova fase, em que a sociedade civil pretende ter um papel activo, sobretudo nas questões fundamentais para o futuro do nosso país.

Também foi evidente que a mobilização em torno do “Sim” foi, na sua essência, muito diferente. Teve como base as máquinas partidárias, nomeadamente do PCP e do PS, e centrou-se sobretudo na vertente mais mediática do aborto. O argumento central foi a necessidade de erradicar o flagelo do aborto clandestino, ignorando de forma grosseira as causas que levam as mulheres a recorrer ao aborto.

Apesar de para a esmagadora maioria dos Portugueses o aborto ser sempre uma tragédia, os defensores do “Sim”, nomeadamente a vertente politica encabeçada pelo nosso Primeiro-Ministro, consideram que a sua legalização o torna num mal menor e definitivamente necessário para combater a sua clandestinidade. Uma posição cobarde e medíocre, espelho da nossa classe politica actual, que não oferece mais nada às mulheres, para além do sofrimento e desumanidade.

Apesar de não contestar a vitória do Sim, não posso deixar de salientar que foi alcançada por apenas 25% dos Portugueses, o que equivalerá, em grosso modo, à percentagem de cidadãos que pratica um voto militante nos seus partidos, nomeadamente no PCP e no PS. Tal como seria uma presunção inaceitável assumir que os Portugueses que se abstiveram votariam Não, também o é assumindo que esses mesmos Portugueses pretendem passar da lei actual para uma liberalização total do aborto.

Espero sinceramente que a Assembleia da República procure desenvolver uma lei equilibrada e consensual na sociedade Portuguesa e isso não passa certamente pela liberalização total do aborto.

Um abraço,

Duarte Fragoso.

Jovens políticos - «De pequenino se torce o pepino...»

Do Diário Digital:

"O líder da Juventude Popular, João Almeida, defendeu hoje que o CDS-PP faça «uma reflexão profunda» em Conselho Nacional, considerando que os resultados do referendo ao aborto demonstram que parte do eleitorado democrata-cristão não se revê na posição do partido.

«Se analisarmos os resultados do referendo a nível local e cruzarmos com os das últimas legislativas, há interpretações que têm de ser feitas, numa reflexão muito profunda que vai para além da questão da liderança», afirmou João Almeida, em declarações à Lusa.

Para o líder da Juventude Popular (JP), a vitória do «sim» em zonas de forte implantação do CDS-PP demonstra que «há pelo menos uma causa que o partido defende com a qual o eleitorado não está sincronizado»."


Desde pequeninos, os "jotas" são educados na máquina partidária.
Acostumam-se aos truques, aos esquemas, ao discurso, à propaganda.
Seja qual for o partido, seja à esquerda, seja à direita, o "jota" é sempre um benjamim político, guarda as bandeiras do "Partido" debaixo da cama, prepara e ensaia futuros discursos do "Partido" ao espelho, e desde tenra idade. Aprende que a política é a arte da comunicação enganosa.
Aprende que a intelectualidade serve a política e não o inverso.
João Almeida é um belo exemplar disto mesmo: é um espécime genuíno do puro "jota". Cá está: para ele, a derrota da posição anti-aborto do CDS-PP é um claro sinal de que, se há coisas a mudar, é nas posições "pouco populares" do "Partido", porque acima de tudo, está a obtenção de votos para o "Partido".
Afinal, a mudança para o nome "Partido Popular" já dava, anos atrás, provas da infiltração no CDS deste tipo de intelectualidade subserviente da política, onde o que conta, num "Partido", é ser votado. O resto é conversa.
Ideais?
Intelectualidade?
Projectos e propostas?
Nada disso! Para João Almeida, o problema fundamental, essencial, é que «parte do eleitorado democrata-cristão não se revê na posição do partido».

O direito ao aborto legal é um mal ético?
O João Almeida não faz ideia, nem quer saber.
O aborto legal causa sequelas na mulher? Mata uma vida humana?
O João Almeida não faz ideia, nem quer saber.
Não haveria soluções de apoio à maternidade que poderiam resolver o drama do aborto de vez, erradicando-o de vez?
O João Almeida não faz ideia, nem quer saber.
O problema é que o "Partido" perdeu parte do apoio do eleitorado e há que mudar alguma coisa! Há que mudar! Há que ganhar votos! E depressa, a tempo das próximas eleições! Rápido!

Quando vejo situações destas, firmo-me cada vez mais numa coisa boa que aprendi desde pequenino: nesta vida, pode-se abdicar do dinheiro, pode-se abdicar do poder, mas não se pode, de forma alguma, abdicar da integridade, da inteligência, da coerência intelectual, da seriedade. Senão, deixamos de ser homens. Passamos a ser vermes.
E é por estas e por outras que, desde que me lembro, nunca estive filiado em Partido algum, e nunca defendi nenhum Partido político.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Contestação a Darwin: a lista de cientistas já conta com 700

Vale a pena ler:
Dissent from Darwin

A afirmação que mais de 700 cientistas em todo o Mundo já subscreveram é a seguinte:

“We are skeptical of claims for the ability of random mutation and natural selection to account for the complexity of life. Careful examination of the evidence for Darwinian theory should be encouraged.”

“Somos cépticos face à afirmação de que a mutação aleatória e a selecção natural são capazes de explicar a complexidade da vida. Deve ser encorajado um exame cuidadoso às evidências a favor da teoria Darwiniana.” (tradução minha)

Apesar de a batalha contra o fanatismo darwinista, e em nome da Ciência, estar bem longe de estar ganha, isto é um sinal encorajador para todos aqueles que nunca se quiseram acomodar ao status quo, duvidando da suficiência do darwinismo e do neo-darwinismo para explicar a sofisticação e a complexidade da vida.

Esta situação já estaria resolvida há muito, e a Ciência já poderia saber hoje muito mais acerca da vida, se não tivesse sido o esforço insensato de alguns cientistas em promover a suposta definitude do darwinismo e do neo-darwinismo como armas de combate ideológico contra as religiões abraâmicas ou contra a religião em geral.

É certo que nem todos os cientistas que seguem cegamente o darwinismo estão ideologicamente comprometidos nesta guerra anti-religião. Muitos, certamente, evitam contestar o darwinismo por outras razões: muitos homens e mulheres de ciência preferem o "academicamente correcto" ao "cientificamente correcto". Hoje em dia, começa a ser seguro publicar artigos de contestação ao darwinismo. Mas não há muitos anos, esse "atrevimento" significava para muitos um grande escolho na sua carreira científica.

Ao menos, com iniciativas destas, e com o engrossar desta lista, começa a ser complicado chamar patetas ou tontos àqueles que não aderem totalmente às teorias propostas por Darwin e pelos seus mais fervorosos seguidores.

A «palhaçada» do aborto livre e legal

O título deste texto não tenciona fazer qualquer ataque à nobre arte circense, mas sim usar uma expressão corriqueira para manifestar o meu profundo nojo (intelectual e sensorial) perante o evoluir bem previsível, e em tão pouco tempo, desta triste situação.

«Ontem, o líder parlamentar socialista, Alberto Martins, que chamou a si a questão, garantiu que o diploma não deverá aconselhamento obrigatório da mulher que pretende abortar – uma afirmação que foi contestada pelos movimentos que se bateram pelo “não” no referendo. Por outro lado, a lei deverá contemplar um período de reflexão de alguns dias, após a consulta médica inicial, de contornos também ainda não definidos.» - in Público, 14 de Fevereiro de 2007.

Continua a manipulação das palavras.... "Aconselhamento obrigatório" transmite, emocionalmente, a mesma sensação da expressão "prisão das mulheres", mesmo sem mulheres presas...
O PS, naturalmente, não está nada disponível para leis sensatas, nunca esteve, e se o Eng. José Sócrates o tentou sugerir com belas palavras na noite da vitória de triste memória, fê-lo claramente no melhor espírito de teatro político, do qual ele é mestre exímio.

Do mesmo modo que o Eng. Sócrates não via nem vê uma mulher que comete o crime de aborto como "criminosa", também não achará correcto "impor" a essa mulher o aconselhamento prévio, uma quase vil forma de "prisão psicológica", pensará ele e os seus correlegionários.

O regime anárquico de abolição do crime de aborto só pode ser seguido (em lógica e coerência) pelo regime libertário: deixem as mulheres abortar em paz!
Certo? Certo...

Na origem de tudo isto, não me tenho cansado de insistir, está uma dramática anomalia intelectual tripartida:

a) não ver a vida intra-uterina como plenamente humana, com direito a viver
b) não reconhecer a obrigatoriedade do estado em garantir a Justiça, por meio da protecção de direitos fundamentais
c) não criminalizar as condutas que atentam contra direitos fundamentais

Faltando estes três pontos, tudo cai por terra. O aborto torna-se num "direito reprodutivo". E, claro está, do mesmo modo que ninguém se lembra de impor consultas de métodos contraceptivos a ninguém, e porque o PS vê o aborto exactamente como contracepção, é natural que não queira impor às mulheres a consulta obrigatória, que seria a derradeira oportunidade para se fazer ver à mulher que planeia abortar os terríveis males físicos e psíquicos do aborto.
Ficamos, então, com a sugestão vaga feita às mulheres de que façam, onde quiserem, a sua experiência pessoal e individual de "gabinete de reflexão"...
Terá uma eficácia potente, como aquela do imperioso dia de reflexão pré-votação.
Seguramente que esta "reflexão" não será feita no conforto das salas arejadas das modernas clínicas das Yolandas Hernandez Dominguez desta vida. Era só o que mais faltava! Para quem faz da morte um negócio, faz algum sentido criar um serviço de aconselhamento prévio? Seria como um centro comercial ter à porta um gabinete a recomendar às pessoas que não comprem nada naquele espaço...

Quando a questão é, realmente, de vida ou de morte (vida da mãe, vida do feto), dá uma enorme tristeza ter que dizer "eu tinha razão", ou ter que relembrar o que eu disse, afirmando que votar SIM era uma grave asneira de graves consequências... Que era um cheque em branco para políticos incompetentes, ignorantes, desprovidos de um intelecto funcional, e ainda por cima ideologicamente comprometidos numa guerra cultural.
Estamos ainda nas primícias da degradação ética e moral à qual ainda vamos todos assistir no nosso tempo de vida.
A partir daqui é sempre a descer...

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Modernismo: «o fumo de Satanás»

Quando reflectimos acerca do que escrevi nos textos anteriores, ou seja, acerca do facto de existirem sacerdotes e teólogos soi-disant "católicos" que defendem uma doutrina muito pessoal, e pouco católica, torna-se inevitável abordar a questão do modernismo.
O modernismo é uma heresia nascida no século XIX, que adquire visibilidade com a obra de Alfred Loisy (1857-1940), espalhando-se depressa no universo católico, e que foi denunciada e combatida desde muito cedo por papas como São Pio X (1835-1914), que inclusive fez promulgar um Juramento Anti-Modernista que deveria ser feito por todo e qualquer sacerdote católico.
Na encíclica Pascendi Domini Grecis, Pio X classifica o modernismo como a "síntese de todas as heresias", por isso se vê que a matéria não é ligeira.

O modernismo é bastante complexo e não é simples sintetizá-lo, mas pode-se fazer uma aproximação segura vendo-o como sendo uma leitura materialista e anti-metafísica da Revelação Cristã. O modernista deixa de ver os textos revelados como verdadeiros em si mesmos, passando a vê-los como uma possível leitura histórica, que teria validade no tempo dos seus autores terrenos, mas cuja validade poderia ser revista hoje pelo homem moderno. S. Tomás de Aquino defendia a veracidade das Escrituras do mesmo modo que defendia a veracidade de qualquer coisa: adequatio rei et intellectus, ou seja, é verdadeiro tudo aquilo que consiste na adequação das coisas (do "real") ao intelecto humano. As Sagradas Escrituras, possuindo certamente diversos níveis interpretativos mais profundos, são seguramente verdadeiras no seu primeiro e mais básico nível, o literal, conquanto o exegeta esteja munido das ferramentas hermenêuticas adequadas, que lhe permitem afastar toda e qualquer aparência de contradição.

Com o modernismo, é feita uma leitura "histórica" (e portanto anti-metafísica, porque destrói a invariância de espaço e de tempo) da Revelação. Segundo os modernistas, a veracidade literal das Sagradas Escrituras deveria ser revista, porventura negada em muitos aspectos, e deveria ser acomodada com as então recentes teorias científicas (das quais uma das mais importantes foi a de Darwin acerca da Evolução das Espécies).

Pio X reage com a necessária firmeza, afirmando que tal leitura anti-metafísica das Sagradas Escrituras estava contra o que de mais fundamental havia na fé católica. Segundo esta, apesar de nenhum enunciado bíblico poder alguma vez ser contrário à Razão (porque esta procede de Deus, a fé nunca pode ser irracional), os enunciados bíblicos, pela sua natureza de textos revelados (com forma humana e essência divina), permitem certamente inúmeros e indefinidos níveis de significado metafísico e doutrinal, sem nunca deixar de parte o significado literal.

Para evitar confusões, há que distinguir esta doutrina católica da inerrância do problema da sola scriptura protestante. O erro de um certo literalismo da hermenêutica protestante está na recusa de boa parte da tradição oral católica e apostólica, que é o garante de uma hermenêutica correcta e ortodoxa. Por outras palavras, o literalismo de que aqui se fala, para ser católico, deve ser contextualizado numa tradição oral que, atrevo-me a dizê-lo, pode ser vista como mais importante do que a escrita. E isto porque a palavra escrita é sempre consequência da palavra pensada ou falada.

Continuando na questão do relativismo histórico imposto pelos modernistas, os postulados verdadeiramente universais que surgem plasmados nos textos revelados, pela sua universalidade (catolicidade), não podem ter o seu critério de veracidade baseado no momento ou no local históricos. Tudo o que é universal, é-o ontem, como hoje e como amanhã. E é-o em qualquer lugar.

O modernismo rejeita tudo isto, sendo na verdade a materialização de um "suicídio de fé", pelo facto de fazer uma materialista e inaudita anti-hermenêutica dos textos revelados. Por esta razão, Pio X a classificou justamente como sendo a heresia que sintetiza todas as heresias.

Não obstante, o modernismo prosperou durante todo o século XX. Manifestou-se durante o Concílio Vaticano II, durante o qual, por exemplo, o cardeal de Viena, Franz König (1905-2004), considerado por muitos (com boas razões) como sendo modernista, fez um famoso discurso tentando contrariar a inerrância da Bíblia.

Não anda longe deste tema central para o catolicismo do século XX a contestação que muitos passaram a fazer, após o Vaticano II, aos dogmas de fé da Igreja Católica. Surgiu a ideia errada de que os dogmas tinham a sua justificação numa dada época histórica, e que agora poderiam ser contestados, e mesmo rejeitados se isso fosse conveniente. Como se a revelação crística e os textos sagrados possuissem prazo de validade!
Para mais, como já o disse noutra ocasião, este erro nasce da ignorância acerca da natureza distinta dos dogmata (os conceitos "interiores" da doutrina, invariantes por natureza) e dos kérigmata (as proclamações formais, e portanto "exteriores" dos mesmos). É aceitável discutir o revestimento formal de uma doutrina, a formulação textual da mesma. Aliás, esta discussão é, e foi, feita de forma corrente em qualquer Concílio. Mas para se alterar os conceitos interiores da doutrina católica, é necessário transformá-la noutra coisa que não católica, ou seja, distorcê-la ou destruí-la na sua essência.

Nos dias que correm, a praga do modernismo tornou-se na heresia católica mais importante de todas. É certo que poderíamos também evocar a heresia do gnosticismo como sendo hoje cultural e intelectualmente relevante (basta pensar no fenómeno "Código da Vinci" e similares). Mas, na minha opinião, o espaço fértil para o surgimento do neo-gnosticismo foi preparado, conscientemente ou não, pelos hereges modernistas dos finais do século XIX e do século XX, muitos deles figuras importantes no Concílio e hoje considerados e venerados por muitos como "teólogos excepcionais".

Agastados pela presença do modernismo no Vaticano II, determinados grupos decidiram demarcar-se deste Concílio, alegando que a heresia modernista se tinha apoderado dos trabalhos ao ponto de invalidar o Concílio como um todo. É uma questão complexa demais para a minha presente ignorância, pelo que me limito a afirmar a minha posição actual, sem conseguir demonstrá-la teoricamente: acredito, até demonstração em contrário, que o Vaticano II foi um concílio válido. Não considero esta posição como absoluta, o que seria insensato, uma vez que a História da Igreja presenciou alguns concílios que foram declarados inválidos. Julgo que as más consequências modernistas que foram retiradas do Concílio Vaticano II foram o resultado da heresia modernista que estava embutida nas crenças de alguns dos protagonistas conciliares (obrigados por Juramento a rejeitar o Modernismo), e nas crenças de muitos sacerdotes espalhados por todo o Mundo. Por isso, a minha posição actual é a de que o modernismo não estará, eventualmente, plasmado nos textos e deliberações do Concílio, mas sim nas interpretações erradas e abusivas, e nas aplicações concretas, que certos modernistas delas fizeram.

Nestes tempos em que vivemos, nos quais uma comunicação social catolicamente analfabeta (ou ideologicamente comprometida) procura sempre deixar falar, dar espaço de antena, e entrevistar os padres e teólogos dissidentes, nunca é demais relembrar que o modernismo é uma heresia, que é um atentado contra o que de mais essencial existe no catolicismo, e que é um fenómeno que está longe de ser explicado apenas de forma empírica, histórica ou sociológica...

É importante, hoje mais do que nunca, recordar as notáveis palavras do Papa Paulo VI, numa célebre homilia de 29 de Junho de 1972,

«Crediamo - osserva il Santo Padre - in qualcosa di preternaturale venuto nel mondo proprio per turbare, per soffocare i frutti del Concilio Ecumenico, e per impedire che la Chiesa prorompesse nell’inno della gioia di aver riavuto in pienezza la coscienza di sé. Appunto per questo vorremmo essere capaci, più che mai in questo momento, di esercitare la funzione assegnata da Dio a Pietro, di confermare nella Fede i fratelli. Noi vorremmo comunicarvi questo carisma della certezza che il Signore dà a colui che lo rappresenta anche indegnamente su questa terra» (negrito meu)

«da qualche fessura sia entrato il fumo di Satana nel tempio di Dio»

Paulo VI afirmava então, perante as nefastas consequências que muitos retiraram ilicitamente do Segundo Concílio Vaticano, que "(...) [através] de qualquer fissura teria entrado o fumo de Satanás no templo de Deus".

Espero que com este texto se entenda melhor porque razão decidi "provocar" os católicos portugueses ao abordar a questão da existência do Diabo, que no fundo, é a mesma questão da existência de criaturas (como tal, infra-divinas) num estado ôntico acima do humano (criaturas feitas "de puro intelecto", se quisermos). Negar o anjo caído é negar a demonologia. É negar que o Mal é uma "criatura intelectual", que é uma "ideia criada", que era boa antes da Queda, e que se degenerou devido à sua própria vontade de criatura livre em desobedecer ao seu Criador. Negar a demonologia é negar a angeologia, porque no fundo, os demónios são as hostes de Satanás, os anjos caídos que, por sua vontade, negaram obedecer a Deus, seguindo o Diabo na sua Queda.

(O conceito de "vontade" e o conceito de "liberdade" têm um imenso alcance metafísico e são centrais para se compreender a angeologia, mas isso terá que ficar para outra altura. Para já, gostaria apenas de deixar aqui a ideia de que Satanás, criação divina, com a sua existência, torna manifesta a ideia de "liberdade total para errar, para rejeitar Deus". É, por isso, a "causa" ôntica de todo o Mal. Isto não remove a responsabilidade ao católico, visto que este tem a sua consciência, e a sua contra-parte, a vontade, para optar, livremente, entre seguir o "pai da Mentira" ou seguir o Pai celestial.)

Negando a angeologia, temos o caminho aberto para negar o sobrenatural, e consequentemente, o significado e a suprema realidade da divindade. É da negação do sobrenatural, e mais ainda, da negação do Infinito divino como fonte e sustento ôntico do real, que nascem as confusões modernistas.

A recusa de muitos católicos modernos em reconhecer a realidade ôntica do Demónio como "ideia criada", como "criatura", tem origem na mesma confusão que os faz negar a inerrância da Bíblia, a virgindade real (física, biológica) da Virgem Maria, a realidade histórica literal da Ressurreição de Cristo, a realidade física da presença divina na Eucaristia, e enfim, tudo o que o catolicismo tem de supra-empírico. Por outras palavras, o modernista nega tudo o que o catolicismo tem de católico. Isso faz com que surja o inacreditável e o impossível, como vermos sacerdotes e teólogos "católicos" defenderem a posição do "sim" no recente referendo acerca da liberalização do aborto, ou manifestarem ideias confusas acerca da origem do ser humano.
O modernismo é um naufrágio pístico e doutrinal, que resulta de erros intelectuais facilmente solúveis, assim houvesse vontade dos seus protagonistas em proceder à sua correcção por via do estudo da Metafísica.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Outro "católico" pelo SIM

«A corrente laicista, que deseja a Igreja fechada na sacristia, não creio que seja maioritária na sociedade portuguesa, apesar do nosso passado anticlerical. Mas a grande alergia à presença activa da Igreja talvez resulte da ideia de que ela quer fazer da sociedade e do espaço público uma sacristia. As declarações e posições pouco católicas (sic) de certos movimentos, personalidades e de alguns padres dão a impressão de quererem entregar à repressão do Estado, do Código Penal, dos tribunais, da polícia, da cadeia, as suas convicções morais (sic) (...)», Frei Bento Domingues, Por Opção da Mulher (negrito meu).

E quem terá ordenado este senhor?

Os diários "católicos" de Che Guevara

Com a inquestionável vitória do SIM no referendo de ontem, a vida com dignidade e, mais especificamente, a vida e a dignidade das mulheres portuguesas acabam de conhecer um irreversível passo em frente no nosso país e, por arrastamento, na Europa e no resto do mundo. O mesmo se diga da autonomia da sociedade civil portuguesa frente à Igreja católica romana, cuja hierarquia (bispos residenciais e párocos, assessorados por Movimentos de leigas/leigos feitos à imagem e semelhança deles!), infelizmente, nesta matéria, não soube manter-se no seu lugar e continuou a comportar-se como se ainda vivêssemos sob o famigerado (sic) regime de Cristandade que o próprio Concílio Vaticano II, de feliz memória, oficialmente enterrou para sempre, mas que ela não se tem cansado de tentar restaurar. No que tem sido vergonhosamente apoiada pela conservadora e moralista (sic) Cúria Romana e seus sucessivos papas, os quais têm estado muito longe do espírito de abertura e de macroecumenismo do seu antecessor João XXIII, o mesmo que convocou aquele Concílio, para que ele fosse uma saudável e fecunda Revolução (sic) no interior da Igreja católica em todo o mundo. - breve trecho da entrada de 12 de Fevereiro do diário do "padre" Mário de Oliveira (negrito meu).

Afonso Costa, se fosse vivo, não diria melhor, senhor "padre"!
(quem será que ordenou este senhor?)

Duarte Vilar dixit

“There has always been a double standard in Portugal toward abortion, and that’s what we want to eliminate,” said Duarte Vilar, executive director of Portugal’s Family Planning Association. “Even if we are Catholic, we are a soft Catholic country.” - Portugal’s Vote on Abortion Ban Stirs Emotions, New York Times, 11 de Fevereiro de 2007.

Duarte Vilar, esse estratega ímpar da APF, desta vez tem toda a razão.
Mesmo tendo muitos católicos soi-disant, Portugal é de facto um país de "católicos suaves"...
A estratégia pró-escolha funcionou na perfeição (aliás, foi usada a mesma estratégia que funcionou noutros países com forte presença cristã), mais uma vez com a colaboração prestável dos "católicos suaves", que, como dóceis cordeiros, se prestaram à manipulação. Dividir para conquistar.

Alvorada no país do aborto legal

Admito, sem quaisquer receios, que tenho mau perder.
Porque sempre defendi que o "sim" era mau para a mulher. Que o "sim" era mau para o feto.
Tenho pena que os do "sim" não tenham mau ganhar. Deveriam ter mau ganhar, porque de facto ninguém ganhou nada com esta triste "vitória".
Fico entristecido com a alegria dos que votaram mal, votando "sim".
Fico entristecido com a indiferença de mais de metade dos portugueses, que se estão nas tintas para as mulheres, nas tintas para os fetos, e (o mais compreensível) nas tintas para os políticos e para as leis.
Estamos na primeira manhã do aborto legal em Portugal. Ainda não está em vigor, nem sequer aprovada, a desejada "lei libertadora", mas os arautos da mudança pela mudança, da mudança porque "sim", da mudança milagrosa, já ecoam gritos de vitória, amarras cortadas, correntes quebradas. "Soltem as mulheres!"... "É um novo dia!"... "Portugal entra na modernidade!"

Nunca me explicaram, tenho pena, o que é que abortar tem de moderno em pleno século XXI, uma prática que já era "moderna" nos tempos do estalinismo...
O melhor que me conseguiram dizer foi que o aborto era um direito reprodutivo da mulher. Ontem, venceu a APF, venceram todos os que louvaram e condecoraram os esforços desta organização. Venceram os médicos de ética duvidosa, e respectivo pessoal que auxiliava na condução de abortos clandestinos, efectuados por vezes fora de horas, muitos deles em clínicas e hospitais bem conhecidos. Agora, podem abortar às claras e deduzir os custos das operações na contabilidade. Venceram os pais que não querem assumir a paternidade. Venceram os maridos que não querem ter chatices. Venceram os empresários que não querem colaboradoras grávidas. Venceram os namorados que não querem ainda ser pais, que querem "curtir" a vida.

Fez-se Justiça.
Eles, afinal, nunca acharam que o aborto era um crime.
Eles, afinal, nunca acharam que matar um feto era mau.
Alguns deles, afinal, tinham mulheres na família que abortaram, e queriam afastar o fantasma da culpa. Alguns deles, afinal, tinham filhas que aconselharam a abortar, mulheres que aconselharam a abortar, noras que aconselharam a abortar, primas que aconselharam a abortar, amigas que aconselharam a abortar.
Havia a necessidade de lavar a culpa com um "sim" que, ainda por cima, traz a musicalidade e a frescura de um novo amanhã!
No século XIX, abolimos a pena de morte. No século XXI, reintroduzimos a sua possibilidade, por opção da mulher. Ah, mas será em "estabelecimento de saúde autorizado". Óptimo! Nos EUA, já se mata por injecção letal, o que é muito higiénico e evita o problema de saúde pública do cheiro a queimado das cadeiras eléctricas.

"Acabar com o flagelo do aborto clandestino"!
Gritavam...
E quem quererá acabar com o novo flagelo? O flagelo do aborto legal?
Este flagelo parece que veio para ficar, porque é aplaudido como um direito.
Mas vai ser complicado arranjar médicos (a sério) que queiram matar. Afinal, eles até juram não o fazer, assim que acabam um longo curso, e só alguns é que vão ter a ginástica mental necessária para se auto-justificarem a matar com mãos que foram ensinadas para salvar. Pensarão: "estou a salvar a mulher!". Pois sim...
O Sistema Nacional de Saúde não poderá fazer abortos, sem meios financeiros e logísticos e com médicos objectores de consciência. Não há problema! A Clínica dos Arcos, em Lisboa, já tem as obras quase concluídas! Anteciparam-se! Tinham um alvará aprovado, e sondagens fantásticas e arriscaram começar as obras há meses atrás!
O aconselhamento médico e psicológico vai ser óptimo: feito pelas mesmas pessoas que vão, com a ajuda da mulher, escolher a forma de aborto mais adequada para ela e emitir a factura que depois será paga pelos contribuintes.
Hoje é a aurora da Nova Era!
As portuguesas deixam de ir a Espanha, vêm as espanholas para cá!
Há que arregaçar as mangas! Há duas centenas de clínicas privadas de aborto em Espanha, e em Portugal, há que despachar obra! Ainda só há obras em curso para a primeira!
Não faltarão pedreiros-livres, arautos da liberdade fraterna que não julga nem condena quem mata por necessidade, operários da igualdade que vão ajudar a edificar esses espaços modernos de saúde, equipados com moderna tecnologia para ajudar mulheres modernas a fazer abortos modernos. Haverá modernos painéis luminosos, com gestão moderna de filas de espera. "Abortar não dói!", dirão a essas mulheres assustadas. "Vai ser um instante!", dirão a essas mulheres com dúvidas. E se uma mulher se arrepender antes do aborto legal (ou depois do aborto legal) e desatar a chorar na sala de espera? "Chiu, cala-te filha, vai chorar para aquela sala vazia, vá, que estás a assustar as nossas clientes!"
Eis alguns retratos do dia-a-dia da mulher moderna, da mulher com igualdade e dignidade:

«Ficaste grávida?! O melhor é resolveres essa questão já na semana que vem, porque já marquei as férias. Agora não dá jeito!»

«A senhora engenheira está grávida? Mas só tem uns quantos meses de casa. Vai ter que resolver isso, porque este projecto tem prazos para cumprir!»

«Engravidaste? Mas eu não quero ser pai agora! Não, tenho que acabar o curso, e depois há muito desemprego! Vais ter que resolver isso.»

«Minha querida filha: eu estou a pagar-te o curso na privada, que me está a sair muito caro. Se não abortares, como é que vais acabar o curso? Sabes como a vida está difícil? Faz o que o teu pai de diz, vá...»

Fez-se Justiça. O aborto legal é bom para a mulher, já vimos.
E será bom para o feto?
Bom, como em todas as questões da vida, isso "depende".
Feto que nasce desejado pela família, tem futuro garantido. Aquelas primeiras dez semanas passam num ápice: fazem-se com a perna às costas!
Para o feto indesejado, a coisa fica feia. Cara ou coroa?
A senhora psicóloga da Clínica dos Arcos, imparcial como sempre, vai ajudar a mamã!

Para o feto também se faz Justiça, pois feto indesejado mais vale ser abortado, certo?
"Certo!"

Alguém me disse que nos EUA se preparam debates para voltar a limitar o aborto, trinta anos depois de ter sido legalizado. "Chiu! Cala-te, porque Portugal agora é moderno!" Portugal vive hoje o americano sonho de 1973! Também temos direito ao nosso Roe vs. Wade! Também queremos apanhar o comboio europeu da modernidade sem natalidade!
Queremos ser como a Holanda, como a Alemanha, como a Dinamarca, e a melhor forma de sermos como os modernos é podermos abortar legalmente, em clínicas novas, acabadas de estrear!
Os americanos estão a querer reverter décadas de aborto livre? Estão preocupados com o crescimento exponencial do aborto nos últimos 30 anos? Estão assustados com as suas estatísticas de milhões de fetos abortados? Estão surpreendidos por ver que mais de 90% das razões para abortar nos EUA são fúteis? Há médicos americanos que são hoje ex-abortistas e que contam publicamente o drama das suas vidas dedicadas a matar? Norma McCorvey, protagonista da vitória do aborto legal de 1973, rejeita hoje o aborto legal e percorre o Mundo a tentar combatê-lo? "Chiu, cala-te. Que Portugal também tem direito às suas três décadas de aborto legal!" Senão, como é que obtemos dados estatísticos que mostrem o aumento exponencial do número de abortos?
Era preciso legalizar!

Ah, e já agora, se calhar os americanos querem acabar com o aborto por causa do Bush, que é fanático religioso e tal... Mas é que são os Democratas que querem restringir o aborto! "Chiu, cala-te..."
"Ontem votámos «sim», não percebes?"
É a aurora de um novo dia!

P.S.: Ah, e já agora, ouçam a "Bárbie Assembleia": a Igreja só tem é que continuar a ajudar as grávidas. Nós, os modernos, os que ajudamos a abortar, agradecemos à Igreja. A Igreja, a velha e antiquada, que fique com as suas grávidas, que nós vamos ajudar as espanholas a abrir clínicas...

P.S.2: Daqui a uns anos, quando tivermos estatísticas de morte por aborto legal (que poderemos comparar com as de morte por aborto clandestino), depressões por aborto legal, tentativas de suicídio por aborto legal, vidas arruinadas por aborto legal, relações desfeitas por aborto legal, famílias arruinadas por aborto legal, as estatísticas claras e límpidas recolhidas matematicamente em suporte informático, eu não quero ver votantes do "sim" a dizerem mal do Governo, a porem as culpas no Governo, a dizerem mal das clínicas, a porem a culpa nas Yolandas Hernandez Dominguez desta vida. Os que votaram "sim" limparam ontem as suas consciências. Eu cá estarei para os recordar da sua quota parte de responsabilidade...

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Pena de morte, NÃO! Aborto... SIM?

Já na recta final para o dia da votação desta polémica questão, resta pouco por dizer. Já tudo foi dito. No entanto, estando atento à comunicação social, fico com a impressão de que o ruído prevaleceu, de que a overdose de informação e desinformação sufocou a opinião pública.

Ontem, enquanto lia a coluna semanal de Pacheco Pereira na revista Sábado, fiquei com a certeza de que a confusão estava instalada. Sem questionar as boas intenções do autor, o texto de Pacheco Pereira permitia o aprofundar de erros graves e frequentes, que tentarei aqui dissipar.

O seu texto estava escrito numa forma simétrica, procurando encontrar o que de bom e de mau haveria em cada campanha. Como é evidente, há pessoas boas e más de ambos os lados, há bons e maus argumentos esgrimidos por ambos os lados. Mas isso é muito diferente de afirmar que existe simetria na justeza das duas posições.
Não há simetria nenhuma neste aspecto!

Repito o que sempre disse: não há subjectividade na resposta ao referendo. A resposta "não" será sempre certa e a resposta "sim" será sempre errada, por muito que procuremos simetrias entre as duas campanhas. Quem vai votar "não" vai votar bem. Quem vai votar "sim" vai votar mal. Eu sempre o defendi. Não é correcto dizer-se que a minha posição é "fanática" ou é "preto & branco", porque a questão do aborto, sendo certamente complexa na sua argumentação e estrutura, PODE SER RESOLVIDA.
É possível chegar a uma decisão final, certa, irrefutável, face a este referendo. E eu sempre defendi que essa decisão final, certa e irrefutável era a decisão "não". Foi este o processo mental, que eu percorri e coloquei por escrito, que sempre usei como base para afirmar categoricamente que não havia razão válida alguma para votar "sim".

Pacheco Pereira deixa também no ar de que há uma separação entre católicos ("pelo não") e não católicos ("pelo sim"). Mas há duas nuances que importa distinguir, a primeira das quais é totalmente de rejeitar, e a segunda é aceitável:

1. O voto "não" tem que ser religioso?
Não. As razões fundamentais para votar "não" são razões universais, nada têm de religioso na sua essência; em última instância, voto "não" porque matar um inocente é um mal absoluto e injustificável.

2. Os católicos, em Portugal, influenciam o sentido de voto?
Sim. Portugal é um país de costumes e tradições católicas, apesar de estas estarem em progressiva redução de dimensão e influência. Visto que é incoerente ser-se católico e votar "sim", é natural que esta característica do nosso país (como sucede na Polónia, em Malta e na Irlanda) seja influente na opinião pública.

São coisas diferentes. É evidente que todo e qualquer católico que tenha despendido alguns raciocínios a dar-se conta do que é o catolicismo só pode votar "não". Os católicos que votam "sim", se não puderem ser escusados por razões de ignorância pura e simples, terão que ser responsabilizados por falta de coerência e por debilidade de compromisso para com a doutrina que deveriam professar e defender.
Mas, por outro lado, o essencial do erro de abortar é algo de não religioso, que qualquer ser humano pode e deve entender.

E eu continuo perplexo perante a força destes argumentos, ignorados por tanta gente que vai votar "sim". Se o "sim" vencer, uma mulher poderá optar, legalmente, por dar a morte ao seu filho. A palavra "legalmente" é essencial: compromete o Estado e a Sociedade nesta decisão mortal da mãe. No entanto, imagino que uma grande fatia dos votantes no "sim" estaria igualmente empenhado em combater a pena de morte, caso ela vigorasse no nosso país.

Não temos grandes dúvidas, hoje em dia (Portugal foi pioneiro nesta matéria), de que a pena de morte é um castigo horrível por ter um efeito irreversível e destrutivo em absoluto. Recusamos a pena de morte mesmo para o facínora mais cruel, sanguinário e insensível. No entanto, achamos bem que uma mãe opte por matar o seu filho, e use material hospitalar, e recursos públicos, para o fazer!

O que está errado?
Eu não vejo outra explicação para esta chocante e grotesca contradição dos votantes no "sim": a explicação tem que ser o não reconhecimento do direito a viver às dez semanas. Os que vão votar "sim" têm que ter a certeza absoluta de que aquele ser humano ("Homo Sapiens") não é uma "pessoa" no sentido ético, não é algo que se possa comparar ao criminoso que não condenamos à morte. O criminoso que decidimos não condenar à morte tem maior valor ético, aos olhos desta errada moral do "sim", do que o ser humano com dez semanas!

Termino deixando aqui as razões que explicam que abortar às dez semanas é um erro ético equivalente ao de matar qualquer ser humano nascido, com a agravante de que a vida humana intra-uterina, ao invés de um qualquer homicida que não condenamos à morte, é completamente inocente e não atenta contra a vida de ninguém:

1. "A vida humana é inviolável": a inequívoca protecção que a nossa sociedade atribui à espécie humana (Homo Sapiens); o zigoto, célula totipotente com a totalidade do genoma humano, é um ser vivo da nossa espécie;

2. O direito à vida é um direito absoluto: este direito está na base de todos os outros, porque só faz sentido discutir outros direitos em sociedade para seres humanos que estão vivos e que são deixados viver pela sociedade;

3. O zigoto já possui o direito a ter um "futuro como o nosso" (o argumento não religioso de Donald Marquis contra o direito ao aborto): é errado matar um zigoto como é errado matar um ser humano nascido, e pela mesma razão: roubamos a essa pessoa a possibilidade de ter um "futuro como o nosso"; matar é irreversível e injusto.

A legítima defesa é uma situação especial, que nunca pode ser usada no caso de uma gravidez. Na legítima defesa, o agressor intencionalmente homicida também tem direito a viver. Quando se mata em legítima defesa, não se mata pelas más razões:

a) porque se quereria, originalmente, matar o agressor;
b) porque, existindo outra forma de nos salvarmos, matássemos o agressor injustamente.

A morte de outrém só constitui legítima defesa quando é uma consequência inevitável e indesejada da nossa tentativa de salvar a nossa vida ou a vida daqueles que temos o dever de proteger.

Nesta campanha, não vi ninguém tentar refutar as razões éticas que fazem do aborto (mesmo legal) um grave erro, bem pior do que a aprovação da pena de morte.
Alguns votantes do "sim" poderão dizer: "o aborto é um erro, mas a legalização vai baixar o número de abortos".

Estou careca de insistir no mesmo: os bons fins (reduzir o número de abortos) não justificam nunca os maus meios (matar). E, ainda por cima, há dados concretos sobre esta matéria. Todos os países ocidentais (e não apenas alguns, como diz erradamente a edição da revista Sábado desta semana), ou de cultura ocidental (EUA, Canadá, Nova Zelândia), que legalizaram o aborto, verificaram sempre subidas importantes nos números de abortos legais, contando a partir do primeiro ano após legalização.

Os números provêm de fontes públicas e posso facultá-los a quem quiser.
Perante tudo isto, só há um voto certo: o voto NÃO.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Uma posição ateísta pelo Não

«Criticamos o Vaticano por afirmar que o preservativo não previne a 100% uma gravidez, e agora vimos sustentar a desresponsabilização do acto sexual pelo facto dos métodos contraceptivos não serem 100% eficazes?» - Ricardo Pinho, Diário Ateísta, Uma posição ateísta pelo Não.

Vale a pena ler na íntegra este excelente texto de Ricardo Pinho. Dadas as nossas profundas divergências, eu não me via facilmente a usar a expressão "excelente texto de Ricardo Pinho". Pois faço-o neste caso, mesmo que não faça noutros. Espero não ser acusado de oportunismo, visto que eu sempre defendi que a reprovação do aborto livre é uma questão de ética universal, que pode (e deve) ser defendida por qualquer pessoa, seja ela crente ou ateia.
O Ricardo Pinho demonstra, com esta posição em concreto, coerência de atitude, coragem e clareza de raciocínio. Seguramente que eu defendo o "não" de modo diferente do dele, mas são diferenças menores. Estamos de acordo no fundamental. Força, Ricardo.

Ideias claras e distintas

«Antes da décima semana, não havendo ainda actividade neuronal, não é claro que o processo de constituição de um novo ser humano esteja concluído.» - Prof. (e Padre) Anselmo Borges, in Referendo sobre o aborto, DN, 21 de Janeiro de 2007.

Sinto-me perplexo quando vejo um docente de Filosofia, para mais padre, recusar o uso de conceitos essenciais de Metafísica para, no fundo, falar com falaria um pensador materialista.
Não deixa, contudo, de ser irónico o uso da expressão "não é claro", apelando àquelas cartesianas ideias claras e distintas que estão na base da Filosofia moderna (e, na minha opinião, da derrocada moderna da Filosofia).
Afinal, o Prof. Anselmo Borges não parece ter ideias claras e distintas acerca do assunto que está a comentar, o que seria uma óptima razão para apelar ao voto "não". Ora, se nem um professor de Filosofia, com anos de carreira, tem ideias claras acerca da questão, como poderia o comum dos mortais votar "sim", quando é necessária a absoluta certeza, para lá de qualquer dúvida, para votar "sim", afirmando com esse voto que o feto de dez semanas não tem direito de viver?
Na minha modesta mente de cristão leigo não docente nem filósofo encartado, da leitura do artigo de opinião do Prof. Anselmo Borges, surgem-me algumas questões, que passo a enunciar:

1. "Não é claro" para quem? Para o Prof. Anselmo Borges? Não é claro em absoluto?
2. Apesar de o senhor Prof. Anselmo Borges não detectar actividade cerebral no feto, o programa genético do novo ser humano não está já capacitado para gerar essa mesma actividade? E o que entende por "actividade cerebral"? A organogénese está terminada à oitava semana: o tálamo está lá, há actividade sináptica; é certo que o córtex ainda está em formação, mas dizer que não há actividade cerebral é forte!
3. Mais vale parecê-lo do que sê-lo? Para o Prof. Anselmo Borges é mais importante a forma que a essência?
4. Quando é que entra algo de novo no feto para o tornar plenamente humano? Se ainda "não é claro" que às dez semanas, "o processo de constituição de um novo ser humano está concluído", quando é que isso se torna "claro"? Com a actividade cerebral? E ela surge por magia? Ou em virtude de um programa genético pré-existente, desde a formação (constituição) do zigoto?

Eu não sou professor de Filosofia, mas parece-me que há uma confusão de conceitos, quando o Prof. usa o termo "constituição" para algo que já está constituido: o zigoto, produto da fertilização do óvulo pelo espermatozóide, já está constituído muito antes! Se calhar, a expressão que o Prof. Anselmo Borges poderia ter usado era a de "processo de formação", querendo com isso dizer que a forma desse ser ainda estava em aperfeiçoamento. Mas esse processo de modificação formal não continua, mesmo depois do nascimento, ao longo da vida?

Afinal, senhor Professor, o que é que interessa para o direito à vida?

a) o que se é; a essência do ser humano (que está no zigoto)?
b) ou a nossa forma exterior, o nosso estágio de maturação?

Se o Prof. Anselmo Borges fosse apenas Professor de Filosofia, eu não me espantaria, dada a deriva intelectual da Filosofia moderna, que defendesse uma visão tão materialista, tão pouco ontológica, tão pouco metafísica, do ser humano. Afinal, senhor Professor, onde está a quididade do ser humano? Qual é ela para si?

O que torna esta situação mais complicada é que o Prof. Anselmo Borges é sacerdote, pelo que terá tido certamente formação em filosofia cristã. Ora, essa filosofia não deixa espaços ambíguos que justifiquem este tipo de confusões. Um São Tomás de Aquino seria capaz de as resolver num ápice.

Termino com Tertuliano, para não estar sempre a recorrer ao aquinate, esperando que isso possa ajudá-lo no processo de clarificação das suas ideias:

«Homicidii festinatio est prohibere nasci, nec refert natam quis eripiat animam an nascentem disturbet. Homo est et qui est futurus; etiam fructus omnis iam in semine est.» – Tertuliano, Apologeticum, IX, 8.

«Impedir um nascimento é simplesmente uma forma mais rápida de matar um homem, não importando se se mata a vida de quem já nasceu, ou se põe fim à de quem está para nascer. Esse é um homem que se está a formar, pois tendes o fruto já em sua semente.» (adaptado da tradução de José Fernandes Vidal)

As certezas do "sim"

«Palha a palha tentam desmontar um espantalho, vendo os argumento pelo «Não» como se o debate fosse simétrico. Como se à partida não se assumisse nada acerca da vida humana ou da legitimidade de a terminar por opção. É falso. Todos consideramos a vida humana um valor entre os mais altos, e só aceitamos e a liberdade de matar em casos extremos e nunca «por opção». Neste referendo não se pode votar para onde pende o argumento mais atraente. A assimetria da questão exige que só vote «Sim» quem tiver mesmo certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que o feto de 10 semanas não conta e que é legítimo mata-lo só porque a mãe quer. Só com completa certeza é que se pode aprovar a morte de tantos seres humanos por opção das mães.» - Ludwig Krippahl, Palha a Palha.


Eu não diria melhor.
Este ponto, pelo menos, é límpido como a água: só pode votar "sim" quem tiver a certeza absoluta de que o feto com dez semanas de idade não tem direito a viver, e a sua mãe pode dispor livremente ("por opção") da sua vida. Só assim também se explicaria a criação de serviços abortivos legais, sem que o Estado corresse o risco de estar envolvido num crime.
Caros amigos votantes no "sim": têm certezas absolutas?
Se calhar, não se dão conta do drama da sua decisão: o apoiante do "sim" tem que ter a certeza absoluta de que não há direito à vida às dez semanas. Essa certeza tem que ser realmente absoluta, porque esta é uma matéria grave, de vida ou de morte.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

ABORTO CARIMBADO

Cada dia que passa a sociedade portuguesa está mais mobilizada em torno da discussão sobre o aborto, sobre quais as consequências da sua penalização ou liberalização. Apesar desta questão ser manifestamente fracturante na sociedade, existe um ponto que parece gerar consenso alargado. O aborto é mau em tudo aquilo que encerra. A fractura surge a jusante, quando se fala na solução que o Estado deve oferecer às mulheres que se vejam confrontadas com esta realidade.

Tenho ouvido com alguma atenção as ideias que o nosso Primeiro-ministro José Sócrates tem defendido sobre este tema. Diz ele que o voto no Sim é a única forma de combater o aborto clandestino e que esta lei, como está, não o permite. Também é este o raciocínio que está na base dos outdoors produzidos pelo Partido Socialista, que veiculam o seguinte chavão, “Aborto clandestino é vergonha nacional”.

No fundo toda a campanha a favor do sim à liberalização do aborto, tem evitado centrar o debate no embrião e no que ele representa, procurando antes colocá-lo sobre os direitos da mulher, até por vezes, de uma forma demagógica. Inclusive, tive a oportunidade de ouvir um jovem da Juventude Socialista, no seu discurso de abertura de campanha, dizer que não estamos a discutir se existe ou não vida, mas sim o fim à humilhação das mulheres.

Resumindo, a proposta do sim passa apenas por uma cosmética do aborto, retirando-lhe o carimbo da clandestinidade e colocando-lhe o carimbo da legalidade. Não pretende combater as causas do aborto, não pretende apoiar as mulheres que estejam em situação de risco, não pretende dignificar as mulheres. Pretende apenas mudar a lei criando a ausência de lei, ignorando que, agora, o que está errado é a posição do Estado, inoperante, ineficaz, amorfo e não a lei que vigora, que tem por objectivo proteger a mulher da tragédia que é o aborto.

Portanto este Sim pretende acabar com o aborto clandestino, partindo do princípio que a vida da Mãe se sobrepõe sempre e em qualquer circunstância à vida do seu filho. É a radicalidade do critério da valorização da proximidade em contraponto com a banalização do que não nos está próximo. Porque se o embrião contem em si vida, a única explicação possível para a desvalorização profunda dos seus direitos face aos da sua mãe é o distanciamento a que está dos nossos olhos, pelo facto de ainda não ter socializado, pelo facto de não ter problemas, objectivos que sejam inteligíveis aos nossos olhos.

Estamos a classificar a importância da vida numa escala de valores estranha e abstracta. É um caminho perigoso cujo único destino é a solidão, o sofrimento e a ausência total.

Por tudo isto parece-me pertinente questionar: O Aborto não continua a ser uma vergonha nacional, mesmo que legalizado? E não é esse o projecto que este Sim nos propõe?

Um abraço,

Duarte Fragoso.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Cartaz do PCP

Um dos cartazes do PCP pelo voto "sim" no referendo sobre o aborto apela à defesa da "dignidade" e da "saúde" da mulher.
É raro vermos todos os dias um cartaz cuja conclusão seja diametralmente oposta às premissas.
Ora, se o aborto é um atentado à saúde física e psíquica da mulher...
Se o aborto é a destruição da dignidade de qualquer mulher como mãe e como mulher...
Pasmo-me perante a conclusão de que o voto "sim" pela legalização do aborto possa vir em socorro da "dignidade" ou da "saúde"...
Será que os autores deste cartaz são mentecaptos?
Será que os autores deste cartaz, não sendo mentecaptos, querem fazer-nos de parvos?
Uma destas terá que corresponder à verdade...

Direito à vida, desde quando?

Feto humano - 5 meses


Com direito à vida
















Feto humano - 10 semanas

Sem direito à vida?

A defesa do direito ao aborto, é fácil constatá-lo, repousa sobre argumentação oca, irracional e emotiva. As duas imagens apresentadas, relativas a estágios diferentes do desenvolvimento fetal, apenas apresentam alterações morfológicas no feto: a sua essência humana permanece a mesma desde que se constituiu como um ser novo (desde que surge o zigoto, o resultado da fertilização). O direito ao aborto apenas pode ser defendido se quisermos abdicar da defesa incondicional do direito à vida, direito este que deveria ser reconhecido de forma unânime, sem ser negado a qualquer ser humano, independentemente da sua idade, raça, sexo, religião, cultura ou nacionalidade.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

O que é ser católico?

Uma notícia recente da Agência Lusa, de 1 de Fevereiro, intitulada "Aborto: católicos pelo "sim" dizem que despenalização não contraria dogmas", dava conta de um grupo de "católicos" que advogava o voto "sim" no referendo sobre o aborto, alegando que era possível ser-se católico e votar "sim". Uma notícia semelhante surgiu também no Público, com o título inacreditavelmente enganador de "Pode ser-se católico e a favor da despenalização do aborto".
Um destes grupos auto-intitulados "católicos", bem conhecido de quem está atento à sub-cultura anti-católica, chama-se Catholics for a Free Choice e é de origem nova-iorquina, estando associado intimamente a clássicos movimentos pró-escolha (para não dizer "pró-aborto"), como a Planned Parenthood Federation of America. Na dita notícia, esse grupo surgia associado, nesta campanha pelo "sim", ao grupo Nós Somos Igreja, uma associação internacional dita "católica" que combate por todas as contra-causas do costume: sacerdócio para as mulheres, fim do celibato obrigatório, acesso livre à contracepção artificial, concórdia com os teólogos dissidentes, entre outras semelhantes.
Sobre estes dois grupos que se intitulam de "católicos" e que nada têm de católico, escreverei em breve outro texto, para evitar tornar este texto demasiado longo.

Para além desta, outra notícia recente no Diário de Notícias, datada de 3 de Fevereiro, e intitulada "São católicos e militam pela despenalização", dava conta de mais uns quantos exemplos de católicos que vão votar "sim" e das suas razões...

Devido a situações destas, que são deploráveis, nunca é demais insistir no facto de que é impossível defender catolicamente o voto "sim". Evidentemente que vários católicos poderão vir a votar "sim", mas se o fizerem estarão a cometer um acto totalmente contraditório com a doutrina que professam. Não existe qualquer coerência entre ser católico e votar "sim". Não é fácil explicar, de forma sintética, porque é que isto é assim, mas vou tentar fazê-lo em poucas frases.
Em primeiro lugar, é certo que a pura despenalização da mulher que aborta a sua gravidez pode ser compatibilizada com o magistério. A doutrina da Igreja não poderia obstar à remoção da aplicação de uma pena, sobretudo se o objectivo fosse sempre o de ter em consideração determinadas circunstâncias desculpabilizantes e aconselhar a mulher, em vez de a punir. Mas deveria ser claro, e só não o é porque a pergunta do referendo é enganadora, que a resposta "sim" permite a legalização do aborto a pedido até às dez semanas. E isso significa que cada voto "sim" é uma aprovação moral e ética à prática do aborto até às dez semanas, e é deste modo que o voto "sim" choca de frente com o que de mais elementar existe no catolicismo em matéria de direitos humanos e de Justiça. É por esta razão, e não por causa da despenalização da mulher, que votar "sim" esbarra contra a essência do ser católico.

E ainda poderíamos afirmar que a despenalização generalizada (a pergunta não especifica que vai despenalizar apenas a mulher que aborta) é dramaticamente injusta: deixa fora do alcance penal o pessoal médico e clínico de ética duvidosa que efectua o aborto com autorização da mulher, sem escrúpulos, sabendo que o aborto, para além de ser uma morte provocada de um ser humano inocente, irá também prejudicar gravemente a mulher. Enquanto que eu poderia concordar com a despenalização da maior parte das mulheres (de novo, concordar com a despenalização de TODAS as mulheres seria demasiado abrangente e injusto), não posso concordar com a despenalização geral de todos os envolvidos no crime do aborto. Contudo, a discordância face à despenalização generalizada do crime de aborto é uma discordância baseada em elementares conceitos de Justiça, e que não pertence, por essa razão, exclusivamente ao domínio do ser católico.

Aqueles que têm seguido este blogue nos últimos anos, recordam-se de uma disputa que aqui teve lugar há uns meses a esta parte, quando referi que era complicado, para não dizer mais, ser-se católico e recusar, por exemplo, a existência do Diabo.
Quando escrevi textos sobre esta questão, fui duramente criticado por muitos católicos que não acreditavam na existência do Diabo e que se sentiam incomodados pelo facto de eu lhes ter dito que não eram católicos coerentes.

Apesar de serem situações bem diferentes na sua gravidade (é bem mais grave querer ser católico e defender o "sim" do que querer ser católico e não acreditar na existência do Diabo), é inegável que têm algo em comum: uma grave confusão acerca do que significa ser católico.
Sem quaisquer pretensões de ser exaustivo ou erudito (não tenho autoridade para tal), parece-me útil abordar esta questão de dois pontos de vista diferentes:

O Pragmático
- Ser católico é ser baptizado: o baptismo é uma marca sacramental indelével na alma, ou seja, na parte psíquica do nosso ser; por outras palavras, o baptismo não se apaga nem pode ser apagado: um apóstata ou um excomungado, mesmo tendo ambos perdido a comunhão eclesial, continua baptizado - nenhum destes dois estados é irreversível, o que mostra bem a força da marca do baptismo
- Ser católico é seguir a doutrina católica, conforme exposta no Catecismo da Igreja Católica; evidentemente, esta doutrina condena objectivamente o aborto provocado e quaisquer medidas que o aprovem, legitimem ou autorizem.

Esta abordagem pragmática tem a vantagem de ser clara e concisa.
Tem, evidentemente, a desvantagem de poder parecer para alguns demasiado simplista, demasiado autoritária, demasiado fria e calculista. Por isso, importa tomar em consideração o ponto de vista histórico, que melhor elucida, na minha opinião, a importância do sensus catholicus que devia reger a vida de qualquer crente católico.

O Histórico
- Ser católico é aderir à doutrina católica apostólica: esta doutrina tem sido transmitida imutável na sua essência desde Jesus Cristo, passando pelos doze apóstolos, passando pelo testemunho dos primeiros cristãos e dos sucessores dos apóstolos, e passando pela tradição da Igreja erigida em torno do sucessor de São Pedro
- Por isso, ser católico é reconhecer a tradição escrita e oral da Igreja (esta última ainda mais importante), que inclui a absorção do Antigo Testamento (com o seu Decálogo que, entre outras coisas, proíbe o homicídio), todo o Novo Testamento, que inclui os quatro evangelhos e as epístolas paulinas, e ainda os importantíssimos primeiros quatro concílios ecuménicos: Niceia (325), Constantinopla (381), Éfeso (431) e Calcedónia (451); nestes primeiros quatro concílios, a fé católica ficou definida de modo mais nítido e formal, com base na tradição apostólica que remonta a Jesus Cristo

Os dogmas formalizados em concílios ulteriores, e restantes proclamações papais ex cathedra, fazem parte do núcleo imutável da doutrina cristã, porque, apesar da sua "novidade" formal, nada adicionam de verdadeiramente novo à essência da fé, nem alteram ou revogam nada de fundamental nesta mesma fé.
É por esta razão que, no tempo de Pio IX, foi proclamado como dogma de fé a infalibilidade papal em matéria de moral e doutrina católica. É exactamente porque este núcleo doutrinal é imutável que se pode afirmar que o Papa, quando fala acerca deste núcleo (ex cathedra, ou seja, "da sua cátedra" papal), é verdadeiramente infalível. Só podia sê-lo! O dogma da infalibilidade papal é uma constatação de facto, é a formalização dogmática de algo que já era real e que será sempre real.

Por isso, torna-se absurdo e inútil discutir a essência da doutrina católica. Quem o tenta fazer, sejam movimentos como o "Nós Somos Igreja", ou sejam sacerdotes ou leigos que discordam desta essência, apenas demonstra uma de duas coisas: a) ignorância acerca desta essência doutrinal, b) a vontade de destruir ou deformar (a última implica a primeira) esta essência doutrinal.
Como é evidente, ninguém é obrigado a ser católico nem a partilhar desta doutrina. Tais pessoas são livres de formarem as suas próprias Igrejas. O que é inaceitável é que se considere "católico" algo que não partilha da dita doutrina.

Muitas destas confusões nascem também da não diferenciação entre "essência" e "forma". Existe um número indefinido de formas válidas de se ser católico. O sufismo islâmico, é curioso notá-lo, afirma que existem tantos caminhos para Deus quanto o número de seres humanos. Neste caso, é usado o simbolismo geométrico da circunferência, cujo centro é Deus e cujos pontos (indefinidos em número) são os seres humanos, vivos ou mortos. O caminho de cada pessoa para Deus é como um raio que parte de cada pessoa e que se dirige para Deus. O ponto de partida, bem como o caminho que se percorre, é variável (depende de cada pessoa e é apenas único para essa pessoa), mas o sentido do percurso é sempre o mesmo e imutável: para o Centro.

A individualidade, e peculiaridade, da forma de se ser católico está presente no facto de que cada pessoa é uma pessoa diferente, e por isso, cada qual pode seguir o seu caminho católico "à sua maneira". Mas apenas no domínio da forma, e nunca no da essência!
Porque, certamente, do mesmo modo que o caminho certo para Deus é simbolizado pela recta que liga cada ponto ao centro, também o caminho doutrinal católico correcto (ortodoxo) é apenas um para cada pessoa, apesar de ser diferenciado para cada uma. É essa unicidade que melhor serve para definir a imutabilidade e eternidade da doutrina católica.

Aqueles que preconizam a relatividade da essência católica, falando abusivamente em "consciências pessoais", querem, na verdade, um catolicismo "à la carte", como uma pizza cujos ingredientes somos nós a escolher. E isso é inaceitável!
Há também, naqueles que falam em "liberdade de escolher", um grave erro do significado da liberdade para o catolicismo. Cada pessoa é livre de fazer o que quiser da sua vida, inclusive abortar. Contudo, como ensina o catolicismo, cada qual será julgado pela vida que levou. Essa liberdade para errar, uma liberdade inegável e bem real (não somos autómatos!), não implica que a doutrina católica tenha que ser destruída para lá meter à pressão um falso direito de abortar. Abortar nunca poderá ser um direito, por duas razões:

1. Os principais envolvidos, a mãe e o filho, não ganham nada com esse suposto "direito", antes pelo contrário, perdem e muito com o aborto; faz sentido criar direitos que não são benéficos para os envolvidos?

2. Qualquer presumido direito deixa de o ser quando agride outro direito; o direito da mãe em "optar" por matar o seu filho agride de forma inaceitável o seu direito à vida; desta forma, é absurdo falar em "harmonização" ou "ponderação" de direitos, porque se a mãe ganha o "direito" a matar, isso só se faz à custa do sacrifício de outro direito!

Para terminar, podemos, se tivermos boas razões, discordar de certas normas canónicas, ou de certos preceitos secundários emanados da Santa Sé, desde que não sejam questões doutrinais, questões que não ponham em causa a moral e a doutrina católicas. A moral e a doutrina da Igreja são imutáveis e tudo o que o Santo Padre disser ex cathedra acerca delas é matéria infalível.

Ainda um ponto importante: há quem pretenda votar "sim" porque pensa que tal voto vai ajudar a minorar o número de abortos, e consequentemente, salvar mais vidas humanas. Se bem que esta posição poderia ser legítima para alguém que partilhasse de uma ética utilitarista, essa posição é inaceitável no quadro da ética católica, que é essencialmente uma ética deontológica. Neste tipo de éticas, uma má acção, mesmo que traga eventualmente boas consequências, é sempre inaceitável. Por isso, votar "sim" e legitimar a prática do aborto por opção, é uma má acção, mesmo que pudesse minorar o número de abortos. No catolicismo, bem como numa qualquer ética deontológica clássica, os bons fins não justificam nunca os maus meios.
E, mesmo assim, é complicado demonstrar que a legalização do aborto vai reduzir o número de abortos quando as estatísticas, em vários países que o fizeram, apontam precisamente para o contrário, para um aumento exponencial no número de abortos...