Já na recta final para o dia da votação desta polémica questão, resta pouco por dizer. Já tudo foi dito. No entanto, estando atento à comunicação social, fico com a impressão de que o ruído prevaleceu, de que a overdose de informação e desinformação sufocou a opinião pública.
Ontem, enquanto lia a coluna semanal de Pacheco Pereira na revista Sábado, fiquei com a certeza de que a confusão estava instalada. Sem questionar as boas intenções do autor, o texto de Pacheco Pereira permitia o aprofundar de erros graves e frequentes, que tentarei aqui dissipar.
O seu texto estava escrito numa forma simétrica, procurando encontrar o que de bom e de mau haveria em cada campanha. Como é evidente, há pessoas boas e más de ambos os lados, há bons e maus argumentos esgrimidos por ambos os lados. Mas isso é muito diferente de afirmar que existe simetria na justeza das duas posições.
Não há simetria nenhuma neste aspecto!
Repito o que sempre disse: não há subjectividade na resposta ao referendo. A resposta "não" será sempre certa e a resposta "sim" será sempre errada, por muito que procuremos simetrias entre as duas campanhas. Quem vai votar "não" vai votar bem. Quem vai votar "sim" vai votar mal. Eu sempre o defendi. Não é correcto dizer-se que a minha posição é "fanática" ou é "preto & branco", porque a questão do aborto, sendo certamente complexa na sua argumentação e estrutura, PODE SER RESOLVIDA.
É possível chegar a uma decisão final, certa, irrefutável, face a este referendo. E eu sempre defendi que essa decisão final, certa e irrefutável era a decisão "não". Foi este o processo mental, que eu percorri e coloquei por escrito, que sempre usei como base para afirmar categoricamente que não havia razão válida alguma para votar "sim".
Pacheco Pereira deixa também no ar de que há uma separação entre católicos ("pelo não") e não católicos ("pelo sim"). Mas há duas nuances que importa distinguir, a primeira das quais é totalmente de rejeitar, e a segunda é aceitável:
1. O voto "não" tem que ser religioso?
Não. As razões fundamentais para votar "não" são razões universais, nada têm de religioso na sua essência; em última instância, voto "não" porque matar um inocente é um mal absoluto e injustificável.
2. Os católicos, em Portugal, influenciam o sentido de voto?
Sim. Portugal é um país de costumes e tradições católicas, apesar de estas estarem em progressiva redução de dimensão e influência. Visto que é incoerente ser-se católico e votar "sim", é natural que esta característica do nosso país (como sucede na Polónia, em Malta e na Irlanda) seja influente na opinião pública.
São coisas diferentes. É evidente que todo e qualquer católico que tenha despendido alguns raciocínios a dar-se conta do que é o catolicismo só pode votar "não". Os católicos que votam "sim", se não puderem ser escusados por razões de ignorância pura e simples, terão que ser responsabilizados por falta de coerência e por debilidade de compromisso para com a doutrina que deveriam professar e defender.
Mas, por outro lado, o essencial do erro de abortar é algo de não religioso, que qualquer ser humano pode e deve entender.
E eu continuo perplexo perante a força destes argumentos, ignorados por tanta gente que vai votar "sim". Se o "sim" vencer, uma mulher poderá optar, legalmente, por dar a morte ao seu filho. A palavra "legalmente" é essencial: compromete o Estado e a Sociedade nesta decisão mortal da mãe. No entanto, imagino que uma grande fatia dos votantes no "sim" estaria igualmente empenhado em combater a pena de morte, caso ela vigorasse no nosso país.
Não temos grandes dúvidas, hoje em dia (Portugal foi pioneiro nesta matéria), de que a pena de morte é um castigo horrível por ter um efeito irreversível e destrutivo em absoluto. Recusamos a pena de morte mesmo para o facínora mais cruel, sanguinário e insensível. No entanto, achamos bem que uma mãe opte por matar o seu filho, e use material hospitalar, e recursos públicos, para o fazer!
O que está errado?
Eu não vejo outra explicação para esta chocante e grotesca contradição dos votantes no "sim": a explicação tem que ser o não reconhecimento do direito a viver às dez semanas. Os que vão votar "sim" têm que ter a certeza absoluta de que aquele ser humano ("Homo Sapiens") não é uma "pessoa" no sentido ético, não é algo que se possa comparar ao criminoso que não condenamos à morte. O criminoso que decidimos não condenar à morte tem maior valor ético, aos olhos desta errada moral do "sim", do que o ser humano com dez semanas!
Termino deixando aqui as razões que explicam que abortar às dez semanas é um erro ético equivalente ao de matar qualquer ser humano nascido, com a agravante de que a vida humana intra-uterina, ao invés de um qualquer homicida que não condenamos à morte, é completamente inocente e não atenta contra a vida de ninguém:
1. "A vida humana é inviolável": a inequívoca protecção que a nossa sociedade atribui à espécie humana (Homo Sapiens); o zigoto, célula totipotente com a totalidade do genoma humano, é um ser vivo da nossa espécie;
2. O direito à vida é um direito absoluto: este direito está na base de todos os outros, porque só faz sentido discutir outros direitos em sociedade para seres humanos que estão vivos e que são deixados viver pela sociedade;
3. O zigoto já possui o direito a ter um "futuro como o nosso" (o argumento não religioso de Donald Marquis contra o direito ao aborto): é errado matar um zigoto como é errado matar um ser humano nascido, e pela mesma razão: roubamos a essa pessoa a possibilidade de ter um "futuro como o nosso"; matar é irreversível e injusto.
A legítima defesa é uma situação especial, que nunca pode ser usada no caso de uma gravidez. Na legítima defesa, o agressor intencionalmente homicida também tem direito a viver. Quando se mata em legítima defesa, não se mata pelas más razões:
a) porque se quereria, originalmente, matar o agressor;
b) porque, existindo outra forma de nos salvarmos, matássemos o agressor injustamente.
A morte de outrém só constitui legítima defesa quando é uma consequência inevitável e indesejada da nossa tentativa de salvar a nossa vida ou a vida daqueles que temos o dever de proteger.
Nesta campanha, não vi ninguém tentar refutar as razões éticas que fazem do aborto (mesmo legal) um grave erro, bem pior do que a aprovação da pena de morte.
Alguns votantes do "sim" poderão dizer: "o aborto é um erro, mas a legalização vai baixar o número de abortos".
Estou careca de insistir no mesmo: os bons fins (reduzir o número de abortos) não justificam nunca os maus meios (matar). E, ainda por cima, há dados concretos sobre esta matéria. Todos os países ocidentais (e não apenas alguns, como diz erradamente a edição da revista Sábado desta semana), ou de cultura ocidental (EUA, Canadá, Nova Zelândia), que legalizaram o aborto, verificaram sempre subidas importantes nos números de abortos legais, contando a partir do primeiro ano após legalização.
Os números provêm de fontes públicas e posso facultá-los a quem quiser.
Perante tudo isto, só há um voto certo: o voto NÃO.
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