"Mas, no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça" - Primeira Carta de São Pedro, cap. 3, vs. 15.
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Pink Floyd - Sorrow
Um clássico de sempre: Sorrow, dos Pink Floyd. Um tema composto por David Gilmour para o álbum A Momentary Lapse of Reason (1987), aqui tocado na digressão dos Pink Floyd após o álbum The Division Bell (1994). Numa altura em que o estilo "rock" é tão mal-tratado em subprodutos de plástico e de má qualidade, é sempre bom revisitar os músicos sérios e profissionais que ajudaram a criar as estruturas de muita da música contemporânea que outros tentam imitar.
Porventura isso irritará algum fã não cristão dos Pink Floyd, mas eu, como cristão, não consigo deixar de fazer uma leitura cristã da letra deste tema. Gilmour, que nunca se achou grande poeta, dando sempre a Roger Waters a primazia no que respeitava a letras, esmerou-se neste Sorrow:
The sweet smell of a great sorrow lies over the land
Plumes of smoke rise and merge into the leaden sky:
A man lies and dreams of green fields and rivers,
But awakes to a morning with no reason for waking
He's haunted by the memory of a lost paradise
In his youth or a dream, he can't be precise
He's chained forever to a world that's departed
It's not enough, it's not enough
His blood has frozen and curdled with fright
His knees have trembled and given way in the night
His hand has weakened at the moment of truth
His step has faltered
One world, one soul
Time pass, river roll
And he talks to the river of lost love and dedication
And silent replies that swirl invitation
Flow dark and troubled to an oily sea
A grim intimation of what is to be
There's an unceasing wind that blows through this night
And there's dust in my eyes, that blinds my sight
And silence that speaks so much louder than words,
Of promises broken
Que tem isto de cristão?
A música Sorrow pode ser interpretada como uma metáfora para as trevas do pecado, para o Homem em situação de Queda, após o Pecado Original. A primeira estrofe, que principia com uma quase citação de John Steinbeck ("The decay spreads over the State, and the sweet smell is a great sorrow on the land.", da obra "The Grapes of Wrath", em português, "As Vinhas da Ira"), reflecte o desânimo do Homem perante a obra da Morte, que entrou no Mundo por causa do pecado de Adão e Eva. O Homem, mergulhado num mundo da cor do chumbo, recorda-se dos rios e dos campos verdes de um paraíso perdido (não sabe se da sua infância, ou da infância da Humanidade, se de um sonho) enquanto contempla uma realidade desoladora: a realidade do seu presente de ser caído. A recordação do paraíso perdido, e a sensação de queda, de incompletude, a sede do infinito, a sede de Deus, são todos sentimentos humanos universais, multi-culturais, e não é por acaso que muitos artistas, mesmo não provenientes da tradição judaico-cristã, os evocam.
Não me atrevo a supor intenções cristãs em David Gilmour. O que se passa é que, dado que o cristianismo é a coisa mais humana que existe, no sentido de Cristo nos mostrar o que ser humano tem de melhor, e no sentido de o cristianismo nos contar a história verdadeira sobre a Humanidade, então sempre que um artista sério, com a sua obra honesta, toca no âmago do ser humano e da existência humana, ele não pode evitar o produzir algo de verdadeiramente cristão, mesmo que involuntariamente.
PS: É quase escusado dizer, mas o minucioso "tricotado" que Gilmour faz com a sua Fender Stratocaster nas várias versões do "solo" de Sorrow é algo que ficará para sempre nos anais da música. Gilmour é um poderoso comunicador, e se a letra de Sorrow não está nada má, a sua música diz coisas infindáveis e indescritíveis por palavras.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Viver na ilusão
A Palmira Silva, no final de Novembro, rejubilou com a "cache" jornalística acerca das famosas declarações do Papa Bento XVI sobre o preservativo, no recente livro-entrevista de Peter Seewald intitulado "Luz do Mundo". Como sempre, reagindo a quente, e suportando-se apenas em notícias, Palmira comentou as declarações do Papa, por ela interpretadas como legitimando o uso do preservativo no combate à SIDA, da seguinte forma: "nunca se viu tamanha revolução na doutrina do Vaticano", "drástica alteração de posição em relação ao preservativo" e ainda "reviravolta revolucionária no combate à SIDA". A coisa chegou ao ponto de a Palmira chegar a escrever: "urge a aplicação no terreno desta nova doutrina". Apesar de que a doutrina que ela queria ver aplicada não era doutrina cristã, mas sim uma sua distorção, é bizarro ver um ateu apoiar a aplicação, "no terreno", de uma (qualquer) doutrina cristã.
Quando eu a tentei avisar de que ela estava errada na sua leitura distorcida das palavras do Papa, tive esta resposta: "recomendo que releia as explicações do Vaticano".
Pois, com algum atraso, mas com muito boa vontade, foi o que eu fiz ontem à noite. Mas eu não sou culpado pelo atraso, pois apenas ontem à noite saiu a Nota da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a banalização da sexualidade a propósito de algumas leituras de «Luz do Mundo»
Eis alguns excertos, mas recomendo a leitura da Nota na sua totalidade:
"Algumas interpretações apresentaram as palavras do Papa como afirmações em contraste com a tradição moral da Igreja; hipótese esta, que alguns saudaram como uma viragem positiva, e outros receberam com preocupação, como se se tratasse de uma ruptura com a doutrina sobre a contracepção e com a atitude eclesial na luta contra o HIV-SIDA. Na realidade, as palavras do Papa, que aludem de modo particular a um comportamento gravemente desordenado como é a prostituição (cf. «Luce del mondo», 1.ª reimpressão, Novembro de 2010, p. 170-171), não constituem uma alteração da doutrina moral nem da praxis pastoral da Igreja.
(...)
A propósito, o Santo Padre afirma claramente que os preservativos não constituem «a solução autêntica e moral» do problema do HIV-SIDA e afirma também que «concentrar-se só no preservativo significa banalizar a sexualidade», porque não se quer enfrentar o desregramento humano que está na base da transmissão da pandemia.
(...)
Alguns interpretaram as palavras de Bento XVI, recorrendo à teoria do chamado «mal menor». Todavia esta teoria é susceptível de interpretações desorientadoras de matriz proporcionalista (cf. João Paulo II, Encíclica Veritatis splendor, nn.os 75-77). Toda a acção que pelo seu objecto seja um mal, ainda que um mal menor, não pode ser licitamente querida. O Santo Padre não disse que a prostituição valendo-se do preservativo pode ser licitamente escolhida como mal menor, como alguém sustentou. A Igreja ensina que a prostituição é imoral e deve ser combatida. Se alguém, apesar disso, pratica a prostituição mas, porque se encontra também infectado pelo HIV, esforça-se por diminuir o perigo de contágio inclusive mediante o recurso ao preservativo, isto pode constituir um primeiro passo no respeito pela vida dos outros, embora a malícia da prostituição permaneça em toda a sua gravidade. Estas ponderações estão na linha de quanto a tradição teológico-moral da Igreja defendeu mesmo no passado."
Como se vê, nada mudou na doutrina da Igreja. Como todo o observador atento e instruído sempre tinha dito e defendido.
Antes de prosseguir, que fique claro que este meu "post" não materializa um ataque pessoal à Palmira Silva. Ela foi apenas uma de muitas pessoas que, profundamente desconhecedoras da realidade cristã, leram nas palavras do Papa aquilo que tanto queriam ler, em vez de lerem nas palavras do Papa o que o Papa realmente disse. Por esse mundo fora, e em Portugal também seria fácil encontrar centenas de exemplos, as vozes levantaram-se em júbilo: uma parte importante da moral cristã mudara! Um jornal chegou a exclamar: "Pope OK's condoms!". Surreal...
Claro que isso era impossível. Qualquer observador e conhecedor atento ao cristianismo, independentemente de ser cristão, agnóstico ou ateu, teria duvidado, imediatamente, da interpretação errada que os "media" propagaram. Por isso, o meu objectivo não é um ataque pessoal à Palmira. É um objectivo bem mais modesto, mas mais dirigido às ideias em si e não às pessoas. É que um anticristianismo suportado na ignorância não será eficaz, nem hoje, nem amanhã, nem nunca. De forma superficial, eu poderia ficar satisfeito quando muito do anticristianismo que se faz hoje em dia é deste calibre, feito com base na ignorância. Mas não fico. Porque a ignorância é contagiosa. Porque muita gente leu as leituras erradas das palavras do Papa. Porque muitos leram as observações ignorantes daqueles que se julgam conhecedores destes temas. Mas poucos, muito poucos, irão ler a importante Nota da Congregação para a Doutrina da Fé. Quem já vive segundo padrões morais errados vai ficar muito satisfeito com esta aparente "reviravolta" na moral da Igreja. E é tentador preferir uma mentira cómoda a uma verdade incómoda.
O erro tende a propagar-se como um vírus. Já a verdade é tramada de expor e defender.
Sinceramente, eu acredito que a Palmira Silva, e com ela muita gente, acreditou que a posição da Igreja tinha mudado. Por isso, não vejo má vontade alguma na reacção dela, e de muitos outros, a esta "polémica". Mas é uma reacção triste. É viver na ilusão, e levar outros com ela nessa ilusão.
É tempo de as pessoas apaixonadas pela causa anticristã aprenderem a lição: o cristianismo é uma coisa complexa, e não se ataca convenientemente um adversário sem o conhecer. A ignorância é uma espada romba. Pior: a ignorância pode ser um tiro no pé. Como neste caso.
Aproveito ainda esta oportunidade para lançar um aviso: aos anticristãos deparados com este tiro no pé, não vale a pena enveredar pela via clássica, pois ela já é velha e gasta. Refiro-me à tirada clássica da dicotomia anticristã que opõe um "Papa bom" a um "Inquisidor-mor mau". Essa tirada usou-se à saciedade aquando do papado de João Paulo II: o Papa era o "bom", e Ratzinger, o "Inquisidor-mor", era o mau da fita, que estava sempre a estragar as intenções boas do Papa João Paulo II.
Algum anticristão mais distraído poderia tentar essa jogada velha: Bento XVI, coitado, teria tentado mudar a doutrina arcaica da Igreja, mas aquele "Inquisidor-mor" malvado do William Levada teria destruído, com esta Nota repressiva, as intenções boas de Bento XVI. Mas isto, provavelmente, não vai acontecer. Porque poucos anticristãos sabem quem é William Levada...
Quando eu a tentei avisar de que ela estava errada na sua leitura distorcida das palavras do Papa, tive esta resposta: "recomendo que releia as explicações do Vaticano".
Pois, com algum atraso, mas com muito boa vontade, foi o que eu fiz ontem à noite. Mas eu não sou culpado pelo atraso, pois apenas ontem à noite saiu a Nota da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a banalização da sexualidade a propósito de algumas leituras de «Luz do Mundo»
Eis alguns excertos, mas recomendo a leitura da Nota na sua totalidade:
"Algumas interpretações apresentaram as palavras do Papa como afirmações em contraste com a tradição moral da Igreja; hipótese esta, que alguns saudaram como uma viragem positiva, e outros receberam com preocupação, como se se tratasse de uma ruptura com a doutrina sobre a contracepção e com a atitude eclesial na luta contra o HIV-SIDA. Na realidade, as palavras do Papa, que aludem de modo particular a um comportamento gravemente desordenado como é a prostituição (cf. «Luce del mondo», 1.ª reimpressão, Novembro de 2010, p. 170-171), não constituem uma alteração da doutrina moral nem da praxis pastoral da Igreja.
(...)
A propósito, o Santo Padre afirma claramente que os preservativos não constituem «a solução autêntica e moral» do problema do HIV-SIDA e afirma também que «concentrar-se só no preservativo significa banalizar a sexualidade», porque não se quer enfrentar o desregramento humano que está na base da transmissão da pandemia.
(...)
Alguns interpretaram as palavras de Bento XVI, recorrendo à teoria do chamado «mal menor». Todavia esta teoria é susceptível de interpretações desorientadoras de matriz proporcionalista (cf. João Paulo II, Encíclica Veritatis splendor, nn.os 75-77). Toda a acção que pelo seu objecto seja um mal, ainda que um mal menor, não pode ser licitamente querida. O Santo Padre não disse que a prostituição valendo-se do preservativo pode ser licitamente escolhida como mal menor, como alguém sustentou. A Igreja ensina que a prostituição é imoral e deve ser combatida. Se alguém, apesar disso, pratica a prostituição mas, porque se encontra também infectado pelo HIV, esforça-se por diminuir o perigo de contágio inclusive mediante o recurso ao preservativo, isto pode constituir um primeiro passo no respeito pela vida dos outros, embora a malícia da prostituição permaneça em toda a sua gravidade. Estas ponderações estão na linha de quanto a tradição teológico-moral da Igreja defendeu mesmo no passado."
Como se vê, nada mudou na doutrina da Igreja. Como todo o observador atento e instruído sempre tinha dito e defendido.
Antes de prosseguir, que fique claro que este meu "post" não materializa um ataque pessoal à Palmira Silva. Ela foi apenas uma de muitas pessoas que, profundamente desconhecedoras da realidade cristã, leram nas palavras do Papa aquilo que tanto queriam ler, em vez de lerem nas palavras do Papa o que o Papa realmente disse. Por esse mundo fora, e em Portugal também seria fácil encontrar centenas de exemplos, as vozes levantaram-se em júbilo: uma parte importante da moral cristã mudara! Um jornal chegou a exclamar: "Pope OK's condoms!". Surreal...
Claro que isso era impossível. Qualquer observador e conhecedor atento ao cristianismo, independentemente de ser cristão, agnóstico ou ateu, teria duvidado, imediatamente, da interpretação errada que os "media" propagaram. Por isso, o meu objectivo não é um ataque pessoal à Palmira. É um objectivo bem mais modesto, mas mais dirigido às ideias em si e não às pessoas. É que um anticristianismo suportado na ignorância não será eficaz, nem hoje, nem amanhã, nem nunca. De forma superficial, eu poderia ficar satisfeito quando muito do anticristianismo que se faz hoje em dia é deste calibre, feito com base na ignorância. Mas não fico. Porque a ignorância é contagiosa. Porque muita gente leu as leituras erradas das palavras do Papa. Porque muitos leram as observações ignorantes daqueles que se julgam conhecedores destes temas. Mas poucos, muito poucos, irão ler a importante Nota da Congregação para a Doutrina da Fé. Quem já vive segundo padrões morais errados vai ficar muito satisfeito com esta aparente "reviravolta" na moral da Igreja. E é tentador preferir uma mentira cómoda a uma verdade incómoda.
O erro tende a propagar-se como um vírus. Já a verdade é tramada de expor e defender.
Sinceramente, eu acredito que a Palmira Silva, e com ela muita gente, acreditou que a posição da Igreja tinha mudado. Por isso, não vejo má vontade alguma na reacção dela, e de muitos outros, a esta "polémica". Mas é uma reacção triste. É viver na ilusão, e levar outros com ela nessa ilusão.
É tempo de as pessoas apaixonadas pela causa anticristã aprenderem a lição: o cristianismo é uma coisa complexa, e não se ataca convenientemente um adversário sem o conhecer. A ignorância é uma espada romba. Pior: a ignorância pode ser um tiro no pé. Como neste caso.
Aproveito ainda esta oportunidade para lançar um aviso: aos anticristãos deparados com este tiro no pé, não vale a pena enveredar pela via clássica, pois ela já é velha e gasta. Refiro-me à tirada clássica da dicotomia anticristã que opõe um "Papa bom" a um "Inquisidor-mor mau". Essa tirada usou-se à saciedade aquando do papado de João Paulo II: o Papa era o "bom", e Ratzinger, o "Inquisidor-mor", era o mau da fita, que estava sempre a estragar as intenções boas do Papa João Paulo II.
Algum anticristão mais distraído poderia tentar essa jogada velha: Bento XVI, coitado, teria tentado mudar a doutrina arcaica da Igreja, mas aquele "Inquisidor-mor" malvado do William Levada teria destruído, com esta Nota repressiva, as intenções boas de Bento XVI. Mas isto, provavelmente, não vai acontecer. Porque poucos anticristãos sabem quem é William Levada...
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
We Three Kings of Orient Are
Um cântico tradicional do Natal, composto pelo episcopaliano Rev. John Henry Hopkins, Jr. (1820–1891), norte-americano natural de Pittsburgh. Quem canta é o coro do King's College, em Cambridge, num arranjo de Martin Neary.
1.
We three kings of Orient are
Bearing gifts we traverse afar.
Field and fountain, moor and mountain,
Following yonder star.
Refrão:
O Star of wonder, star of night,
Star with royal beauty bright,
Westward leading, still proceeding,
Guide us to Thy perfect light.
2. Melchior.
Born a King on Bethlehem's plain,
Gold I bring, to crown Him again,
King for ever, ceasing never,
Over us all to reign.
3. Gaspar.
Frankincense to offer have I,
Incense owns a Deity nigh.
Prayer and praising, all men raising,
Worship Him, God most High.
4. Baltazar.
Myrrh is mine, its bitter perfume
Breathes a life of gathering gloom;
Sorrowing, sighing, bleeding, dying,
Sealed in the stone-cold tomb.
5.
Glorious now behold Him arise,
King and God and sacrifice,
Alleluia, Alleluia;
Earth to the heavens replies.
PS: A partitura pode ser obtida aqui.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Acreditar na existência do Diabo é irracional?
O Ricardo Silvestre acha que sim. Insistindo na generalização de determinados aspectos de determinadas religiões, o Ricardo considera que a crença católica na existência do Diabo é uma "irracionalidade religiosa". A generalização é perigosa, pois há muitas religiões que não acreditam na existência do Diabo, e é sempre arriscado adjectivar em bloco "as religiões" quando elas são muito diferentes entre si.
O que o Ricardo critica, neste seu texto, é a alusão recente de Bento XVI a Satanás como estando na origem do mal, alusão nada surpreendente, dado que a crença na existência do Príncipe do Mal é essencial ao credo cristão. O Ricardo acha irracional, essa crença.
O que não está explicado, no texto do Ricardo, é o porquê. Porque é que o Ricardo acha irracional acreditar que o Diabo existe? Será que é porque ele não se vê? É porque se trata de uma hipótese cientificamente indemonstrável? Ora bolas, mas o princípio lógico da não-contradição também é algo que não se vê e que não se demonstra cientificamente, e no entanto, é bem real.
Onde é que está a irracionalidade?
Será que se apoia no materialismo ateu? Já se sabe que os ateus são, regra geral (não todos), materialistas, ou seja, postulam a inexistência de seres imateriais (obviamente, a energia aceitam-na como existente, mas matéria e energia são aspectos de uma mesma realidade material).
Mas dado que não se demonstra cientificamente a inexistência de seres imateriais, só restaria ao ateu demonstrar a irracionalidade da existência de seres imateriais. E é aí que todo o ateu falha, quer por não tentar essa demonstração, quer não ter sucesso quando a tenta fazer.
Na Suma Teológica, o "expert" de razão cristã, São Tomás de Aquino, trata da questão da existência de seres incorpóreos, ou seja, imaterais:
«É necessário admitirem-se certas criaturas incorpóreas. Pois, o que Deus principalmente visa, nas coisas criadas, é o bem, que consiste ao assemelhar-se com Ele. Ora, a perfeita assimilação do efeito com a causa se dá quando aquele imita a esta segundo a virtude pela qual a causa produz o efeito; assim o cálido produz o cálido. Ora, Deus produz a criatura pelo intelecto e pela vontade, como já ficou dito. Donde, para a perfeição do universo se requer existam algumas criaturas intelectuais. Inteligir, porém, não pode ser ato do corpo, nem de nenhuma virtude corpórea, porque todo corpo está situado no lugar e no tempo. Por onde, é necessário admitir-se, para que o universo seja perfeito, a existência de alguma criatura incorpórea. Mas os antigos, ignorando a virtude intelectiva e não distinguindo entre o sentido e o intelecto, opinaram que nada existe no mundo, fora o que pode ser apreendido pelos sentidos e pela imaginação. E como a imaginação só percebe o corpo, opinaram que nenhum ente, além do corpo, pode existir, como diz o Filósofo. Donde procedeu o erro dos Saduceus dizendo que não há espírito (At 23, 8). Mas o fato mesmo de ser o intelecto superior ao sentido prova racionalmente que há certos seres incorpóreos compreensíveis só por aquele.» - Artigo 1º, Questão 50 da Primeira Parte.
Que há de irracional nisto?
Trocado para linguagem moderna, São Tomás explica que o intelecto, também presente no Homem, não pode ter origem material. Filosoficamente, isso está bem demonstrado. É impossível, filosoficamente, explicar aspectos centrais do intelecto humano, como a capacidade de raciocinar, a capacidade de pensamento abstracto, ou ainda o livre arbítrio, se não se postular que o ser humano é um "composto" de matéria e de intelecto. No que diz respeito ao cérebro material, este é necessário para o inteligir do Homem (como via para processar a informação sensorial, e também como "banco de memória"), mas não seria suficiente para explicar o intelecto. O cérebro, sendo material, não chega para explicar todas as faculdades do intelecto humano, pelo que tem que existir algo de imaterial no ser humano para as explicar.
Assim, é fácil, pensando filosoficamente, chegar à conclusão de que há, no ser humano, um aspecto imaterial que está presente, pelo menos, no seu intelecto. São Tomás, partindo do conceito cristão de Deus, faz o raciocínio certo: se Deus, puro e perfeito intelecto, cria as criaturas pelo Seu intelecto e vontade, então, na criação de algumas das criaturas poderá haver uma perfeita ligação entre causa e efeito, sendo que esse efeito (a criação das criaturas mais perfeitas), terá que ter algo semelhante à causa. É assim racional pensar que existirão criaturas dotadas de intelecto e de vontade, que dessa forma espelhem o intelecto e a vontade de Deus. O ser humano é uma dessas criaturas. Adicionalmente, tem na sua existência a componente corpórea. Mas porque não existiriam criaturas de intelecto e de vontade, mas sem a componente corpórea? Chama a tradição, a essas criaturas, "anjos".
Que há então de irracional nisto?
Os anjos, seres dotados de intelecto e de vontade, têm liberdade, uma das propriedades que decorrem da vontade. Terão maior liberdade quanto mais perto estiverem da perfeição divina, pois Deus é sumamente livre. Entenda-se aqui que, apesar de ser necessária a liberdade para cometer o mal, essa mesma opção traz como consequência a escravidão do agente moral, pois o acto maligno é um passo que reduz a liberdade da criatura. Os anjos terão também maior perfeição moral e espiritual quanto mais pertos estiverem de Deus, pois só Deus é sumamente perfeito.
Que é, então, um demónio?
É um anjo que usa a sua vontade livre para desobedecer a Deus.
Que é, então, o Diabo?
É, do conjunto dos demónios, aquele que exerce a liderança e a predominância nessa desobediência a Deus.
Isto é irracional? De que forma?
Muitos ateus vivem presos a uma visão mitológica do cristianismo. Como raramente estudam o cristianismo, ou a teologia cristã, ou mesmo conceitos elementares de Filosofia, agem sobre conceitos distorcidos de cristianismo. Já dizia o Papa João Paulo I:
«Io sono stato molto vicino, come vescovo, anche a quelli che non credono in Dio. Mi son fatto l'idea che essi combattono, spesso, non Dio, ma l'idea sbagliata che essi hanno di Dio.» - Papa João Paulo I, Insegnamenti di Giovanni Paolo I, Libreria Editrice Vaticana, Roma, 1978, citado aqui.
Devem supor o Diabo como um qualquer animal mitológico. Não vêem o Diabo como um ser incorpóreo dotado de intelecto e de vontade livre. Nem sequer entendem que a existência de seres incorpóreos dotados de intelecto e de vontade livre é algo de filosoficamente racional. Mesmo sem entrar no terreno da Teologia, a questão é filosófica e é racional.
Outra coisa que raros ateus chegam a entender, porque simplesmente não procuram entender, é a relação entre Liberdade, por um lado, e Bem e Mal, por outro.
O Bem e o Mal só fazem sentido no contexto da Liberdade. Só quem é livre é capaz de fazer o Bem. Só quem é livre é capaz de fazer o Mal. A própria existência de algo a quem podemos chamar "Bem" ou "Mal" requer a existência de um ser necessário e perfeito, Deus, cuja vontade serve de normativa do "Bem", sendo que a desobediência a esta vontade constitui o "Mal" propriamente dito, como categoria de actos morais errados.
Uma pessoa que peca conscientemente, só o faz porque é livre. Associada a esta liberdade, está a inteligência. Apenas os seres dotados de razão são capazes de tomar decisões livres, ou seja, decisões com valor moral.
Na raiz do acto mau, está a liberdade do Homem. Dado que a própria ideia peregrina de desobedecer a Deus foi tida por uma criatura imaterial, antes de o Homem sequer existir, o Mal surgiu na Criação antes do Homem, e surgiu apenas graças à liberdade que Deus deu às primeiras criaturas inteligentes que criou.
Quando o Diabo, ou outro demónio, sugere, muitas vezes de forma imperceptível, a um ser humano a prática de um mal, essa sugestão é intelectual. O ser humano não ouvirá nada, não verá nada. Simplesmente, nesses casos, é sugestionado ao nível intelectual. Mas o Diabo não tem poder para forçar um ser humano a pecar. O ser humano que, sob sugestão maligna, comete o mal, está na realidade a colaborar com o Mal. Mas é uma colaboração livre. O ser humano continua "ao volante" da sua vontade, e será responsável pelos seus actos conscientes. A própria noção de pecado pressupõe consciência e liberdade na acção pecaminosa. Se alguém é forçado a cometer algo contra a sua vontade, não se pode falar em pecado cometido por essa pessoa.
Note-se que, nos actos humanos maus, nem todos serão influenciados ou motivados por espíritos malignos. Não se deve ir de um extremo (supor a inexistência, ou negar a influência destes seres) a outro (supor que todos os actos humanos malignos decorrem sob influência demoníaca).
Quando tento explicar o que é o Mal a um ateu, ou mesmo a um cristão que nega a existência do Diabo, recorro sempre ao filme 8 Milímetros.
O filme retrata a investigação conduzida por Tom Welles (Nicolas Cage), que a mando de uma viúva que encontrou, no legado do seu falecido marido, um horroroso filme (em película de 8mm) contendo cenas de violação e homicídio, procura os autores criminosos do referido filme. Na cena acima, Tom Welles seguiu a sua investigação até à casa do assassino, o "actor principal" do filme porno-homicida que a viúva lhe mostrou. Ele vai defrontar o assassino.
Na cena final, acima apresentada, o Mal, e o seu efeito no ser humano, estão bem retratados nas palavras da personagem pervertida e criminosa, o sinistro "The Machine", que no final do seu duelo com o investigador Tom Welles, revela-lhe porque razão ele viola e asssassina pessoas inocentes:
"There's no mystery. The things I do, I do them because I like them... because I want to!"
Não encontraria, facilmente, melhor exemplo da ligação profunda entre a prática do mal e a liberdade humana. Como esta história ficcional tão bem exemplifica, muitas vezes não há razões para o mal. Não é a existência do Diabo que é irracional, mas sim a prática do mal. Praticar o mal é irracional, mas é algo bem real, como todos sabemos.
Nesta cena cinematográfica notável, conseguiu-se mostrar a crueza do mal. O assassino parece-se com uma pessoa normal, vulgar, que veríamos na rua sem a temer, sem supormos que ele seria capaz dos actos que comete. Logo no início do excerto acima apresentado, vemos a mãe do assassino (porventura inocente dos crimes do filho) a entrar num autocarro de uma "Faithful Christian Fellowship". Já no final do excerto, durante a luta com Tom, e logo a seguir a retirar a máscara, diz o assassino ao estupefacto Tom: "What did you expect? A monster?". O detalhe magnífico da colocação atrapalhada de uns óculos "inofensivos" confere ao assassino umas aparentes fragilidade e inocência que parecem paradoxais.
Esta cena lembra-nos de que todos podemos praticar o mal, de que não estamos, de todo, imunes à prática do mal. Que a prática do mal, como acto que nasce do intelecto, pode não ter sinais externos facilmente detectáveis: não se julga a bondade ou maldade de uma pessoa pela sua aparência. Ao mesmo tempo, mostra-nos a gratuitidade do mal: o criminoso do filme, "The Machine", fez os crimes porque queria, e só por isso. Ele mesmo diz que não foi maltratado na infância, que não foi abusado sexualmente quando era menor:
"I wasn't beaten, I wasn't molested. Mommy didn't abuse me. Daddy never raped me."
Ele, numa penada, erradica as populares teses sociológicas (que remontam a Rousseau) que fazem do Homem um ser bom, mas que a sociedade por vezes perverte e transforma num ser mau. Este filme mostra o Mal na sua forma crua e bem real. O Mal, não como o produto de uma sociedade degenerada (que, obviamente, pode influenciar ou contextualizar certos actos malignos), mas sim como algo que nasce da liberdade de todo o ser humano.
Deste ponto de vista, há algo de genuinamente satânico, de demoníaco, no comportamento da personagem "The Machine". Não quero com isto dizer que será necessário um assassino deste calibre estar possuído pelo Diabo. Claro que pode estar, mas também pode não estar. Mesmo que não seja o caso de uma possessão demoníaca, a opção livre de um assassino cruel pela via do Mal é algo de genuinamente satânico e demoníaco, pois consiste, precisamente, em cometer o Mal pelo Mal em si mesmo. Pela supremacia da vontade livre sobre a vontade de Deus. Nestes casos, a vontade sobrepõe-se à Justiça, à Razão, à Verdade. A vontade é elevada a um estatuto primordial. A superação da dicotomia entre Bem e Mal, pelo triunfo da vontade humana, é o caminho proposto na modernidade por Nietzsche, mas trata-se do convite de sempre, do convite da serpente:
A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus fizera; e disse à mulher: «É verdade ter-vos Deus proibido comer o fruto de alguma árvore do jardim?» A mulher respondeu-lhe: «Podemos comer o fruto das árvores do jardim; mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: "Nunca o deveis comer, nem sequer tocar nele, pois, se o fizerdes, morrereis"». A serpente retorquiu à mulher: «Não, não morrereis; porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal»., Génesis 3, 1-5.
Até ao dia em que o Homem, pela primeira vez, agiu mal, o Homem não conhecia a distinção entre Bem e Mal. É interessante constatar que Adão e Eva não tinham especial interesse pelo fruto da Árvore do Bem e do Mal até que a serpente lhes prometeu vantagens. A serpente fez nascer em Adão e Eva a vontade de desobedecer a Deus para obterem proveito próprio (neste caso, a sabedoria prometida pela serpente). A serpente sabia bem o que fazia: o essencial não era, de todo, a maçã, ou outro fruto qualquer. O essencial era desobedecer a Deus. Porquê? Porque sim, porque para o Diabo, essa possibilidade é razão suficiente para motivar a transgressão.
Finalmente... porque razão quer Deus criaturas livres?
Porque razão deixou Deus que todas as coisas más acontecessem, e aconteçam?
Por causa do Amor. O amor só é tudo o que pode ser quando é exercido por criaturas livres. O Mal é, assim, um efeito indesejado por Deus, quando Este quer criar criaturas que O amem livremente, e sinceramente. A permissão da existência do Mal é um preço que Deus paga, e bem alto, em nome do Amor. Se Deus impedisse todo o Mal, e teria poder para isso, teria que eliminar, ou pelo menos mutilar seriamente, a liberdade das Suas criaturas.
O que o Ricardo critica, neste seu texto, é a alusão recente de Bento XVI a Satanás como estando na origem do mal, alusão nada surpreendente, dado que a crença na existência do Príncipe do Mal é essencial ao credo cristão. O Ricardo acha irracional, essa crença.
O que não está explicado, no texto do Ricardo, é o porquê. Porque é que o Ricardo acha irracional acreditar que o Diabo existe? Será que é porque ele não se vê? É porque se trata de uma hipótese cientificamente indemonstrável? Ora bolas, mas o princípio lógico da não-contradição também é algo que não se vê e que não se demonstra cientificamente, e no entanto, é bem real.
Onde é que está a irracionalidade?
Será que se apoia no materialismo ateu? Já se sabe que os ateus são, regra geral (não todos), materialistas, ou seja, postulam a inexistência de seres imateriais (obviamente, a energia aceitam-na como existente, mas matéria e energia são aspectos de uma mesma realidade material).
Mas dado que não se demonstra cientificamente a inexistência de seres imateriais, só restaria ao ateu demonstrar a irracionalidade da existência de seres imateriais. E é aí que todo o ateu falha, quer por não tentar essa demonstração, quer não ter sucesso quando a tenta fazer.
Na Suma Teológica, o "expert" de razão cristã, São Tomás de Aquino, trata da questão da existência de seres incorpóreos, ou seja, imaterais:
«É necessário admitirem-se certas criaturas incorpóreas. Pois, o que Deus principalmente visa, nas coisas criadas, é o bem, que consiste ao assemelhar-se com Ele. Ora, a perfeita assimilação do efeito com a causa se dá quando aquele imita a esta segundo a virtude pela qual a causa produz o efeito; assim o cálido produz o cálido. Ora, Deus produz a criatura pelo intelecto e pela vontade, como já ficou dito. Donde, para a perfeição do universo se requer existam algumas criaturas intelectuais. Inteligir, porém, não pode ser ato do corpo, nem de nenhuma virtude corpórea, porque todo corpo está situado no lugar e no tempo. Por onde, é necessário admitir-se, para que o universo seja perfeito, a existência de alguma criatura incorpórea. Mas os antigos, ignorando a virtude intelectiva e não distinguindo entre o sentido e o intelecto, opinaram que nada existe no mundo, fora o que pode ser apreendido pelos sentidos e pela imaginação. E como a imaginação só percebe o corpo, opinaram que nenhum ente, além do corpo, pode existir, como diz o Filósofo. Donde procedeu o erro dos Saduceus dizendo que não há espírito (At 23, 8). Mas o fato mesmo de ser o intelecto superior ao sentido prova racionalmente que há certos seres incorpóreos compreensíveis só por aquele.» - Artigo 1º, Questão 50 da Primeira Parte.
Que há de irracional nisto?
Trocado para linguagem moderna, São Tomás explica que o intelecto, também presente no Homem, não pode ter origem material. Filosoficamente, isso está bem demonstrado. É impossível, filosoficamente, explicar aspectos centrais do intelecto humano, como a capacidade de raciocinar, a capacidade de pensamento abstracto, ou ainda o livre arbítrio, se não se postular que o ser humano é um "composto" de matéria e de intelecto. No que diz respeito ao cérebro material, este é necessário para o inteligir do Homem (como via para processar a informação sensorial, e também como "banco de memória"), mas não seria suficiente para explicar o intelecto. O cérebro, sendo material, não chega para explicar todas as faculdades do intelecto humano, pelo que tem que existir algo de imaterial no ser humano para as explicar.
Assim, é fácil, pensando filosoficamente, chegar à conclusão de que há, no ser humano, um aspecto imaterial que está presente, pelo menos, no seu intelecto. São Tomás, partindo do conceito cristão de Deus, faz o raciocínio certo: se Deus, puro e perfeito intelecto, cria as criaturas pelo Seu intelecto e vontade, então, na criação de algumas das criaturas poderá haver uma perfeita ligação entre causa e efeito, sendo que esse efeito (a criação das criaturas mais perfeitas), terá que ter algo semelhante à causa. É assim racional pensar que existirão criaturas dotadas de intelecto e de vontade, que dessa forma espelhem o intelecto e a vontade de Deus. O ser humano é uma dessas criaturas. Adicionalmente, tem na sua existência a componente corpórea. Mas porque não existiriam criaturas de intelecto e de vontade, mas sem a componente corpórea? Chama a tradição, a essas criaturas, "anjos".
Que há então de irracional nisto?
Os anjos, seres dotados de intelecto e de vontade, têm liberdade, uma das propriedades que decorrem da vontade. Terão maior liberdade quanto mais perto estiverem da perfeição divina, pois Deus é sumamente livre. Entenda-se aqui que, apesar de ser necessária a liberdade para cometer o mal, essa mesma opção traz como consequência a escravidão do agente moral, pois o acto maligno é um passo que reduz a liberdade da criatura. Os anjos terão também maior perfeição moral e espiritual quanto mais pertos estiverem de Deus, pois só Deus é sumamente perfeito.
Que é, então, um demónio?
É um anjo que usa a sua vontade livre para desobedecer a Deus.
Que é, então, o Diabo?
É, do conjunto dos demónios, aquele que exerce a liderança e a predominância nessa desobediência a Deus.
Isto é irracional? De que forma?
Muitos ateus vivem presos a uma visão mitológica do cristianismo. Como raramente estudam o cristianismo, ou a teologia cristã, ou mesmo conceitos elementares de Filosofia, agem sobre conceitos distorcidos de cristianismo. Já dizia o Papa João Paulo I:
«Io sono stato molto vicino, come vescovo, anche a quelli che non credono in Dio. Mi son fatto l'idea che essi combattono, spesso, non Dio, ma l'idea sbagliata che essi hanno di Dio.» - Papa João Paulo I, Insegnamenti di Giovanni Paolo I, Libreria Editrice Vaticana, Roma, 1978, citado aqui.
Devem supor o Diabo como um qualquer animal mitológico. Não vêem o Diabo como um ser incorpóreo dotado de intelecto e de vontade livre. Nem sequer entendem que a existência de seres incorpóreos dotados de intelecto e de vontade livre é algo de filosoficamente racional. Mesmo sem entrar no terreno da Teologia, a questão é filosófica e é racional.
Outra coisa que raros ateus chegam a entender, porque simplesmente não procuram entender, é a relação entre Liberdade, por um lado, e Bem e Mal, por outro.
O Bem e o Mal só fazem sentido no contexto da Liberdade. Só quem é livre é capaz de fazer o Bem. Só quem é livre é capaz de fazer o Mal. A própria existência de algo a quem podemos chamar "Bem" ou "Mal" requer a existência de um ser necessário e perfeito, Deus, cuja vontade serve de normativa do "Bem", sendo que a desobediência a esta vontade constitui o "Mal" propriamente dito, como categoria de actos morais errados.
Uma pessoa que peca conscientemente, só o faz porque é livre. Associada a esta liberdade, está a inteligência. Apenas os seres dotados de razão são capazes de tomar decisões livres, ou seja, decisões com valor moral.
Na raiz do acto mau, está a liberdade do Homem. Dado que a própria ideia peregrina de desobedecer a Deus foi tida por uma criatura imaterial, antes de o Homem sequer existir, o Mal surgiu na Criação antes do Homem, e surgiu apenas graças à liberdade que Deus deu às primeiras criaturas inteligentes que criou.
Quando o Diabo, ou outro demónio, sugere, muitas vezes de forma imperceptível, a um ser humano a prática de um mal, essa sugestão é intelectual. O ser humano não ouvirá nada, não verá nada. Simplesmente, nesses casos, é sugestionado ao nível intelectual. Mas o Diabo não tem poder para forçar um ser humano a pecar. O ser humano que, sob sugestão maligna, comete o mal, está na realidade a colaborar com o Mal. Mas é uma colaboração livre. O ser humano continua "ao volante" da sua vontade, e será responsável pelos seus actos conscientes. A própria noção de pecado pressupõe consciência e liberdade na acção pecaminosa. Se alguém é forçado a cometer algo contra a sua vontade, não se pode falar em pecado cometido por essa pessoa.
Note-se que, nos actos humanos maus, nem todos serão influenciados ou motivados por espíritos malignos. Não se deve ir de um extremo (supor a inexistência, ou negar a influência destes seres) a outro (supor que todos os actos humanos malignos decorrem sob influência demoníaca).
Quando tento explicar o que é o Mal a um ateu, ou mesmo a um cristão que nega a existência do Diabo, recorro sempre ao filme 8 Milímetros.
O filme retrata a investigação conduzida por Tom Welles (Nicolas Cage), que a mando de uma viúva que encontrou, no legado do seu falecido marido, um horroroso filme (em película de 8mm) contendo cenas de violação e homicídio, procura os autores criminosos do referido filme. Na cena acima, Tom Welles seguiu a sua investigação até à casa do assassino, o "actor principal" do filme porno-homicida que a viúva lhe mostrou. Ele vai defrontar o assassino.
Na cena final, acima apresentada, o Mal, e o seu efeito no ser humano, estão bem retratados nas palavras da personagem pervertida e criminosa, o sinistro "The Machine", que no final do seu duelo com o investigador Tom Welles, revela-lhe porque razão ele viola e asssassina pessoas inocentes:
"There's no mystery. The things I do, I do them because I like them... because I want to!"
Não encontraria, facilmente, melhor exemplo da ligação profunda entre a prática do mal e a liberdade humana. Como esta história ficcional tão bem exemplifica, muitas vezes não há razões para o mal. Não é a existência do Diabo que é irracional, mas sim a prática do mal. Praticar o mal é irracional, mas é algo bem real, como todos sabemos.
Nesta cena cinematográfica notável, conseguiu-se mostrar a crueza do mal. O assassino parece-se com uma pessoa normal, vulgar, que veríamos na rua sem a temer, sem supormos que ele seria capaz dos actos que comete. Logo no início do excerto acima apresentado, vemos a mãe do assassino (porventura inocente dos crimes do filho) a entrar num autocarro de uma "Faithful Christian Fellowship". Já no final do excerto, durante a luta com Tom, e logo a seguir a retirar a máscara, diz o assassino ao estupefacto Tom: "What did you expect? A monster?". O detalhe magnífico da colocação atrapalhada de uns óculos "inofensivos" confere ao assassino umas aparentes fragilidade e inocência que parecem paradoxais.
Esta cena lembra-nos de que todos podemos praticar o mal, de que não estamos, de todo, imunes à prática do mal. Que a prática do mal, como acto que nasce do intelecto, pode não ter sinais externos facilmente detectáveis: não se julga a bondade ou maldade de uma pessoa pela sua aparência. Ao mesmo tempo, mostra-nos a gratuitidade do mal: o criminoso do filme, "The Machine", fez os crimes porque queria, e só por isso. Ele mesmo diz que não foi maltratado na infância, que não foi abusado sexualmente quando era menor:
"I wasn't beaten, I wasn't molested. Mommy didn't abuse me. Daddy never raped me."
Ele, numa penada, erradica as populares teses sociológicas (que remontam a Rousseau) que fazem do Homem um ser bom, mas que a sociedade por vezes perverte e transforma num ser mau. Este filme mostra o Mal na sua forma crua e bem real. O Mal, não como o produto de uma sociedade degenerada (que, obviamente, pode influenciar ou contextualizar certos actos malignos), mas sim como algo que nasce da liberdade de todo o ser humano.
Deste ponto de vista, há algo de genuinamente satânico, de demoníaco, no comportamento da personagem "The Machine". Não quero com isto dizer que será necessário um assassino deste calibre estar possuído pelo Diabo. Claro que pode estar, mas também pode não estar. Mesmo que não seja o caso de uma possessão demoníaca, a opção livre de um assassino cruel pela via do Mal é algo de genuinamente satânico e demoníaco, pois consiste, precisamente, em cometer o Mal pelo Mal em si mesmo. Pela supremacia da vontade livre sobre a vontade de Deus. Nestes casos, a vontade sobrepõe-se à Justiça, à Razão, à Verdade. A vontade é elevada a um estatuto primordial. A superação da dicotomia entre Bem e Mal, pelo triunfo da vontade humana, é o caminho proposto na modernidade por Nietzsche, mas trata-se do convite de sempre, do convite da serpente:
A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus fizera; e disse à mulher: «É verdade ter-vos Deus proibido comer o fruto de alguma árvore do jardim?» A mulher respondeu-lhe: «Podemos comer o fruto das árvores do jardim; mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: "Nunca o deveis comer, nem sequer tocar nele, pois, se o fizerdes, morrereis"». A serpente retorquiu à mulher: «Não, não morrereis; porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal»., Génesis 3, 1-5.
Até ao dia em que o Homem, pela primeira vez, agiu mal, o Homem não conhecia a distinção entre Bem e Mal. É interessante constatar que Adão e Eva não tinham especial interesse pelo fruto da Árvore do Bem e do Mal até que a serpente lhes prometeu vantagens. A serpente fez nascer em Adão e Eva a vontade de desobedecer a Deus para obterem proveito próprio (neste caso, a sabedoria prometida pela serpente). A serpente sabia bem o que fazia: o essencial não era, de todo, a maçã, ou outro fruto qualquer. O essencial era desobedecer a Deus. Porquê? Porque sim, porque para o Diabo, essa possibilidade é razão suficiente para motivar a transgressão.
Finalmente... porque razão quer Deus criaturas livres?
Porque razão deixou Deus que todas as coisas más acontecessem, e aconteçam?
Por causa do Amor. O amor só é tudo o que pode ser quando é exercido por criaturas livres. O Mal é, assim, um efeito indesejado por Deus, quando Este quer criar criaturas que O amem livremente, e sinceramente. A permissão da existência do Mal é um preço que Deus paga, e bem alto, em nome do Amor. Se Deus impedisse todo o Mal, e teria poder para isso, teria que eliminar, ou pelo menos mutilar seriamente, a liberdade das Suas criaturas.
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Schubert - Winterreise (D. 911) - Gute Nacht
O "lied" Gute Nacht, primeiro de um ciclo de 24 "lieder" de Franz Schubert (1797-1828), intitulado Winterreise ("Viagem de Inverno"), musicado sobre a poesia homónima de Wilhelm Müller (1794-1827).
Na voz, o grande barítono Dietrich Fischer-Dieskau (1925-), acompanhado ao piano por Gerald Moore (1899-1987), numa gravação de 1955. Pode-se ler aqui o poema original em alemão, acompanhado da tradução para inglês.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Raul Mesquita na Antena 2
Vinha no carro, a ouvir a Antena 2 na rádio, quando comecei a ouvir uma conversa fiada. Falava-se sobre "ética" e sobre "morais". Segundo o falante, havia uma ética universal (a do "não matarás"), mas ao mesmo tempo, existiam várias "morais", e que era importante "criticar" as morais.
Cheirou-me a relativismo. E era. O entrevistador atalhou: "mas a sociedade não precisa de uma moral?". De forma contraditória, o relativista dizia que sim. Mas depois falava em "morais", e não "numa moral". Se percebi bem, defendia que numa mesma sociedade deveria existir uma moral (que ele distinguia de uma ética universal), e ao mesmo tempo, várias morais, que supostamente se deveriam tolerar na sua diversidade. Bizarro raciocínio. Se moral A diz que a homossexualidade é imoral, e moral B diz que é moral, só se pode aceitar uma delas. Aceitar as duas é dar um tiro na razão.
Por falar em homossexualidade, o relativista fez uma bela apologia da homossexualidade, e da prostituição, coisas que considerou muito boas. Chocou-me, especialmente, a apologia do sexo entre adultos e adolescentes. Ao mesmo tempo que repudiava, aparentemente, a pedofilia (afirmou ser errado o sexo com crianças de 5, 6, ou 8 anos, parando de forma suspeita nesta idade), o relativista, numa das suas tiradas mais viscosas, dizia que havia um "tabu" na sociedade acerca dos adolescentes que gostam de adultos. Defendia, inclusive, a legitimidade de um rapaz de 16 anos se prostituir no Parque Eduardo VII com adultos. Parece-me, a mim, mero espectador, que se trata da apologia desavergonhada do sonho do pedófilo: o de que os menores querem ter sexo com os adultos.
Só no fim da conversa é que ouvi o nome do relativista: Raul Mesquita. Ao que parece, acaba de lançar um livro "contra a hipocrisia". Uma obra assente sobre uma falácia?
Sempre me pasmou a espantosa eficácia da falácia da hipocrisia. Se determinada moral M afirma que acto A é imoral, há gente que julga que pode refutar essa moral usando a "hipocrisia". Segundo esta gente que goza com a inteligência dos outros, se existirem pessoas P que defendam a moral M, ao mesmo tempo que praticam acto A que consideram imoral, então a moral M foi refutada. A (i)lógica é mais ou menos assim: dado que a hipocrisia da pessoa P (que não se contesta) demonstra uma incoerência, na pessoa P, entre a moral M que defende e os seus actos, automaticamente essa incoerência refutou a moral M.
Demonstremos que isto é uma burrada com um contra-exemplo. Suponhamos que a moral M afirma que é errado matar um ser humano inocente, e seja esse o acto A. Então, um pacifista que apregoe a moral M enquanto mata pessoas às escondidas é um hipócrita. Claro. Que concluímos, então? Vamos concluir que a moral M está errada por causa dessa hipocrisia? Claro que não.
Raul Mesquita, posso estar enganado, deixou nas ondas hertzianas da Antena 2 um forte odor a loja maçónica. A sua defesa da "ética universal" e ao mesmo tempo das "morais" fez-me lembrar o relativismo moral da maçonaria. Não é que seja um crime ser-se maçon: é que me irrita esta prepotência de certos maçons, que consiste em usar os "media" para propagar a sua catequese maçónica, ao mesmo tempo que não deixam cair a máscara. Não é uma atitude frontal.
No fim de contas, o que me incomodou mais foi o forte contraste, numa mesma rádio, e com escassos minutos de diferença, entre música barroca de elevada qualidade e a apologia da homossexualidade, da prostituição e do sexo com menores.
Cheirou-me a relativismo. E era. O entrevistador atalhou: "mas a sociedade não precisa de uma moral?". De forma contraditória, o relativista dizia que sim. Mas depois falava em "morais", e não "numa moral". Se percebi bem, defendia que numa mesma sociedade deveria existir uma moral (que ele distinguia de uma ética universal), e ao mesmo tempo, várias morais, que supostamente se deveriam tolerar na sua diversidade. Bizarro raciocínio. Se moral A diz que a homossexualidade é imoral, e moral B diz que é moral, só se pode aceitar uma delas. Aceitar as duas é dar um tiro na razão.
Por falar em homossexualidade, o relativista fez uma bela apologia da homossexualidade, e da prostituição, coisas que considerou muito boas. Chocou-me, especialmente, a apologia do sexo entre adultos e adolescentes. Ao mesmo tempo que repudiava, aparentemente, a pedofilia (afirmou ser errado o sexo com crianças de 5, 6, ou 8 anos, parando de forma suspeita nesta idade), o relativista, numa das suas tiradas mais viscosas, dizia que havia um "tabu" na sociedade acerca dos adolescentes que gostam de adultos. Defendia, inclusive, a legitimidade de um rapaz de 16 anos se prostituir no Parque Eduardo VII com adultos. Parece-me, a mim, mero espectador, que se trata da apologia desavergonhada do sonho do pedófilo: o de que os menores querem ter sexo com os adultos.
Só no fim da conversa é que ouvi o nome do relativista: Raul Mesquita. Ao que parece, acaba de lançar um livro "contra a hipocrisia". Uma obra assente sobre uma falácia?
Sempre me pasmou a espantosa eficácia da falácia da hipocrisia. Se determinada moral M afirma que acto A é imoral, há gente que julga que pode refutar essa moral usando a "hipocrisia". Segundo esta gente que goza com a inteligência dos outros, se existirem pessoas P que defendam a moral M, ao mesmo tempo que praticam acto A que consideram imoral, então a moral M foi refutada. A (i)lógica é mais ou menos assim: dado que a hipocrisia da pessoa P (que não se contesta) demonstra uma incoerência, na pessoa P, entre a moral M que defende e os seus actos, automaticamente essa incoerência refutou a moral M.
Demonstremos que isto é uma burrada com um contra-exemplo. Suponhamos que a moral M afirma que é errado matar um ser humano inocente, e seja esse o acto A. Então, um pacifista que apregoe a moral M enquanto mata pessoas às escondidas é um hipócrita. Claro. Que concluímos, então? Vamos concluir que a moral M está errada por causa dessa hipocrisia? Claro que não.
Raul Mesquita, posso estar enganado, deixou nas ondas hertzianas da Antena 2 um forte odor a loja maçónica. A sua defesa da "ética universal" e ao mesmo tempo das "morais" fez-me lembrar o relativismo moral da maçonaria. Não é que seja um crime ser-se maçon: é que me irrita esta prepotência de certos maçons, que consiste em usar os "media" para propagar a sua catequese maçónica, ao mesmo tempo que não deixam cair a máscara. Não é uma atitude frontal.
No fim de contas, o que me incomodou mais foi o forte contraste, numa mesma rádio, e com escassos minutos de diferença, entre música barroca de elevada qualidade e a apologia da homossexualidade, da prostituição e do sexo com menores.
Há ateus que não se enxergam
Face à crescente onda de violência anticristã, há ateus que reagem assim:
SOS chrétiens !
E outros que reagem assim:
Totalitarismos e vitimização: a invenção da cristofobia
No primeiro caso, o ateu francês Bernard-Henry Lévy conclui:
«Permis de tuer quand il s’agit des fidèles du « pape allemand » ? Permis, au nom d’une autre guerre des civilisations non moins odieuse que la première, d’opprimer, humilier, supplicier ? Eh bien, non. Il faut, aujourd’hui, défendre les chrétiens.»
Que faz ele?
Simples: defender a ética. Bernard-Henry Lévy considera que matar seres humanos inocentes está mal. E tem razão. Mesmo se esses seres humanos inocentes forem fiéis seguidores do "papa alemão".
No segundo caso, a ateia Palmira Silva dispara:
«Esta nova onda de cristianovitimização que invade o espaço etéreo cristão (...) foi amplificada recentemente quer pela condenação à morte por blasfémia de Asia Bibi no Paquistão quer pelo ataque da al-Qaeda à Catedral de Nossa Senhora da Salvação em Bagdad, que vitimou 70 crentes.»
O massacre de 31 de Outubro é, aos olhos desta ateia militante, um factor ampliador da tal "onda de cristianovitimização", essa mania cristã de inventar mártires. Nojento.
Para mais, a autora nem se dá conta da "matemática" perversa que, de forma subliminar, está a defender:
«Ou que, numa guerra que já matou pelo menos um milhão de pessoas, de acordo com os únicos estudos peer-reviewed, dizer «Our people in Iraq today are persecuted, threatened and suffer martyrdom. Since 2005, 900 Christians have been killed, among them five priests and the archbishop of Mosul» é um insulto à memória das centenas de milhares que morreram nesta guerra abominável.»
É evidente que uma só morte de um inocente é uma morte horrorosa e injusta. É evidente que gritar bem alto uma só injustiça destas não ofende coisíssima nenhuma a memória de outras vítimas de injustiça. Será que os seres humanos se medem ao quilo? Raio de moral...
Juntamente com pontapés na moral, surge ainda este pontapé na razão:
«Claro que é completamente irrelevante que seja exactamente a religião a causa de ambas as barbáries»
É, obviamente, um disparate dizer que a religião, sequer a islâmica, foi a causa do massacre dos católicos siríacos na igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Badgade, no passado dia 31 de Outubro. A causa desse massacre está bem identificada: uma matilha de assassinos da al-Qaeda, que dificilmente será classificada por alguém racional como sendo uma organização religiosa.
Mas desçamos à suposição, para facilitar a desmontagem da anti-lógica da Palmira. Suponhamos que, em vez de sequazes da al-Qaeda, tínhamos a entrar pela igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Badgade, um séquito de monges beneditinos armados até aos dentes. Assim, em vez de os cristãos de Bagdade serem massacrados por terroristas da al-Qaeda, sê-lo-iam por monges beneditinos.
Diria a Palmira que a causa do crime era a religião? Causa por via das vítimas, ou causa por via dos atacantes? Qual seria a religião causadora da barbárie? O cristianismo dos que assistiam à missa (mais valia estarem em casa, se fossem ateus), ou o cristianismo dos atacantes? Seria uma eventual divergência teológica uma "causa religiosa" na anti-lógica da Palmira? Que pessoa mentalmente sã carrega num gatilho com base numa divergência teológica? Há contradição mais gritante?
Na verdade, não é assim que se usa o cérebro.
A barbárie de 31 de Outubro não se explica pela (suposta) religião islâmica dos terroristas que invadiram aquela igreja de Bagdade. A barbárie explica-se pelo facto de que aqueles terroristas eram bárbaros, muito, mas muito antes de pretenderem ser muçulmanos. Assim, a causa da barbárie está na barbaridade dos assassinos. Na sua crueldade. E aí, sociologicamente, encontraríamos o fio condutor que nos levaria a uma longa cadeia causal. Se há muçulmanos que não matam pessoas, e eles existem, então o Islão não é a causa das barbáries que alguns cometem em seu nome.
Um frade franciscano ficou conhecido, na Segunda Guerra Mundial, pela sua requintada crueldade nos campos de concentração da Croácia. Será que a Palmira Silva considera que a formação fransciscana deste frade foi a causa para os seus actos cruéis?
Quando um cristão mata um inocente, e isso é fenómeno raro (estatisticamente mais raro do que o fenómeno de um ateu matar um inocente), fá-lo em traição aos princípios cristãos, e não numa relação de causa-efeito entre os princípios cristãos e o gesto criminoso.
Isso toda a gente sabe. Os honestos, como Bernard-Henry Lévy tiram daí as devidas ilações para os gestos e as atitudes do dia-a-dia. Mesmo que, em nome da coerência e dos princípios éticos, um ateu tenha que se ver conduzido, pela sua consciência, a agir em defesa de cristãos perseguidos. Como fez Lévy.
A defesa do ateísmo pode ser feita de forma civilizada, cordata, com base em princípios éticos. Não é o "vale tudo". A guerrilha anticristã não deve falar mais alto do que a defesa dos direitos humanos. Qualquer cristão digno desse nome deveria ter vergonha de si mesmo se não colocasse em segundo plano o debate fé-ateísmo para vir em defesa de um ateu inocente vítima de um assassinato bárbaro e cruel.
PS: Aqui fica uma vénia ao nosso caro Jairo, que nos alertou para o "post" inacreditável da Palmira Silva.
SOS chrétiens !
E outros que reagem assim:
Totalitarismos e vitimização: a invenção da cristofobia
No primeiro caso, o ateu francês Bernard-Henry Lévy conclui:
«Permis de tuer quand il s’agit des fidèles du « pape allemand » ? Permis, au nom d’une autre guerre des civilisations non moins odieuse que la première, d’opprimer, humilier, supplicier ? Eh bien, non. Il faut, aujourd’hui, défendre les chrétiens.»
Que faz ele?
Simples: defender a ética. Bernard-Henry Lévy considera que matar seres humanos inocentes está mal. E tem razão. Mesmo se esses seres humanos inocentes forem fiéis seguidores do "papa alemão".
No segundo caso, a ateia Palmira Silva dispara:
«Esta nova onda de cristianovitimização que invade o espaço etéreo cristão (...) foi amplificada recentemente quer pela condenação à morte por blasfémia de Asia Bibi no Paquistão quer pelo ataque da al-Qaeda à Catedral de Nossa Senhora da Salvação em Bagdad, que vitimou 70 crentes.»
O massacre de 31 de Outubro é, aos olhos desta ateia militante, um factor ampliador da tal "onda de cristianovitimização", essa mania cristã de inventar mártires. Nojento.
Para mais, a autora nem se dá conta da "matemática" perversa que, de forma subliminar, está a defender:
«Ou que, numa guerra que já matou pelo menos um milhão de pessoas, de acordo com os únicos estudos peer-reviewed, dizer «Our people in Iraq today are persecuted, threatened and suffer martyrdom. Since 2005, 900 Christians have been killed, among them five priests and the archbishop of Mosul» é um insulto à memória das centenas de milhares que morreram nesta guerra abominável.»
É evidente que uma só morte de um inocente é uma morte horrorosa e injusta. É evidente que gritar bem alto uma só injustiça destas não ofende coisíssima nenhuma a memória de outras vítimas de injustiça. Será que os seres humanos se medem ao quilo? Raio de moral...
Juntamente com pontapés na moral, surge ainda este pontapé na razão:
«Claro que é completamente irrelevante que seja exactamente a religião a causa de ambas as barbáries»
É, obviamente, um disparate dizer que a religião, sequer a islâmica, foi a causa do massacre dos católicos siríacos na igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Badgade, no passado dia 31 de Outubro. A causa desse massacre está bem identificada: uma matilha de assassinos da al-Qaeda, que dificilmente será classificada por alguém racional como sendo uma organização religiosa.
Mas desçamos à suposição, para facilitar a desmontagem da anti-lógica da Palmira. Suponhamos que, em vez de sequazes da al-Qaeda, tínhamos a entrar pela igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Badgade, um séquito de monges beneditinos armados até aos dentes. Assim, em vez de os cristãos de Bagdade serem massacrados por terroristas da al-Qaeda, sê-lo-iam por monges beneditinos.
Diria a Palmira que a causa do crime era a religião? Causa por via das vítimas, ou causa por via dos atacantes? Qual seria a religião causadora da barbárie? O cristianismo dos que assistiam à missa (mais valia estarem em casa, se fossem ateus), ou o cristianismo dos atacantes? Seria uma eventual divergência teológica uma "causa religiosa" na anti-lógica da Palmira? Que pessoa mentalmente sã carrega num gatilho com base numa divergência teológica? Há contradição mais gritante?
Na verdade, não é assim que se usa o cérebro.
A barbárie de 31 de Outubro não se explica pela (suposta) religião islâmica dos terroristas que invadiram aquela igreja de Bagdade. A barbárie explica-se pelo facto de que aqueles terroristas eram bárbaros, muito, mas muito antes de pretenderem ser muçulmanos. Assim, a causa da barbárie está na barbaridade dos assassinos. Na sua crueldade. E aí, sociologicamente, encontraríamos o fio condutor que nos levaria a uma longa cadeia causal. Se há muçulmanos que não matam pessoas, e eles existem, então o Islão não é a causa das barbáries que alguns cometem em seu nome.
Um frade franciscano ficou conhecido, na Segunda Guerra Mundial, pela sua requintada crueldade nos campos de concentração da Croácia. Será que a Palmira Silva considera que a formação fransciscana deste frade foi a causa para os seus actos cruéis?
Quando um cristão mata um inocente, e isso é fenómeno raro (estatisticamente mais raro do que o fenómeno de um ateu matar um inocente), fá-lo em traição aos princípios cristãos, e não numa relação de causa-efeito entre os princípios cristãos e o gesto criminoso.
Isso toda a gente sabe. Os honestos, como Bernard-Henry Lévy tiram daí as devidas ilações para os gestos e as atitudes do dia-a-dia. Mesmo que, em nome da coerência e dos princípios éticos, um ateu tenha que se ver conduzido, pela sua consciência, a agir em defesa de cristãos perseguidos. Como fez Lévy.
A defesa do ateísmo pode ser feita de forma civilizada, cordata, com base em princípios éticos. Não é o "vale tudo". A guerrilha anticristã não deve falar mais alto do que a defesa dos direitos humanos. Qualquer cristão digno desse nome deveria ter vergonha de si mesmo se não colocasse em segundo plano o debate fé-ateísmo para vir em defesa de um ateu inocente vítima de um assassinato bárbaro e cruel.
PS: Aqui fica uma vénia ao nosso caro Jairo, que nos alertou para o "post" inacreditável da Palmira Silva.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Falsos mártires e mártires verdadeiros
Certa corrente de ateísmo fanático sustenta que a religião é a causa, ou uma das principais causas, da violência no Mundo. Os seus porta-vozes advogam o fim da religião como forma de provocar o fim da violência. Os facínoras da Al-Qaeda, essa organização de malfeitores assassinos, parecem dar razão a essa corrente de ateísmo fanático, pois os seus actos violentos surgem sempre travestidos de religião, da religião islâmica.
Domingo, 31 de Outubro de 2010.
O dia do banho de sangue na igreja siríaco-católica de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Bagdade. Uma matilha de assassinos da Al-Qaeda cometeu, nesse dia, bárbaros crimes em nome do Islão. Somente um observador muito distraído é que acharia que a Al-Qaeda é uma organização religiosa. Evidentemente, é uma organização política e os seus motivos são políticos. Mais concretamente, são objectivos terroristas.
O que urge, nos dias que correm, é fazer ver ao Ocidente que o martírio cristão não parou, e não mostra sinais de parar. Contra a apatia ocidental, é preciso chamar a atenção para os crimes diários contra cristãos.
Um dos mais negros e brutais exemplos é o do massacre de dia 31 de Outubro.
Marco Pedersini escreveu um relato impressionante. Esse relato pode ser lido de várias formas. A leitura mais imediata dá-nos um retrato de horror, de crimes hediondos, e mostra-nos cenas de crueldade animalesca por parte dos facínoras da Al-Qaeda. Mas há uma leitura mais profunda...
Os assassinos retratam-se como sendo mártires. Dizem que, quando se fizerem explodir, irão para o Paraíso. Rezam a Alá no meio dos corpos de homens, mulheres, crianças e bebés que assassinaram sem piedade. "Infiéis", chamaram-lhes. Seria um insulto chamar "cães" a esses assassinos, pois a espécie canina não o merece, nem de perto nem de longe. A melhor forma de apelidar esses assassinos, e a mais realista, é chamar-lhes de "demónios", pois de tal forma estavam possuídos por forças demoníacas que estavam privados de tudo o que é realmente humano.
Nessa leitura mais profunda dos acontecimentos do massacre de 31 de Outubro, surge uma luminosa lição para os Hitchens, para os Dawkins, para os Harris, enfim, para os patetas do neo-ateísmo fanático: a lição acerca dos falsos mártires e dos mártires verdadeiros.
Leia-se com calma, sem pressas, o texto de Pedersini. Veja-se a diferença entre a atitude dos assassinos e das vítimas. Veja-se, sobretudo, o amor infinito a Cristo, esse amor que não pode ser sufocado, nem por balas, nem por sangue, nem por explosivos.
Nesse Domingo, antes do início do massacre, quando os fiéis assistiam, tranquilamente, ao início da Missa dominical, escutaram da boca de um dos prelados a seguinte passagem do Evangelho segundo São Mateus, capítulo 16:
Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.»
Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»
Nesse Domingo, pouco depois de escutarem este santo evangelho, aquela comunidade de católicos iraquianos viu abrir-se, à sua frente, as portas do Abismo. O sangue correu. Mas o amor, como sempre, venceu.
Três nomes destacam-se da cena trágica: os dos padres Wasim, Rafael e Thair. Sacerdotes dignos e heróicos, verdadeiros pastores do seu rebanho. No dia da sua ordenação, entregaram as suas vidas sob a forma do sacerdócio. No dia 31 de Outubro entregaram as suas vidas por amor a Deus e aos seus paroquianos. Essa foi a sua vitória sobre os assassinos. Essa é a forma de Cristo vencer.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Balada n.º 1 em Sol Menor, Op. 23, de Chopin
Uma gravação antiga do magnífico Vladimir Horowitz (1903-1989), a interpretar uma das mais incríves e difíceis peças do repertório para piano solo.
sábado, 27 de novembro de 2010
Sim, sim, não, não
«Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal», Evangelho segundo São Mateus, 5, 37.
Dada a confusão que grassa em alguns meios anticatólicos, cá vai um rápido "catholic doctrine for dummies":
1. A moral católica é contra o preservativo?
Não.
A moral (em geral, não só a católica) incide sobre actos e não objectos.
2. A moral católica é contra o uso do preservativo para fins contraceptivos?
Sim.
A moral católica considera imoral qualquer tipo de acção que vise impedir a natural fertilidade humana.
3. A moral católica é contra as relações sexuais fora do contexto do matrimónio?
Sim.
A moral católica considera que a sexualidade humana tem a sua expressão natural e legítima apenas no contexto de uma união matrimonial fiel entre um homem e uma mulher: no amor total, fiel, exclusivo e fecundo entre um homem e uma mulher.
4. O Papa considera errado o uso do preservativo no combate à SIDA?
Sim.
4.a) Porque não é eficaz a combater o fenómeno: não reduz, e até aumenta, a frequência dos comportamentos de risco
4.b) Porque a SIDA dissemina-se, sobretudo, pela promiscuidade sexual, sendo que a moral católica considera imoral essa promiscuidade (ver ponto 3); a Igreja defende que o combate à SIDA passa pelo combate à promiscuidade sexual.
5. A moral católica considera imoral o uso de preservativos por prostitutas ou prostitutos?
Sim.
5.a) Porque a moral católica considera imoral a prostituição, e todo o sexo fora do contexto do matrimónio
5.b) Porque a moral católica também considera imoral o objectivo contraceptivo que possa existir nesse uso do preservativo
6. Bento XVI considerou justificado o uso de preservativos por prostitutas ou prostitutos?
Não.
Bento XVI considerou que, em certos casos, "a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer". Se o Papa falou em "um primeiro passo para a moralização" é sinal de que esse primeiro passo ainda não é moral, e que o comportamento do prostituto ou da prostituta é moralmente inaceitável.
7. Mas Bento XVI não usou a palavra "justificado" ao descrever a utilização do preservativo por um prostituto"?
Não.
7.a) Há um problema com a tradução do texto original alemão para português; a frase original, em alemão, é "Es mag begründete Einzelfälle geben, etwa wenn ein Prostituierter ein Kondom verwendet...", de onde se retira a palavra "begründete" que se deve interpretar como "fundamento"; ora "fundamento", no original, retira à frase todo o peso que ela teria se a palavra fosse "justificado", uma palavra com forte conotação moral; o fundamento ao qual o Papa alude está relacionado com esse uso ser "um primeiro passo para a moralização" (ver ponto 6).
7.b) Se o Papa diz, logo a seguir no texto, que "É evidente que ela [a Igreja] não a considera uma solução verdadeira e moral", então seria uma contradição ler a palavra "fundamento" como se fosse uma justificação moral, pois se uma solução (o uso do preservativo) não é nem verdadeira nem moral, não pode ser justificada.
PS: Ler o excelente artigo do Padre Joseph Fessio acerca deste problema de tradução: Guestview: Did the Pope “justify” condom use in some circumstances?
Dada a confusão que grassa em alguns meios anticatólicos, cá vai um rápido "catholic doctrine for dummies":
1. A moral católica é contra o preservativo?
Não.
A moral (em geral, não só a católica) incide sobre actos e não objectos.
2. A moral católica é contra o uso do preservativo para fins contraceptivos?
Sim.
A moral católica considera imoral qualquer tipo de acção que vise impedir a natural fertilidade humana.
3. A moral católica é contra as relações sexuais fora do contexto do matrimónio?
Sim.
A moral católica considera que a sexualidade humana tem a sua expressão natural e legítima apenas no contexto de uma união matrimonial fiel entre um homem e uma mulher: no amor total, fiel, exclusivo e fecundo entre um homem e uma mulher.
4. O Papa considera errado o uso do preservativo no combate à SIDA?
Sim.
4.a) Porque não é eficaz a combater o fenómeno: não reduz, e até aumenta, a frequência dos comportamentos de risco
4.b) Porque a SIDA dissemina-se, sobretudo, pela promiscuidade sexual, sendo que a moral católica considera imoral essa promiscuidade (ver ponto 3); a Igreja defende que o combate à SIDA passa pelo combate à promiscuidade sexual.
5. A moral católica considera imoral o uso de preservativos por prostitutas ou prostitutos?
Sim.
5.a) Porque a moral católica considera imoral a prostituição, e todo o sexo fora do contexto do matrimónio
5.b) Porque a moral católica também considera imoral o objectivo contraceptivo que possa existir nesse uso do preservativo
6. Bento XVI considerou justificado o uso de preservativos por prostitutas ou prostitutos?
Não.
Bento XVI considerou que, em certos casos, "a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer". Se o Papa falou em "um primeiro passo para a moralização" é sinal de que esse primeiro passo ainda não é moral, e que o comportamento do prostituto ou da prostituta é moralmente inaceitável.
7. Mas Bento XVI não usou a palavra "justificado" ao descrever a utilização do preservativo por um prostituto"?
Não.
7.a) Há um problema com a tradução do texto original alemão para português; a frase original, em alemão, é "Es mag begründete Einzelfälle geben, etwa wenn ein Prostituierter ein Kondom verwendet...", de onde se retira a palavra "begründete" que se deve interpretar como "fundamento"; ora "fundamento", no original, retira à frase todo o peso que ela teria se a palavra fosse "justificado", uma palavra com forte conotação moral; o fundamento ao qual o Papa alude está relacionado com esse uso ser "um primeiro passo para a moralização" (ver ponto 6).
7.b) Se o Papa diz, logo a seguir no texto, que "É evidente que ela [a Igreja] não a considera uma solução verdadeira e moral", então seria uma contradição ler a palavra "fundamento" como se fosse uma justificação moral, pois se uma solução (o uso do preservativo) não é nem verdadeira nem moral, não pode ser justificada.
PS: Ler o excelente artigo do Padre Joseph Fessio acerca deste problema de tradução: Guestview: Did the Pope “justify” condom use in some circumstances?
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Ravel - Concerto para Piano e Orquestra em Sol Maior - Adagio Assai
A pianista francesa Hélène Grimaud (1969-), uma das mais talentosas do nosso tempo, toca o segundo andamento do Concerto para Piano e Orquestra em Sol Maior de Maurice Ravel (1875-1937).
É frustrante tentar escrever alguma coisa de profundo acerca deste profundo Concerto. Digamos que este Concerto tem, lá dentro, quase tudo o que a vida tem. No segundo andamento abre-se uma janela para o Céu. Hélène Grimaud é uma excelente escolha para se escutar uma boa interpretação deste Concerto, porque ela "vestiu" a peça e, enquanto a toca, está a vivê-la.
Uma coisa magnífica, este segundo andamento. Uma das coisas mais bonitas que temos a sorte de presenciar nesta vida.
Faz-nos pensar que Ravel está vivo. Não daquela forma que se costuma dizer: "músico tal está vivo através da sua música, que ainda hoje é tocada". Não. Ravel está vivo porque a sua alma vive. Porque só uma alma imortal, como é a alma do ser humano, é capaz de transcender todo o Cosmos desta forma. O Cosmos não é suficientemente grande para lá caberem dentro duas notas desta peça, quanto mais toda a música criada pela Humanidade.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
O Cardeal Burke fala sobre a nova "crise" mediática em torno do uso do preservativo
O recentemente feito Cardeal Raymond Burke, norte-americano natural do Wisconsin, em entrevista ao National Catholic Register, demonstra na prática as razões que fazem dele um dos mais espectaculares Cardeais do colégio cardinalício e uma das figuras de proa da Igreja Católica contemporânea.
É, até ao momento, uma das melhores e mais autorizadas desmontagens da mais recente trapalhada mediática em torno do livro-entrevista que o Papa Bento XVI concedeu ao jornalista alemão Peter Seewald, e que será editado muito em breve em várias línguas. Em Portugal, será editado pela Lucerna, com o título Bento XVI, Luz do Mundo – O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos – Uma conversa com Peter Seewald.
O Cardeal Burke, depois de desmontar as trapalhices de alguns órgãos mediáticos, que afirmaram erradamente que Bento XVI tinha mudado a doutrina da Igreja face ao uso do preservativo, faz uma interessante apresentação do livro-entrevista de Peter Seewald a Bento XVI, uma obra que, tudo indica, nos irá dar um dos mais actuais e detalhados retratos de Bento XVI e do seu pensamento.
PS: Ver também a nota oficial do Director da Sala de Imprensa da Santa Sé em resposta ao alarmismo mediático levantado em torno da questão do uso do preservativo: NOTA DEL DIRETTORE DELLA SALA STAMPA DELLA SANTA SEDE, P. FEDERICO LOMBARDI, S.I., SULLE PAROLE DEL SANTO PADRE NEL LIBRO "LUCE DEL MONDO", A RIGUARDO DELL’USO DEL PROFILATTICO , 21.11.2010.
É, até ao momento, uma das melhores e mais autorizadas desmontagens da mais recente trapalhada mediática em torno do livro-entrevista que o Papa Bento XVI concedeu ao jornalista alemão Peter Seewald, e que será editado muito em breve em várias línguas. Em Portugal, será editado pela Lucerna, com o título Bento XVI, Luz do Mundo – O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos – Uma conversa com Peter Seewald.
O Cardeal Burke, depois de desmontar as trapalhices de alguns órgãos mediáticos, que afirmaram erradamente que Bento XVI tinha mudado a doutrina da Igreja face ao uso do preservativo, faz uma interessante apresentação do livro-entrevista de Peter Seewald a Bento XVI, uma obra que, tudo indica, nos irá dar um dos mais actuais e detalhados retratos de Bento XVI e do seu pensamento.
PS: Ver também a nota oficial do Director da Sala de Imprensa da Santa Sé em resposta ao alarmismo mediático levantado em torno da questão do uso do preservativo: NOTA DEL DIRETTORE DELLA SALA STAMPA DELLA SANTA SEDE, P. FEDERICO LOMBARDI, S.I., SULLE PAROLE DEL SANTO PADRE NEL LIBRO "LUCE DEL MONDO", A RIGUARDO DELL’USO DEL PROFILATTICO , 21.11.2010.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Agustín Barrios Mangoré - La Catedral
A guitarrista paraguaia, Berta Rojas, toca o Allegro da peça "La Catedral", do mestre paraguaio Agustín Barrios (1885-1944), também conhecido pelo seu nome artístico "Nitsuga Mangoré" ("Agustin" soletrado pela ordem inversa, sendo "Mangoré" uma palavra guarani). Um dos maiores compositores do Paraguai, e um dos mais frutíferos compositores para guitarra, Barrios pode bem ser chamado o Bach das Américas. Barrios recebeu a sua formação musical com os jesuítas e manteve uma forte fé católica toda a vida. Culturalmente, era um artista ecléctico que soube fazer a fusão entre a tradição musical europeia e as suas raízes índias (guarani).
Reza a tradição que, um dia, Barrios teria ficado maravilhado ao escutar uma peça de Bach tocada no órgão de uma catedral (fala-se da de Asunción, capital do Paraguai, ou da catedral de San José, no Uruguai), e que a peça "La Catedral" seria inspirada nessa experiência.
Barrios foi um dos primeiros artistas a gravar peças para guitarra em disco, entre 1913 e 1928, em Buenos Aires.
Um artista honesto e muito admirado, Barrios morreu sem posses, mas rodeado da família e amigos. O site Musica Paraguaya tem várias recordações do artista, das quais destaco esta relativa à sua morte:
«Muy pronto Barrios es ganado por el cariño y la generosa atención que le brindan los salvadoreños. Es nombrado profesor de guitarra del Conservatorio Nacional de Música de San Salvador, donde durante cinco años, de 1939 a 1944, vive una vida de paz, rodeado del cariño de sus amigos y alumnos, y venerado como un ser legandario.Hasta hoy nadie olvida su figura de elegante bohemio y su extraordinaria personalidad de artista. Todos exclamaban a su paso: "Allá va el gran Mangoré!". Sin que nadie presagiara su fin, un día sufre un ataque al corazón, del cual se repone aparentemente. Unos días después, el 7 de Agosto de 1944, rodeado de sus alumnos, reclama la presencia de un sacerdote, con quien habla largamente, mientras en la casa se hacía música de guitarra. Barrios entonces les dice: " No temo al pasado, pero no sé, si podré superar el misterio de la noche".»
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Um dia na Jerusalém Celeste
(foto: J. Salmoral)
Não sei explicar o que se passou no passado dia 7 de Novembro, na missa de dedicação da nova Basílica da Sagrada Família, em Barcelona, presidida pelo Santo Padre, o Papa Bento XVI. Só sei que gostava de lá ter estado. Aqui fica um vislumbre de um dia na Jerusalém Celeste. O cenário é, claro, a magnífica obra do grande Antonio Gaudí, o justamente chamado "Arquitecto de Deus". O que se segue é o texto, retirado do Missal, do momento da iluminação do altar e da igreja. Ver o vídeo deste exacto momento aqui. O cântico Alça’t ja, Jerusalem é magnífico, quer pela beleza da língua catalã, quer pela música em si mesma.
Barcelona, 7 de Novembro de 2010, Igreja da Sagrada Família
Iluminação do Altar e da Igreja
O Santo Padre entrega uma vela acesa a um diácono, dizendo:
Que brilli en l’Església la llum de Crist,
perquè tots els pobles arribin
a la plenitud de la veritat.
Doze seminaristas ajudam à iluminação plena da Igreja: é a imagem da presença de Cristo, luz do mundo, na assembleia, e também da luz que estamos chamados a irradiar, assim como da glória luminosa do Céu. Enquanto se leva a cabo esta iluminação e ornamentação do altar e da Igreja, o povo dos fiéis canta: Alça’t ja, Jerusalem:
Alça't ja, Jerusalem, sigues radiosa!
Car ha vingut del cel una llum clara,
perquè il·lumini els pobles de la terra;
ens ve a portar el goig, la veritat.
Alça't ja, Jerusalem, perquè el Senyor ha vingut a tu.
1. La tenebra s'estén damunt la terra,
tots els pobles es perden en la nit.
Però a tu, el Senyor un jorn vindrà
i sa glòria en tu resplendirà.
Jerusalem, desvetlla't ja.
2. D'Orient cap a tu vénen fent via
tots els pobles, portant els seus presents.
Car en tu ha nascut un Déu Infant,
el Messies pel món tan esperat.
Jerusalem, desvetlla't ja.
Não sei explicar o que se passou no passado dia 7 de Novembro, na missa de dedicação da nova Basílica da Sagrada Família, em Barcelona, presidida pelo Santo Padre, o Papa Bento XVI. Só sei que gostava de lá ter estado. Aqui fica um vislumbre de um dia na Jerusalém Celeste. O cenário é, claro, a magnífica obra do grande Antonio Gaudí, o justamente chamado "Arquitecto de Deus". O que se segue é o texto, retirado do Missal, do momento da iluminação do altar e da igreja. Ver o vídeo deste exacto momento aqui. O cântico Alça’t ja, Jerusalem é magnífico, quer pela beleza da língua catalã, quer pela música em si mesma.
Barcelona, 7 de Novembro de 2010, Igreja da Sagrada Família
Iluminação do Altar e da Igreja
O Santo Padre entrega uma vela acesa a um diácono, dizendo:
Que brilli en l’Església la llum de Crist,
perquè tots els pobles arribin
a la plenitud de la veritat.
Doze seminaristas ajudam à iluminação plena da Igreja: é a imagem da presença de Cristo, luz do mundo, na assembleia, e também da luz que estamos chamados a irradiar, assim como da glória luminosa do Céu. Enquanto se leva a cabo esta iluminação e ornamentação do altar e da Igreja, o povo dos fiéis canta: Alça’t ja, Jerusalem:
Alça't ja, Jerusalem, sigues radiosa!
Car ha vingut del cel una llum clara,
perquè il·lumini els pobles de la terra;
ens ve a portar el goig, la veritat.
Alça't ja, Jerusalem, perquè el Senyor ha vingut a tu.
1. La tenebra s'estén damunt la terra,
tots els pobles es perden en la nit.
Però a tu, el Senyor un jorn vindrà
i sa glòria en tu resplendirà.
Jerusalem, desvetlla't ja.
2. D'Orient cap a tu vénen fent via
tots els pobles, portant els seus presents.
Car en tu ha nascut un Déu Infant,
el Messies pel món tan esperat.
Jerusalem, desvetlla't ja.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Pornografia para crianças
Simplesmente inacreditável...
Quando julga que o seu filho ou filha estão numa visita de estudo ao Pavilhão do Conhecimento, podem estar na realidade a assistir e a participar numa acção de pornografia para crianças. Um bando de tarados organizaram este "evento" (des)educativo intitulado Sexo... e então?
O que terá aprendido o seu filho ou filha no final deste dia tão científico? Coisas lindas como esta, bastante adequadas às idades escolares em questão, e informação 100% científica, nada ideológica, nada polémica, muito consensual.
O Ricardo, um rapaz novo que surge logo no início da reportagem da SIC, está enojado com um simulador de beijos com a língua. A jornalista pergunta-lhe: "Ricardo, o que é estás a fazer?". Ele, atrapalhadíssimo, como qualquer criança normal, responde: "Não sei, mas nem me interessa!".
O Ricardo está a ser abusado psicologicamente pelos autores desta exposição, bem como pelo professor que o levou a este abuso. E os pais do Ricardo, não fora esta reportagem televisiva, provavelmente não seriam informados do abuso psicológico.
A jornalista insiste, mais à frente, com uma rapariga: "Há alguma coisa aqui que vos tenha feito impressão?". A rapariga, atrapalhada, admite, como qualquer criança normal: "Há... algumas...". E a entrevistadora: "Como por exemplo?". A rapariga dá um exemplo: "O homem a penetrar na mulher, faz-me confusão."
Grandes bestas, os selvagens tarados que fazem isto a crianças.
Não há palavras no vocabulário que sejam suficientes para insultar os organizadores e os promotores desta selvajeria. Isto é roubar a infância às crianças. É um abuso e uma violência psicológica inadmissível. É não respeitar os ritmos de crescimento de cada criança. É não respeitar a privacidade e o direito à pudícia das crianças. É cuspir na cara dos pais que acreditam numa sexualidade com valores e com responsabilidade.
Eu não imagino com facilidade o que fará um adulto querer ver-se envolvido num projecto destes, mas suponho que duas razões possíveis sejam:
a) esse adulto trabalhar para a indústria do sexo (venda de pornografia, venda de contraceptivos, venda de material de deseducação sexual, etc.)
b) esse adulto ser um pedófilo tarado
Uma senhora de nome Rosália Vargas, legendada como "Presidente «Ciência Viva»", suponho que por ser responsável por este conteúdo pseudo-científico, explica a razão de ser de uma zona da exposição que está proibida a adultos. Ao invocar as razões para tal zona, esta senhora refere: "É respeitar o direito à privacidade que os mais novos têm nestas questões".
Pois esta exposição é o exacto oposto das razões apontadas por Rosália Vargas. Esta exposição desrespeita precisamente o direito à privacidade que os mais novos têm nestas questões. A sexualidade dos adultos é forçada às crianças, que são obrigadas a "crescer" depressa demais e a lidar com situações para as quais não estão preparadas, nem querem legitimamente estar preparadas. Uma criança tem o direito a ser criança.
Em qualquer Estado decente, esta pandilha de pedófilos estaria presa.
PS: Como curiosidade de rodapé, sucede que eu almoço, quase todos os dias, na cafetaria do Pavilhão do Conhecimento. Há uns dias a esta parte, uma das paredes da cafetaria, que faz paredes meias com a loja do Pavilhão, tinha uma zona preta para as crianças preencherem, a giz, com as suas recordações da exposição que acabaram de ver. Gostaria de ter tirado uma fotografia, para poder partilhar aqui o rol de vulgaridades que estavam retratados nessa zona preta: calão, desenhos ordinários, enfim, toda a brejeirice que só pode resultar de fazer passar um grupo de crianças por uma exposição desta natureza: enquanto que os mais novos devem sair incomodados e desconfortáveis, e felizes por estarem cá fora, já os mais velhos e atrevidos aproveitam, obviamente, todas as oportunidades que lhes derem para a brejeirice. Aos olhos dos novos e tarados pedagogos, isto é Ciência... Conhecimento... Educação...
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Adão e Eva
Num "post" do Ludwig, intitulado Treta da semana: o que a ciência não responde, vai um debate aceso acerca de um tema sem sentido: lá, a certa altura, discute-se se a Igreja Católica defende ou não defende a existência histórica de Adão e Eva.
Surpreende-me que, nesta era da Internet, se ande a discutir o sexo dos anjos horas e dias a fio, e ninguém se dê ao trabalho de uma simples pesquisa. É muito fácil encontrar a afirmação categórica do Magistério da Igreja acerca da existência histórica de Adão e Eva. O papa Pio XII, juntando-se a 2.000 anos de Magistério, voltou a reforçar esse ponto CENTRAL da doutrina cristã na sua encíclica Humanis Generis:
«37. Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.(11)»
Ver: Encíclica Humanis Generis, de Pio XII (12 de Agosto de 1950).
Por isso, é inútil e infértil estar a discutir se os católicos acham ou não que Adão existiu. É por demais evidente que o catolicismo afirma isso categoricamente.
Querer negar isto é querer negar um facto. E não é preciso que concordem com a Igreja. Já seria um progresso no debate público se as pessoas que discordam da Igreja começassem por se dar conta do que é que a Igreja realmente diz.
É ainda totalmente inútil discutir se há ou não cristãos que não acreditam na existência histórica de Adão. É evidente que há cristãos que não acreditam nessa existência. E daí? O cristianismo não é a soma das fés pessoais dos cristãos. O cristianismo é hierárquico, como o próprio Cristo quis que fosse. O Magistério ensina doutrina. Não doutrina que inventou, mas sim doutrina que recebeu de Cristo. Logo, o cristianismo não é uma "democracia doutrinária", no qual a doutrina de todos seria um meio termo (uma média) da soma das ideias de todos os cristãos.
Nestas coisas, o que interessa não é se padre A ou católico B negaram Adão. Haverá sempre gente assim, como há comunistas fervorosos, filiados no Partido e tudo, e que vivem toda a vida com propriedade privada. A incoerência não traz informação nova.
O que interessa é:
1) A Igreja é hierárquica, ou seja, propõe doutrina de forma hierárquica? A resposta é SIM, e o proponente da doutrina é o Papa, e os Bispos unidos a ele
2) A Igreja, como mestra de doutrina, encabeçada pelo Papa e pelos seus Bispos, ensina que Adão e Eva têm existência histórica real? A resposta é SIM
O resto é conversa inútil. Só poderemos começar a debater a sério, católicos com não católicos, se todos soubermos de que é que estamos a falar.
Uma última nota, de teor racional... Visto que Cristo veio resgatar a Humanidade do pecado, pecado esse que a Igreja defende como sendo herdado de Adão e Eva, os primeiros seres humanos a pecar, é estranha a lógica que pretende que, sem Adão e Eva para pecar, ou seja, sem primeiro pecado, e portanto, sem pecado herdado (Pecado Original), que pecado viria Cristo resgatar?
É inconsistente ser cristão e negar o Pecado Original. Se sem Adão e Eva não há Pecado Original, então o cristão não pode negar Adão e Eva. Trocado por miúdos, é o que Pio XII diz no trecho que citei.
Surpreende-me que, nesta era da Internet, se ande a discutir o sexo dos anjos horas e dias a fio, e ninguém se dê ao trabalho de uma simples pesquisa. É muito fácil encontrar a afirmação categórica do Magistério da Igreja acerca da existência histórica de Adão e Eva. O papa Pio XII, juntando-se a 2.000 anos de Magistério, voltou a reforçar esse ponto CENTRAL da doutrina cristã na sua encíclica Humanis Generis:
«37. Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.(11)»
Ver: Encíclica Humanis Generis, de Pio XII (12 de Agosto de 1950).
Por isso, é inútil e infértil estar a discutir se os católicos acham ou não que Adão existiu. É por demais evidente que o catolicismo afirma isso categoricamente.
Querer negar isto é querer negar um facto. E não é preciso que concordem com a Igreja. Já seria um progresso no debate público se as pessoas que discordam da Igreja começassem por se dar conta do que é que a Igreja realmente diz.
É ainda totalmente inútil discutir se há ou não cristãos que não acreditam na existência histórica de Adão. É evidente que há cristãos que não acreditam nessa existência. E daí? O cristianismo não é a soma das fés pessoais dos cristãos. O cristianismo é hierárquico, como o próprio Cristo quis que fosse. O Magistério ensina doutrina. Não doutrina que inventou, mas sim doutrina que recebeu de Cristo. Logo, o cristianismo não é uma "democracia doutrinária", no qual a doutrina de todos seria um meio termo (uma média) da soma das ideias de todos os cristãos.
Nestas coisas, o que interessa não é se padre A ou católico B negaram Adão. Haverá sempre gente assim, como há comunistas fervorosos, filiados no Partido e tudo, e que vivem toda a vida com propriedade privada. A incoerência não traz informação nova.
O que interessa é:
1) A Igreja é hierárquica, ou seja, propõe doutrina de forma hierárquica? A resposta é SIM, e o proponente da doutrina é o Papa, e os Bispos unidos a ele
2) A Igreja, como mestra de doutrina, encabeçada pelo Papa e pelos seus Bispos, ensina que Adão e Eva têm existência histórica real? A resposta é SIM
O resto é conversa inútil. Só poderemos começar a debater a sério, católicos com não católicos, se todos soubermos de que é que estamos a falar.
Uma última nota, de teor racional... Visto que Cristo veio resgatar a Humanidade do pecado, pecado esse que a Igreja defende como sendo herdado de Adão e Eva, os primeiros seres humanos a pecar, é estranha a lógica que pretende que, sem Adão e Eva para pecar, ou seja, sem primeiro pecado, e portanto, sem pecado herdado (Pecado Original), que pecado viria Cristo resgatar?
É inconsistente ser cristão e negar o Pecado Original. Se sem Adão e Eva não há Pecado Original, então o cristão não pode negar Adão e Eva. Trocado por miúdos, é o que Pio XII diz no trecho que citei.
terça-feira, 19 de outubro de 2010
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Contra o branqueamento do 5 de Outubro
Contra o branqueamento do 5 de Outubro, entrevista do jornal Destak (Isabel Stilwell) ao historiador Rui Ramos, por ocasião dos festejos do Centenário da República.
É sempre refrescante ler Rui Ramos, sobretudo nestes dias em que somos sufocados pela omnipresença televisiva do Fernando Rosas, e do resto dos corifeus do revisionismo.
É sempre refrescante ler Rui Ramos, sobretudo nestes dias em que somos sufocados pela omnipresença televisiva do Fernando Rosas, e do resto dos corifeus do revisionismo.
sábado, 2 de outubro de 2010
Textos novos
Numa nova secção intitulada "O que ler?" há uma lista de livros recomendados, mesmo a tempo de pensar em livros para oferecer no Natal! A lista é um trabalho conjunto de várias pessoas.
Na secção "Artigos em PDF" há ainda um texto muito valioso e importante do Juiz Pedro Vaz Patto, intitulado A Lei de Identidade de Género e os Limites da Omnipotência do Legislador.
Na secção "Artigos em PDF" há ainda um texto muito valioso e importante do Juiz Pedro Vaz Patto, intitulado A Lei de Identidade de Género e os Limites da Omnipotência do Legislador.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
O Papa e os ateístas
Mesmo comentadores ateus moderados e ponderados com o Ludwig caem, frequentemente, numa situação de falta de objectividade quando se trata de criticar a Igreja Católica.
Há um pressuposto, um "parti pris" anticatólico, que tolda a visão mesmo do ateu mais esclarecido e ponderado.
No seu blogue, o Ludwig criticou recentemente as palavras do Papa Bento XVI na sua visita ao Reino Unido. E é espantoso verificar como, num texto que o Ludwig intitulou de Treta da semana: papal disparatismo, o Ludwig se entala em várias tretas e disparates. Sem dúvida, todos não desejados. Não se trata de questionar a honestidade do Ludwig, mas sim a sua falta de objectividade quanto se trata de comentar este tipo de temas.
Vejamos disparate a disparate.
Ou se preferirmos, vejamos treta a treta...
1. Bento XVI teria classificado o nazismo de ateu
Este é, claramente, um problema de leitura. Ou se quisermos, de interpretação do texto lido. Diz o Ludwig:
«Criticando o que chama de “secularismo agressivo”, o Papa recordou aos britânicos a sua luta corajosa «contra uma tirania Nazi que queria erradicar Deus da sociedade»(3). Isto porque, de outra forma, os britânicos só se recordariam dos bombardeamentos e das invasões, esquecendo que o maior perigo da segunda grande guerra foi o ateísmo»
Ora isto é totalmente um tiro ao lado. Bento XVI, homem culto, não está a chamar Hitler de ateu nem está a classificar o Terceiro Reich de projecto ateísta. Eis as palavras do Papa, que raramente são lidas na fonte pelos seus críticos (Ludwig faz o típico: cita jornais):
«Também na nossa época podemos recordar como a Grã-Bretanha e os seus chefes se opuseram a uma tirania nazista que tinha no ânimo desenraizar Deus da sociedade e negava a muitos a nossa comum humanidade, sobretudo aos judeus, que eram considerados como não dignos de viver.»
O que quer o Papa dizer com o objectivo nazi de "desenraizar Deus da sociedade"? Estará o Papa a culpar o ateísmo pelos crimes nazis? Não se vê como... O Papa refere-se ao objectivo nazi de descristianizar a sociedade alemã, e por arrasto, a Europa. O plano nazi passava por remover a doutrina e a moral cristã da "weltanschauung" do comum dos mortais. E substituí-la pela cosmovisão nazi. Era ateia, essa cosmovisão? Não: era de tipo pagão, apesar de também ter o ateísmo como um dos seus ingredientes. Era uma mistura de mitos nórdico-germânicos com esoterismo "à la carte" (teosofista, neognóstico, neotemplário, ocultista, etc.) e com o ateísmo de Nietzsche. A doutrina nazi era uma mistura algo indigesta, mas seria pouco rigoroso classificá-la de ateísta.
Bento XVI está a afirmar algo que é bem sabido: Hitler queria desalojar Cristo, o Deus dos Cristãos, da cultura. Há aliás inúmeras citações de Hitler, de Himmler, ou de Goebbels a dizer precisamente isso. Basta aliás ler o "Mein Kampf" para se ver todo o programa de descristianização da sociedade.
Diz ainda o Ludwig sobre esta questão:
«Além das incorrecções históricas, a ligação entre o ateísmo e o nazismo é falaciosa. Mesmo que Hitler tivesse sido ateu, coisa que estava longe de ser, não se podia inferir daí que o problema do nazismo era o ateísmo.»
É caso para perguntar: e o Papa diz isso? Diz que Hitler era ateu, ou que o problema do nazismo era o ateísmo? É caso para recomendar ao Ludwig: "Lê o texto do Papa!". Não seria mais interessante criticar as palavras do Papa em vez de criticar a leitura que um jornalista da BBC fez sobre essas palavras?
Depois, segue-se a segunda argolada do Ludwig:
2. O nacional-socialismo teria uma base cristã
Diz o Ludwig: «Ratzinger esqueceu, no entanto, a base cristã do nacional socialismo.». Isto dá vontade de rir, mas o melhor era chorar.
O Ludwig não explica como é que o nazismo, essa ideologia do ariano nórdico montada sobre mitos e ideias de força, de supremacia do poder, se concilia com a doutrina cristã do pobre, manso e humilde Cristo. De tal forma o nazismo não pega com o cristianismo que Hitler se viu obrigado a inventar uma pseudo-igreja alemã intitulada "Deutsche Christen", sustentada numa patética deturpação do cristianismo, na qual Cristo seria ariano e não judeu.
Mas por detrás da confusão do Ludwig, há uma verdade. Hitler, realmente, capitalizou sobre os sentimentos antisemitas dos alemães e dos austríacos. Hitler, aliás, esteve mergulhado desde novo nesses sentimentos. E é sabido que esses sentimentos, alguns velhos de séculos, antes de serem racistas foram teológicos, inspirando-se naqueles que diziam que os Judeus eram os assassinos de Cristo. Só que uma coisa é má teologia, e outra coisa é a doutrina racista que se constrói em cima dessa má teologia, e sobretudo quando essa construção se faz noutro século e noutro contexto. O teólogo que, com fins de "propaganda fide", diz que o Judeu é pérfido porque não reconhece Cristo tem um problema teológico com o Judeu. Obviamente, essa não é a mesma pessoa que, séculos mais tarde, por causa da crise económica e da inveja, vai desenterrar velhos ódios antijudaicos para os transformar numa doutrina de ódio racial, suportada em ideias eugénicas e estruturada sobre a aplicação ilícita do darwinismo ao melhoramento da raça humana.
Agora a terceira treta...
3. A Igreja Católica apoiou Hitler
Enterra-se o Ludwig com esta frase: "E Ratzinger omitiu também o apoio da Igreja Católica a Hitler". A frase está sustentada na nota de rodapé número (5). Entusiasmado, salto para a nota, à procura de uma citação de um Harold Deutsch, de um Rhodes, de um Gilbert, ou mesmo de uma erudita adversária da Igreja como uma Susan Zuccotti. Teria sido muito simples ir buscar frases a mais historiadores críticos da atitude da Santa Sé durante a Guerra: haveria um Carlo Falconi ou um Saul Friedlander, ou ainda um Guenter Lewi para socorrerem à causa anticatólica. Mas em vez destes investigadores com obra feita, que encontro? Está isto na nota (5): "Por exemplo, o Ricado Alves...", e já nem é preciso ler mais... O Ludwig, na sua cabal acusação à Igreja Católica, a forte acusação de colaboração com os nazis, sustenta-se na propaganda anticatólica do Ricardo Alves, cujos pseudo-argumentos não têm o menor vislumbre de suporte documental, e que se apoiam, fragilmente e de forma auto-contraditória em vários locais, sobre uma leitura deturpada e multiplamente equivocada dos dados históricos.
Evito aprofundar mais uma óbvia treta, mas não queria deixar de a referir "en passant": a dos preservativos em África, pois sai do tema. O Ludwig preferiu misturar preservativos e SIDA ao nacional-socialismo. Entende-se, quando o objectivo é atirar lama à Igreja Católica. Aliás, faz parte da cartilha, e o Ludwig, com algum esforço e não pouco talento, seria capaz de lá meter o Galileu. E um Torquemada. Mas já debati a questão da SIDA com ele várias vezes, e infelizmente o diálogo não progride perante o preconceito.
Deixo apenas uma pergunta, perante a tese que pretende que a Igreja Católica é a responsável pela não eficácia do combate à SIDA. Um africano infiel à sua mulher usa, evidentemente, preservativo para evitar as consequências óbvias da sua infidelidade. Logo, o preservativo sustenta o seu comportamento infiel e é fundamental para um estilo de vida promíscuo e para o aumento de situações de risco de contágio. Isto é evidente, mas o Ludwig nega. Mas pergunto: faz sentido supor que o africano médio obedece à Igreja na questão do preservativo e desobedece na questão da fidelidade? Está para nascer o anticatólico que me explique esta contradição na simplista teoria que liga a Igreja à proliferação da SIDA.
Há um pressuposto, um "parti pris" anticatólico, que tolda a visão mesmo do ateu mais esclarecido e ponderado.
No seu blogue, o Ludwig criticou recentemente as palavras do Papa Bento XVI na sua visita ao Reino Unido. E é espantoso verificar como, num texto que o Ludwig intitulou de Treta da semana: papal disparatismo, o Ludwig se entala em várias tretas e disparates. Sem dúvida, todos não desejados. Não se trata de questionar a honestidade do Ludwig, mas sim a sua falta de objectividade quanto se trata de comentar este tipo de temas.
Vejamos disparate a disparate.
Ou se preferirmos, vejamos treta a treta...
1. Bento XVI teria classificado o nazismo de ateu
Este é, claramente, um problema de leitura. Ou se quisermos, de interpretação do texto lido. Diz o Ludwig:
«Criticando o que chama de “secularismo agressivo”, o Papa recordou aos britânicos a sua luta corajosa «contra uma tirania Nazi que queria erradicar Deus da sociedade»(3). Isto porque, de outra forma, os britânicos só se recordariam dos bombardeamentos e das invasões, esquecendo que o maior perigo da segunda grande guerra foi o ateísmo»
Ora isto é totalmente um tiro ao lado. Bento XVI, homem culto, não está a chamar Hitler de ateu nem está a classificar o Terceiro Reich de projecto ateísta. Eis as palavras do Papa, que raramente são lidas na fonte pelos seus críticos (Ludwig faz o típico: cita jornais):
«Também na nossa época podemos recordar como a Grã-Bretanha e os seus chefes se opuseram a uma tirania nazista que tinha no ânimo desenraizar Deus da sociedade e negava a muitos a nossa comum humanidade, sobretudo aos judeus, que eram considerados como não dignos de viver.»
O que quer o Papa dizer com o objectivo nazi de "desenraizar Deus da sociedade"? Estará o Papa a culpar o ateísmo pelos crimes nazis? Não se vê como... O Papa refere-se ao objectivo nazi de descristianizar a sociedade alemã, e por arrasto, a Europa. O plano nazi passava por remover a doutrina e a moral cristã da "weltanschauung" do comum dos mortais. E substituí-la pela cosmovisão nazi. Era ateia, essa cosmovisão? Não: era de tipo pagão, apesar de também ter o ateísmo como um dos seus ingredientes. Era uma mistura de mitos nórdico-germânicos com esoterismo "à la carte" (teosofista, neognóstico, neotemplário, ocultista, etc.) e com o ateísmo de Nietzsche. A doutrina nazi era uma mistura algo indigesta, mas seria pouco rigoroso classificá-la de ateísta.
Bento XVI está a afirmar algo que é bem sabido: Hitler queria desalojar Cristo, o Deus dos Cristãos, da cultura. Há aliás inúmeras citações de Hitler, de Himmler, ou de Goebbels a dizer precisamente isso. Basta aliás ler o "Mein Kampf" para se ver todo o programa de descristianização da sociedade.
Diz ainda o Ludwig sobre esta questão:
«Além das incorrecções históricas, a ligação entre o ateísmo e o nazismo é falaciosa. Mesmo que Hitler tivesse sido ateu, coisa que estava longe de ser, não se podia inferir daí que o problema do nazismo era o ateísmo.»
É caso para perguntar: e o Papa diz isso? Diz que Hitler era ateu, ou que o problema do nazismo era o ateísmo? É caso para recomendar ao Ludwig: "Lê o texto do Papa!". Não seria mais interessante criticar as palavras do Papa em vez de criticar a leitura que um jornalista da BBC fez sobre essas palavras?
Depois, segue-se a segunda argolada do Ludwig:
2. O nacional-socialismo teria uma base cristã
Diz o Ludwig: «Ratzinger esqueceu, no entanto, a base cristã do nacional socialismo.». Isto dá vontade de rir, mas o melhor era chorar.
O Ludwig não explica como é que o nazismo, essa ideologia do ariano nórdico montada sobre mitos e ideias de força, de supremacia do poder, se concilia com a doutrina cristã do pobre, manso e humilde Cristo. De tal forma o nazismo não pega com o cristianismo que Hitler se viu obrigado a inventar uma pseudo-igreja alemã intitulada "Deutsche Christen", sustentada numa patética deturpação do cristianismo, na qual Cristo seria ariano e não judeu.
Mas por detrás da confusão do Ludwig, há uma verdade. Hitler, realmente, capitalizou sobre os sentimentos antisemitas dos alemães e dos austríacos. Hitler, aliás, esteve mergulhado desde novo nesses sentimentos. E é sabido que esses sentimentos, alguns velhos de séculos, antes de serem racistas foram teológicos, inspirando-se naqueles que diziam que os Judeus eram os assassinos de Cristo. Só que uma coisa é má teologia, e outra coisa é a doutrina racista que se constrói em cima dessa má teologia, e sobretudo quando essa construção se faz noutro século e noutro contexto. O teólogo que, com fins de "propaganda fide", diz que o Judeu é pérfido porque não reconhece Cristo tem um problema teológico com o Judeu. Obviamente, essa não é a mesma pessoa que, séculos mais tarde, por causa da crise económica e da inveja, vai desenterrar velhos ódios antijudaicos para os transformar numa doutrina de ódio racial, suportada em ideias eugénicas e estruturada sobre a aplicação ilícita do darwinismo ao melhoramento da raça humana.
Agora a terceira treta...
3. A Igreja Católica apoiou Hitler
Enterra-se o Ludwig com esta frase: "E Ratzinger omitiu também o apoio da Igreja Católica a Hitler". A frase está sustentada na nota de rodapé número (5). Entusiasmado, salto para a nota, à procura de uma citação de um Harold Deutsch, de um Rhodes, de um Gilbert, ou mesmo de uma erudita adversária da Igreja como uma Susan Zuccotti. Teria sido muito simples ir buscar frases a mais historiadores críticos da atitude da Santa Sé durante a Guerra: haveria um Carlo Falconi ou um Saul Friedlander, ou ainda um Guenter Lewi para socorrerem à causa anticatólica. Mas em vez destes investigadores com obra feita, que encontro? Está isto na nota (5): "Por exemplo, o Ricado Alves...", e já nem é preciso ler mais... O Ludwig, na sua cabal acusação à Igreja Católica, a forte acusação de colaboração com os nazis, sustenta-se na propaganda anticatólica do Ricardo Alves, cujos pseudo-argumentos não têm o menor vislumbre de suporte documental, e que se apoiam, fragilmente e de forma auto-contraditória em vários locais, sobre uma leitura deturpada e multiplamente equivocada dos dados históricos.
Evito aprofundar mais uma óbvia treta, mas não queria deixar de a referir "en passant": a dos preservativos em África, pois sai do tema. O Ludwig preferiu misturar preservativos e SIDA ao nacional-socialismo. Entende-se, quando o objectivo é atirar lama à Igreja Católica. Aliás, faz parte da cartilha, e o Ludwig, com algum esforço e não pouco talento, seria capaz de lá meter o Galileu. E um Torquemada. Mas já debati a questão da SIDA com ele várias vezes, e infelizmente o diálogo não progride perante o preconceito.
Deixo apenas uma pergunta, perante a tese que pretende que a Igreja Católica é a responsável pela não eficácia do combate à SIDA. Um africano infiel à sua mulher usa, evidentemente, preservativo para evitar as consequências óbvias da sua infidelidade. Logo, o preservativo sustenta o seu comportamento infiel e é fundamental para um estilo de vida promíscuo e para o aumento de situações de risco de contágio. Isto é evidente, mas o Ludwig nega. Mas pergunto: faz sentido supor que o africano médio obedece à Igreja na questão do preservativo e desobedece na questão da fidelidade? Está para nascer o anticatólico que me explique esta contradição na simplista teoria que liga a Igreja à proliferação da SIDA.
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Cristianismo e Maçonaria
Placa comemorativa da primeira reunião da Grande Loja de Londres, em 1717, afixada na entrada da taberna "Goose and Gridiron" (créditos da fotografia: JaneMT)
No último Sábado, deu entrada um comentário assinado "José" no meu texto já antigo, de Outubro do ano passado, intitulado Dan Brown e a Maçonaria.
O comentário é muito importante, pois é escrito, ao que tudo indica, por um cristão que também pertence à Maçonaria. Não é pequeno o número de cristãos membros de filiações maçónicas, alguns inconscientes da incompatibilidade entre ambas as pertenças, outros conscientes mas displicentes em relação a essa incompatibilidade, e outros ainda defensores categóricos da compatibilidade (e mesmo complementaridade) entre Cristianismo e Maçonaria. O comentador José pertence a este último grupo.
Antes de refutar o comentário do José, queria deixar bem claro um ponto: tenho o maior fascínio pelo fenómeno da Maçonaria, cuja história estudo, informalmente, há vários anos. Por essa razão, e como sucede com todos os que procuram seriamente compreender a Maçonaria, eu não adiro a teorias demonizadoras da Maçonaria, que fazem dela a grande conspiradora, e a causa de todos os males sociais e de todas as revoluções e desestabilizações.
O antimaçonismo católico tem uma longa história, e tem coisas boas e coisas más. Acerca das coisas más, podemos dizer que não poucos católicos antimaçónicos deixaram para a posteridade uma mole de obras cujo fio condutor foi, em grande medida, o de "desvendar a grande conspiração". Muitas obras não eram escritas por historiadores, e frequentemente, o autor não estava muito preocupado com o rigor histórico, mas sim com a eficácia da guerra em questão.
Mas o antimaçonismo católico também teve, e tem, coisas muito boas. Talvez a coisa mais valiosa que se possa retirar do legado católico antimaçónico é o demonstrar a clara e insolúvel incompatibilidade entre cristianismo e Maçonaria. Todo o cristão que se filia na Maçonaria, seja qual for o seu ramo, regular ou irregular, está em contradição. Mesmo que se trate de uma filiação que exige uma prática religiosa aos seus membros, como sucederá em correntes maçónicas regulares, a contradição não desaparece. É essa contradição que passo agora a explicar, com base no comentário aqui deixado pelo comentador José, e que aproveitarei para melhor elucidar os erros da sua posição.
Começa o José:
«Considero completamente infundada a alegada incompatibilidade entre a Maçonaria e a doutrina católica. Se ela existe é certamente por confusão de quem a estabeleceu.»
A incompatibilidade entre Maçonaria e Igreja Católica é um facto, ainda mais fácil de estabelecer que a incompatibilidade entre a Maçonaria e o cristianismo "lato sensu". A constatação mais evidente é a de que o Magistério da Igreja tem longa tradição nesse sentido. É, talvez, uma das áreas onde a condenação da Igreja foi mais clara. Mesmo pegando apenas nos documentos papais mais importantes, ou seja, deixando de parte discursos papais menos solenes e documentos e discursos de outros Bispos da Igreja, o rol é impressionante. Condenaram a Maçonaria de forma clara Clemente XII (uma Bula), Bento XIV (uma Constituição Apostólica), Pio VII (uma Bula), Leão XII (uma Constituição Apostólica), Pio VIII (uma Encíclica e uma Carta), Gregório XIV (uma Encíclica), Pio IX (três Encíclicas e duas Alocuções), Leão XIII (sete Encíclicas e uma Carta Apostólica), Bento XV (na sua revisão do Código de Direito Canónico, cânone 2335 que instaura uma proibição explícita de pertença à Maçonaria), João Paulo II (na sua revisão do Código de Direito Canónico, cânone 1374 que mantém uma proibição, mas não explícita). A listagem e descrição das condenações papais à Maçonaria encontra-se aqui.
A quem, confrontado com estes factos, alegar que a Igreja abandonou a antiga condenação da Maçonaria e que agora, sobretudo após o Vaticano II, toleraria a pertença do cristão a uma filiação maçónica, nada como apresentar este trecho da Declaração sobre a Maçonaria, da Congregação para a Doutrina da Fé, publicado a 26 de Novembro de 1983 e assinado pelo actual Papa, o então Cardeal Ratzinger:
«Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçónicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.»
O comentador José nem uma só palavra diz acerca destes factos, que chocam de frente com as suas "certezas" de que não há incompatibilidade.
«Desde logo, não existe tal coisa como um ideário filosófico da Maçonaria. Existem princípios,regras e rituais. Mas não existe doutrina. A Maçonaria não é uma religião nem visa usurpar o papel das religiões.»
É, certamente, uma questão semântica a distinção algo subtil entre "doutrina" e "princípios, regras e rituais". Que "rituais" é algo que possa ficar de fora da "doutrina", ainda se entende. Mas se os princípios e regras de que fala o José não são "doutrinais", que serão? Não falamos, certamente, de doutrina religiosa, mas acho discutível a afirmação de que não há uma doutrina filosófica por detrás da Maçonaria.
Mas, concedendo-lhe este ponto, pergunto: o facto de a Maçonaria não se ver a ela mesma como uma religião deve levar-nos, "ipso facto", a afirmar que não há problemas de compatibilidade com o cristianismo? Basta um contra-exemplo: tanto o nazismo como o comunismo não são religiões, e no entanto, são incompatíveis com o cristianismo.
Prossegue o José:
«A Maçonaria é apenas (e isso já é muito) uma Via Iniciática.»
Esta afirmação é muito problemática. Pois toda a via iniciática pressupõe uma cadeia de transmissão. E a questão que o historiador coloca é esta: onde nos leva a cadeia de transmissão das correntes maçónicas modernas? Leva-nos às quatro tabernas londrinas, onde se reuniam os fundadores da maçonaria moderna, que a 24 de Junho de 1717 instituíram a Grande Loja de Londres, loja-mãe de todas as filiações modernas:
Loja 1: A cervejaria (“ale house”) “Goose and Gridiron”, no pátio de St. Paul’s; hoje em dia chamada “Antiquity Lodge n.º 2”; dataria de 1691, de acordo com a “List of Lodges” de 1729;
Loja 2: A cervejaria “Crown”, em Parker’s Lane, Lincoln’s Inn Field, perto de Drury Lane; em 1724, esta Loja muda o local das reuniões para o “Queen’s Head”, em Turnstile; desaparece em 1736; dataria de 1712, de acordo com a “List of Lodges” de 1729;
Loja 3: A taberna (“tavern”) “Apple Tree”, em Charles Street, Covent Garden; em 1724, esta Loja muda o local das reuniões para o “Queen’s Head”, em Knave’s Acre; hoje em dia chamada “Lodge of Fortitude and Old Cumberland n.º 12”; desconhece-se a data de fundação;
Loja 4: A taberna “Rummer and Grapes”, em Channel Row, Westminster; em 1724, esta Loja muda o local das reuniões para o “Horne” em Westminster; hoje em dia chamada “Royal Somerset House and Inverness Lodge n.º 4”; desconhece-se a data de fundação.
A questão da "via iniciática" parece encontrar um obstáculo neste acto fundador da maçonaria moderna. James Anderson e Téophile Desaguliers, figuras de proa da instituição da Grande Loja de Londres, e co-redactores dos seus estatutos, partiram do zero? Quase ninguém o afirma. Então partiram de quê? Entra em cena a questão central das "old charges", ou seja, dos estatutos maçónicos medievais, em uso pelas confrarias de pedreiros. É escusado afirmar que, antes de Henrique VIII, estamos perante confrarias católicas de profissionais do ofício de pedreiro. Porque razão, então, Anderson e Desaguliers vão "reformular" de tal forma as "old charges" que desaparecem referências como "to be true to God and the Holy Church"?
Diz o José:
«Por isso, a Maçonaria não tem doutrina e é adogmática.»
1) Primeiro, vê-se que a questão das raízes ideológicas da Maçonaria moderna é complexa, e tem o seu berço numa manobra de "reorganização" documental, na qual Anderson e Desaguliers distorcem as "old charges" e fundam uma nova maçonaria, que já nada tem a ver com a maçonaria operativa medieval; isto fragiliza a sua afirmação acerca da "via iniciática"
2) Segundo, com a sua afirmação de que a Maçonaria é "adogmática", perguntamos: antes ou depois da fundação da Grande Loja de Londres? É que a maçonaria medieval especificava a obrigatoriedade de ser verdadeiro para com Deus e para com a Santa Igreja
Continua o José...
«Enquanto tal, através de símbolos e rituais, propõe-se conferir aos seus membros ferramentas simbólicas que estes devem utilizar interiormente, de modo a aceder a um Conhecimento de natureza diferente, insusceptível de ser adquirido pela mera leitura de livros ou por via doutrinária, o Conhecimento esotérico.»
E ainda não vê contradição?
Com esta sua frase, que reflecte correctamente a visão que a maioria dos maçons têm da própria Maçonaria, você acabou de me dar razão. É que a sua frase postula que a Maçonaria é a fonte de conhecimentos e de metodologias e progresso espiritual que estão acima da doutrina da Igreja. Logo, o cristão que é maçon coloca a Maçonaria acima da Igreja. Logo, coloca a Maçonaria acima de Cristo, pois para todo o cristão, Cristo é o "esposo" e a Igreja é a "esposa". Um não vem sem o outro. Um dos grandes problemas da Maçonaria, ou de qualquer outra via "esotérica" desgarrada de uma ortodoxia religiosa, é o problema das hierarquias: a Maçonaria, como caminho e como via, coloca-se acima do caminho traçado pela Igreja.
Cristo disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida". E disse ainda a Pedro: "E sobre esta Pedra edificarei a Minha Igreja". Não vejo como conciliar isto, na cabeça do cristão sério e coerente, com a pertença a uma organização que pretende estar acima disto.
«E apesar de ter uma matriz histórica cristã, a Maçonaria utiliza o conceito de Grande Arquitecto do Universo, para se referir ao Princípio Criador Universal, de modo tão suficientemente genérico, que permite receber no seu seio, membros de todos os credos religiosos.»
E o José volta a dar-me razão. Este é outro dos problemas que provocam a incompatibilidade entre cristianismo e Maçonaria. Não se pode servir vários mestres. O cristão segue Cristo, pois acredita que Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida para TODOS os seres humanos. O relativismo que a Maçonaria institui como "credo" choca com a doutrina cristã acerca da salvação através de Cristo. Só nos salvamos por Cristo. Logo, é bizarro pretendermos que, acima de Cristo, Deus e Filho de Deus, há uma divindade "genérica" (usando a sua palavra) feita para acomodar várias religiões diferentes. A Maçonaria dinamita o preceito de Cristo: "Ide e anunciai a Boa Nova". Nas reuniões maçónicas, onde o cristão segura no Evangelho de São João, o judeu segura na Torah e o muçulmano segura no Corão, onde está o mandamento de Cristo? Para onde vai a evangelização? Para debaixo do avental?
«A Maçonaria regular pressupõe a crença em Deus, enquanto Princípio Criador (que cada um, interiormente, representa de acordo com a sua confissão ou crença religiosa).»
Isto é sempre a mesma coisa: trata-se de uma posição filosófica relativista, que não pretende afirmar o cristianismo como verdadeiro e como religião verdadeira. Nenhum cristão pode concordar com isto.
«Neste sentido, não sendo uma religião ou seita, a Maçonaria é conciliadora entre os homens de boa vontade e, talvez por isso, consiga ser, mais eficazmente diga-se, ecuménica.»
Duas notas:
1) O ecumenismo dá-se entre cristãos; a relação entre o cristianismo e as restantes religiões tem o nome de "diálogo interreligioso"
2) O ecumenismo não tem nada a ver com relativismo: tem a ver com diálogo com o outro, para o conhecermos melhor e para ele nos conhecer melhor: tem a ver com respeito da diferença; não implica, de forma nenhuma, abdicarmos da verdade da nossa posição e da superioridade da nossa posição
«Do ponto de vista institucional, enquanto organização que é, a Maçonaria é marcada por princípios e valores morais, como a Paz entre os homens, a Tolerância, o respeito pela dignidade humana, a Liberdade,a Igualdade e a Fraternidade.»
Nada a opor, neste aspecto. Mas a Maçonaria, como vimos, tem vários aspectos problemáticos.
«Nada disto é incompatível com a doutrina católica em particular nem com o Cristianismo em geral.»
Acabei de demonstrar porque razão o José está errado. E dei várias razões sólidas.
«Por isso insisto que só por ignorância ou confusão se pode estabelecer uma relação de incompatibilidade entre a Maçonaria (regular)e a doutrina católica.»
Não vale a pena insistir, já que se viu que não tem razão. Cabe a si tentar refutar as claras incompatibilidades que apresentei. Creio que não terá sucesso.
«Não se pode generalizar o passado (ou o presente) de algumas Potências maçónicas irregulares, de modo a qualificar o que é a Maçonaria (regular), como não é a Inquisição, o comportamento pedófilo de alguns sacerdotes ou a recente iniciativa de um Pastor de queimar o Corão, que nos permite afirmar que a Religião e as Igrejas em geral são incompatíveis com a Moral e os Bons Costumes.»
Como vê, as incompatibilidades que apresentei também se constatam na Maçonaria regular. É inegável que qualquer cristão pode ter maior simpatia pelo maçon regular, que vive num quadro mental mais aproximado do seu do que um maçon irregular. No entanto, essa maior proximidade de ideias não é suficiente para eliminar as graves incompatibilidades que indiquei atrás.
Termino com umas palavras finais para o José: em primeiro lugar, agradeço a sua visita a este blogue e o seu comentário. Em segundo lugar, como cristão, e em nome da mesma fé em Cristo que partilhamos, peço-lhe que reconsidere a sua pertença à Maçonaria. Nunca é tarde demais para desfazer um erro. Não há razão para que o cristão que abandona a Maçonaria tenha que, por isso, quebrar amizades pessoais. E é perfeitamente possível a um cristão desenvolver estudos sobre Maçonaria, um tema fascinante, sem que o cristão caia no erro de aderir às ideias maçónicas, ou de pertencer a uma organização cujos princípios colidem com o cristianismo.
P.S.: Este meu texto é extremamente sintético, e deixa de fora outras razões para a manifesta incompatibilidade entre cristianismo e Maçonaria. Recomendo a leitura do artigo do padre Robert Bradley, S.J., Catholicism vs. Freemasonry — irreconcilable forever.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
In memoriam - António Telmo (1927-2010)
Ainda me lembro do espanto, quando há uma catrefada de anos eu perguntei à minha amiga Joana Vitorino: "O António Telmo é teu tio?!". Na altura, ignorantão, eu não conhecia a valiosa obra do próprio pai da Joana, o Orlando Vitorino (1922-2003). Mal refeito do espanto, pois na altura eu devorava os livros de António Telmo, disse à Joana: "E achas que eu poderia um dia falar com o teu tio?". Ela confirmou, claro, dizendo-me que o tio estava a viver em Estremoz, e que poderíamos combinar ir lá um dia. Eu respondi, sempre optimista: "Sim, vamos combinar isso!". Nunca combinei essa ida a Estremoz. Sou irremediavelmente estúpido. A notícia da sua morte a 21 de Agosto último, noticiada ontem na televisão, caiu ontem sobre mim como um balde de água gelada.
Para quem não conhece a obra destes irmãos, é difícil entender este meu fascínio. A dada altura, mergulhado nas páginas de um dos livros de António Telmo, dei comigo a pensar: "esta é uma das melhores mentes portuguesas vivas!". Era mesmo... Eram filósofos grandes. Grandes pelos seus conhecimentos e pela sua largueza de vistas. Grandes pela humildade. Grandes pelo seu amor a Portugal.
Na quinta-feira, pelas 18 horas, na Biblioteca Nacional, haverá uma homenagem ao António Telmo. Será apresentado o livro "O Portugal de António Telmo". Falará outro grande: o Pinharanda Gomes. Um evento imperdível.
Eis os dados biográficos básicos sobre António Telmo...
«António Telmo Carvalho Vitorino, nascido a 2 de Maio de 1927, em Almeida (Guarda) integrou aos 23 anos o grupo Filosofia Portuguesa depois de ter tido contacto com José Marinho (1904-1975) e Álvaro Ribeiro (1905-1981). A convite de Agostinho da Silva (1906-1994) e de Eudoro de Sousa (1911-1987), foi professor de Literatura Portuguesa durante três anos, na Univers 2 de Maio de 1927, em Almeida (Guarda) integrou aos 23 anos o grupo Filosofia Portuguesa depois de ter tido contacto com José Marinho (1904-1975) e Álvaro Ribeiro (1905-1981). A convite de Agostinho da Silva (1906-1994) e de Eudoro de Sousa (1911-1987), foi professor de Literatura Portuguesa durante três anos, na Universidade de Brasília. Leccionou ainda em Granada e, de regresso a Portugal, foi director da Biblioteca de Sesimbra, onde residira, e posteriormente radicou-se em Estremoz, onde foi professor de Português.»
Eis a sua obra escrita...
- Arte Poética, Lisboa, Guimarães, 1963.
- História Secreta de Portugal, Lisboa, Vega, 1977.
- Gramática secreta da língua portuguesa, Lisboa, Guimarães, 1981.
- Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões, Lisboa, Guimarães, 1982.
- Filosofia e Kabbalah, Lisboa, Guimarães, 1989.
- O Bateleur, Lisboa, Átrio, 1992.
- Horóscopo de Portugal, Lisboa, Guimarães, 1997.
- Contos, Lisboa, Aríon, 1999.
- O Mistério de Portugal na História e n’ Os Lusíadas, Lisboa, Ésquilo, 2004.
- Viagem a Granada, Lisboa, Fundação Lusíada, 2005.
- Contos Secretos, Chaves, Tartaruga, 2007.
- A Verdade do Amor, seguido de Adoração: Cânticos de amor, de Leonardo Coimbra, Lisboa, Zéfiro, 2008.
- Congeminações de um neopitagórico, Vale de Lázaro, Al-Barzakh, 2006/ Lisboa, Zéfiro, 2009.
- A Aventura Maçónica, Lisboa, Zéfiro, 2010.
- Luís de Camões, Estremoz, Al-Barzakh, 2010.
- O Portugal de António Telmo, Lisboa, Guimarães, 2010.
PS: Ler este magnífico À conversa com António Telmo. É uma forma de tocarmos ao de leve no intelecto deste pensador de vulto.
Porque razão está Bento XVI a reintroduzir a comunhão de joelhos
Um interessantíssimo artigo de Sandro Magister explica as razões de Bento XVI para a recuperação do bom hábito da genuflexão. O artigo traz, no final, um valioso e surpreendente texto de Monsenhor Marco Agostini, que explica que a beleza dos pavimentos de muitas das igrejas mais antigas tinha como destinatários principais os fiéis ajoelhados.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Grande confusão
No seu "post" Q&A, o Ludwig, na tentativa de esclarecer a sua posição, gerou uma grande confusão.
Parece-me estranho que alguém racional e cerebral como o Ludwig adopte dois pesos e duas medidas sistematicamente. Penso que não se dá conta disso. Refiro-me ao facto de o Luwdig ser tão cumpridor das tradições estabelecidas quando fala acerca de Ciência, e tão rebelde e incumpridor quando se trata das tradições filosóficas e epistemológicas.
É como se, dentro da cabeça do Ludwig, existisse uma mente de cientista (com obra feita e competência que não discuto) e simultaneamente uma mente de anti-filósofo, de alguém que rejeita toda a tradição filosófica, e mais grave ainda, toda a tradição epistemológica.
Isto nada tem a ver com ateísmo. Um ateu pode e deve definir a sua posição filosófica com algum rigor filosófico. Um ateu pode e deve conhecer a tradição epistemológica para a saber usar quando fala de Ciência, pois enquanto que o trabalho científico é Ciência, a reflexão filosófica acerca do trabalho científico é meta-Ciência, é epistemologia.
O Ludwig não pode tratar como Ciência a reflexão acerca do conhecimento científico, pois isso seria raciocínio auto-referencial, e sofreria da falácia de petição de princípio e dos problemas da circularidade.
Ora é isso que eu depreendo de vários pontos do texto dele.
«Basta que se possa inferir algo observável das hipóteses acerca de Deus.»
Eu nem sei bem o que isto quer dizer. Mas poderá ter duas leituras, julgo eu. Por um lado, que o Ludwig pretenderia que a hipótese Deus pudesse ser testada empiricamente. O que é algo de bizarro, uma vez que toda a tradição filosófica trata a hipótese Deus como uma hipótese metafísica, logo não testável empiricamente. Talvez o Ludwig não pretendesse dizer isto mas sim algo mais sofisticado, a saber, que a hipótese Deus, sendo verdadeira, deveria deixar um "rasto empírico". Ora bolas, mas a tradição filosófica também tem algo a dizer acerca disso, nomeadamente quando fala acerca da finalidade, ou seja, da causa final. O raciocínio meta-científico (filosófico) acerca das coisas que encontramos no Cosmos leva-nos à necessidade de causas finais para essas várias coisas. O argumento cosmológico, como argumento "a posteriori" que é, parte da observação da realidade empírica para montar um argumento filosófico acerca da existência de Deus. O movimento é indutivo, partindo-se da observação do Cosmos e chegando-se a uma tese metafísica.
Sendo assim, é possível fazer o que o Ludwig pede, mas como filósofo e não como cientista. Um filósofo pode inferir algo observável das hipóteses acerca de Deus, se como filósofo, vir nas coisas naturais contingentes uma causa final que remete para a causa primeira, necessária. Não estamos ainda a pretender inferir a infinitude da causa primeira a partir da observação, pois isso é muito espinhoso e difícil, e nem sei se será possível. Estamos a inferir que há uma causa primeira, e essa causa é "exterior" ao Cosmos, por não ser condicionada, por não ser contingente, por ser necessária.
Parece que Ludwig manda às malvas tudo isto, ignorando o debate filosófico como se fosse irrelevante, e não tendo a mesma preocupação com as teses filosóficas que tem com as teses científicas.
A falta de noção de fronteira fica patente também nesta frase:
«e formarmos as nossas ideias de maneira a poder descobrir quando erramos, elas dão-nos um caminho para o conhecimento. E isso é ciência.»
Pode não ser ciência. Pode ser filosofia. Quando eu afirmo "não há juízos verdadeiros de sujeito singular e predicado universal" eu tenho um método intelectual para saber com toda a certeza que acabei de errar. Chama-se a isso o método de retorsão, e é uma ferramenta filosófica muito antiga e útil para estabelecer com solidez os primeiros princípios, e neste caso em concreto, para eu saber que errei: é um caminho para um certo tipo de conhecimento sólido e seguro, só que não se trata de conhecimento científico (em sentido moderno), pois não foi obtido por via empírica. Logo, pode-se chamar esse conhecimento de conhecimento filosófico. Só este exemplo demonstra a estreiteza de vistas que o Ludwig parece postular.
Ele escreve como um adepto do cientismo. Eu sei que ele detesta "ismos", mas é uma constatação incontornável. O adepto do cientismo, antes de mais, é um materialista, ou seja, pretende que toda a realidade é empírica. Para além disso, o adepto do cientismo pretende que só é conhecimento aquilo que se pode colocar sob o crivo do método científico. Tal postura não é científica: é filosófica. Tal tese não é científica, é filosófica. E é má filosofia: é uma treta de uma tese, como aliás se demonstra facilmente:
1. O adepto do cientismo diz que uma tese só representa um caminho para o conhecimento se houver um método empírico para a testar
2. O adepto do cientismo não apresenta um método empírico para testar a tese que acabou de formular
3. Com essa sua tese inútil e auto-refutatória, o adepto do cientismo não trouxe qualquer conhecimento verdadeiro para a discussão
A incapacidade que o Ludwig parece demonstrar no que toca a traçar fronteiras há muito estabelecidas é patente, mais uma vez, neste trecho:
«Há muito na ciência que não é “causa entre outras causas” nem “ser entre outros seres”, desde o princípio de incerteza de Heisenberg às leis da termodinâmica, e incluindo todas as abstracções lógicas e matemáticas que usamos para construir modelos, como a raiz quadrada de dois ou as funções trigonométricas.»
Eu já nem parto para o debate (perfeitamente razoável) acerca do estatuto das Matemáticas, pois parece-me extremamente abusivo pretender que as Matemáticas façam parte do que hoje em dia se convencionou chamar Ciência, visto que as Matemáticas têm uma autonomia filosófica, e não dependem de confirmações ou refutações empíricas (pela via do método científico) para se susterem como conhecimento válido.
Mas deixando de lado, por agora, as Matemáticas, será que o Ludwig pretende que, por exemplo, o princípio lógico do terceiro excluído é conhecimento científico, no sentido moderno do termo? A lógica não pertence ao domínio da ciência, mas sim ao da filosofia, mais especificamente, ao domínio da metafísica, ou seja, dos primeiros princípios do conhecimento intelectual. Como pretende o Ludwig provar pelo método científico os primeiros princípios? Como se prova em laboratório a lógica clássica? E, para tomar outro exemplo, as verdades de sempre acerca dos silogismos, tão bem estudadas e conhecidas já na Idade Média e mesmo em Aristóteles? Vieram ao conhecimento humano por via do método científico? Como é que eu sei que um silogismo em Barbara é sempre verdadeiro, se as suas teses maior e menor forem verdadeiras? Medi isso com que aparelho?
O sistemático desprezo pela Filosofia, a atitude persistente em ignorar a diferença entre trabalho científico (Ciência) e reflexão filosófica acerca desse mesmo trabalho (Epistemologia) é a marca do adepto da superstição do cientismo, essa simplificação grotesca que pretende que todo o conhecimento humano com pretensão de validade deve estar sob a alçada do método científico.
Se eu fui injusto para com o Ludwig, distorcendo as suas ideias, eu agradecia imenso se ele pudesse ajudar a esclarecer estas questões, mormente a explicar, de uma vez por todas, o que pensa ele da epistemologia e da filosofia, e de que forma vê ele o conhecimento humano no seu todo, incluindo o (mas não limitado ao) conhecimento científico.
Parece-me estranho que alguém racional e cerebral como o Ludwig adopte dois pesos e duas medidas sistematicamente. Penso que não se dá conta disso. Refiro-me ao facto de o Luwdig ser tão cumpridor das tradições estabelecidas quando fala acerca de Ciência, e tão rebelde e incumpridor quando se trata das tradições filosóficas e epistemológicas.
É como se, dentro da cabeça do Ludwig, existisse uma mente de cientista (com obra feita e competência que não discuto) e simultaneamente uma mente de anti-filósofo, de alguém que rejeita toda a tradição filosófica, e mais grave ainda, toda a tradição epistemológica.
Isto nada tem a ver com ateísmo. Um ateu pode e deve definir a sua posição filosófica com algum rigor filosófico. Um ateu pode e deve conhecer a tradição epistemológica para a saber usar quando fala de Ciência, pois enquanto que o trabalho científico é Ciência, a reflexão filosófica acerca do trabalho científico é meta-Ciência, é epistemologia.
O Ludwig não pode tratar como Ciência a reflexão acerca do conhecimento científico, pois isso seria raciocínio auto-referencial, e sofreria da falácia de petição de princípio e dos problemas da circularidade.
Ora é isso que eu depreendo de vários pontos do texto dele.
«Basta que se possa inferir algo observável das hipóteses acerca de Deus.»
Eu nem sei bem o que isto quer dizer. Mas poderá ter duas leituras, julgo eu. Por um lado, que o Ludwig pretenderia que a hipótese Deus pudesse ser testada empiricamente. O que é algo de bizarro, uma vez que toda a tradição filosófica trata a hipótese Deus como uma hipótese metafísica, logo não testável empiricamente. Talvez o Ludwig não pretendesse dizer isto mas sim algo mais sofisticado, a saber, que a hipótese Deus, sendo verdadeira, deveria deixar um "rasto empírico". Ora bolas, mas a tradição filosófica também tem algo a dizer acerca disso, nomeadamente quando fala acerca da finalidade, ou seja, da causa final. O raciocínio meta-científico (filosófico) acerca das coisas que encontramos no Cosmos leva-nos à necessidade de causas finais para essas várias coisas. O argumento cosmológico, como argumento "a posteriori" que é, parte da observação da realidade empírica para montar um argumento filosófico acerca da existência de Deus. O movimento é indutivo, partindo-se da observação do Cosmos e chegando-se a uma tese metafísica.
Sendo assim, é possível fazer o que o Ludwig pede, mas como filósofo e não como cientista. Um filósofo pode inferir algo observável das hipóteses acerca de Deus, se como filósofo, vir nas coisas naturais contingentes uma causa final que remete para a causa primeira, necessária. Não estamos ainda a pretender inferir a infinitude da causa primeira a partir da observação, pois isso é muito espinhoso e difícil, e nem sei se será possível. Estamos a inferir que há uma causa primeira, e essa causa é "exterior" ao Cosmos, por não ser condicionada, por não ser contingente, por ser necessária.
Parece que Ludwig manda às malvas tudo isto, ignorando o debate filosófico como se fosse irrelevante, e não tendo a mesma preocupação com as teses filosóficas que tem com as teses científicas.
A falta de noção de fronteira fica patente também nesta frase:
«e formarmos as nossas ideias de maneira a poder descobrir quando erramos, elas dão-nos um caminho para o conhecimento. E isso é ciência.»
Pode não ser ciência. Pode ser filosofia. Quando eu afirmo "não há juízos verdadeiros de sujeito singular e predicado universal" eu tenho um método intelectual para saber com toda a certeza que acabei de errar. Chama-se a isso o método de retorsão, e é uma ferramenta filosófica muito antiga e útil para estabelecer com solidez os primeiros princípios, e neste caso em concreto, para eu saber que errei: é um caminho para um certo tipo de conhecimento sólido e seguro, só que não se trata de conhecimento científico (em sentido moderno), pois não foi obtido por via empírica. Logo, pode-se chamar esse conhecimento de conhecimento filosófico. Só este exemplo demonstra a estreiteza de vistas que o Ludwig parece postular.
Ele escreve como um adepto do cientismo. Eu sei que ele detesta "ismos", mas é uma constatação incontornável. O adepto do cientismo, antes de mais, é um materialista, ou seja, pretende que toda a realidade é empírica. Para além disso, o adepto do cientismo pretende que só é conhecimento aquilo que se pode colocar sob o crivo do método científico. Tal postura não é científica: é filosófica. Tal tese não é científica, é filosófica. E é má filosofia: é uma treta de uma tese, como aliás se demonstra facilmente:
1. O adepto do cientismo diz que uma tese só representa um caminho para o conhecimento se houver um método empírico para a testar
2. O adepto do cientismo não apresenta um método empírico para testar a tese que acabou de formular
3. Com essa sua tese inútil e auto-refutatória, o adepto do cientismo não trouxe qualquer conhecimento verdadeiro para a discussão
A incapacidade que o Ludwig parece demonstrar no que toca a traçar fronteiras há muito estabelecidas é patente, mais uma vez, neste trecho:
«Há muito na ciência que não é “causa entre outras causas” nem “ser entre outros seres”, desde o princípio de incerteza de Heisenberg às leis da termodinâmica, e incluindo todas as abstracções lógicas e matemáticas que usamos para construir modelos, como a raiz quadrada de dois ou as funções trigonométricas.»
Eu já nem parto para o debate (perfeitamente razoável) acerca do estatuto das Matemáticas, pois parece-me extremamente abusivo pretender que as Matemáticas façam parte do que hoje em dia se convencionou chamar Ciência, visto que as Matemáticas têm uma autonomia filosófica, e não dependem de confirmações ou refutações empíricas (pela via do método científico) para se susterem como conhecimento válido.
Mas deixando de lado, por agora, as Matemáticas, será que o Ludwig pretende que, por exemplo, o princípio lógico do terceiro excluído é conhecimento científico, no sentido moderno do termo? A lógica não pertence ao domínio da ciência, mas sim ao da filosofia, mais especificamente, ao domínio da metafísica, ou seja, dos primeiros princípios do conhecimento intelectual. Como pretende o Ludwig provar pelo método científico os primeiros princípios? Como se prova em laboratório a lógica clássica? E, para tomar outro exemplo, as verdades de sempre acerca dos silogismos, tão bem estudadas e conhecidas já na Idade Média e mesmo em Aristóteles? Vieram ao conhecimento humano por via do método científico? Como é que eu sei que um silogismo em Barbara é sempre verdadeiro, se as suas teses maior e menor forem verdadeiras? Medi isso com que aparelho?
O sistemático desprezo pela Filosofia, a atitude persistente em ignorar a diferença entre trabalho científico (Ciência) e reflexão filosófica acerca desse mesmo trabalho (Epistemologia) é a marca do adepto da superstição do cientismo, essa simplificação grotesca que pretende que todo o conhecimento humano com pretensão de validade deve estar sob a alçada do método científico.
Se eu fui injusto para com o Ludwig, distorcendo as suas ideias, eu agradecia imenso se ele pudesse ajudar a esclarecer estas questões, mormente a explicar, de uma vez por todas, o que pensa ele da epistemologia e da filosofia, e de que forma vê ele o conhecimento humano no seu todo, incluindo o (mas não limitado ao) conhecimento científico.
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