Cada dia que passa a sociedade portuguesa está mais mobilizada em torno da discussão sobre o aborto, sobre quais as consequências da sua penalização ou liberalização. Apesar desta questão ser manifestamente fracturante na sociedade, existe um ponto que parece gerar consenso alargado. O aborto é mau em tudo aquilo que encerra. A fractura surge a jusante, quando se fala na solução que o Estado deve oferecer às mulheres que se vejam confrontadas com esta realidade.
Tenho ouvido com alguma atenção as ideias que o nosso Primeiro-ministro José Sócrates tem defendido sobre este tema. Diz ele que o voto no Sim é a única forma de combater o aborto clandestino e que esta lei, como está, não o permite. Também é este o raciocínio que está na base dos outdoors produzidos pelo Partido Socialista, que veiculam o seguinte chavão, “Aborto clandestino é vergonha nacional”.
No fundo toda a campanha a favor do sim à liberalização do aborto, tem evitado centrar o debate no embrião e no que ele representa, procurando antes colocá-lo sobre os direitos da mulher, até por vezes, de uma forma demagógica. Inclusive, tive a oportunidade de ouvir um jovem da Juventude Socialista, no seu discurso de abertura de campanha, dizer que não estamos a discutir se existe ou não vida, mas sim o fim à humilhação das mulheres.
Resumindo, a proposta do sim passa apenas por uma cosmética do aborto, retirando-lhe o carimbo da clandestinidade e colocando-lhe o carimbo da legalidade. Não pretende combater as causas do aborto, não pretende apoiar as mulheres que estejam em situação de risco, não pretende dignificar as mulheres. Pretende apenas mudar a lei criando a ausência de lei, ignorando que, agora, o que está errado é a posição do Estado, inoperante, ineficaz, amorfo e não a lei que vigora, que tem por objectivo proteger a mulher da tragédia que é o aborto.
Portanto este Sim pretende acabar com o aborto clandestino, partindo do princípio que a vida da Mãe se sobrepõe sempre e em qualquer circunstância à vida do seu filho. É a radicalidade do critério da valorização da proximidade em contraponto com a banalização do que não nos está próximo. Porque se o embrião contem em si vida, a única explicação possível para a desvalorização profunda dos seus direitos face aos da sua mãe é o distanciamento a que está dos nossos olhos, pelo facto de ainda não ter socializado, pelo facto de não ter problemas, objectivos que sejam inteligíveis aos nossos olhos.
Estamos a classificar a importância da vida numa escala de valores estranha e abstracta. É um caminho perigoso cujo único destino é a solidão, o sofrimento e a ausência total.
Por tudo isto parece-me pertinente questionar: O Aborto não continua a ser uma vergonha nacional, mesmo que legalizado? E não é esse o projecto que este Sim nos propõe?
Um abraço,
Duarte Fragoso.
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