domingo, 30 de maio de 2004

A luz visível e as "sete cores" do arco-íris

É hoje em dia comum dizer-se que o arco-íris tem sete cores: encarnado, laranja, amarelo, verde, azul, lilás e violeta. Esta é uma das situações mais típicas, como diz Guénon, da deformação de uma ideia perfeitamente tradicional devido à perda da compreensão do significado profundo dessa mesma ideia.

Iremos percorrer algumas das explicações dadas por René Guénon no seu artigo Les sept rayons et l'arc-en-ciel (publicado pela primeira vez na revista Études Traditionelles, em Junho de 1940), aproveitando para confrontá-las com alguns conceitos de óptica e de teoria da cor. Este confronto das ideias tradicionais, que Guénon magistralmente nos expõe, com os conceitos da ciência moderna é fundamental para evitar que nos dirijam acusações de "obscurantismo científico". Mostraremos assim que não queremos invalidar os factos científicos, apenas queremos que o significado destes seja plenamente alcançável através de coordenadas tradicionais, e não apenas através do limitado e profano "método científico".

"Já falámos em diversas ocasiões do simbolismo dos «sete raios» do sol; poderíamos perguntar-nos se estes «sete raios» não têm alguma relação como o que se designa ordinariamente como as «sete cores do arco-íris», porque estas representam literalmente as diferentes radiações que compõem a luz solar. Há de facto uma relação, mas, ao mesmo tempo, estas ditas «sete cores» são um exemplo típico da forma como um conceito tradicional autêntico pode ser por vezes deformado pela incompreensão comum."

Comecemos por analisar um pouco as cores do arco-íris. Se pensarmos um pouco, vemos que não há razão para que se fale em "sete cores" mas sim em seis. Vejamos... São três as cores primárias: encarnado, amarelo e azul. São também três as cores secundárias: laranja, verde e violeta. Como se sabe, "laranja" resulta da adição da cor primária "encarnado" com a cor primária "amarelo". Do mesmo modo, "verde" resulta da soma de "amarelo" com "azul", e violeta da soma de "azul" com "encarnado". Este facto concreto, de que as cores secundárias se extraem das primárias por adição, é que dá o epíteto de "primárias" ao encarnado, ao amarelo e ao azul.


Esquema triangular de cores



Assim, o esquema triangular de cores dá-nos uma razão de ser para a identificação de seis cores no arco-íris. Obviamente que o espectro visível é uma gama contínua de cores, mas é inegável que o olho humano consegue distinguir claramente no arco-íris (ou na reflexão da luz através de um prisma) as três cores primárias intercaladas por curtas bandas de cores secundárias. Temos assim, na faixa do visível:

Encarnado (primária, faixa longa)
Laranja (secundária, faixa curta)
Amarelo (primária, faixa longa)
Verde (secundária, faixa curta)
Azul (primária, faixa longa)
Violeta (secundária, faixa curta)

Não é, por isso, necessário acrescentar uma sétima cor. Então, porque é que se tornou costume fazê-lo? Porquê a necessidade de ter um septenário?

Essa necessidade de um septenário é real e correcta. Contudo, a solução que se encontrou ao adicionar uma sétima cor revela uma profunda incompreensão desta necessidade de sete termos. O sétimo termo não é uma cor, não é um termo como os outros. É um "sétimo raio", e não uma sétima cor... É sim, como diz Guénon, o "raio central" ou "raio axial", e corresponde à luz branca.

É evidente que não necessitamos de mais uma sétima cor no esquema triangular que apresentámos atrás!

"Com efeito, podemos colocar as três cores fundamentais nos três vértices de um triângulo, e as três cores complementares nos de um triângulo inverso do primeiro, de tal forma que cada cor fundamental e a sua complementar se encontram colocadas em pontos diametralmente opostos; e vemos que a figura assim formada não é outra senão a do «selo de Salomão». Se traçarmos o círculo no qual está inscrito o duplo triângulo, cada uma das cores complementares ocupa o ponto situado a meio do arco compreendido entre os pontos das duas cores fundamentais de cuja combinação ela resulta (...); as nuances intermediárias correspondem naturalmente a todos os pontos da circunferência, mas no duplo triângulo que é aqui o essencial, não há evidentemente lugar para mais de seis cores.»

As cores do arco-íris são assim percorridas desde o encarnado até ao violeta, através de um percurso sobre a circunferência descrita por Guénon, que no diagrama que apresentamos, é um percurso no sentido dos ponteiros do relógio. Todo o espectro da luz visível é obtido por percursos sobre esta circunferência. Primeira objecção: olhando para as cores como radiações monocromáticas, e não como somas de cores, temos que a cada cor (a cada ponto da circunferência) corresponde uma onda de frequência fixa. Então e não há um salto de frequência, ou seja uma descontinuidade, ao passar do violeta para o encarnado?

Há, se nos limitarmos a considerar a luz visível como algo de quantitativo, como uma "janela" no espectro electromagnético. Como uma gama contínua de frequências. Mas a luz visível é muito mais do que isso. Sigamos de novo Guénon:

"Podemos notar de passagem que o facto das cores visíveis ocuparem assim a totalidade da circunferência e se juntarem sem nenhuma descontinuidade mostra que elas formam realmente um ciclo completo (o violeta participando ao mesmo tempo do azul do qual é vizinho e do encarnado que se encontra na outra extremidade do arco-íris), e que, consequentemente, as outras radiações solares não visíveis, as que a física moderna designa como raios «infravermelhos» e «ultravioletas», não pertencem de forma alguma à luz e são de uma natureza totalmente diferente desta; não se trata então, como alguns parecem crer, de «cores» que uma imperfeição dos nossos órgãos nos impediria de ver, porque estas pretensas cores não poderiam tomar parte alguma desta circunferência, e não seríamos capazes de admitir que esta fosse uma figura imperfeita ou que ela apresentasse uma qualquer descontinuidade."

Ao não dar à luz visível uma natureza diferente, ao considerá-la como uma mera gama contínua de frequências no espectro electromagnético, estamos a ser limitados pela estreiteza de vistas da ciência moderna, que apresenta um carácter predominantemente profano. Há, contudo, resultados da ciência moderna que se aproximam surpreendentemente da perspectiva tradicional, como não podia deixar de ser, desde que continuem a existir cientistas ao mesmo tempo clarividentes e isentos. É o caso dos resultados produzidos por Herman Günther Grassman...

Em 1853, o matemático elaborou três leis fundamentais:

1. Toda a sensação de cor pode ser produzida de forma unívoca pela soma de três cores fundamentais.

2. Numa soma de cores, cada uma das cores pode corresponder a uma onda monocromática ou a uma soma de cores; assim, ao somar uma cor com verde, seria, por exemplo, igual usar um feixe monocromático verde ou a soma de um feixe amarelo com um azul.

3. Uma cor permanece inalterada se não se mudarem as proporções das cores que a compõem. Podemos assim, numa combinação de cores, aumentar ou diminuir igualmente a intensidade de cada cor, que a cor resultante permanece a mesma, mudando apenas a claridade.

Com estas leis, tira-se uma conclusão fundamental: para representar uma cor, não necessitamos de três termos, mas apenas de dois, se em vez das intensidades das cores fundamentais usarmos os rácios das mesmas. O branco resultará sempre se usarmos a mesma quantidade das três cores fundamentais. Veja-se como exemplo de mapa de cores o gráfico bidimensional (em cada eixo temos os rácios das cores fundamentais) fixado pela Comission Internationale d'Éclairage (1931):



O gráfico é surpreendentemente semelhante ao nosso duplo triângulo! A ênfase dada pelo gráfico da natureza "fechada" da luz visível aproxima-nos do verdadeiro significado da cor, que nos escapava com a simples contemplação do espectro electromagnético. Obviamente que a natureza parabólica das fronteiras do gráfico deve-se ao artifício matemático de usar rácios das cores fundamentais. De outra forma, teríamos um gráfico tridimensional para a cor.

E a questão do sétimo termo? Como explicar o septenário?
Regressemos a Guénon...

"Para resolver a questão do sétimo termo que deve realmente se somar às seis cores para completar o septenário, é preciso reportarmo-nos à representação geométrica dos «sete raios», tal como explicámos noutra ocasião, pelas seis direcções do espaço, formando uma cruz tridimensional, e o próprio centro de onde saem estas direcções. Importa notar desde já as estreitas semelhanças desta representação com aquela de que temos vindo a falar e que diz respeito às cores: como estas, as seis direcções estão opostas duas a duas, seguindo três linhas rectas que, se estendendo de uma parte e de outra do centro, correspondem às três dimensões do espaço; e se quisermos dar-lhes uma representação plana, não podemos evidentemente senão representá-las por três diâmetros formando uma roda de seis raios (esquema geral do «crisma» e de diversos outros símbolos equivalentes); ora estes diâmetros são os que unem os vértices opostos dos dois triângulos do «selo de Salomão», de modo que as duas representações não são senão uma na realidade. Disto resulta que o sétimo termo deverá, em relação às seis cores, desempenhar o mesmo papel que o centro em relação às seis direcções; e, de facto, ele seria colocado no centro do esquema, ou seja, no ponto onde todas as oposições aparentes se resolvem na unidade.»

Vemos assim que as seis cores são análogas às seis direcções do espaço. O "sétimo raio" torna-se no raio principal. É deste "raio" que se decompõem todos os outros seis. Vemos então que ele não pode senão ser a cor branca, ou seja, a soma de todas as cores. É na unidade do branco que se encontram virtualmente todas as cores. Vemos assim, como diz Guénon, que a "cor" branca é tão incolor como o centro geométrico das direcções do espaço é "adimensional".

Sobre o "branco", diz Guénon que:
"ele não aparece no arco-íris, tanto quanto o «sétimo raio» não aparece numa representação geométrica; mas todas as cores não são senão o produto de uma diferenciação da luz branca, do mesmo modo que as direcções do espaço não são senão o desenvolvimento das possibilidades contidas no ponto primordial."

Estas constatações dão à luz visível um significado profundamente ligado à essência do mundo manifestado. Dão também, ao Homem, um lugar único no cenário da Criação. Não somos apenas um animal cujos órgãos vêem uma determinada faixa da radiação electromagnética, cujo início e fim foram fixados arbitrariamente ou por qualquer pretensa "lei evolutiva". O facto da luz visível ocupar um lugar único no mundo manifestado, e do Homem ser a criatura melhor adaptada a ela, faz de nós personagens-chave na economia Divina. Somos, de facto, feitos à imagem e semelhança de algo que nos transcende largamente.

Terminemos com as conclusões de Guénon:
"Poderíamos dizer que, num septenário assim constituído, um está no centro e seis na circunferência; noutros termos, um tal septenário é formado da unidade e do senário, a unidade correspondendo ao princípio não manifestado e o senário ao conjunto da manifestação. Poderíamos fazer uma aproximação entre este e o simbolismo da «semana» no Génesis hebraico, porque, também neste, o sétimo termo é essencialmente diferente dos outros seis: a criação, com efeito, é a «obra dos seis dias» e não dos sete; e o sétimo dia é o do «repouso». Este sétimo termo, que poderíamos designar como o termo «sabático», é também verdadeiramente o primeiro, porque este «repouso» não é outra coisa senão a reentrada do Princípio criador no estado inicial de não manifestação (...)."

Bernardo

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